Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:170/15.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Os juros indemnizatórios destinam-se a compensar os contribuintes pelo prejuízo provocado pela privação indevida de meios financeiros, por razões imputáveis à administração tributária, sendo que o direito aos mesmos nasce na esfera jurídica do contribuinte independentemente da formulação de qualquer pedido a exigi-los, bastando para a sua atribuição que estejam reunidos os respetivos pressupostos, conforme se extrai da leitura do aludido art. 100º da LGT
II - Por força do disposto na alínea d) do nº 3 do artigo 43º da LGT, na redação aplicável aos autos, os juros indemnizatórios são devidos em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação.
III – Esta nova redação do preceito mencionado no número antecedente, introduzida pela Lei nº 9/2019, de 01/02, e que entrou em vigor em 02/02/2019, tem aplicação às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros indemnizatórios relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após o dia 01 de janeiro de 2011, por força do artigo 3º da mencionada Lei.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

N........, S.A. (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no dia 30.12.2022, que julgou procedente a impugnação judicial por si deduzida da liquidação adicional de taxa anual de atividade de fornecedor titulada pela “Factura FATS00058”, respeitante ao ano de 2013, no valor de € 427.977,48, anulou a liquidação e julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

O presente recurso tem por objeto a parte da sentença em que se decidiu que a Impugnante, ora Recorrente, não tinha direito a juros indemnizatórios.

Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

IV. CONCLUSÕES

I. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 30.12.2022, na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por considerar que não há lugar aos mesmos nos casos de decisão de anulação da liquidação com base em inconstitucionalidade das normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, aplicadas na liquidação do tributo, como se decidiu na douta Sentença recorrida (v. págs. 23 e segs. e decisão da douta Sentença) – cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;

II. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, não podemos concordar com o decidido, mesmo considerando que ainda não existia à data da douta Sentença decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, a julgar inconstitucionais as referidas normas, pois, face ao disposto no art. 43.º/3/d) da Lei Geral Tributária (LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, a douta Sentença recorrida já deveria ter condenado nos juros indemnizatórios peticionados – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;

III. Com efeito, o art. 43.º/3/d) da LGT, naquela atual redação, estabelece que são “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” (sublinhados e sombreado nosso), sendo que é a decisão dos Tribunais Tributários que determina a “devolução”, a que alude a parte final deste preceito art. 43.º/3/d) da LGT, na atual redação, os quais não deixam de formular um juízo de inconstitucionalidade, conforme se verificou na douta Sentença recorrida, pelo que, à data em que foi proferida a Sentença recorrida, aquele preceito já era aplicável, sendo devidos juros, após o trânsito em julgado, conforme aí estabelecido (cfr. págs. 28 e segs. da douta Sentença junta como Doc. 1) – cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

IV. Neste sentido, entre outros, Acórdãos STA de 13.01.2021, Proc. 0735/19.4BEBRG; de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS e de 19.02.2020, Proc. 02286/17.2BELRS, todos disponível em www.dgsi.pt, e Acórdãos do TCA Sul proferidos nos Procs. 966/12.8BELRS, de 24.11.2022, 968/12.4BELRS, de 24.11.2022 (disponíveis em www.dgsi.pt), 567/13.3BELRS, de 19.11.2023, 645/11.3BELRS, de 20.04.2023, e 967/12.6BELRS, de 04.05.2023, em que se consideraram inconstitucionais as normas aqui em causa e se condenou a ANACOM nos juros - cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

V. De qualquer forma, entretanto, já existe decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, proferida no presente processo (Decisão Sumária de 14.11.2023, retificada por Despacho de 14.12.2023), a julgar inconstitucionais as referidas normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 (para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado – cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 2 e 3) – cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

VI. Assim sendo, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, citado e seguido na douta Sentença recorrida, presentemente, é inquestionável (maxime face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT, na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” – cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

VII. Finalmente, subsidiariamente, no que respeita ao âmbito do recurso, caso se entenda que a Impugnante não tem direito aos referidos juros em caso de anulação da liquidação com base na inconstitucionalidade das normas aplicadas - o que não se concede minimamente -, o presente recurso abrange, ainda, questões não apreciadas na douta Sentença recorrida, por terem sido consideradas prejudicadas, em concreto relativamente ao erro sobre os pressupostos de direito na consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, que determinou a liquidação adicional sub judice, de provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais intentados contra a mesma, com direito da Impugnante a juros indemnizatórios, nesse caso nos termos do art. 43.º/1 da LGT e já não do art. 43.º/3/d) da LGT – cfr. n.º 4 do texto das presentes Alegações;

- Dos Factos

VIII. Na douta Sentença recorrida consideraram-se provados os factos n.ºs 12 a 16, com relevância para a questão dos juros indemnizatórios (liquidação adicional pela ANACOM da “taxa” no valor total de 427.977,48 € e respetivo pagamento pela Impugnante em 01.10.2014) – cfr. n.º 6 do texto das presentes Alegações;

IX. Além disso, por Decisão Sumária do Tribunal Constitucional, de 14.11.2023, retificada por Despacho de 14.12.2023, proferida no presente processo e transitado em julgado, decidiu-se julgar “inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473- B/2008, de 17/12,, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar aos fornecedores de redes de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”” e, consequentemente, negou-se provimento ao recurso da ANACOM da Sentença aqui recorrida, que havia anulado a liquidação com base na referida inconstitucionalidade (para além daquela Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional declarou a referida inconstitucionalidade em vários outros Acórdãos, transitados em julgado, nomeadamente os adiante juntos como Docs. 2 e 3).– cfr. n.º 7 do texto das presentes Alegações;

X. Para além dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida, encontram-se ainda provados vários outros factos com relevância para o erro sobre os pressupostos de direito no que respeita à questão da consideração no cálculo da “taxa” em causa das provisões constituídas pela ANACOM, que determinou a liquidação adicional sub judice, sendo de alterar a decisão de facto para apreciação e decisão desta questão, conforme subsidiariamente requerido no presente Recurso – cfr. n.º 8 do texto das presentes Alegações;

XI. Com efeito, relativamente a esta questão, além dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida, nos n.ºs 12 e 13 dos factos provados, quanto à liquidação adicional sub judice decorrer de a ANACOM ter aumentado o valor que considera como respetivos custos, que contabiliza e imputa no cálculo da “taxa”6 em causa, em virtude do reforço do valor de provisões constituídas pela mesma com referência ao respetivo exercício de 2013, verifica-se ainda a seguinte factualidade:
- Esse reforço de provisões pela ANACOM relativamente ao exercício de 2013, decorre de processos judiciais instaurados contra ANACOM em que é pedido o pagamento de indemnizações (ou a restituição de valores que lhe foram pagos), por atos alegadamente ilegais da ANACOM (v. arts. 30.º a 48.º da P.I., aceites no art. 7.º da Contestação, e Docs. indicados naqueles artigos da P.I.).
- No exercício de 2013 a ANACOM teve um resultado líquido positivo de 24.752.335,00€, tendo 85% desse valor (21.039.485,00€), constituído receita geral do Estado e os restantes 15% transferidos para a rúbrica “Reservas especiais – Investimento” (v. art. 51.º da P.I., aceite no art. 7.º da Contestação);
- Em anos anteriores, face à anulação de provisões decorrentes da extinção dos respetivos processos judiciais sem condenação da ANACOM, esta tem vindo a efetuar a restituição dos valores cobrados a título de “taxa”, com referência a essas provisões, mas em singelo – i.e., sem juros (v. arts. 52.º e 53.º da P.I.; cfr. arts. 49.º e 50.º da Contestação, em que se aceita esta factualidade).

- Do Direito

XII. Conforme resulta do acima referido em sede de âmbito do Recurso, no presente Recurso suscitam-se as seguintes questões:

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios, face ao decidido; e, subsidiariamente, - Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos de direito (e consequente direito a juros indemnizatórios):
- Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos de direito (e consequente direito a juros indemnizatórios):

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios, face ao decidido

XIII. Com efeito, conforme acima demonstrado, o direito da Recorrente a juros, decorre de vários fundamentos – cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIV. Em primeiro lugar, sem prejuízo do infra referido nas Conclusões XXIII e segs., relativamente a existir atualmente decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, quando foi proferida a douta Sentença recorrida a Impugnada deveria ter sido condenada nos juros, nos termos do art. 43.º/3/d) da LGT, face à anulação da liquidação, com base em ter-se considerado inconstitucionais as normas aplicadas na liquidação – cfr. n.ºs 11 e segs. do texto das presentes Alegações;


XV. Neste sentido, Acórdão STA e Acórdãos do TCA Sul, acima referidos na Conclusão IV, proferidos em situações em que ainda não existia decisão do Tribunal Constitucional, e em que se sublinhou que, “com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro”, a verificação da inconstitucionalidade “passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios” – cfr., Acórdão de 24.11.2022 (Proc. 966/12.8BELRS), do TCA Sul, e os demais referidos naquela Conclusão – cfr. n.º 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVI. No mesmo sentido, entre várias outras, a douta Sentença de 28.04.2023, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no Proc. 830/14.6BELRS, em processo idêntico ao presente, adiante junta como Doc. 1 (por não se encontrar disponível em www.dgsi.pt), que transcrevemos no n.º 13 supra, pelo detalhe na apreciação da questão - que aqui seguimos integralmente -, e inegável acerto da mesma – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVII. Com efeito, não obstante o direito aos juros indemnizatórios resultar diretamente do atual art. 43.º/3/d) da LGT, como decidido naqueles Acórdãos do TCA Sul e STA Proc. 0735/19.4BEBRG, também acima referidos, a análise efetuada nessa douta Sentença adiante junta como Doc. 1, proferida no Proc. 830/14.6BELRS (nomeadamente, também, na forma como analisa os fundamentos do Acórdão STA proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN), não deixa dúvidas quanto a dever ser proferida decisão de condenação nos juros indemnizatórios, nomeadamente antes de decisão do Tribunal Constitucional (que aqui já existe) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVIII. Conforme acima referido, o art. 43.º/3/d) da LGT, naquela atual redação, estabelece que são “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” (sublinhados e sombreado nosso), sendo que é a decisão dos Tribunais Tributários que determina a “devolução”, a que alude a parte final deste preceito art. 43.º/3/d) da LGT, na atual redação, os quais não deixam de formular um juízo de inconstitucionalidade, conforme se verificou na douta Sentença recorrida, pelo que, à data em que foi proferida a Sentença recorrida, aquele preceito já era aplicável, sendo devidos juros, após o trânsito em julgado, conforme aí estabelecido (cfr. págs. 28 e segs. da douta Sentença junta como Doc. 1) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIX. Não se invoque que a desaplicação de uma norma (no caso das normas da Portaria) não corresponde a decisão que “declare ou julgue a inconstitucionalidade”, pois, por um lado, as normas são desaplicadas porque são julgadas (ou consideradas) inconstitucionais, e, por outro lado, não cabe à jurisdição constitucional condenar em juros num processo concreto, pelo que, com o devido respeito, a adotar-se o entendimento da douta Sentença recorrida, nunca aquela norma a determinar que são devidos juros seria aplicável, pelo que trata-se de interpretação que, além de não corresponder à letra da lei, não poderia ser seguida (cfr. art. 9.º/1 e 3 do C. Civil) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XX. Aliás, como bem notado na douta Sentença acima transcrita no n.º 13 e adiante junta como Doc. 1 (proferida no Proc. 830/14.6BELRS), o art. 43.º/3/d) da LGT ao fazer referência a decisão judicial que, além de declarar ou julgar a inconstitucionalidade, “determine a respetiva devolução” (da prestação tributária), não deixa dúvidas que se refere a decisões dos Tribunais Tributários e não a decisões do Tribunal Constitucional, pois estas “nunca determinam a devolução da prestação tributária, porquanto o Tribunal Constitucional julga ou faz um juízo sobre a constitucionalidade da norma, e não de nenhuma liquidação tributária em concreto, pelo que esta expressão indica, de forma manifesta, que não eram as decisões do Tribunal Constitucional que o legislador tinha em mente” (v. Sentença acima transcrita) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXI. De resto, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que deu origem ao art. 43.º/3/d) da LGT, disponível na página na internet da Assembleia da República e adiante junta como Doc. 4, refere-se que, mantendo-se a recusa de pagar juros quando a anulação da liquidação se baseia em inconstitucionalidade “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes. Caso não fossem devidos juros indemnizatórios, as entidades públicas poderiam lançar taxas ou outros tributos inconstitucionais ou ilegais, ficando tranquilamente a aproveitar a espera pela decisão judicial final e definitiva, jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos contribuintes” (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.º 14 do texto das presentes Alegações

XXII. Note-se, ainda, que a declaração de nulidade ou anulação do ato implicar o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o mesmo não tivesse sido praticado, sendo que tal determina, além do mais, a obrigação de reintegração completa da ordem jurídica violada de acordo com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, o que implica não só restituir tudo o que foi pago, mas também o pagamento dos juros, pois, se não pagasse juros à Impugnante, a anulação não produzirá efeitos “ex tunc”, pois manter-seiam os rendimentos que a ANACOM entretanto auferiu com a liquidação ilegal do tributo em causa à Impugnante – cfr. n.º 15 do texto das presentes Alegações;

XXIII. Em segundo lugar, sem prejuízo do referido supra, o Tribunal Constitucional, por decisão transitada em julgado (nomeadamente proferida no presente processo), já julgou as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, inconstitucionais, pelo que, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, citado e seguido na douta Sentença recorrida, presentemente, é inquestionável (maxime face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem devidos juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrente – cfr. n.ºs 16 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIV. Com efeito, de acordo com aquele Acórdão STA de 02.02.2022 (e o de 12.10.2022, Proc. 01501/19.2BELR, que seguiu o decidido naquele Acórdão), apenas existiria o direito a juros, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, nomeadamente em fiscalização concreta, a julgar inconstitucionais as normas desaplicadas – cfr. n.ºs 7 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXV. Ora, no caso em apreço, já se verifica essa situação, face à Decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, proferida no presente processo, para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado (cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 2 e 3) – cfr. n.ºs 16 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXVI. Em terceiro lugar, com o devido respeito, contrariamente ao que parece ser o entendimento da douta Sentença recorrida, aquele Acórdão STA de 12.10.2022, não decidiu com base na questão da inexistência de erro dos serviços – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXVII. Com efeito, relativamente à questão do erro dos serviços, naquele Acórdão do STA, transcrito na douta Sentença recorrida, esclarece-se que “é, de resto, por essa razão, que o legislador distingue, no artigo 43.º da LGT entre o erro imputável aos serviços e os demais fundamentos para o direito a juros indemnizatórios, entre os quais se incluiu a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação” (sublinhado nosso) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXVIII. Trata-se de fundamentos distintos para o direito aos juros (o erro dos serviços e, diferentemente, a decisão de inconstitucionalidade). E assim é entendido naquele Acórdão STA. Aliás, foi precisamente para ultrapassar essa questão (de inexistência de erro dos serviços), que, pela Lei 9/2019, de 01.02, foi introduzido a alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT (cfr. Exposição de Motivos no Doc. 4 adiante junto) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIX. Sem conceder, o art. 43.º/3/d) da LGT, na (errada) interpretação normativa de que não seriam devidos juros nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, sempre seria inconstitucional por violação do Estado de Direito e do direito de propriedade (seria um enriquecimento do Estado à custa de um particular), consagrados nos arts. 2.º e 62.º da CRP, tal como dos princípios da justiça e proporcionalidade, integrantes do Estado de Direito, do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP e da responsabilidade do Estado e das entidades públicas, prevista no art. 22.º da CRP – cfr. n.ºs 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXX. Note-se, aliás, que está em causa uma Portaria que nem sequer é/foi objeto de promulgação, pelo que não era suscetível de fiscalização abstrata da constitucionalidade, nesse âmbito. Não pagar juros seria a forma (muito fácil) de o Estado, através de uma Portaria inconstitucional, enriquecer à custa dos particulares, além de inclusive se prejudicar quem recorreu a Tribunal para obter a decisão de inconstitucionalidade, dado que, quem não o fizesse, mas depois da decisão do Tribunal Constitucional (nesse outro processo intentado por 3.º), adota-se a via da reclamação graciosa/revisão, eventualmente seguida de impugnação judicial, baseada naquela decisão do Tribunal Constitucional, já teria direito aos juros – cfr. n.ºs 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXI. Naquele sentido, do enriquecimento ilegítimo do Estado, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que deu origem ao art. 43.º/3/d) da LGT, citada no Acórdão do STA de 12.10.2022 (Proc. 01501/19.2BELR), acima transcrito, disponível na página na internet da Assembleia da República e adiante junta como Doc. 4, refere-se que, mantendo-se a recusa de pagar juros quando a anulação da liquidação se baseia em inconstitucionalidade “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes. Caso não fossem devidos juros indemnizatórios, as entidades públicas poderiam lançar taxas ou outros tributos inconstitucionais ou ilegais, ficando tranquilamente a aproveitar a espera pela decisão judicial final e definitiva, jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos contribuintes” (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.º 15 do texto das presentes Alegações;

XXXII. Conforme se encontra provado, a Impugnante pagou à ANACOM, em 01.10.2014, o montante de 427.977,78€, pelo que, face ao exposto, devem ser pagos pela ANACOM os juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre aquela quantia, desde a data do respetivo pagamento, até integral pagamento à Impugnante, sob pena de violação dos arts. 43.º/3/d) e 4 da LGT e art. 61.º/5 do CPPT, conforme ocorreu na douta Sentença recorrida – cfr. n.ºs 11 e segs. do texto das presentes Alegações.

- Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos (e consequente direito a juros indemnizatórios)

XXXIII. Finalmente, a título subsidiário, considerando-se que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto -, sempre deveria ter sido apreciado, face ao disposto no art. 124.º do CPPT, o vício do erro sobre os pressupostos de direito, invocado nos arts. 55.º e segs. da P.I. (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), que gera direito aos juros, nos termos do art. 43.º/1 da LGT e já não nos termos do art. 43.º/3/d) da LGT (cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra) – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIV. Tal vício decorre do facto de na consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, que determinou a liquidação adicional sub judice, de provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais intentados contra a mesma – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXV. No sentido da verificação do referido erro sobre os processos, veja-se o douto Parecer do Ministério Público no presente processo, de 16.12.2022, bem como, nomeadamente, as doutas Sentenças já juntas aos autos com Requerimento da Impugnante de 16.11.2020 e com as Alegações da Impugnante de 14.12.2022 (cfr. n.º 4 dessas Alegações), nomeadamente Sentenças proferidas, em 29.09.2017, 03.05.2018, 03.05.2020, 11.05.2020, 10.02.2021 e em 22.12.2021, nos Processos que, respetivamente, sob os n.ºs 567/13.3BELRS, 645/11.3BELRS, 653/11.4BELRS, 968/12.4BELRS e 966/12.8BELRS7 , em processos totalmente idênticos ao presente, relativos à liquidação do mesmo tributo em outros anos (e/ou a outras sociedades do Grupo da Impugnante) – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVI. Com efeito, a liquidação adicional sub judice decorreu exclusivamente de “provisões para processos judiciais em curso” constituídas pela ANACOM – i.e. provisões constituídas pela ANACOM para o caso de vir a ser condenada pelos Tribunais a pagar indemnizações a terceiros, por atos ilícitos da própria ANACOM, mais concretamente, por atos ilícitos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da ANACOM – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVII. Conforme também decidido em todas as Sentenças, acima referidas na Conclusão XXXV, e referido no Parecer do Ministério Público aí indicado, tal gera a ilegalidade da liquidação adicional sub judice – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVIII. Ao caso em apreço era aplicável a Portaria 1473-B/2008, na redação anterior à Portaria 296-A/2013, dado que o facto tributário é referente a 2013, e esta redação da Portaria 296-A/2013 apenas é aplicável a liquidações relativas ao ano de 2014 e segs. – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIX. Apenas na redação da Portaria 296-A/2013, aqui não aplicável, o n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008 passou a fazer referência às provisões para processos judiciais, claramente numa reação às impugnações que vinha sendo apresentadas em virtude de a ANACOM considerar essas suas provisões na liquidação das “taxas” em causa – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XL. Assim sendo, a liquidação adicional sub judice, efetuada exclusivamente em função de provisões para processos judiciais em curso, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, violando o disposto na Portaria 1473-B/2008, na redação aplicável (a anterior à alteração efetuada pela Portaria 296-A/2013) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLI. A contabilização das provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” viola o disposto n.º 4 daquele art. 105.º da Lei 5/2004, que refere apenas a contabilização de “custos administrativos” da ANACOM, bem como a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 07.03.2002, com alterações (“Diretiva Autorização” – v. respetivos Considerando 30 “custos (…) reais” e art. 12.º), que foi transposta pela Lei 5/2004 – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLII. As “provisões para processos judiciais em curso” claramente não sãocustos administrativos”, sendo que até a própria ANACOM autonomiza as duas situações – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIII. A consideração no cálculo da “taxa” de provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais viola o disposto no art. 105.º da Lei 5/2004 – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIV. A liquidação adicional sub judice viola ainda o disposto na parte final do n.º 4 do art. 105.º da LCE, que, além do mais, estabelece que as “taxas” em causa devem ser impostas de forma objetiva e transparente, que minimize os custos adicionais e os encargos conexos – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLV. Face ao exposto, é manifesta a ilegalidade da liquidação adicional sub judice que viola a Portaria 1473-B/2008 e não tem qualquer suporte e viola o art. 105.º da LCE e a Diretiva Autorização, pelo que, para além do decidido na douta Sentença recorrida, sempre se verificaria erro sobre os pressupostos de direito, que determinaria, também por esse motivo, a anulação da liquidação sub judice, com o inerente direito ao pagamento de juros (cfr. art. 43.º/1 da LGT), conforme decidido nas doutas Sentenças referidas na Conclusão XXXV, em processos idênticos ao presente isto para além das diversas outras ilegalidades e inconstitucionalidades de que enferma a consideração das referidas provisões no cálculo das taxas em causa, que aqui apenas não se referem dado que o presente Recurso apenas incide sobre a questão do direito aos juros – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.,

a) deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios, condenando-se a ANACOM a pagar à Impugnante juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de 427.977,48€, desde a data do respetivo pagamento (01.10.2014), até o integral pagamento à Impugnante,
b) Subsidiariamente (nos termos do art. 124.º CPPT – cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra), no caso de se considerar que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de anulação com base em inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto e do art. 43.º/3/d) da LGT -,
b) deve ser julgado procedente o vício do erro sobre os pressupostos na consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, que determinou a liquidação adicional sub judice, de provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais intentados contra a mesma, invocada nos arts. 55.º e segs. da P.I. (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), e, consequentemente, condenando-se a ANACOM a pagar à Impugnantes juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de 427.977,48€, desde a data do respetivo pagamento (01.10.2014), até o integral pagamento à Impugnante,

Como é de Lei e de Justiça!”.
*

A AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (doravante Recorrida ou ANACOM), devidamente notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, tendo as suas conclusões o seguinte teor:

V-CONCLUSÕES

128. – Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões fundamentais:

Quanto à execução integral da sentença, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios

1.ª A questão dos juros indemnizatórios, tal como a questão da reconstituição da situação que existia antes da liquidação anulada judicialmente, coloca-se em sede de execução de sentença, entendendo a doutrina e a jurisprudência que (i) os juros indemnizatórios não têm que ser pedidos pelo contribuinte e que (ii) a sentença não tem que condenar a Administração no pagamento dos juros indemnizatórios, porque os mesmos se encontram compreendidos na obrigação de reconstituição da situação atual hipotética, emergente do dever de executar a sentença (cf. artigo 100.º, n.º 1 da LGT);

2.ª A ANACOM notificou a N........, em 15.02.2024, de que pretendia dar execução à sentença proferida no processo n.º 170/15.3BELRS, quer quanto ao valor de € 427.977,48, correspondente à liquidação, quer quanto aos juros indemnizatórios, tendo remetido, juntamente com esse ofício, a nota de crédito n.º NC 72/000035, de 14.02.2024, no valor de € 427.977,48, e nota demonstrativa do cálculo dos juros indemnizatórios, no valor de € 160.262,91;

3.ª No referido ofício, a ANACOM informou a N........ de que, tendo em vista dar cumprimento à referida sentença, iria proceder à transferência do montante de € 427.977,48, correspondente ao valor da liquidação anulada judicialmente, e do montante de € 160.262,91, correspondente aos juros indemnizatórios, ficando, deste modo, reconstituída a situação anterior à liquidação anulada pelo Tribunal;

4.ª O pagamento das referidas quantias ocorreu a 22.02.2024;

Quanto ao âmbito do recurso

5.ª Se não oferece dúvidas a delimitação do âmbito do recurso quanto à parte da sentença que lhe foi desfavorável – relativa à questão dos juros indemnizatórios – o mesmo já não acontece quando a Recorrente pretende que o Tribunal ad quem conheça, em sede de recurso, de questões que ficaram por conhecer na sentença recorrida.

6.ª Na parte em que parece pretender que o Tribunal ad quem altere a sentença recorrida, a Recorrente comete um manifesto erro processual, na medida em que não são suscetíveis de impugnação, através de recurso, matérias que não foram apreciadas na sentença recorrida;

7.ª Os fundamentos/vícios que invocou em sede de impugnação judicial, como é o caso da «ANACOM considerar no cálculo da “taxa” em causa provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais intentados contra a mesma», cuja apreciação ficou prejudicada pela solução adotada na sentença recorrida, não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, pelo que só por via do conhecimento em substituição poderiam ser apreciadas pelo Tribunal ad quem;

8.ª Para que pudesse haver conhecimento em substituição, seria necessário que o Tribunal ad quem alterasse a sentença recorrida, em termos de ser obrigado a conhecer as questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao caso;

9.ª No caso em apreço, a Recorrente não questiona a solução dada ao caso, pelo que não se vê em que condições poderia o Tribunal ad quem conhecer em substituição, tanto mais quando a questão de (in)constitucionalidade se encontra definitivamente decidida pelo Tribunal Constitucional, constituindo caso julgado nos presentes autos;

10.ª Termos em que se considera inadmissível a parte do recurso em que a Recorrente pretende alterar a decisão tomada pela sentença recorrida de modo a provocar uma apreciação, em substituição, de um dos vícios que invocou em sede de impugnação judicial e que não foram apreciados pela sentença recorrida, cometendo a Recorrente um manifesto erro processual quando requer esse conhecimento em substituição;

Quanto aos fundamentos do recurso


11.ª De acordo com a jurisprudência do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN, a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, apenas tem aplicação nos casos em que o segmento normativo que serve de incidência à tributação tenha sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;

12.ª Isto quer dizer que, antes de haver uma pronúncia do Tribunal Constitucional, não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT;

13.ª Em todos os casos em que o STA considerou aplicável a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, tinha ocorrido uma pronúncia do Tribunal Constitucional:

− Foi o caso da Taxa SIRCA, decidido no Acórdão do STA de 13.01.2021, processo n.º 0735/19.4BEBRG, objeto de pronúncia pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/2019, tirado em Plenário de 4 de junho de 2019, pela Decisão Sumária do Tribunal Constitucional n.º 461/2019, de 17 de junho de 2019 e pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 364/2019, de 19 de junho de 2019 (entre outros); e

− Foi o caso da Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa, decidido, entre outros, nos Acórdãos do STA de 23.10.2019, processo n.º 01974/16.5BELRS e de 19.02.2020, processo n.º 02286/17.2BELRS, objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, de 13 de dezembro de 2017;

14.ª Decorre dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2019, que a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT apenas tem aplicação sempre que o Tribunal Constitucional venha a confirmar, em sede de fiscalização concreta ou sucessiva, a inconstitucionalidade da norma que suporta a liquidação;

15.ª Tal nada tem que ver com o acerto ou desacerto da sentença recorrida, pois esta foi proferida sem que existisse, naturalmente, qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo, por isso, aplicável a jurisprudência emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e do Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

16.ª O presente recurso assenta num equívoco quanto aos pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, a qual não podia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo, na medida em que as normas em que se baseou a liquidação não tinham sido julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional;

17.ª Termos em que se mostra forçoso concluir que a sentença recorrida não violou o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019;

18.ª A referência à questão dos juros indemnizatórios constante dos Acórdãos do TCA Sul referidos nos nºs 2, 12, 14 da alegação recursiva e conclusões IV, XV e XVII, não equivale a uma condenação da ANACOM no pagamento de juros indemnizatórios e constitui, na economia dos referidos Acórdãos, um mero obiter dictum, sem qualquer influência na apreciação dos recursos;

19.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, devido à violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela, fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;

20.ª Não assiste razão ao Tribunal Tributário de Lisboa quando vem pôr em causa no processo n.º 830/14.6BELRS a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e reiterada pelo Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

21.ª Não é errada uma interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não seja do Tribunal Constitucional;

22.ª Tal interpretação não é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito de propriedade, do princípio da igualdade e da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, na medida em que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

23.ª Está subjacente aos juros indemnizatórios uma presunção de danos, sendo eles uma forma rápida e simples de o contribuinte lesado ver reparado um dano provocado por um ato ilegal de uma entidade pública;

24.ª Todavia, essa reparação é assegurada substancialmente pelo regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que a interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não seriam devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, não é inconstitucional e não implica qualquer enriquecimento do Estado à custa de um particular, na medida em que os juros indemnizatórios são uma mera forma de liquidação antecipada de danos, baseada em presunções, e que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

25.ª Tudo visto e ponderado, é forçoso concluir que a sentença recorrida não violou a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, devendo ser mantida com a fundamentação emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e reiterada pelo Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

Quanto ao julgamento em substituição



26.ª Na medida em que a N........ resolveu avançar com alegações complementares, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, sem esperar pela verificação dos pressupostos de que depende o conhecimento em substituição (artigo 665.º, nºs 1 e 2 do CPC) e pela notificação prevista no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, a ANACOM pronuncia-se por cautela de patrocínio e sem prejuízo da apresentação de alegações complementares, caso o Tribunal ad quem venha a considerar que se encontram preenchidos os pressupostos do conhecimento em substituição;

27.ª A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 124.º do CPPT;

28.ª Uma eventual anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” nunca corresponderia a uma anulação integral da liquidação, como viria a suceder por força do juízo de inconstitucionalidade, mas a uma anulação parcial, importando apenas a correção dos rendimentos relevantes da Impugnante, de modo a deles excluir as parcelas relativas às alegadas atividades de televisão /operador de distribuição;

29.ª A tutela oferecida pelo juízo de inconstitucionalidade confere o mesmo grau de satisfação ou um grau de satisfação superior dos interesses alegadamente ofendidos;

Quanto à constituição de provisões pela ANACOM

30.ª O elenco de custos constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do n.º 4 do artigo 105.º da LCE 2004 é meramente exemplificativo;

31.ª Nos termos do artigo 35.º, n.º 2 dos atuais Estatutos (que corresponde ao artigo 41.º, nºs 4 e 5 dos anteriores Estatutos) a ANACOM tem a sua contabilidade organizada de acordo com as normas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), donde resulta a obrigação legal de constituir provisões quando se verifiquem os seus pressupostos;

32.ª É com base na sua contabilidade, organizada de acordo com o SNC, que a ANACOM procede ao apuramento dos custos incorridos com a regulação das atividades de comunicações eletrónicas;

33.ª De acordo com o modelo de custeio da ANACOM, tanto as provisões como os demais custos administrativos têm um tratamento equivalente enquanto custos de regulação;

34.ª Não poderia, aliás, ser de outra maneira, sob pena de se tornar impossível estabelecer uma correspondência estrita entre os custos e as taxas de regulação, correspondência essa que, ao contrário do alegado pela Impugnante, ocorre precisamente pela inclusão das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação no cômputo dos gastos (custos) administrativos a ter em conta para efeitos de lançamento e liquidação da taxa de regulação;

35.ª De um ponto de vista contabilístico, as provisões são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados;

36.ª A constituição de uma provisão tem impacto nas demonstrações financeiras da entidade em causa como um gasto ou passivo do exercício, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

37.ª O financiamento da cobertura dos custos com provisões para processos judiciais em curso pela via do orçamento do Estado não seria compatível com o modelo de financiamento da ANACOM e com a sua independência financeira, expressamente consagrada no artigo 4.º dos anteriores Estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro) e no artigo 5.º, n.º 2, dos atuais Estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março), no artigo 3.º, n.º 3 da Diretiva-Quadro e no artigo 4.º, n.º 2, alínea a) da LCE 2004;

38.ª Os resultados positivos da ANACOM são uma consequência da receita gerada pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico (que são uma receita devida pela utilização do domínio público radioelétrico cobrada pela ANACOM, mas entregue ao Estado, por ser propriedade deste), pelo que os custos associados à constituição de provisões relacionadas com processos judiciais desencadeados no âmbito da ação da ANACOM enquanto entidade reguladora do setor das comunicações eletrónicas também nunca poderiam ser financiados pelas taxas relativas à utilização de números ou de frequências, sob pena de se pôr o Estado a financiar custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação, por força do disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e do artigo 105.º, n.º 4 da LCE 2004.

39.ª A taxa de regulação cobrada pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público visa apenas cobrir os custos de regulação com esta atividade, pelo que não geram qualquer excedente para a ANACOM.

40.ª A inclusão das provisões para processos judiciais em curso nos custos administrativos de regulação corresponde a uma exigência legal, contabilística e financeira;

41.ª O Tribunal Constitucional, nos Acórdãos nºs 429/2023 e 430/2023, proferidos em 4 de julho de 2023, considerou que não descaracteriza o tributo «a circunstância de no seu cálculo serem contabilizadas provisões da ANACOM para processos judiciais em curso, intentados contra o regulador, visto que o contencioso se integra no âmbito da respetiva atividade normal».

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

i) Ocorre erro de julgamento no que se refere à absolvição da Recorrida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do tributo ou, em substituição, que por ter existido erro nos pressupostos da determinação dos rendimentos relevantes sempre se deveriam considerar devidos os juros indemnizatórios peticionados.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

IV - Fundamentação de facto

Matéria de facto provada:

Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante exerce e exercia em 2013 a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas – facto não controvertido;

2. Entre 2009 e 2013, a ANACOM procedeu ao cálculo dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral de acordo com o modelo de taxas de maio de 2008 e que esteve na base da Portaria 1473/2008, incluindo os custos relativos a provisões para processos judiciais associados ao setor das comunicações eletrónicas – cfr. doc. 3, junto aos autos com a contestação e admissão, cfr., designadamente, os arts. 475º e ss. da contestação;

3. Com a alteração efetuada em 2013, a forma de cálculo dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral subjacente à liquidação impugnada continuou a incluir, ainda que em termos algo diversos, os custos relativos a provisões para processos judiciais associados ao setor das comunicações eletrónicas – admissão, cfr., designadamente, os arts. 475º e ss. da contestação;

4. Com data de 31.05.2013, a ANACOM remeteu à então Z...... ofício do qual consta, entre o mais:

De acordo com a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, (…) e nos termos da Portaria n.º 1473- B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 291-A/2011, de 4 de novembro, (…) as taxas a aplicar pela ANACOM são as seguintes: (…); b) Taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (alínea b) do n.º 1 do artigo 105º da LCE; (…). Relativamente à taxa anual mencionada na alínea b), deverão V. Exas, nos termos do artigo 3º da Portaria n.º 1473-B/2008, (…) enviar-nos, até 30 de junho de 2013, declaração de acordo com o modelo que enviamos em anexo, onde será efetuado um apuramento dos rendimentos relevantes relacionados diretamente com o exercido da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas no ano civil anterior. (…). De salientar que o montante dos rendimentos relevantes a comunicar a esta Autoridade, deverá ser apresentado de forma fidedigna e rigorosa, uma vez que constitui a base para a determinação do escalão e um dos elementos a ter em conta para o posterior apuramento e liquidação da taxa, constituindo uma obrigação declarativa de natureza tributária. (…).”, anexando uma “Circular Interpretativa sobre a definição do conceito de “Rendimentos relevantes” – cfr. doc. 12, junto aos autos com a p.i.;

5. Em resposta e com data de 28.06.2013, a Z...... remeteu declaração apurando um total de rendimentos relevantes no ano de 2012 de € 206.589.207,00, excluindo prestações de serviços relacionadas com assinaturas de serviço de televisão por subscrição – cfr. doc. 13, junto aos autos com a p.i.,

6. Por ofício datado de 5.08.2013, o ICP-ANACOM comunicou à aqui Impugnante que “no decurso do processo de emissão da faturação, detetou o ICP-ANACOM indícios de aplicação não uniforme do conceito de proveitos relevantes por parte das entidades que exercem a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas.

Assim, decidiu (…) que, previamente à faturação (…) fosse verificada a informação recolhida (…) com a colaboração da B...... & A........, S.A. (…)” – cfr. doc. 14, junto aos autos com a p.i;

7. Com data de 25.11.25, a ANACOM remeteu à Z...... , decisão final sobre as conclusões da auditoria aos proveitos relevantes relativos a 2013 e, em resultado, a nota de liquidação/fatura nº F213000129, no valor de € 3.005.079,26 – cfr. doc. 2, junto aos autos com a p.i.;

8. Em 12.06.2014, o Conselho de Administração da ANACOM aprovou a proposta de revisão dos custos de regulação relativos ao ano de 2013, de € 24.478.856,00 para € 27.953.316,00, e a taxa t2 para o mesmo ano, de 0,4880% para 0,5575%, e em consequência promover a “liquidação adicional de taxas devidas pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, referentes ao ano de 2013, nos termos da alínea b) do nº 1, nº 2 e nºs 4 e 5 do artigo 105º da LCE e do Anexo II à Portaria nº 1473- B/2008, de 17 de dezembro, na redação resultante da Portaria nº 296-A/2013, de 2 de outubro” – cfr. fls. 1 e ss. do PA;

9. Com respeito à Ex-Z...... , posteriormente incorporada pela Impugnante, tal deliberação implicou o projeto de emitir liquidação adicional no valor de € 427.977,48 – cfr. fls. 7 do PA;

10. Por ofícios datados de 18.06.2014 e de 30.06.2014, a ANACOM informou a Impugnante de que, com base na deliberação referida nos números anteriores, projetava emitir liquidação adicional de taxas devidas pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, referente ao ano de 2013 e à ex-Z...... , no valor de € 427.977,48, de acordo com os rendimentos relevantes apurados na auditoria realizada pela B…… PG Associados e com a nova taxa t2, para se pronunciar em sede de audição prévia - cfr. docs. 6 e 7, juntos aos autos com a p.i., e fls. 25 a 29 do PA;

11. A ora Impugnante respondeu nos termos que constam do doc. 8, junto aos autos com a p.i., e de fls. 30 e ss. do PA;

12. Em 28.08.2014, o Conselho de Administração da ANACOM deliberou aprovar a revisão dos custos de regulação relativos ao ano de 2013, de € 24.478.856,00 para € 27.953.316,00, e a taxa t2 para o mesmo ano, de 0,4880% para 0,5575%, e em consequência promover a “liquidação adicional de taxas devidas pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, referentes ao ano de 2013, nos termos da alínea b) do nº 1, nº 2 e nºs 4 e 5 do artigo 105º da LCE e do Anexo II à Portaria nº 1473- B/2008, de 17 de dezembro, na redação resultante da Portaria nº 296-A/2013, de 2 de outubro” – cfr. fls. 36 e ss. do PA;

13. Da deliberação identificada no número anterior, consta, entre o mais, que o aumento dos custos é “devido ao aumento dos custos imputáveis a “provisões”, que passaram de 1.890.270 euros para 5.825.627 euros” – cfr. fls. 39 e 63 do PA;

14. Com respeito à Ex-Z…., posteriormente incorporada pela Impugnante, tal deliberação implicou a liquidação adicional impugnada, no valor de € 427.977,48 – cfr. fls, 64 do PA;

15. Por ofício datado de 5.09.2014, enviado através de registo postal com aviso de receção, a ANACOM remeteu à Impugnante a liquidação adicional impugnada, titulada pela fatura FTAS000058 – cfr. doc. 1, junto aos autos com a p.i., e fls. 67 e ss. do PA;

16. Em 1.10.2014, a Impugnante pagou a fatura mencionada no número anterior – cfr. doc. 9, junto aos autos com a p.i., e fls. 76 do PA.”

*
Factos não provados

Matéria de facto não provada:

Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados.”
*

Motivação

“Motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A convicção do tribunal sobre a matéria de facto formou-se com base na análise crítica conjugada dos documentos juntos pelas partes com os seus articulados e do processo administrativo junto pela Entidade Impugnada, aqui dados por integralmente reproduzidos e que não foram impugnados, bem como nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo e no processo judicial, tudo conforme referido a propósito de cada número do probatório.”


*
II.2 - De direito

Em sede recursória advoga a Recorrente que a sentença sub judice incorreu em erro de julgamento ao não ter condenado a Recorrida ao pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente, contados desde a data de pagamento, amparando-se no disposto no artigo 43º, nº 3, al. d) da LGT.

Argui a Recorrente que a aplicação do disposto no aludido preceito não depende da declaração de inconstitucionalidade, tanto mais que tem vindo a ser constante a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de considerar a taxa em referência inconstitucional.

Subsidiariamente, advoga ainda que sempre seriam devidos juros pela existência de erro nos pressupostos na determinação dos seus rendimentos relevantes para aplicação da taxa.

Já a Recorrida, embora informe que efetuou o pagamento dos juros, deduz contra-alegações sustentando que os mesmos não são devidos e que a sentença recorrida se deve manter. Mais, argui que o pedido de pagamento dos juros com fundamento na existência de erro nos pressupostos da determinação dos rendimentos relevantes da Recorrente, já não pode ser objeto de conhecimento pelo Tribunal ad quem, uma vez que não foi conhecido pelo Tribunal a quo, que julgou o seu conhecimento prejudicado.

Desde logo se refira que carece que sustentação o alegado pela Recorrida, no sentido de que a questão dos juros indemnizatórios se coloca (apenas) na execução de sentença. Com efeito, pode colocar-se quer em sede de impugnação judicial, quer em sede de execução de sentença, sendo, aliás, o pedido na condenação no pagamento de juros indemnizatórios formulado em sede de impugnação (a par do pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia) um exemplo de exceção, em termos de poderes condenatórios do Tribunal no âmbito da impugnação judicial, processo de cariz acima de tudo anulatório. Por outro lado, é perfeitamente irrelevante o facto de o valor em causa já ter sido ou não pago – isto, sim, prende-se com a execução (voluntária) da sentença.

O que é certo é que, ainda que a Anacom possa já ter pago o valor que reputou como relativo a juros indemnizatórios (e que, pelo teor das suas contra-alegações, considera não devido), não existe título que legitime, inequivocamente, a Impugnante a exigi-los, podendo, até, colocar-se a hipótese de lhe ser exigido o reembolso do valor pago. Logo, há toda a utilidade na apreciação do recurso.

O Tribunal a quo, sustentando a sua posição na jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 2-02-2022, tirado no proc. nº0107/17.5BEFUN, conclui que a Impugnante, ora Recorrente, não tem direito a receber o valor correspondente a juros indemnizatórios.

Para o Tribunal a quo não existe direito a juros indemnizatórios por não estar em causa erro dos serviços e porque não basta a mera desaplicação de norma, em que assenta a liquidação, com base na sua inconstitucionalidade.

Vejamos.

Do erro de julgamento, quanto aos juros indemnizatórios

Olhando a situação trazida, verificamos que a “taxa” impugnada foi paga em 1.10.2014 (cf. alínea 10. do probatório), tendo a mesma sido anulada por decisão datada em 30.12.2022, mercê da inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos nº 1 e 2 do Anexo II da Portaria nº 1473-B/2008, na redação conferida pela Portaria nº 296- A/2013, na parte em que determinam a incidência, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, previsto na alínea i), do nº 1, do artigo 165º da CRP (ficando, por isso, sem suporte normativo a liquidação impugnada relativa a taxa anual de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, emitida pelo ICP-ANACOM relativa à “Ex-Z...... Portugal”, entretanto incorporada na Impugnante, titulada pela “Factura FATS00058”, respeitante ao ano de 2013, no valor de € 427.977,48).

Ora, o direito a juros indemnizatórios corresponde à concretização de um direito de indemnização que encontra assento constitucional no artigo 22º da CRP, que radica no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de atos ilícitos. Na verdade, o aludido preceito constitucional estabelece que o Estado e as demais entidades públicas são responsáveis civilmente, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Em sede tributária, o artigo 100.º da LGT, dando corpo àquele comando constitucional, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Podemos, assim, afirmar que estes juros indemnizatórios se destinam a compensar os contribuintes pelo prejuízo provocado pela privação indevida de meios financeiros, por razões imputáveis à administração tributária, sendo que o direito aos mesmos nasce na esfera jurídica do contribuinte independentemente da formulação de qualquer pedido a exigi-los, bastando para a sua atribuição que estejam reunidos os respetivos pressupostos, conforme se extrai da leitura do aludido artigo 100º da LGT (vide, neste sentido, acórdão do STA, de 03.05.2018, processo n.º 0250/17).

Neste contexto, o artigo 43º, da LGT, vem concretizar as situações em que os mencionados juros indemnizatórios são devidos. Assim, na redação em vigor à data dos factos e na parte que aqui releva, dispõe o preceito em referência, sob a epigrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, o seguinte:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.(…)”

Há que ter em conta que não só existem já vários acórdãos do Tribunal Constitucional sobre a matéria, mas também que, inclusivamente, nos presentes autos já foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional, ainda que em momento ulterior, naturalmente, ao da prolação da sentença.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), para ilustrar a possibilidade de ser condenada a administração no pagamento de juros indemnizatórios, mesmo em casos em que as decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ulteriores à data da sentença recorrida.

Também no caso subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.01.2021 (Processo: 0735/19.4BEBRG), em que a Impugnante recorreu de sentença de 30.03.2020, concretamente do segmento decisório relativo a juros indemnizatórios, sentença essa em que houve desaplicação de normas por força da sua inconstitucionalidade, o Supremo concluiu assistir direito a juros indemnizatórios, justamente sustentado no artigo 43º, n.º 3, al. d), da LGT.

Tal como se discorreu no acórdão deste TCAS de 16.05.2024, tirado do processo nº 1179/15.2BELRS, diremos também nós que: “É certo que a letra da lei (refletindo até a discussão da respetiva proposta e a situação particular que esteve na sua origem)faz menção a decisões que declarem ou julguem a inconstitucionalidade de norma, sendo que a competência exclusiva para tal cabe ao Tribunal Constitucional [cfr. os art.ºs 223.º, n.º 1 e 277.º e ss. da Constituição da República Portuguesa e art.ºs 6.º e 69.º e ss. (para processos de fiscalização concreta, em causa nos presentes autos) da LOTC)].
Mas é igualmente certo que a letra da lei faz menção a que a decisão “determine a (…) devolução [da prestação tributária]” [cfr. parte final da alínea d)].

Ora, não só o Tribunal Constitucional não tem o poder de condenar a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como também não tem o de determinar a devolução do tributo, sendo que é expressamente referido, na parte final da mencionada alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, que a decisão deverá determinar a devolução da prestação tributária.

Ou seja, uma interpretação absolutamente restrita da letra da lei conduziria à impossibilidade de aplicação da norma, pela inexistência no nosso ordenamento de decisões que, simultaneamente, declarem uma determinada norma inconstitucional e determinem a devolução do valor pago”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), “é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios”.

Assim sendo, sem mais delongas, resulta evidente que a Recorrente tem direito a juros indemnizatórios, quer por força da desaplicação da norma efetuada pelo Tribunal a quo, quer por força da existência de diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional declarando a inconstitucionalidade de normas que sustentaram a liquidação, um dos quais prolatado no âmbito dos presentes autos.

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, sendo-lhe devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 3, al. d), da LGT, calculados nos termos previstos no artigo 61º, n.º 5, do CPPT (considerando, in casu, os espaços temporais atinentes às devoluções operadas pela Anacom).

Fica prejudicada a apreciação do demais alegado pela Recorrente sustentador do direito a juros indemnizatórios (e, bem assim, das objeções levantadas pela Recorrida a tais alegações).

Tal como avançado, procede o recurso nesta parte, o que determina a revogação da decisão na parte recorrida (em que não atribuiu juros indemnizatórios à Impugnante/Recorrente).

*

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas (artigo 527º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no artigo 6º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, tendo em conta a circunscrição das questões a apreciar e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.



III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, considerando-se procedente tal pedido e, em consequência, condenando-se a Anacom ao pagamento de tais juros, à taxa legal, contados da data do pagamento até ao processamento da respetiva nota de crédito, tendo em conta as devoluções parciais operadas pela Anacom;


Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.


Lisboa, 6 de fevereiro de 2025.
----------------------------------
[Maria da Luz Cardoso]

----------------------------------
[Tiago Brandão de Pinho]
------------------------------
[Ana Cristina Carvalho]