Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 334/17.5BEFUN |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 05/06/2021 |
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Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
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Descritores: | TRANSFERÊNCIA DE LOCALIZAÇÃO DE FARMÁCIA; MESMO CONCELHO; PARECER DESFAVORÁVEL VINCULATIVO; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. |
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Sumário: | I. Mostram-se incumpridos os requisitos previstos no artigo 640.º, n.º 1, a) e b) do CPC se o recorrente que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, por deficiência, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do processo instrutor, que impunham o aditamento da matéria de facto julgada provada.
II. Pretendendo que o Tribunal de recurso proceda ao aditamento da matéria de facto, cabia ao impugnante alegar de forma concretizada os concretos pontos de factos que deviam ser levados ao probatório, enquadrando-os nos meios de prova pertinentes. III. Tendo a ação administrativa, que pretende reverter a decisão de indeferimento da transferência de farmácia no mesmo município, sido instaurada contra a Secretaria Regional de Saúde e o Município competente, nela se pedindo a impugnação do ato de indeferimento praticado pela primeira Demandada e a sua condenação à prática do ato devido de autorização da transferência, sem que se formule qualquer pedido contra o respetivo Município, não existe a impugnação autónoma dos pareceres emitidos, nem é pedida a sua condenação à emissão de parecer favorável. IV. Essa impugnação é entendida no quadro do exercício de uma mera faculdade, considerando o princípio da impugnação unitária, previsto no artigo 51.º do CPTA, implicando que a falta de impugnação do parecer não opere os efeitos do caso decidido. V. Nos termos do artigo 91.º, n.º 1 do CPA, os pareceres são obrigatórios no caso de serem exigidos por lei e são vinculativos no caso de as suas respetivas conclusões tenham de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão. VI. No caso dos pareceres emitidos pelo Município, ao abrigo do artigo 26.º, n.º 3 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na sua redação alterada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, que aprova o regime de transferência de farmácias (primeira alteração ao D.L. n.º 307/2007, de 31/08), os pareceres quando desfavoráveis, são obrigatórios e vinculativos. VII. Sendo o parecer vinculativo, as suas respetivas conclusões têm de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão, acarretando para o órgão decisor que nada mais resta do que proferir uma decisão de indeferimento da pretensão. VIII. Sendo os pareceres emitidos impugnáveis (artigo 51.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA), nos termos do artigo 51.º, n.º 3 do CPTA não se prevê o ónus da sua impugnação autónoma, nem a mesma se encontra prevista em lei especial, pelo que, se faculta a possibilidade de impugnação do ato final do procedimento, com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento. IX. Em face do teor dos pareceres emitidos pelo Município, nos termos em que constam dos pontos 2. e 3. do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, é manifesto que existiu uma ampla e aprofundada apreciação de todos os requisitos legais de que depende a aprovação da autorização de transferência de farmácia no mesmo concelho, nos termos do critérios fixados no artigo 26.º, n.º 2 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na sua redação alterada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, encontrando-se suficientemente fundamentado e, por isso, amplamente esclarecedor quanto às razões que motivam a emissão do parecer desfavorável, em termos em que determinam a falência dos argumentos esgrimidos no presente recurso, a respeito do erro sobre os pressupostos, da violação do princípio da proporcionalidade e do direito de livre iniciativa económica. X. Carece a Recorrente de razão ao pretender a desaplicação dos critérios legais previstos no artigo 26.º, n.º 2, com fundamento na violação do artigo 61.º, n.º 1 da CRP, porquanto, não só tais preceitos não têm por escopo prever, regular ou proteger o direito à iniciativa económica dos cidadãos, não se projetando sobre tal direito constitucional, como a viabilidade económica da farmácia é um dos critérios, entre outros, que deve ser considerado na análise do pedido de transferência. XI. Pelo contrário, o que resulta do regime legal previsto no citado artigo 26.º, n.º 2 é a enunciação de um conjunto de critérios legais que fazem sobressair a dimensão da tutela do interesse público na acessibilidade aos serviços farmacêuticos e no acesso ao medicamento. XII. A que acresce a dimensão constitucional, prevista na parte final do n.º 1 do artigo 61.º da CRP, de a iniciativa económica privada se exercer nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, tendo em conta o interesse geral |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
R............, Unipessoal, Lda., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 23/07/2019, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma da Madeira e o Município de Santa Cruz, julgou a ação improcedente, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido, de anulação do ato de indeferimento do pedido de transferência de localização da farmácia apresentado pela Autora e de condenação à prática do ato de autorização da transferência da farmácia. * Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida, no dia 23 de julho de 2019, pelo TAF do Funchal, que julgou improcedente a ação de impugnação do ato administrativo de indeferimento do pedido de transferência definitiva da F............, propriedade da Recorrente, proferido pela Secretaria Regional da Saúde, bem como o pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido pela Recorrida. B. A Recorrente entende que a douta sentença a quo desconsiderou factos que deveriam ter sido dados como provados e reconhecidos como essenciais à boa decisão da causa, incorrendo, assim, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, o que determina que venha a ser invalidada por este Tribunal, com as legais consequências. C. Além disso, entende a Recorrente que a douta sentença a quo, ao manter o ato de indeferimento do pedido de transferência da F............, o qual enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito concretamente aplicáveis e por violação do princípio da proporcionalidade, padece de um primeiro erro de julgamento sobre a matéria de direito. D.A sentença proferida pelo TAF do Funchal incorre, ainda, num segundo erro de julgamento sobre a matéria de direito, ao considerar que o Tribunal não pode apreciar o pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido formulado, pois tal constituiria uma intromissão na esfera de decisão da Administração, o que significaria uma violação do princípio da separação de poderes. E.A matéria de facto que o Tribunal a quo utilizou para concluir pela improcedência da ação é insuficiente, tendo por referência a factualidade carreada para os autos pelas Partes, que deveria ter sido considerada como provada e considerada essencial à boa decisão da lide. F.A matéria de facto dada como provada e essencial acabou por se limitar aos itens procedimentais trazidos à lide pelas Recorridas. G. Ora, se o que estava em causa era, precisamente, o erro nos pressupostos de facto que levaram à emissão de tais itens procedimentais, que contém uma representação errada da realidade (e do direito aplicável), não se percebe como é que os mesmos serviriam sem mais, para a apreciação da bondade dos pedidos da Recorrente. H.O Tribunal a quo devia ter considerado a factualidade anterior à decisão de indeferimento, sendo que além de se tratar de factos admitidos, dever-se-ia ter atendido ao efeito cominatório do artigo 574.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA. I. Em concreto, por via do ofício 1584, datado de 24 de maio de 2017, a Autora foi notificada (i). da anulação administrativa da (segunda) decisão administrativa de indeferimento, confirmando-se, portanto, que a mesma era ilegal e (ii). de despacho, datado de 22 de março de 2017, do qual constava projeto de indeferimento do pedido de transferência da “F............”, fundado no parecer desfavorável da Câmara Municipal de Santa Cruz. J.A Recorrente exerceu o seu direito de pronúncia em sede de audiência prévia dos interessados, momento em que a Recorrida Secretaria Regional remetido a pronúncia apresentada pela Recorrente ao Recorrido Município de Santa Cruz, que emitiu um parecer “complementar” igualmente desfavorável, todavia os erros de facto e de direito de que o parecer “originário” padecia mantiveram-se. K.Consequentemente, pelo ofício 2791, datado de 8 de setembro de 2017, a Recorrente foi notificada da decisão de “indeferir o pedido de transferência de localização da Farmácia “S………” da Estrada Regional, 207, Sítio dos Casais Próximos, Santo António da Serra, para o Edifício Casais da Quinta, Loja L, Estrada do Aeroporto, Caniço, nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, do regime jurídico das farmácias de oficina, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, e com os fundamentos constantes dos pareceres emitidos pela Câmara Municipal de Santa Cruz, através das Deliberações n.º 91/2017, de 14 de-07-2017, que aprovou por unanimidade a proposta n.º 85/2017, de 14 de julho, do presidente da Câmara de Santa Cruz (em anexo) e 20/2017, de 2 de março.”, fundamento da presente ação. L. A estes factos admitidos acrescem outros, afetos ao período anterior à propositura da ação, que são da maior relevância para a boa decisão da causa, em particular o facto de a “F............”, nos últimos anos, (em particular, quanto a 2013, 2014, 2015 e 2016) ter sofrido uma diminuição ao nível do número de atendimentos e do número de receitas dispensadas; e de nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 a Recorrente ter obtido prejuízos, onde se incluem responsabilidades mensais de amortizações / pagamento e de empréstimos contraídos junto do B….., M….. e B….., para fazer face a investimentos e despesas correntes de tesouraria. M.Todos estes factos, com sustentação documental, permitiriam ao Tribunal a quo, verificar que os Recorridos se encontravam em erro sobre os pressupostos de facto ao decidirem (e opinarem) pelo indeferimento. A apreciação destes factos como provados e relevantes ajudaria a perceber que in casu os requisitos e pressupostos de admissibilidade da transferência definitiva, vertidos na lei, estão preenchidos. N.Pelo que se terá forçosamente de concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir por não provados ou não essenciais, factos que demonstram inequivocamente o preenchimento, pela Recorrente, dos pressupostos de transferência e que sustentam os seus pedidos impugnatório e condenatório. O.Em face do que ficou assente e do que deveria ter ficado assente em matéria de alegação factual, o Tribunal a quo decidiu em erro de julgamento, ao considerar improcedente a impugnação do ato sub iudice, porquanto este enferma de erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito que conduziram à sua emanação. P.A transferência da “F............”, requerida pela Autora em 23 de outubro de 2015, foi indeferida em 6 de setembro de 2017, com “fundamento” no(s) parecer(es) prévio(s) da Câmara Municipal (Santa Cruz) – o “parecer prévio” e o “parecer complementar” –, que, quando desfavorável, é vinculativo, sendo que o Tribunal a quo furtou-se à apreciação do vício, resultante do confronto entre a realidade, o ato sob escrutínio e o direito aplicável. Q.A boa decisão da causa impunha que o Tribunal a quo verificasse se os Recorridos cumpriam ou não os critérios que lei manda considerar na apreciação de um pedido de transferência dentro do mesmo município, como aquele que está em causa nos presentes Autos. R.Para que a apreciação de um determinado pedido de transferência cumpra o disposto na lei, isto é, para que seja legalmente conforme, a mesma tem necessariamente que ser o resultado da adequada apreciação dos seguintes pressupostos (cfr. o artigo 26.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 307/2007): necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos; comodidade das populações; viabilidade económica da farmácia a transferir; melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos de promoção da saúde e do bem-estar dos utentes. S.Aquilo que o legislador cuidou de salvaguardar foi que a transferência de uma farmácia implique mais benefícios do que prejuízos e, quando assim é, seja autorizada. Caso não sejam tidos em consideração todos estes pressupostos ou os mesmos não sejam adequadamente apreciados, a decisão sobre o pedido de transferência será forçosamente ilegal. T.Bem andou a Recorrente, ao demonstrar que preenchida todos os requisitos e pressupostos legalmente previstos para a transferência, devendo, como de direito, ter acesso a esta, porquanto: a. Demonstrou que o pedido não coloca em causa a acessibilidade das populações ao medicamento, antes fomentando a mesma; b. Demonstrou que a transferência é conditio sine qua non da viabilidade económica da farmácia, transferência esta que, se frustrada, vai impor o inevitável encerramento da farmácia; c. Demonstrou que a transferência da farmácia vai proporcionar a melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos e do bem-estar dos utentes. U.E tudo isto com a simples e inegável evidência da realidade em que se insere o funcionamento da F............, pelo que os pareceres camarários assentaram em mais um pressuposto manifestamente errado, estando também por essa razão juridicamente corrompidos por um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito. V.Nem a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nem a decisão da Recorrida Secretaria Regional da Saúde, alicerçada no parecer do Município Recorrido, viram que se encontravam verificados os pressupostos de deferimento do pedido de transferência da F............, pelo que o Tribunal a quo andou em erro de julgamento, ao considerar que a motivação do pedido impugnatório se cingia a “valorações efectuadas sobre os factos”, quando o que se pedia ao Tribunal era apreciação e censura da gritante discrepância entre a realidade e os pressupostos decisórios dos Recorridos. W. Quanto à decisão impugnada, atenta a ilegalidade da pronúncia da Câmara, a Secretaria Regional deveria ter desconsiderado os pareceres camarários pois não há vinculatividade na ilegalidade e, no estrito cumprimento do quadro jurídico vigente e aplicável, a Secretaria Regional da Saúde deveria ter praticado um ato de deferimento da pretensão da Recorrente. X.Ora, sendo ilegal, deve o ato administrativo notificado, no dia 13 de setembro de 2017 ser objeto de anulação. Y.O ato administrativo praticado no dia 6 de setembro de 2017 encontra-se ainda juridicamente inquinado, dada a verificação de um vício de violação de lei, por preterição do princípio da proporcionalidade. Z.O Tribunal a quo, salvo a devida vénia, limita-se a apresentar algumas generalidades em tema de proporcionalidade, em termos perfunctórios, sem que tenha logrado realizar uma efetiva apreciação deste vício, incorrendo em erro de julgamento na apreciação realizada. AA.O princípio da proporcionalidade tem expressa consagração constitucional no artigo 18.º, n.º 2 e no artigo 266.º, n.º 2, ambos da Lei Fundamental Portuguesa, encontrando sustento legal no artigo 7.º do CPA, sendo que quando aplicado à atuação administrativa, o referido princípio exige que as decisões tomadas nesse âmbito sejam (i) adequadas, ou seja, que se revelem aptas, idóneas ou apropriadas à prossecução do fim ou fins visados; (ii) necessárias, no sentido da imprescindibilidade das desvantagens que tais medidas impõem às posições jurídicas dos particulares, por inexistência de outro meio menos penoso que permita atingir o fim em causa; (iii) proporcionais em sentido restrito (“justa medida”), atendendo à concreta relação de meio(s) e fim (ou fins), mediante um juízo de ponderação ou balanceamento a efetivar em concreto. BB. Já quanto à razoabilidade, está em causa saber se a afetação se evidencia “inadmissível ou intolerável do ponto de vista de quem a sofre e por razões essencialmente atinentes à sua subjectividade”. CC. Não se vislumbra que uma decisão administrativa de indeferimento do pedido de transferência apresentado pela Recorrente que, conforme alegado e demonstrado, terá como efeito o encerramento da “F............” e a própria insolvência da Recorrente, se afigure minimamente proporcional, atendendo aos subprincípios elencados: se confrontados os custos e os benefícios do ato em referência, facilmente se conclui que os custos para a esfera jurídica da Recorrente são imensos, estando em causa – reitere-se – o encerramento da “F............” e a própria insolvência da Recorrente. DD. Não se vislumbram, por outro lado, quaisquer benefícios advenientes de tal ato administrativo, nem se pode dizer que a Secretaria Regional da Saúde se encontra a cumprir a lei e a prosseguir o interesse público: é totalmente falso que assim seja, em face da flagrante ilegalidade que o invade. EE. O mesmo sucede quanto ao subprincípio da razoabilidade, na medida em que não se vislumbra uma carga coativa mais intensa do que a que, a curto prazo, irá resultar de tal ato administrativo: o encerramento da “F............” e a inevitável insolvência da Recorrente (cenário que é muito real). FF. Em suma, verifica-se aqui uma cedência total das pretensões e direitos da Recorrente, sem fundamento proporcional para o fazer, porquanto, como se viu, a decisão impugnada não logra identificar e apreciar corretamente os factos, nem tampouco fazê-lo em grau de justeza para com a pretensão da Recorrente, pelo que, em face do exposto, é violado o princípio da proporcionalidade (em concreto, os subprincípios da proporcionalidade em sentido restrito e da razoabilidade), sendo o ato administrativo em referência ilegal e, nessa medida, inválido, devendo ser anulado. GG. Consequentemente, o Tribunal a quo, ao considerar que não se verificava qualquer violação do princípio da proporcionalidade, incorreu em manifesto em erro de julgamento, pelo que a decisão recorrida deverá ser anulada ou revogada e substituída por outra que, em face da evidência, dê por anulado o ato administrativo sob censura. HH. O Tribunal a quo entendeu que deveria abster-se de julgar o pedido de condenação à prática do ato de autorização de transferência da F............ porquanto, no seu entendimento, tal juízo encontrar-se-á arredado dos tribunais administrativos, por imposição do princípio da separação de poderes. II. Salvo o devido respeito, que é muito, este juízo do Tribunal a quo enferma de erro na apreciação do direito relevante. JJ. Efetivamente, atento o preenchimento, in casu, dos requisitos e pressupostos legalmente previstos para transferências deste tipo, dúvidas inexistem de que deverá, nesta sequência, ser praticado, pela Recorrida Secretaria Regional da Saúde, um ato que, nos termos da lei, aprove a transferência da farmácia. KK. A este propósito, importa salientar que, no puro rigor dos conceitos, o regime jurídico aplicável à transferência das farmácias – ínsito, em particular, no Decreto-Lei n.º 307/2007, e na Portaria n.º 352/2012, – não concede à Administração uma margem de discricionariedade para deferir ou indeferir pedidos de transferência de farmácia. Pelo contrário! Os referidos requisitos implicam uma avaliação vinculada de conceitos jurídicos indeterminados, e, acrescente-se, não deve confundir-se a interpretação de conceitos indeterminados – que é o que está aqui em causa – com discricionariedade administrativa. LL. Ora, no caso concreto, existe uma disposição normativa – o artigo 21.º, n.º 1 da Portaria n.º 352/2012 que exclui, expressis verbis, juízos discricionários, ao estatuir que a Administração “(…) decide (…) sobre a aptidão ou inaptidão da proposta de nova localização da farmácia, de acordo com os requisitos e condições previstos na lei”. MM. Este juízo não implicava a formulação de juízos de cariz técnico ou outros que, de alguma forma, pudessem ser reconduzidos ao exercício (livre) de funções administrativas, mas importava antes a apreciação da adesão da factualidade verificada aos critérios que são legalmente previstos. NN. Significa isto que o Tribunal a quo deveria pronunciar-se sobre a pretensão material da Recorrente, emitindo uma sentença de condenação à prática de um ato de conteúdo determinado – o ato de deferimento da sua pretensão (cfr. o artigo 71.º, n.º 1 do CPTA). OO. O Tribunal a quo é induzido em erro de julgamento ao julgar que está diante do exercício discricionário de prerrogativas próprias da função administrativa. PP. Ainda que se entendesse que o ato pretendido se inscreve na margem de discricionariedade da Administração, o que, sublinhe-se, somente se equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre se concluirá que nos encontramos perante um caso de redução da discricionariedade a zero, porquanto a factualidade trazida ao procedimento não deixa outra solução viável senão a de que o pedido de transferência deve ser objeto de deferimento, pelo que sempre se diria que o Tribunal a quo deveria afastar a margem de livre apreciação administrativa, podendo condenar, em sede da ação principal, à prática do ato legalmente devido. QQ. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de desaplicação da interpretação normativa do artigo 26.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 307/2007, segundo a qual o pedido de transferência de uma farmácia que preencha os pressupostos de transferência previstos nesses normativos pode ser indeferido, quando se verifique o cumprimento integral desses propostos. RR. Como é sabido, o direito fundamental à livre iniciativa económica privada, constitucionalmente consagrado no artigo 61.º, n.º 1 da Lei Fundamental “(…) consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (direito à empresa, liberdade de criação da empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e atividade de empresa (liberdade empresa, liberdade de empresário)”. SS. Atendendo ao segmento final do aludido preceito constitucional podem ser estabelecidas restrições. É aqui que se admite o artigo 26.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 307/2007, que dita que a apreciação de um pedido de transferência da localização de uma farmácia depende da verificação dos critérios previstos nas sobreditas alíneas. TT. Todavia, o indicado artigo deve ser lido no sentido de que, preenchidos e verificados os conceitos indeterminados aí presentes, o particular tem o direito ao que a estatuição lhe confere e que, portanto, não envolve o exercício de um poder discricionário pela Administração. UU. Uma interpretação do artigo 26.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 307/2007, que conclua no sentido de que a ponderação dos critérios previstos no dispositivo legal em exame envolve a formulação de valorações próprias do poder administrativo, inexistentes na lei e de que, por conseguinte, não pode o Tribunal impor a prática de um ato de conteúdo determinado (i.e. o ato autorizativo da transferência de localização da “F............”), mas tão-somente a reabertura do procedimento administrativo, para que seja colhido novo parecer e praticado novo ato, viola o direito fundamental à livre iniciativa económica privada, na vertente da liberdade de empresa previsto no artigo 61.º, n.º 1 da Lei Fundamental, cujo exercício, com a interpretação enunciada, fica totalmente tolhido. VV. É assim porque nesse cenário o particular deixa de ter qualquer liberdade na gestão da sua empresa, no que se refere à decisão de transferência da localização da sua farmácia, com base em pressupostos adicionais aos que estão na lei, da lavra da Administração, ficando totalmente dependente da vontade da Administração que, se quiser impedir a concretização da transferência de localização de uma farmácia, basta ir praticando sucessivos atos ilegais e/ou desproporcionados. WW. Uma conduta, como a descrita, põe em causa a existência da empresa – que, como se viu, a norma constitucional visa proteger –, porquanto, sendo vedado o direito à transferência da localização da farmácia ao particular, este acaba por ter de a encerrar, por insustentabilidade económico-financeira. XX. Ora, isto representa, sem grande hesitação, uma restrição excessiva, total, ao exercício da atividade económica privada que o torna particularmente oneroso, contendendo, por isso, com o direito à livre iniciativa económica privada previsto no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição e ainda com o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado nos artigos 18.º n.º 2, n.º 3 in fine e 266.º, n.º 2. YY. Termos em que, salvo a devida consideração, o Tribunal a quo, ao limitar-se a constatar aquilo que é óbvio na ciência jurídico-constitucional, a possibilidade de existirem restrições legitimas a direitos fundamentais, olvida que já não se está perante uma interpretação normativa que promova uma restrição, que deixe um conteúdo do direito à mercê do exercício do seu titular, mas antes diante de uma denegação total do direito à livre iniciativa económica. ZZ. Pelo exposto, a Recorrente pugna pela desaplicação da norma constante do artigo 26.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 307/2007, quando interpretada no sentido de que pode existir indeferimento de um pedido de transferência definitiva de farmácia em casos onde se verifiquem o cumprimento dos pressupostos previstos na lei e, com agravo, desconsidere resultados negativos que levem à eminente insolvência da proprietária da farmácia, por restrição inadmissível do direito fundamental à livre iniciativa económica dos cidadãos, com guarida no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição. AAA. Como já se referiu sobejamente, o Tribunal a quo entendeu que não caberia aos tribunais administrativos apreciar os pedidos de condenação à prática do ato legalmente devido, mesmo quando os conceitos indeterminados previstos pelo artigo 26.º, n.º 2, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto já se encontrem, pela factualidade verificada e pelos elementos probatórios trazidos ao procedimento administrativo e à lide, preenchidos. BBB. Esta interpretação normativa colide com a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva presente na Constituição (prevista no artigo 20.º, n.º 1 e, quanto à jurisdição administrativa, no artigo 268.º, n.º 4), porquanto vem coartar esta garantia. CCC. O Tribunal a quo escusou-se a apreciar o pedido condenatório da Recorrida com fundamento no facto de que estaríamos perante uma valoração própria da Administração, “seara” onde o Tribunal não poderia “meter a sua foice”. Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que não assiste razão ao Tribunal. DDD. O Tribunal a quo começa por indicar, que o que está em causa é o exercício de valorações próprias da função administrativa, juízos de valor, de prognose ou de oportunidade, por parte da Administração. O Tribunal a quo parece reconduzir de forma acrítica o preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados à figura da discricionariedade administrativa. São, recorda-se, temas distintos. EEE. Na verdade, a Recorrente tem direito a exigir, junto dos tribunais administrativos, o cumprimento das suas pretensões, desde que estas sejam conformes com a juridicidade e desde que a apreciação dessas pretensões não envolva uma intromissão no exercício das funções da Administração. FFF. Já não vivemos um contencioso de mera anulação! O cumprimento das exigências previstas na lei, mesmo que com recurso a conceitos indeterminados pode e deve ser apreciado pelos tribunais administrativos, nomeadamente quando estejamos apreciação grosseira desses conceitos indeterminados, sob pena de se limitar, de forma constitucionalmente inadmissível, a garantia de acesso aos tribunais na defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. GGG. Termos em que a interpretação normativa que resulta da conjugação do artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei com o artigo 3.º, n.º 1, do CPTA, que vai no sentido de que a apreciação judicial do cumprimento dos pressupostos aplicáveis à transferência de farmácias está vedada aos tribunais administrativos, padece de inconstitucionalidade material, por violação da garantia à tutela jurisdicional efetiva, prevista nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”.
Pede que seja concedido integral provimento ao recurso e, em consequência, ser a decisão recorrida declarada nula ou, caso assim não se entenda, revogada, com as demais e devidas consequências legais. * A Secretaria Regional da Saúde, notificada, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, mas sem formular conclusões. Conclui pelo acerto da sentença recorrida e que a mesma deve ser confirmada. Pede que seja negado provimento ao recurso. * O Município de Santa Cruz não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido. * Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer. * O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de: 1. Erro de julgamento de facto, por desconsiderar factos relevantes; 2. Erro de julgamento de direito, quanto aos pressupostos de transferência de farmácia dentro do mesmo município e por violação do princípio da proporcionalidade; 3. Erro de julgamento de direito, quanto ao pedido de condenação à prática de ato devido.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1. Em 23/10/2015 a Autora requereu autorização ao Secretário Regional dos Assuntos Sociais para transferir a localização da F............ sita na Estrada Regional 207, n.º 384, Sítio dos Casais Próximos, 9100 Santa Cruz, freguesia de Santo António da Serra, Concelho de Santa Cruz, Região Autónoma da Madeira, para as instalações sitas na Estrada do Aeroporto Quinta, Edifício Casais da Quinta, Loja L, 9125-087 Caniço, Concelho de Santa Cruz, Região Autónoma da Madeira, mediante requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. Em 24/02/2017 o Município de Santa Cruz emitiu parecer quanto à transferência de localização da F............, nos termos do qual consta:
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3. Em 12/07/2017 o Município de Santa Cruz emitiu parecer complementar, quanto à transferência de localização da F............, nos termos do qual consta: «imagem no original»
4. Em 06/09/2017 a Secretaria Regional da Saúde indeferiu o pedido de transferência de localização da F............, nos seguintes termos: «imagem no original»
* Factos não Provados
Não existem factos alegados relevantes para a decisão da causa a considerar como não provados. * Motivação
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado e consignar se a considera provada ou não provada. A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos e os constantes do processo administrativo. * Consigna-se que não foram tomados em consideração os demais factos constantes dos articulados por serem conclusivos ou conterem matéria de direito ou ainda por se apresentarem inócuos e irrelevantes para a decisão.”.
DE DIREITO Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.
1. Erro de julgamento de facto, por desconsiderar factos relevantes Nos termos invocados pela Autora, ora Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por deficiência, tendo desconsiderando certos factos relevantes para a decisão da causa. Invoca que sendo um dos fundamentos da ação, o erro sobre os pressupostos de facto, não poderia o Tribunal a quo considerar apenas a factualidade que resulta do processo administrativo instrutor. Para tanto, procede a Recorrente à alegação da factualidade ocorrida antes da prática do ato impugnado, referente à atuação administrativa das Entidades Demandadas, decorrente da emissão de um parecer desfavorável anterior pelo Município de Santa Cruz e da prática de um ato administrativo de indeferimento do pedido de transferência de farmácia, pelo Secretário Regional da Saúde. Também refere a factualidade relativa aos processos judiciais que foram instaurados para reagir contra essa atuação, quer o processo cautelar, quer a ação administrativa, tendo a tutela cautelar sido recusada nos termos decididos pelo Acórdão do STA, no processo n.º 1338/16, de 01/02/2017. O que resulta da alegação da ora Recorrente no presente recurso é, por isso, a alegação de factos relativos à emissão de um parecer desfavorável e à prática de um ato administrativo, que não é aquele que é impugnado na presente ação. Além disso, abstém-se a Recorrente de invocar as razões ou motivos porque considera ser essa factualidade relevante para a decisão a proferir, por nada referir a esse respeito. De modo que fica este Tribunal ad quem sem saber qual a relevância desses factos para a decisão a proferir sobre o objeto do presente litígio, por a Recorrente se limitar a alegar que foram desconsiderados factos pertinentes, sem mais. Acresce que em momento algum a Recorrente procede à concretização de qual ou quais os factos que pretende que sejam aditados, não indicando o seu teor ou redação a considerar, nem o respetivo meio de prova que lhe serve de fundamentação, por nada concretizar. A Recorrente não cumpre, por isso, os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, pois não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, por deficiência, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do processo instrutor, que impunham o aditamento da matéria de facto julgada provada, segundo o disposto nas alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 640.º do CPC. Pretendendo a Recorrente que o Tribunal de recurso procedesse ao aditamento da matéria de facto, cabia-lhe alegar, de forma concretizada, os concretos pontos de facto que deviam ser levados ao probatório, enquadrando-os nos meios de prova pertinentes, o que não logra ocorrer no presente recurso, por a Recorrente se limitar a uma alegação genérica da factualidade que deveria ser aditada. Sem prejuízo, não se vislumbra em que medida a atuação administrativa das Entidades Demandadas, praticada em momento anterior ao ato impugnado e respeitante a uma anterior decisão administrativa, que não é aquela que se mostra impugnada no presente recurso, pode ser relevante para a decisão a proferir na presente instância. Nem a Recorrente procede a esta alegação e demonstração, para que o Tribunal ad quem a possa ter em consideração. Assim, na linha da fundamentação da matéria de facto constante da sentença sob recurso, não basta que existam outros factos para que os mesmos, sem mais, devam constar do probatório assente da sentença, sendo necessário que se afira da sua relevância ou pertinência, o que a ora Recorrente não logra invocar e, menos ainda, justificar, mediante a respetiva alegação nesse sentido. Donde, não só não se mostrarem verificados os requisitos legais de que depende a impugnação do julgamento da matéria de facto, como não se vislumbra a existência de quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que devam ser aditados ao julgamento de facto. O que determina a improcedência do fundamento do recurso, por não provado.
2. Erro de julgamento de direito, quanto aos pressupostos de transferência de farmácia dentro do mesmo município e por violação do princípio da proporcionalidade No demais, vem a Recorrente assacar o erro de julgamento de direito à sentença recorrida no que respeita à apreciação e decisão dos pressupostos de transferência de farmácia dentro do mesmo município, sustentando que, ao contrário do decidido, o ato impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito. Sustenta que o Tribunal recorrido devia ter verificado se nas pronúncias administrativas emitidas foram atendidos os critérios legalmente previstos para a apreciação do pedido de transferência de farmácia dentro do mesmo município. Defende que a lei erigiu vários critérios, estando subjacente uma ideia de igualdade na ponderação de cada um dos critérios, para além da obrigatoriedade de ponderação de todos os critérios. Do parecer emitido pela Câmara Municipal de Santa Cruz seria irrelevante o acesso ao medicamento pelas populações fixadas no local para onde se pretende a transferência. Por isso, defende que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos, por a Recorrente ter alegado e provados todos os pressupostos, sem que os mesmos tivessem sido apreciados pelas Entidades Demandadas, tornando a decisão impugnada ilegal. Sustenta que no parecer emitido não foi promovida a apreciação do critério da acessibilidade aos medicamentos, o que constitui uma omissão que afeta a sua validade. Olvida o parecer emitido que o pedido de transferência pretende evitar o encerramento da farmácia no local em que se encontra, por não se justificar uma farmácia na freguesia de Santo António da Serra, face do número de utentes que serve, a rondar os 200, ao contrário do local de destino, o Caniço, que é a freguesia mais populosa do concelho de Santa Cruz, onde está concentrada a maioria da população. Donde, defender serem maiores as vantagens da transferência em matéria de acessibilidade das populações aos medicamentos. No que respeita à viabilidade da farmácia a transferir, sustenta que a transferência é essencial para assegurar a sua viabilidade económica e para evitar o encerramento da farmácia e no tocante à melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos e do bem-estar dos utentes também invoca vantagens na transferência requerida. Defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que a motivação do pedido impugnatório se cinge às valorações sobre factos, quando se pretende que o Tribunal aprecie a discrepância entre a realidade e os pressupostos decisórios recorridos, além de, atenta a ilegalidade do parecer emitido pela Câmara Municipal de Santa Cruz, deveria a entidade decisória ter desconsiderado os pareceres emitidos e ter deferido o pedido de transferência, por não existir vinculatividade na ilegalidade. No demais, alega ainda o erro de julgamento da sentença a respeito do vício de violação de lei, por violação do princípio da proporcionalidade, por não se vislumbrar que a decisão de indeferimento do pedido de transferência que terá como efeito o encerramento da farmácia e a própria insolvência da Recorrente, seja proporcional, tanto mais que não se vislumbram existir benefícios advenientes do ato impugnado. Vejamos. Explanados os argumentos invocados pela Recorrente, importa atender à concreta matéria de facto dada como provada nos autos. Como se extrai do elenco dos factos provados, em 23/20/2015 a ora Recorrente apresentou pedido de autorização de transferência da F............, sita na freguesia de Santo António da Serra, concelho de Santa Cruz, para a freguesia do Caniço, no mesmo concelho de Santa Cruz. Sobre esse pedido recaiu o parecer desfavorável da Câmara Municipal de Santa Cruz, datado de 24/02/2017 e ainda o parecer complementar da mesma entidade, no mesmo sentido desfavorável, datado de 12/07/2017, nos termos constantes dos pontos 2) e 3) do julgamento da matéria de facto. Considerando o parecer negativo, em 06/09/2017 a Secretaria Regional da Saúde indeferiu o pedido de transferência. De forma a tomar posição sobre os fundamentos do recurso, sobre o alegado erro de julgamento de direito em que incorre a sentença recorrida quer a respeito da verificação dos requisitos para a autorização da transferência, quer sobre a violação do principio da proporcionalidade, importa analisar atentamente o teor dos citados pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz, nos quais se funda o ato impugnado. Invoca a Recorrente contra os citados pareceres, quer o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, quer a omissão de tomada de posição sobre certas matérias e, consequentemente, o ato impugnado. No âmbito do conhecimento dos fundamentos do recurso, nos exatos termos em que se mostra alegado pela Recorrente no presente recurso, importa, no entanto e antes de mais, considerar a configuração que foi dada à lide na petição inicial, segundo o pedido e a causa de pedir. Como resulta da petição inicial a Autora veio a juízo instaurar uma ação administrativa contra a Secretaria Regional de Saúde e o Município de Santa Cruz, pedindo a impugnação do ato praticado pela primeira Demandada, que indefere o pedido de transferência de farmácia no mesmo município e a condenação da primeira Demandada à prática do ato devido, a praticar o ato de autorização da transferência das instalações da farmácia da freguesia de Santo António da Serra, para a freguesia do Caniço, no município de Santa Cruz. Embora a Autora demande o Município de Santa Cruz não formula quanto ao mesmo qualquer pedido, não impugnando os pareceres emitidos, nem pedindo a sua condenação à emissão de parecer favorável à requerida transferência da farmácia. Por isso, apenas se compreende a demanda do Município de Santa Cruz na presente ação considerando a sua intervenção no procedimento administrativo, por nenhuma pretensão ser contra ele deduzida. Na verdade, há muito que é admitida a impugnação contenciosa dos pareceres, designadamente, quando produzem efeitos vinculativos, como no presente caso. Por relevante, segue-se a doutrina ditada pelo Acórdão do Pleno do STA, datado de 06/12/2005, Processo n.º 0239/04, segundo o qual: “O parecer vinculativo, apesar de não ser o acto final decisor com que se extingue o procedimento administrativo, é impugnável autonomamente, pela eficácia externa que produza e pela lesividade que represente.”. Embora essa impugnação não deixe de ser entendida no quadro do exercício de uma mera faculdade, considerando o princípio da impugnação unitária, previsto no artigo 51.º do CPTA, implicando que a falta de impugnação do parecer não opere os efeitos do caso decidido, não deixa a concreta configuração dada ao litígio pela Autora, de se repercutir no âmbito objetivo da presente ação e do presente recurso jurisdicional e, consequentemente, nos poderes de pronúncia e de decisão do tribunal. O que pretende a Autora e ora Recorrente não é que o Município de Santa Cruz emita uma pronúncia favorável à sua pretensão, por não vir impugnar os pareceres emitidos, nem vir pedir a sua condenação à emissão de parecer favorável, mas antes que o tribunal anule o ato impugnado, com fundamento na ilegalidade dos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz. A Autora, ora Recorrente, em nenhum momento impugna qualquer dos pareceres emitidos, mas decorre dos termos em que se apresenta em juízo, que procede à sua impugnação implícita, por fundar a ilegalidade do ato impugnado, na ilegalidade dos pareceres emitidos. Porém, como se irá ver, o âmbito de pronúncia e de decisão do tribunal não será o mesmo em ambos os casos, pois não é igual proceder a uma impugnação ou não proceder a essa impugnação. Considerando a data da apresentação do pedido pela ora Recorrente, em 23/10/2015 e, concretamente, a data de emissão dos pareceres pelo Município de Santa Cruz, em 24/02/2017 e em 12/07/2017, tem aplicação o novo CPA, aprovado pelo D.L. n.º 4/2015, de 07/01, segundo o qual, nos termos do artigo 91.º, n.º 1, os pareceres são obrigatórios no caso de serem exigidos por lei e são vinculativos no caso de as suas respetivas conclusões tenham de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão. Segundo o disposto no artigo 91.º, n.º 2 do CPA, salvo disposição expressa em contrario, os pareceres legalmente previstos consideram-se obrigatórios e não vinculativos. O que significa que, nos termos gerais, o parecer tem de ser emitido, mas as suas respetivas conclusões não têm de ser seguidas pela entidade competente para decidir. No caso dos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz, os mesmos foram emitidos ao abrigo do disposto no artigo 26.º, n.º 3 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na sua redação alterada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, que aprova o regime de transferência de farmácias (primeira alteração ao D.L. n.º 307/2007, de 31/08). Com relevo, estabelece o artigo 26.º do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, o seguinte: “1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a proprietária pode, dentro do mesmo município, transferir a localização da farmácia, desde que observe as condições de funcionamento. 2 – Na apreciação do pedido de transferência da localização da farmácia ter -se -á em atenção os seguintes critérios: a) A necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos, a sua comodidade, bem como a viabilidade económica da farmácia, cuja localização o proprietário pretenda transferir; b) A melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos de promoção de saúde e do bem-estar dos utentes. 3 – A autorização da transferência de farmácia está sujeita a parecer prévio da câmara municipal competente em razão do território, a emitir no prazo de 60 dias a contar da data da entrada do pedido nos respectivos serviços. 4 – Quando desfavorável, o parecer a que se refere o número anterior é vinculativo. 5 – A não emissão do parecer a que se refere o n.º 3, no prazo fixado para o efeito, entende-se como parecer favorável. 6 – Sem prejuízo da observância do disposto nos números anteriores, o requisito da distância mínima entre farmácias, tal como definido em diploma próprio, não é aplicável no caso de transferência dentro da mesma localidade, desde que: a) Seja previsível a melhoria da qualidade da assistência farmacêutica; b) Não ocorra alteração da cobertura farmacêutica; c) Os proprietários das farmácias situadas a distância inferior à definida no diploma a que se refere o presente número declarem por escrito a sua não oposição; d) A nova localização da farmácia respeite as áreas e divisões legalmente exigíveis para aqueles estabelecimentos. 7 – O disposto na alínea c) do número anterior apenas é aplicável no caso de a transferência resultar numa maior proximidade geográfica entre a farmácia a transferir e as existentes.”. Estando em causa o pedido de transferência de farmácia no mesmo concelho, não há dúvidas sobre a aplicação do disposto no citado artigo 26.º ao caso em litígio. Com relevo, estabelecem os n.ºs 3 e 4 do artigo 26.º ora em análise que a autorização da transferência de farmácia está sujeita a parecer prévio da câmara municipal competente em razão do território, a emitir no prazo de 60 dias a contar da data da entrada do pedido nos respetivos serviços e que, “Quando desfavorável, o parecer a que se refere o número anterior é vinculativo.”. O que significa que o artigo 26.º, n.º 4 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, enquanto lei especial aplicável ao caso, regula de forma particular o efeito do parecer emitido nos termos do artigo 26.º, n.º 3, afastando a regra geral prevista no artigo 91.º, n.º 2 do CPA. Sendo o parecer emitido nos termos do citado artigo 26.º, n.º 3 produtor de efeitos vinculativos, no sentido de as suas respetivas conclusões terem de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão, in casu, a Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma da Madeira, acarreta para este órgão que nada mais resta do que proferir uma decisão de indeferimento da pretensão formulada pela interessada, por não poder sobrepor-se ao parecer desfavorável emitido. Assim, em face do disposto no artigo 26.º, n.ºs 3 e 4 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, sendo este um parecer obrigatório e vinculativo, estava o órgão decisor adstrito ao sentido desfavorável nele emitido. A Secretaria Regional da Saúde, entidade decisora do procedimento de autorização de transferência de farmácia no mesmo concelho, está vinculada a acatar os fundamentos e o sentido do parecer vinculante emitido pelo Município de Santa Cruz, “sob pena de nulidade, salvo nos casos em que o parecer seja inexistente, nulo ou padeça de alguma irregularidade formal que aquela possa mandar repetir”, tal como decidido no citado Acórdão do Pleno do STA, datado de 06/12/2005, Processo n.º 0239/04. No presente recurso a Recorrente não assaca a inexistência ou nulidade aos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz, nem que os mesmos incorram na preterição de qualquer formalidade ou irregularidade formal, que possa ser sanada. A Autora, ora Recorrente, dirige contra os pareceres desfavoráveis o erro sobre os pressupostos, reconduzível ao vício de violação de lei, subsumível ao regime da anulabilidade. O que nada obsta, por a Autora, diretamente lesada, que impugna o ato de indeferimento poder, de acordo com o princípio da impugnação unitária, imputar-lhe as ilegalidades de que o próprio parecer padeça, nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 3 do CPTA. Assim, sendo os pareceres emitidos impugnáveis, segundo o artigo 51.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, nos termos do artigo 51.º, n.º 3 do CPTA não se prevê o ónus da sua impugnação autónoma, nem a mesma se encontra prevista em lei especial, pelo que, antes se faculta a possibilidade de impugnação do ato final do procedimento, com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento. Donde, sendo facultativa a impugnação dos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz, por na ação administrativa de impugnação de ato administrativo vigorar o princípio da impugnação unitária, podendo ser impugnado apenas o ato final do procedimento, tal não colide com uma questão muito diferente, de se encontrar a Secretaria Regional da Saúde vinculada a seguir o sentido dos pareceres emitidos e não poder deixar de os acatar, por, tendo sido emitido pareceres desfavoráveis, estarem em causa pareceres vinculativos, nem com a possibilidade de ser dirigido contra o ato final a censura que podia ter sido dirigida contra o parecer. O que implica que se conheça dos fundamentos do recurso, nos termos invocados pela Recorrente. Ora, ao contrário do alegado no presente recurso, não tem a ora Recorrente qualquer razão ao pretender que a Secretaria Regional da Saúde desconsidere o parecer desfavorável emitido pelo Município de Santa Cruz, com fundamento na sua ilegalidade, sendo imprestáveis todos os argumentos invocados no presente recurso pela Recorrente a respeito do alegado erro de julgamento de direito da sentença recorrida, com base no invocado erro nos pressupostos de facto e de direito e na violação do princípio da proporcionalidade. Em face do exato teor dos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz, nos termos em que constam dos pontos 2. e 3. do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, é manifesto que existiu uma ampla e aprofundada apreciação de todos os requisitos legais de que depende a aprovação da autorização de transferência de farmácia no mesmo concelho, encontrando-se suficientemente fundamentado e, por isso, amplamente esclarecedor quanto às razões que motivam a emissão do parecer desfavorável, em termos em que determinam a falência dos argumentos esgrimidos pela Autora, ora Recorrente, no presente recurso. Não tem a ora Recorrente razão ao invocar que existe uma representação errada da realidade nos pareceres emitidos, apresentando-se os mesmos suficientemente concretizados no plano das razões de facto. Os pareceres não põem em crise que a Farmácia na localização em que se encontra, na freguesia de Santo António da Serra tem um público limitado, em função do número de residentes, igualmente reduzido, com repercussões financeiras da Farmácia, mas destaca a importância de salvaguardar as populações já isoladas e o interesse da acessibilidade das populações aos medicamentos, numa população que é maioritariamente idosa e de baixos recursos, sendo a Farmácia detida pela Autora a única da freguesia, ao contrário da freguesia do Caniço, que já conta com outra Farmácia, sendo, por isso, inequívoco o interesse subjacente à manutenção da Farmácia no local em que se localiza, por serem maiores os benefícios, quando comparados com os que podem resultar da sua transferência. Importa notar que de acordo com o artigo 26.º, n.º 2, do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, na apreciação do pedido de transferência da localização da farmácia ter-se-á em atenção os seguintes critérios: “a) A necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos, a sua comodidade, bem como a viabilidade económica da farmácia, cuja localização o proprietário pretenda transferir; b) A melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos de promoção de saúde e do bem-estar dos utentes.”. Nos termos que resultam dos pareceres emitidos estão devidamente indicadas as razões porque se considera serem prevalecentes os interesses de salvaguarda da acessibilidade das populações da freguesia de Santo António da Serra aos medicamentos, quando comparadas com as populações da freguesia do Caniço, assim como a necessidade de assegurar a comodidade daquelas populações e ainda a necessidade de manter a única farmácia existente na freguesia, na perspetiva de manutenção dos serviços farmacêuticos de promoção de saúde e do bem-estar dos utentes. Concretiza a Câmara Municipal de Santa Cruz no parecer complementar emitido que do ponto de vista do interesse público a necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos e a sua comodidade, não pode, nem deve ser ponderada unicamente em função do número de utentes a servir no local de origem e no local de destino, pois importa a preocupação de não agravar a desertificação da freguesia rural, antes criando condições para a fixação das populações no local e de lhes proporcionar os serviços essenciais, como é o caso dos serviços farmacêuticos e de acesso ao medicamento. Já no que se refere à freguesia do Caniço, não se verifica a necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos, nem que exista qualquer incómodo das populações no acesso aos medicamentos, por se encontrar bem dotada de serviços farmacêuticos. Tanto mais, que a ocorrer a transferência as populações de Santa Maria da Serra ficariam privadas de qualquer farmácia, sendo a detida pela Autora a mais próxima do Centro de Saúde do Santo da Serra. Além de que, não se escusou o parecer emitido de apreciar as razões relativas à viabilidade económica da farmácia, nos termos constantes das alíneas a) a h) do parecer complementar, cujas razões e argumentos invocados em cada uma das citadas alíneas não são refutados no presente recurso. Neste sentido, carece em absoluto de razão a ora Recorrente ao invocar que os pressupostos legais de que depende a transferência da farmácia no mesmo concelho não foram todos apreciados ou não o foram em termos adequados, resultando inteiramente demonstrada nos pareceres emitidos, a realidade inversa da invocada no presente recurso. Pelo contrário, o que resulta das razões invocadas nos pareceres emitidos pelo Município de Santa Cruz é que não estão verificadas as condições para a transferência requerida ser autorizada. Encontra-se suficientemente demonstrado que a transferência de farmácia colocaria em causa a acessibilidade das populações ao medicamento e que iria produzir um prejuízo em termos de prestação dos serviços farmacêuticos e do bem-estar e comodidade dos utentes, por implicar a privação aos utentes desses serviços, deixando-os sem o serviço farmacêutico na sua freguesia, sem que a Recorrente tenha abalado as razões constantes nas alíneas a) a h) do parecer complementar acerca da sua viabilidade financeira. O que determina a proporcionalidade da decisão tomada, tanto mais justificada perante a análise de um conjunto de requisitos legais a que tem de obedecer. Ao contrário do defendido pela Recorrente o ato impugna-se encontra a sua justificação quer em face da aplicação dos requisitos legais previstos no citado artigo 26.º, n.º 2 ao caso concreto, quer à luz de princípios da necessidade e de adequação para a salvaguarda dos interesses que pretende assegurar, de acesso ao medicamento e de comodidade e bem-estar das populações isoladas, maioritariamente idosas e de baixos recursos e de evitar a desertificação de uma freguesia rural, sem que a isso se oponham os interesses económicos defendidos pela Autora, nos termos invocados acerca da sua sustentabilidade financeira. De resto, carece a Recorrente de qualquer razão ao pretender a desaplicação dos critérios legais previstos no artigo 26.º, n.º 2, com fundamento na violação do artigo 61.º, n.º 1 da CRP, porquanto, não só tais preceitos não têm por escopo prever, regular ou proteger o direito à iniciativa económica dos cidadãos, não se projetando sobre tal direito constitucional, como a viabilidade económica da farmácia é um dos critérios, entre outros, que deve ser considerado na análise do pedido de transferência. Pelo contrário, o que resulta do regime legal previsto no citado artigo 26.º, n.º 2 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, é a enunciação de um conjunto de critérios legais que fazem sobressair a dimensão da tutela do interesse público na acessibilidade aos serviços farmacêuticos e no acesso ao medicamento. Nem se vislumbra em que medida seria limitado ou restringido o direito à iniciativa económica dos cidadãos, previsto no 61.º, n.º 1 da CRP, na exata medida em que em consequência do ato impugnado, a Autora, ora Recorrente não fica privada de exercer a sua atividade da farmácia no local em que se localiza. A que acresce a dimensão constitucional, prevista na parte final do n.º 1 do artigo 61.º da CRP, de a iniciativa económica privada se exercer nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, tendo em conta o interesse geral. A Autora, ora Recorrente é livre de continuar a exercer a sua atividade económica na farmácia, olvidando os interesses que subjazem ao regime jurídico da transferência de farmácia e do seu próprio exercício, não obstante as alterações já ocorridas (vide sobre a evolução normativa, o Acórdão do STA, de 31/03/2011, Processo n.º 057/11). Por isso, nenhumas razões se verificam que conduzam ao juízo de desaplicação do disposto no artigo 26.º, n.º 2 ao caso particular da ora Recorrente. O que implica que o ato impugnado, baseado nos pareceres emitidos, não incorra em qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, nem sequer da violação do princípio da proporcionalidade, em face da concreta factualidade invocada nos pareceres, que não logrou ser abalada pela Recorrente no presente recurso. Trata-se de um caso típico de ponderação de interesses públicos e de interesses privados, sendo no presente caso manifestamente prevalecentes os interesses associados à manutenção da farmácia no local em que se encontra. Nestes termos, em face de todo o exposto, com base nas razões de facto e de direito antecedentes, será de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso relativo ao erro de julgamento de direito, não assistindo razão à Recorrente quanto ao invocado.
3. Erro de julgamento de direito quanto ao pedido de condenação à prática de ato devido No demais, considerando as pronúncias anteriormente emitidas, no sentido da improcedência dos erros de julgamento de facto e de direito, sendo de manter o ato impugnado na ordem jurídica, carece de fundamento o invocado erro de julgamento de direito quanto ao pedido de condenação à prática de ato devido. O que acarreta, sem necessidade de maior fundamentação, o juízo da improcedência do fundamento do recurso. * Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Mostram-se incumpridos os requisitos previstos no artigo 640.º, n.º 1, a) e b) do CPC se o recorrente que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, por deficiência, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do processo instrutor, que impunham o aditamento da matéria de facto julgada provada. II. Pretendendo que o Tribunal de recurso proceda ao aditamento da matéria de facto, cabia ao impugnante alegar de forma concretizada os concretos pontos de factos que deviam ser levados ao probatório, enquadrando-os nos meios de prova pertinentes. III. Tendo a ação administrativa, que pretende reverter a decisão de indeferimento da transferência de farmácia no mesmo município, sido instaurada contra a Secretaria Regional de Saúde e o Município competente, nela se pedindo a impugnação do ato de indeferimento praticado pela primeira Demandada e a sua condenação à prática do ato devido de autorização da transferência, sem que se formule qualquer pedido contra o respetivo Município, não existe a impugnação autónoma dos pareceres emitidos, nem é pedida a sua condenação à emissão de parecer favorável. IV. Essa impugnação é entendida no quadro do exercício de uma mera faculdade, considerando o princípio da impugnação unitária, previsto no artigo 51.º do CPTA, implicando que a falta de impugnação do parecer não opere os efeitos do caso decidido. V. Nos termos do artigo 91.º, n.º 1 do CPA, os pareceres são obrigatórios no caso de serem exigidos por lei e são vinculativos no caso de as suas respetivas conclusões tenham de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão. VI. No caso dos pareceres emitidos pelo Município, ao abrigo do artigo 26.º, n.º 3 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na sua redação alterada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, que aprova o regime de transferência de farmácias (primeira alteração ao D.L. n.º 307/2007, de 31/08), os pareceres quando desfavoráveis, são obrigatórios e vinculativos. VII. Sendo o parecer vinculativo, as suas respetivas conclusões têm de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão, acarretando para o órgão decisor que nada mais resta do que proferir uma decisão de indeferimento da pretensão. VIII. Sendo os pareceres emitidos impugnáveis (artigo 51.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA), nos termos do artigo 51.º, n.º 3 do CPTA não se prevê o ónus da sua impugnação autónoma, nem a mesma se encontra prevista em lei especial, pelo que, se faculta a possibilidade de impugnação do ato final do procedimento, com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento. IX. Em face do teor dos pareceres emitidos pelo Município, nos termos em que constam dos pontos 2. e 3. do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, é manifesto que existiu uma ampla e aprofundada apreciação de todos os requisitos legais de que depende a aprovação da autorização de transferência de farmácia no mesmo concelho, nos termos do critérios fixados no artigo 26.º, n.º 2 do D.L. n.º 307/2007, de 31/08, na sua redação alterada pela Lei n.º 26/2011, de 16/06, encontrando-se suficientemente fundamentado e, por isso, amplamente esclarecedor quanto às razões que motivam a emissão do parecer desfavorável, em termos em que determinam a falência dos argumentos esgrimidos no presente recurso, a respeito do erro sobre os pressupostos, da violação do princípio da proporcionalidade e do direito de livre iniciativa económica. X. Carece a Recorrente de razão ao pretender a desaplicação dos critérios legais previstos no artigo 26.º, n.º 2, com fundamento na violação do artigo 61.º, n.º 1 da CRP, porquanto, não só tais preceitos não têm por escopo prever, regular ou proteger o direito à iniciativa económica dos cidadãos, não se projetando sobre tal direito constitucional, como a viabilidade económica da farmácia é um dos critérios, entre outros, que deve ser considerado na análise do pedido de transferência. XI. Pelo contrário, o que resulta do regime legal previsto no citado artigo 26.º, n.º 2 é a enunciação de um conjunto de critérios legais que fazem sobressair a dimensão da tutela do interesse público na acessibilidade aos serviços farmacêuticos e no acesso ao medicamento. XII. A que acresce a dimensão constitucional, prevista na parte final do n.º 1 do artigo 61.º da CRP, de a iniciativa económica privada se exercer nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, tendo em conta o interesse geral. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes. (Ana Celeste Carvalho - Relatora) |