Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:278/22.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/30/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
114.º DO RGIT
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I – Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II – Tendo sido imputada à Arguida a infração punida pelo art.º 114.º, n.ºs. 2 e 5, alínea f) do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o art.º 45.º, n.º 4 da LGT é de quatro anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A…, melhor identificada nos autos, interpôs recurso da decisão proferida em 16/05/2024 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente o recurso judicial interposto contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3, que no processo de contraordenação n.º 34092017060000104290 lhe aplicou uma coima de 546,17 Euros pela prática da infração fiscal prevista e punida pelas disposições conjugadas dos art.ºs 102.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («CIRS») e 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f) do Regime Geral das Infrações Tributárias («RGIT»).


Não se conformando com a decisão, a Recorrente, interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1. Os rendimentos do sujeito passivo na qualidade de sócio de uma sociedade de profissionais não são rendimentos da categoria B, mas antes são rendimentos imputados ao sujeito passivo como se de rendimentos da categoria B se tratassem.
2. O que aliás ocorre também relativamente à imputação de rendimentos de herança indivisa (a indicar igualmente no Anexo D da Declaração de Rendimentos), sem que alguém ouse dizer que estes rendimentos constituem rendimentos da categoria B.
3. Tanto assim é que a declaração dos referidos rendimentos foi feita no Anexo D da declaração Modelo 3 do IRS e não no Anexo B (este sim relativo a rendimentos da categoria B).
4. O artigo 102º do CIRS apenas impõe a efectivação de pagamentos por conta a titulares de
rendimentos da categoria B e estes são os rendimentos a que alude o artigo 3º do CIRS e não
quaisquer outros.
5. Os titulares de rendimentos provenientes da aplicação do regime da transparência fiscal não
são titulares de rendimentos da categoria B e, portanto, a estes não se aplica o preceituado no
artigo 102º do CIRS, nem tão-pouco o artigo 114º nº 5 f) do RGIT.
6. Com a decisão em recurso violou o Tribunal a quo as disposições vertidas no artº 102º do
Código do IRS e ainda o princípio constitucional da proporcionalidade e tipicidade em matéria tributária.
7. Sendo a prescrição de conhecimento oficioso, requer-se a V.Exas. se dignem a conhecer da
prescrição no presente processo.
Nestes termos, requer-se a Vª Exª se digne considerar procedente o presente recurso e anular a douta decisão condenatória.».

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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada nada veio dizer ou requerer.

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Não foram apresentadas contra-alegações por parte da Fazenda Pública.
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O EMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo ser declarada a prescrição do procedimento contraordenacional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 412.º, n.º 1.º, do Código de Processo Penal – «CPP» – ex vi artigo 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações – «RGCO» –, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que:



(i) os titulares de rendimentos provenientes da aplicação do regime da transparência fiscal não são titulares de rendimentos da categoria B e, portanto, a estes não se aplica o preceituado no art.º 102.º do CIRS, nem tão-pouco o artigo 114.º n.º 5, alínea f) do RGIT; e,

(ii) se verifica a prescrição do procedimento de contraordenação.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 7.6.2017, foi levantado contra a Recorrente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, «AUTO DE NOTÍCIA» n.º C0001278445/2017, de cujo teor se extrai:
«(…)

«Imagem em texto no original»


(…)» (cf. auto de notícia a fls. 5 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);


B) Em 7.6.2017, na sequência do auto de notícia referido na alínea anterior, foi autuado, pelo Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica), contra a Recorrente, o PCO n.º 34092017060000104290 (cf. autuação a fls. 3 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);

C) Em 8.6.2017, no âmbito do PCO n.º 34092017060000104290, a que se refere a alínea anterior, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica) emitiu ofício, dirigido à Recorrente, com o assunto «NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA OU PAGAMENTO ANTECIPADO DA COIMA (ART.º 70.º, N.º 1 DO REGIME GERAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS - RGIT)», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…)

(…)» (cf. documento a fls. 6 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

D) Em 13.7.2017, a Recorrente deu entrada, no Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica), do articulado de defesa (cf. documento de fls. 8 a 19 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

E) Em 4.11.2019, o Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica), pronunciando-se sobre o articulado de defesa a que se refere a alínea anterior, elaborou «INFORMAÇÃO» com o seguinte teor:


(…)»
(cf. Informação a fls. 20 e 21 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);

F) Nessa mesma data, 4.11.2019, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica), concordando com o teor da informação que antecede, indeferiu a defesa apresentada pela Recorrente, determinando a aplicação da coima (cf. despacho a fls. 21 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

G) Em 26.3.2020, no âmbito do PCO n.º 34092017060000104290, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica) proferiu «DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA», com o seguinte teor:
«(…)



(…)» (cf. documento a fls. 23 e 24 dos autos, que se dá por integralmente
reproduzido);



H) Em 22.6.2020, o Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica) emitiu o ofício n.º 2725, dirigido à Recorrente, com o assunto «NOTIFICAÇÃO ARTº 79º Nº2 RGIT», por via do qual comunica a decisão de aplicação da coima (cf. documento a fls. 25 dos autos que se dá por integralmente reproduzido);

I) Em 12.2.2021, a Recorrente tomou conhecimento do teor do ofício que antecede (cf. data aposta no documento a fls. 25 dos autos e informação a fls. 43 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

J) Em 4.3.2021, a Recorrente remeteu ao Serviço de Finanças de Almada-3 (C. Caparica) a petição de recurso dos presentes autos (cf. documento a fls. 26 a 41 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

K) A Recorrente efetuou o pagamento do imposto devido a final, referente ao ano de 2016, e respetivos juros compensatórios (facto não controvertido, que se extrai dos artigos 42.º e 51.º da defesa de fls. 8 a 19 dos autos e dos artigos 3.º, 55.º e 65.º do recurso judicial a fls. 27 a 41 dos autos).
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Inexistem factos alegados e não provados com relevo para a decisão da causa.».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, designadamente dos documentos que compõem o respetivo processo de contraordenação, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.».

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III.B De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que cumpre, antes de mais, conhecer da questão da prescrição do procedimento contraordenacional, por se tratar de causa extintiva de conhecimento oficioso e que precede o conhecimento do mérito da causa, e que, a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão invocada em sede de recurso.

Vejamos, então, se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

O art.º 28.º, n.º 3 do RGCO preceitua que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade.

Conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo («STA»), este dispositivo é aplicável também ao procedimento contraordenacional tributário, senão diretamente, pelo menos subsidiariamente, por força do disposto na alínea b) do art.º 3.º do RGIT (ver, por todos, o acórdão de 17/12/2019, no processo n.º 0451/13.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt, assim como os restantes arestos que serão adiante indicados).



Nos termos do n.º 2 do art.º 33.º do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

Para efeitos deste dispositivo legal, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cf. acórdão do STA de 28/04/2010, no processo n.º 0777/09).

A contraordenação prevista e punível pelo art.º 114.º do RGIT depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta (cf. acórdão do STA de 30/04/2019, no processo n.º 0679/11.8BEALM).

No caso dos presentes autos foi imputada à arguida contraordenação prevista e punível pelo referido artigo 114.º (cf. ponto G. do probatório).

Assim sendo, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária. Que, nos termos do disposto no art.º 45.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária («LGT»), corresponde ao prazo de quatro anos.

Lembramos que tem sido entendido pela jurisprudência, na esteira de Jorge Lopes de Sousa, que, «sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária, pois que, de outro modo, não se asseguraria a coincidência de prazos que o legislador terá pretendido» (cf. os acórdãos do STA de 30/04/2019, processo n.º 0679/11.8, e de 28/04/2010, processo n.º 0777/09).


Donde, e para os efeitos do citado art.º 28.º, n.º 3 do RGCO, a prescrição do procedimento teria lugar quando tenha decorrido o prazo de quatro anos acrescido de metade. Pelo que, reportando-se a data da infração a 20/12/2016 (cf. ponto G. dos factos assentes), o prazo de prescrição do procedimento respetivo iniciou-se em 31/12/2016 e teria terminado em 31/12/2022 (4 anos + 2 anos).

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão. Que, todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, não pode ultrapassar seis meses. Aplicando-se o prazo máximo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2023.

E mesmo que ao prazo máximo de suspensão devessem acrescer os períodos de suspensão determinados pelas Leis n.ºs 1-A/2020, de 19 de março, 4-A/2020, de 6 de abril, 16/2020, de 29 de maio, 4-B/2021, de 1 de fevereiro e 13-B/2021, de 5 de abril (entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro de 2021 e 6 de abril de 2021) o prazo máximo de prescrição já teria, entretanto, decorrido.

Deste modo se conclui que na presente data, assim como na data em que foi prolatada a sentença recorrida, o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, pelo que se verifica esta exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas (cf. arts.º 61.º, alínea b) e 77.º do RGIT e 64.º, n.º3 do RGCO).

Relativamente às custas, declarado extinto o procedimento de contraordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta.



Por outro lado, não estando previsto que o Ministério Público suporte as custas, por ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contraordenação tributária que preceitue a condenação da Autoridade Tributária, na presente lide não haverá condenação em custas.

*
IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, em consequência, julgar extinto o processo de contraordenação n.º 34092017060000104290 por prescrição, e o oportuno arquivamento dos autos.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de abril de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Luísa Soares)

(Lurdes Toscano)