Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:128/25.4BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:APOIO FINANCEIRO
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGO
MANUTENÇÃO DO NÍVEL DE EMPREGO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
INICIATIVA DO TRABALHADOR
Sumário:I - Assim, a concessão do apoio financeiro nos termos da Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro, pressupõe a criação líquida de emprego e determina a obrigação de manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio durante, pelo menos, 24 meses a contar do primeiro mês de vigência do contrato apoiado.
II - A criação líquida de emprego distingue-se da manutenção do nível de emprego, desde logo porque a primeira é um pressuposto da concessão do incentivo, sendo anterior à concessão, e a segunda é uma obrigação que impende sobre a entidade empregadora a quem foi concedido o apoio financeiro, sendo posterior a tal concessão.
III - A Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro, apenas prevê a não contabilização dos trabalhadores que tenham cessado os respectivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa para aferir do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio, não fazendo o mesmo quanto ao apuramento do número de trabalhadores para efeitos de criação líquida de emprego.
IV - O pressuposto da criação líquida de emprego só está verificado quando a entidade empregadora alcançar, por via do contrato de trabalho apoiado, um número de trabalhadores superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta, não sendo desconsiderados, para o efeito, os trabalhadores cujo contratos haja cessado por sua própria iniciativa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

H… - G… EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, LDA, instaurou processo cautelar contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P., pedindo a “suspensão de eficácia da intenção de anulação administrativa da decisão de aprovação, suspendendo todos os actos de cobrança coerciva”.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi proferida sentença de recusa das providências cautelares requeridas, por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris.
A requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal ad quo incorreu em erro de direito por erro de interpretação de lei que constitui violação de lei;
B. Esta violação de lei decorre da errada interpretação que faz do artigo 8.º da Portaria n.º Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro;
C. A expressão criação líquida de emprego é proveniente do Direito Europeu e tem de ser interpretada à luz do mesmo;
D. Para efeitos de Direito Europeu releva para efeitos de contabilização de criação líquida de emprego, os postos de trabalho eventualmente suprimidos pela entidade beneficiária dos fundos/apoios, deixando de fora os postos de trabalho que desaparecem por vontade do trabalhador, conforme aqui se verifica:
E. A interpretação que o Tribunal ad quo faz é contrária a este entendimento.”
Notificado das alegações apresentadas, o requerido apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões:
“1. A Douta Decisão recorrida revela-se justa e correta, atento o esclarecido conteúdo e argumentação, não merecendo, por conseguinte, qualquer censura;
2. Os factos são claros e a aplicação da lei efetuada pela sentença é clara e rigorosa, o que conduziu ao único resultado admissível, ou seja, a improcedência da providência cautelar requerida;
3. A decisão de anulação da decisão de aprovação, com a consequente determinação de restituição do montante recebido era a única legalmente possível.
4. O cerne da decisão de anulação da decisão de aprovação e do pedido de restituição do montante recebido pela Recorrente, está no facto do apoio financeiro ao abrigo da medida Compromisso Emprego Sustentável (CES), ter sido ilegalmente concedido;
5. De facto, com a contratação da trabalhadora objeto da candidatura não houve criação líquida de emprego, conforme exigido pelo artigo 4.°, n.° 1, c) e 8.° da Portaria n.° 38/2022, de 17 de janeiro.
6. Verificada a ausência de criação líquida de emprego, o princípio da legalidade a que o Recorrido se encontra vinculado impunha a decisão de anulação, tal como foi tomada;
7. Em face do que antecede, o ato de anulação da decisão de aprovação, foi praticado em consonância com todos os parâmetros legais existentes na nossa ordem jurídica, pelo que não é anulável.
8. É manifesto o cumprimento por parte do Recorrido das normas legais aplicáveis à medida em causa, tal como ficou amplamente provado na douta sentença prolatada pelo Tribunal a quo.
9. Tal como é manifesto que a sentença recorrida não padece de qualquer violação da lei por erro de direito;
10. Como não se verifica o requisitofumus boni iuris, para a concessão da providência cautelar, decai a necessidade de verificar a existência dos restantes pressupostos para o efeito, atendendo à natureza cumulativa dos mesmos.
11. Por último, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos pressupostos de facto e de direito em que os serviços do IEFP, IP se basearam para determinar a anulação administrativa do ato em crise.
12. Está, pois, o Recorrido convicto de ter procedido em conformidade legal no processo dos autos e nessa medida entende, por conseguinte, que bem andou a decisão proferida em primeira instância ao julgar improcedente a providência cautelar requerida, nos exatos termos em que foi prolatada;
13. Destarte, improcedem, in totum, as alegações e conclusões formuladas pela Recorrente no presente recurso;
14. Em suma, deve a presente pretensão recursória ser julgada totalmente improcedente, por não provada.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A sentença recorrida recusou as providências cautelares requeridas por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris, atenta a probabilidade de improcedência da ilegalidade imputada ao acto impugnado na acção principal, o acto que anulou o acto de aprovação da candidatura que atribuiu à requerente um apoio financeiro. Com efeito, entendeu-se que o acto impugnado anulou um acto ilegal – por, à data da candidatura, a requerente não cumprir o requisito de concessão do apoio financeiro previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro -, dentro do prazo previsto para o efeito na alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA, por quem tinha legitimidade e na forma legalmente prescrita para o acto anulado. Ali se entendeu que, atento o disposto no artigo 8.° da Portaria 38/2022, de 17 de Janeiro, a criação líquida de emprego pressupõe que, com o contrato de trabalho apoiado, se alcance um número de trabalhadores superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta. Ora, no caso, a requerente tinha 5 trabalhadores, pelo que, para haver criação líquida de emprego, com o contrato de trabalho apoiado deveria alcançar 6 trabalhadores. Sucede que, em 09.09.2022, a trabalhadora da requerente M… denunciou o contrato de trabalho, pelo que, na data em que a requerente outorgou contrato individual de trabalho apoiado com J… (10.11.2022) – e, bem assim, na data em que submeteu/registou no portal https://iefponline.iefp.pt/ a candidatura ao apoio Compromisso Emprego Sustentável daquela trabalhadora (16.11.2022) -, a requerente não tinha sequer a média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta (ou seja, 5 trabalhadores), mas apenas 4, pois que a contratação da trabalhadora J… se limitou, numericamente, a substituir a trabalhadora M…, mantendo a requerente o mesmo número de trabalhadores – 5.
Insurge-se o recorrente contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento de direito quanto à interpretação do artigo 8.º da Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro, alegando que a expressão “criação líquida de emprego” é proveniente do Direito Europeu, de acordo com o qual relevam, para efeitos de contabilização de criação líquida de emprego, os postos de trabalho eventualmente suprimidos pela entidade beneficiária dos fundos/apoios, deixando de fora os postos de trabalho que desaparecem por vontade do trabalhador, conforme se verificou no caso.

Vejamos.
A Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro, cria e regula a medida Compromisso Emprego Sustentável, estabelecendo como um dos requisitos para a concessão dos apoios financeiros a criação líquida de emprego (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea c)), que se verificará “quando a entidade alcançar, por via do contrato de trabalho apoiado, um número de trabalhadores superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta.” (artigo 8.º).
Com relevância para a decisão da questão em análise, importa considerar ainda o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 9.º: “1 - A concessão do apoio financeiro previsto na presente portaria determina a obrigação de manter o contrato de trabalho apoiado e o nível de emprego alcançado por via do apoio financeiro durante, pelo menos, 24 meses a contar do primeiro mês de vigência do contrato apoiado. 2 - Considera-se existir manutenção do nível de emprego quando a entidade empregadora tiver ao seu serviço, no período previsto no número anterior, um número de trabalhadores igual ou superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta, incluindo o trabalhador apoiado. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respectivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa, por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice, de despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora, ou de caducidade de contratos a termo celebrados nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, a comprovar pela entidade empregadora, sempre que solicitado pelo IEFP, I. P.”
Assim, a concessão do apoio financeiro em causa pressupõe a criação líquida de emprego e determina a obrigação de manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio durante, pelo menos, 24 meses a contar do primeiro mês de vigência do contrato apoiado.
A criação líquida de emprego distingue-se da manutenção do nível de emprego, desde logo porque a primeira é um pressuposto da concessão do incentivo, sendo anterior à concessão, e a segunda é uma obrigação que impende sobre a entidade empregadora a quem foi concedido o apoio financeiro, sendo posterior a tal concessão. A criação líquida de emprego verifica-se quando a entidade empregadora alcançar, por via do contrato de trabalho apoiado, um número de trabalhadores superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta. Diferentemente, a manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio implica que a entidade empregadora tenha ao seu serviço, durante, pelo menos, 24 meses a contar do primeiro mês de vigência do contrato apoiado, o referido número de trabalhadores, incluindo o trabalhador apoiado, não sendo para o efeito contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respectivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa.
O que está em causa apurar é a verificação do pressuposto da criação líquida de emprego, e não o cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio. Concretamente, e em face da alegação de recurso, importa apenas decidir se a circunstância de o contrato com a trabalhadora M… ter cessado por iniciativa desta determina que essa cessação não afecte o número de trabalhadores para efeitos de criação líquida de emprego.
Como já referido, a Portaria n.º 38/2022, de 17 de Janeiro, apenas prevê a não contabilização dos trabalhadores que tenham cessado os respectivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa para aferir do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio, não fazendo o mesmo quanto ao apuramento do número de trabalhadores para efeitos de criação líquida de emprego. Ora, se fosse intenção do legislador que, no que concerne ao pressuposto da criação líquida de emprego, não fossem contabilizados os trabalhadores que tivessem cessado os respectivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa, tê-lo-ia dito, não fazendo sentido pretender a mesma solução para duas situações distintas e apenas a plasmar para uma delas. Por esta razão, não faz qualquer sentido estender a não contabilização daqueles trabalhadores, prevista para aferir do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego, à aferição do pressuposto da criação líquida de emprego. Com efeito, a interpretação extensiva de uma norma pressupõe que o legislador “disse menos do que quis” ("minus dixit quam voluit"), conclusão a que não podemos chegar em face do diferente teor das normas dos artigos 8.º e 9.º da Portaria, reguladoras de situações distintas: o pressuposto da criação líquida de emprego e a obrigação de manutenção do nível de emprego.
De resto, ao contrário do que alega o recorrente, no Direito Europeu, “os postos de trabalho que desaparecem por vontade do trabalhador” não são, por isso, desconsiderados, “para efeitos de contabilização de criação líquida de emprego”, não se retirando o entendimento que o recorrente propugna do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no Processo C–415/07, de 02.04.2009, que o mesmo invoca.
Concluímos, assim, que o pressuposto da criação líquida de emprego só está verificado quando a entidade empregadora alcançar, por via do contrato de trabalho apoiado, um número de trabalhadores superior à média dos trabalhadores registados nos 12 meses que precedem o mês de registo da oferta, não sendo desconsiderados, para o efeito, os trabalhadores cujo contratos haja cessado por sua própria iniciativa.
Por conseguinte, não obstante o contrato com a trabalhadora M… ter cessado por sua própria iniciativa, tal cessação afecta o número de trabalhadores para efeitos de criação líquida de emprego, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao assim decidir.
Termos em que se impõe julgar improcedente o fundamento do recurso.
*
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marta Cavaleira
Lina Costa