Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:374/09.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:RUI A. S. FERREIRA
Descritores:IRREPETIBILIDADE DE AÇÕES DE INSPEÇÃO EXTERNA
MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I– O princípio da irrepetibilidade dos procedimentos inspetivos, tal como consagrado no n.º 4 do art.º 63.º da LGT, na redação vigente até à alteração introduzida pelo art.º 19.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (LOE2018), obsta à execução de outra ação de inspeção externa, relativa ao mesmo sujeito, ao mesmo imposto e ao mesmo período, ainda que as respetivas finalidades (cf. art.º 12.º do RCPITA) e âmbitos (cf. art.º 14.º do RCPITA) sejam diferentes.
II – Uma ação de inspeção reúne os requisitos para ser qualificada como externa se, para praticar os atos materiais de inspeção, os funcionários competentes carecerem de obter elementos localizados, ainda que só parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso, designadamente junto do contabilista responsável pela contabilidade do sujeito passivo, ainda que a obtenção desses elementos externos seja conseguida por qualquer meio de comunicação à distância, designadamente por via postal ou eletrónica.
III - A ação externa para consulta e recolha de elementos, credenciada por Despacho e que decorre no período de 05/09/2007 a 06/10/2008, na qual se recolhem todos os elementos que servem de fundamento à ação materialmente interna, credenciada por Ordens de Serviço, que decorre no período de 6/10/2008 a 20/10/2008, e usa exclusivamente os elementos recolhidos ao abrigo do referido Despacho, formam materialmente um único procedimento externo de inspeção com a duração continua de cerca de 25 meses;
IV - O prazo de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspeção, previsto no artigo 36º, nº 2, do RCPIT, é meramente ordenador, cuja única consequência é a não suspensão do prazo de caducidade, nos termos do artigo 46º da LGT.
V – A liquidação efetuada depois da decisão do procedimento de revisão da matéria tributável do ano 2002, mas antes da respetiva notificação, não é ilegal por violação do disposto no artigo 91º, nº 2, da LGT, dado que, nessa altura, o efeito suspensivo da liquidação e, consequentemente, do respetivo prazo de caducidade, terminava na data da respetiva “decisão”, e não na data da “notificação” dessa decisão como veio a suceder por força da alteração ao artigo 46º, nº 2, al. e), da LGT efetuada pelo artigo 149º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE/2012), em vigor desde 1/1/2012.
VI – O profissional liberal que em 2004, 2005 ou 2006 exerceu atividade em nome individual no regime de contabilidade, estando obrigado à emissão de recibo de modelo oficial aquando do pagamento efetuado pelo cliente (artigo 115º do CIRS), também está obrigado a aplicar a ótica económica que impõe que o registo desse proveito seja efetuado na altura da prestação de serviços, independentemente do recebimento (artigos 32º do CIRS e 19º do CIRC), e não a ótica de caixa como os restantes sujeitos passivos de IRS enquadrados no regime simplificado.
VII – Não apenas nos casos previstos no artigo 87º, nº 1, al. c), da LGT, a AT pode recorrer a rácios setoriais, como o rácio R04-Rentabilidade fiscal, com a finalidade de quantificar a matéria tributável real estimada com recurso a métodos indiretos, se tal critério se mostrar adequado ao caso concreto, nos termos do artigo 90º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul


l – RELATÓRIO


J......., identificado nos autos, impugnou judicialmente, nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), as liquidações adicionais de IRS para os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, sendo o seu valor, com juros compensatórios incluídos e após respetiva compensação, nos montantes de € 20.750,81, € 32.857,89, € 32.160,05 e € 1.230,69, respetivamente.


Para isso, invocou:

a. Duplicação das ações inspetivas externas;

b. Emissão da liquidação antes da notificação da decisão de fixação do rendimento coletável;

c. Caducidade do direito à liquidação relativa ao exercício de 2004;

d. Ilegalidade da liquidação relativa ao exercício de 2007;

e. Falta de fundamentação da decisão de recorrer a métodos indiretos

f. Ilegalidade do critério utilizado para quantificação indireta


*


Por sentença de 31/12/2012, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a impugnação acima referida foi julgada totalmente improcedente.


*


O referido impugnante (doravante “Recorrente”), veio interpor recurso jurisdicional contra a referida sentença, que foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, para isso apresentou as seguintes conclusões:


«A) No que respeita à duplicação das acções inspectivas:


A1. Mal andou douta sentença recorrida quando julgou não estar violado o normativo do n° 3 do artigo 63° da LGT, considerando que o primeiro procedimento inspectivo foi meramente interno;


A2. Embora o procedimento de inspecção com origem no Despacho Interno ... vise a consulta, recolha e cruzamento de elementos, teve a mesma a duração de 05/09/2007 a 06/10/2008, sem que tenha sido objecto de prorrogação e foi neste procedimento que tiveram lugar todos os actos materiais externos de fiscalização, nomeadamente, os de recolha de depoimentos de terceiros e os de recolha de elementos junto do escritório do recorrente, nas sociedades com que este tinha relações, nos tribunais judiciais, cartórios notariais, conservatórias do registo predial, incluindo o procedimento de derrogação do sigilo bancário que decorreu no âmbito deste primeiro procedimento de inspecção;


A3. Sendo certo que no segundo procedimento inspectivo, os actos materiais de fiscalização produzidos ocorreram no período entre 06/10/2008 e 20/10/2008 (apenas nove dias úteis) e que todos os elementos no mesmo constantes foram carreados daqueloutro primeiro procedimento;


A4. O artigo 13° do RCPIT define a classificação dos procedimentos de inspecção internos e externos, limitando aqueles aos que os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária, devendo entender- se, como tal, quando aqueles actos incidam sobre os elementos que a administração tributária dispõe internamente;


A5. Ora, o próprio Relatório de Inspecção produzido no segundo procedimento de fiscalização, bem como os seus Anexos, evidenciam que os elementos de recolha externa aí existentes foram obtidos aquando do primeiro procedimento de inspecção, como se verifica pelas datas apostas nos mesmos;


A6. Sendo certo que todos esses elementos de recolha externa já constavam na Informação que serviu de base à decisão de derrogação do sigilo bancário no âmbito da primeira inspecção;


A7. Ao contrário que se afirma na douta sentença recorrida, não existe nos autos qualquer documentação que ateste que o primeiro procedimento deva ser classificado de interno, nem tal resulta do depoimento dos inspectores tributários na medida em que estes apenas se pronunciaram sobre o Relatório produzido no segundo procedimento de inspecção;


A8. Ao invés, resulta inequivocamente provado pelos documentos juntos aos autos que foi no primeiro procedimento de inspecção que ocorreram todos os actos materiais externos de fiscalização nos termos sobreditos, os quais a administração tributária se limitou a "importar" para o segundo procedimento de inspecção, quiçá, por já estar há muito ultrapassado o prazo de seis meses da primeira inspecção sem que o mesmo tenha sido prorrogado;


A9. De resto, a conclusão retirada na douta sentença não tem qualquer factualidade dada como provada que a suporte;


A10. Acresce que, para além do primeiro procedimento de inspecção conter inúmeros actos externos de fiscalização que o enquadra na alínea b) do artigo 113° do RCPIT, não pode deixar o mesmo de ser classificado como externo nos termos do n° 2 e da alínea b) do n° 1 do artigo 14° do mesmo diploma;


A11. Sendo que o n° 3 do artigo 63° da LGT limita um segundo procedimento externo à ocorrência de factos novos e à autorização do Director-Geral de Impostos, o que não se verifica no caso em apreço;


A12. Pelo que se concluí pelo erro no julgamento de facto, porquanto, a douta sentença julgou a questão em apreço sem que os factos que a suportam estivessem vertidos na factualidade dada como provada, não considerou a prova documental junta aos autos donde que resultam os actos materiais externos de fiscalização, todos ocorridos no primeiro procedimento inspectivo, nomeadamente, o Relatório e seus Anexos e a Informação que serviu de base à derrogação do sigilo bancário junta à petição como Doc. 18;


A13. termos em que a douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 13° e alínea b) do n° 1 e n° 2 do artigo 14° do RCPIT, bem como o n° 3 do artigo 63° da LGT, na medida em que deveria ter julgado ilegal o segundo procedimento de inspecção, bem como a matéria tributável aí fixada por métodos indirectos, e consequentemente, deveria ter anulado as liquidações impugnadas;


B) Quanto à liquidação do tributo feita antes da notificação da fixação na matéria tributável.


B1. As liquidações impugnadas tiveram na sua base a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, na sequência do procedimento de inspecção e no âmbito do procedimento de revisão, onde foi fixada pelo Director de Finanças de Faro em 14/01/2009;


B2. Tendo sido notificada ao aqui recorrente por ofício datado de 29/01/2009 foi recebido por este em 09/02/2009, pelo que houve erro de julgamento de facto quando a douta sentença recorrida fixou esta última data em 05/02/2009 na alínea KK) da factualidade assente;


B3. Por seu turno, a liquidação de IRS relativa ao ano de 2004 foi emitida em 26/01/2009 e notificada ao aqui recorrente em 06/02/2009;


B4. Ora, o pedido de revisão tem efeito suspensivo da liquidação do respectivo tributo, nos termos do n° 2 do artigo 92° da LGT;


B5. Acresce que, nos termos do n° 1 do artigo 36° do CPPT, os actos em matéria tributável que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes apenas produzem efeitos depois de lhe serem validamente notificados;


B6. Ora, aquando da emissão da liquidação de IRS de 2004 em 26/01/2009 (e da sua notificação em 06/02/2009), embora o rendimento tributável deste ano já estivesse fixado por decisão do Director de Finanças de 14/01/2009, tal decisão de fixação ainda não tinha sido notificada ao recorrente, pois só o foi em 09/02/2009;


B7. E tal decisão de fixação da matéria tributável apenas se torna definitiva e eficaz depois de validamente notificada ao contribuinte, sendo que até lá encontra-se suspensa a liquidação do tributo no âmbito do procedimento de revisão;


B8. Pelo que a douta sentença enferma igualmente de erro no julgamento de direito ao não julgar procedente tal vício e, consequentemente, por não anular a liquidação de IRS do ano de 2004, violando, assim, o disposto no n° 1 do artigo 36° do CPPT e o n° 2 do artigo 92° da LGT;


C) Quanto à falta ou errada de fundamentação do recurso aos métodos indirectos e do erro nos pressupostos para os exercícios de 2005 e 2006:


C1. A avaliação indirecta tem carácter excepcional e subsidiário e está subjugada ao princípio da legalidade expresso na parte final do n° 1 do artigo 81° da LGT, peio que tem que ser forçosamente direccionada ao apuramento de um “rendimento real presumido”, o qual não se confunde com o “rendimento normal”, ou seja, aquele que determinado sujeito passivo teria obtido se actuasse numa dada situação normal de mercado concreta;


C2. Como decorre do n° 2 do artigo 83° da LGT onde se consigna que a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos na óptica do “rendimento real presumido” que reflicta a situação tributária peculiar de um concreto sujeito passivo, atendendo, nomeadamente, à conjuntura económica do período em que os rendimentos foram obtidos, à situação concreta do sector de actividade em que opera o sujeito passivo, à sua situação pessoal, à sua dimensão fiscal e a outros elementos reveladores da sua efectiva capacidade contributiva, etc., ao ponto do legislador, no n° 2 do artigo 85° da LGT, mandar aplicar à avaliação indirecta as regras da avaliação directa;


C3. A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável em que se funda o recurso a métodos indirectos deve ser verificada especificamente para cada um dos exercícios, ou seja, há que carrear para os autos os motivos e factos atinentes a cada um dos exercícios e que, para cada um deles em concreto, fundamentam a mencionada impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta:


C4. No caso dos autos, os factos que motivam a avaliação indirecta são na sua esmagadora maioria reportados ao ano de 2004, mas servem para justificar o recurso à utilização de métodos indirectos para os três exercícios objecto da acção inspectiva, sem discriminar quais os factos que fundamentam o recurso à avaliação indirecta para cada um daqueles anos;


C5. Ora, cabia à Administração Tributária evocar os motivos ou factos específicos para cada um dos exercícios que fundamentam a impossibilidade da avaliação directa para cada um dos exercícios objecto da mesma, nos termos da alínea b) do artigo 87° da LGT e da parte inicial do n° 3 do artigo 74° da LGT; o que não aconteceu;


C6. E a falta de fundamentação (erro nos pressupostos) relativamente à avaliação indirecta dos três anos em apreço foi igualmente sindicada especificamente para os exercícios de 2005 e 2006, conforme decorre do ponto El) Da fundamentação (ou falta dela) do recurso a métodos indirectos para os vários anos: do erro nos pressupostos para os exercícios de 2005 e 2006, nomeadamente, nos artigos 122° e seguintes da petição;


C7. E sobre esta questão específica a douta sentença recorrida é totalmente omissa, já que não se pronuncia sobre a mesma, pelo que, nesta parte, verifica-se a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC, na medida em que apenas pronuncia-se genericamente sobre a fundamentação da avaliação indirecta, no conjunto dos três anos em causa, essencialmente com base nos mesmos pressupostos atinentes ao exercício de 2004;


C8. O erro nos pressupostos da avaliação indirecta resulta, desde logo e especialmente para os anos de 2005 e 2006, da Informação prestada pelos serviços de inspecção tributária no âmbito do procedimento para derrogação do sigilo bancário que foi movido ao aqui recorrente e que deu azo ao citado recurso judicial que correu os seus termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé com o Proc. n° 301/08.0BELLE, em que se fundou a derrogação do sigilo, quanto ao ano de 2004, na previsão da alínea a) do n° 2 do artigo 63°-B (na redacção em vigor ao tempo, actualmente na a) do n° 3 do mesmo artigo 63°-B), ou seja, “quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88° (...)'’ e quanto aos exercícios de 2005 e 2006 sustentou-se exclusivamente na alínea b) do n° 1 do mesmo artigo, na sua redacção actual;


C9. Ou seja, naquela Informação a própria Administração Tributária não considerou existir para os anos de 2005 e 2006 e com base nos mesmos factos vertidos no Relatório da Inspecção em apreço, qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para os anos de 2005 e 2006;


C10. Ora, tais factos, contidos em prova documental junta aos autos, não foram julgados provados, pelo que que a douta sentença, também aqui, mostra-se ferida de erro no julgamento da matéria de facto;


C11. Acresce que os únicos factos que no Relatório da Inspecção são concretamente imputados aos anos de 2005 e 2006 como pressupostos da avaliação indirecta não podem ser legalmente considerados como tal, já que não têm cabimento na previsão da alínea b) do artigo 87° da LGT por não impossibilitarem a comprovação directa e exacta do rendimento tributável, o mesmo acontecendo, aliás, quanto aos pressupostos em que se funda a avaliação indirecta relativa ao ano de 2004;


C12. Com efeito, os factos alegados no Relatório são meramente presuntivos ou conclusivos e não correspondem à realidade.


C13. Ora, a douta sentença recorrida apenas atendeu ao que está alegado no Relatório da Inspecção, bem como ao depoimento prestado pelos inspectores tributários, não valorando toda a restante prova produzida pelo aqui recorrente;


C14. Na verdade, resulta claro que no Relatório da Inspecção em lado algum se alega que tenha sido encontrada alguma situação (facto) em que se evidenciasse que o aqui recorrente tenha efectivamente auferido honorários sem que deles tenha emitido o respectivo recibo, que, aliás, é corroborado pelo depoimento dos inspectores tributários;


C15. Com efeito, o Relatório e os referidos depoimentos limitam-se a evidenciar situações em que apenas se presume a possibilidade (não demonstrada) que o aqui recorrente possa ter recebido eventuais honorários;


C16. Por outro lado e quanto à actividade de gerência de sociedades, ao contrário do que se assume no Relatório e na douta sentença recorrida, esta não se pode confundir com a actividade de advocacia, uma vez que aquela não é exercida no âmbito da actividade de advocacia e os proveitos que a mesma possa gerar traduzem-se em remunerações tributáveis como rendimentos do trabalho dependente em sede de Categoria A do IRS, pelo que mal andou a douta sentença quando julgou que uma eventual omissão de declaração de rendimentos provenientes da gerência poderia ser motivo de impossibilidade de quantificação directa dos rendimentos da categoria B;


C17. Conclusão que, aliás, é contrariada pelo depoimento das testemunhas C........ e D........ e pelo próprio Relatório, pelo que mal andou a douta sentença recorrida quando conclui como fez, uma vez que, mesmo que houvesse rendimentos auferidos na qualidade de gerente, estes seriam sempre rendimentos do trabalho dependente e nunca poderia integrar o recibo modelo oficial próprio dos profissionais por conta de outrém e nunca poderiam influenciar na impossibilidade de determinação da matéria tributável por métodos indirectos dos rendimentos de advocacia em apreço, padecendo de erro no julgamento de facto atendendo à prova produzida pelos referidos depoimentos, violando a douta sentença recorrida, assim e em consequência, o disposto na alínea b) do artigo 87° da LGT;


C18. Por outro lado, o incumprimento da especialização dos exercícios que se alega para motivar a avaliação indirecta não é pressuposto da sua aplicação, uma vez que apenas poderia dar lugar a correcções meramente aritméticas, com a imputação dos proveitos a cada um dos exercícios respectivos em que tinham tido origem;


C19. Pelo que, decidindo-se como decidiu na douta sentença recorrida, padece de erro de julgamento de facto e de direito, já que para tanto seria necessário demonstrar-se a ocorrência de proveitos num determinado ano que tivessem sido apenas relevados fiscalmente em exercício seguinte (o não se demonstrou em lado algum) e, ainda assim, caso tal facto se demonstrasse, a violação da especialização é sempre passível de correcção meramente aritmética, na medida que tal incorrecção apenas implica a recolocação no exercício devido dos proveitos que aí deveriam ser reflectidos, tendo a sentença sindicada incorrido na violação do disposto na alínea b) do artigo 87° da LGT, porquanto a violação da referida especialização não impossibilita a quantificação directa da matéria tributável;


C20. Por outro lado, ainda, existe um conjunto de sociedades em que o aqui recorrente efectua, por conta delas, o pagamento de determinadas despesas, nomeadamente, dos Técnicos Oficiais de Contas, o pagamento do IMI, bem como as situações de "pro bono" mas tal facto não implica que cobre honorários por isso, nem tal pode ser presumido como fez a Administração Tributária, como, aliás, foi claramente comprovado pelos depoimentos das testemunhas C........ e D........;


C21. Pelo que, face aos depoimentos, resulta inequivocamente que o facto do aqui recorrente manter relações com determinadas sociedades, quer ao nível da gerência, quer meramente de representação fiscal ou, ainda de pagar pequenas despesas por sua conta, não determinava forçosamente que cobrasse honorários por tal facto, bem como ficaram cabalmente demonstradas diversas situações de "pro bono";


C22. Ora, a douta sentença entendeu que, quanto a esta matéria, cabia ao aqui recorrente a prova de facto negativo e que "o impugnante não conseguiu provar a omissão de prestação de serviços quanto a estas sociedades" e que "da enumeração feita e dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas, resulta mais uma vez que não foi feita prova pelo impugnante, como lhe competia, da inexistência de proveitos, ou de outros proveitos para além dos titulados por recibos e cujas despesas contabilizadas para tal apontam".


C23. Ora, uma vez que estamos no âmbito dos pressupostos ou fundamentos da avaliação indirecta, o ónus da prova cabe à Administração Tributária nos temos do artigo 74° da LGT, a quem cabia demonstrar a efectiva ocorrência de proveitos e não limitar-se a presumir que a ocorrência de pequenas despesas implicariam, "sempre", a ocorrência de proveitos:


C24. O mesmo se diga quanto aos caso em que estavam identificadas pessoas singulares e os serviços reportavam-se a sociedades, para as quais existia a emissão de recibo, como, alias, se dá conta na douta sentença a fls. 323 e dos recibos de fls. 140 a 157, em que a douta sentença considera-se que tais recibos, por não terem uma nota de honorários associada não fazem prova de que tal proveito corresponde ao serviço que o aqui recorrente alega, não sendo por isso ''suficientes para afastar a presunção feita pela Administração Tributária de que as despesas contabilizadas não geraram proveitos"


C25. Ora, também aqui, a douta sentença labora em erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que as despesas não tem que ter associado um proveito efectivo e aceita como fundamento da avaliação indirecta uma mera presunção de que todas as despesas geram proveitos, sendo certo que o aqui recorrente provou através de documentos e pela prova testemunhal que produziu que nos casos em apreço tais proveitos não ocorreram ou foram imputados às respectivas sociedades, com o consequente erro no julgamento de direito, porquanto a douta sentença recorrida entendeu que uma mera presunção de proveitos poderia servir de fundamento ou pressuposto para a avaliação indirecta quando esta tem que ser alicerçada em factos concretos que impossibilitem a quantificação directa e exacta da matéria tributável, violando-se, assim, o disposto na alínea b) do artigo 87° da LGT;


C26. Cabe ainda sindicar o que ficou decidido na douta sentença recorrida quanto à prática pelo recorrente na emissão de recibos modelo oficial, já que nesta conclui-se que os titulares de rendimentos da categoria B estão obrigados a passar recibo em modelo oficial, a emitir factura ou documento equivalente e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas;


C27. Ora, como dispõe-se na alínea a) do n° 1 do artigo 115° do Código do IRS que os titulares de rendimentos da categoria B, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do n° 1 do artigo 3° são obrigados a passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes.


C28. Por outro lado, a emissão de factura ou documento equivalente, prevista na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 115°, está reservada aos restantes titulares de rendimentos da categoria B a que se refere a alínea a) do n° 1 do artigo 3o do CÍRS);


C29. Acresce que o estabelecido no n° 6 do artigo 3o do CIRS, ao contrário do que se sustenta na douta sentença recorrida é apenas a definição do momento da sujeição dos rendimentos a tributação em sede de IRS, sendo que o preceituado no artigo 28° do CIVA (actualmente artigo 29°) limita-se, entre outras, a instituir a obrigação de emissão de factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços efectuada, pelo que, para se determinar o momento do facto gerador deste imposto e a sua exigibilidade, necessário se torna recorrer ao disposto no artigo 7o do CIVA, em que se determina que o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização da prestação de serviços e, no n° 3, que as prestações de serviços de carácter continuado consideram-se realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, ou seja, no momento da conclusão da prestação do serviço;


C30. De resto, como antes se deixou dito, o artigo 18° do Código do IRC limita-se a estabelecer o princípio da especialização de exercícios, estabelecendo, para as prestações de serviços, que os proveitos devem ser considerados apenas quando aquelas prestações se concluam, sendo certo que a violação deste princípio da especialização pode conduzir a correcções meramente aritméticas e não a avaliação indirecta;


C31. Ora, a avaliação indirecta apenas pode ocorrer quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, o que não acontece manifestamente nos casos em apreço, uma vez que não se demonstrou, em concreto, quais os factos que impossibilitam essa quantificação directa e exacta da matéria tributável nos termos do artigo 88° da LGT, na medida em que a avaliação indirecta apenas se pode efectuar nos casos e com os fundamentos previstos nas várias alíneas do artigo 87° e o Relatório sustenta-se na alínea b) deste último artigo e na alíneas a) do artigo 88°, o que não ficou demonstrado, cabendo o ónus da prova à Administração Tributária;


C32. Pelo que outra coisa não se pode concluir que não seja o erro no julgamento de facto e de direito de que padece a douta sentença recorrida quando julga pela não existência de erro nos pressupostos do recurso à avaliação indirecta nos três anos em apreço e, em especial, nos anos de 2005 e 2006 para os quais o Relatório da Inspecção e a própria sentença recorrida extrapolam os factos que servem de fundamento aos do de 2004.


D) Quanto à ilegalidade do critério utilizado na fixação e ao exagero na quantificação por métodos indirectos


D1. O critério utilizado na determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos para os anos em causa foi o da aplicação de um rácio de rentabilidade fiscal sobre a totalidade das despesas e custos constantes da contabilidade do aqui recorrente, a fim de determinar os proveitos omitidos;


D2. A douta sentença recorrida considerou, à semelhança da Administração Tributária, a existência de um conjunto de despesas para as quais não foram detectados os correspectivos proveitos, nomeadamente, as constantes do Anexo 1 e 5 do Relatório da Inspecção;


D3. Não obstante, tais despesas são de diminuto valor, sendo certo que, na acepçao pretendida pela inspecção, bastaria que o aqui recorrente tivesse debitado tais despesas aos clientes e emitido os respectivos recibos para que tal situação se mostrasse sanada;


D4. Ora, o critério utilizado pela Administração Tributária foi o da aplicação de um rácio de rentabilidade fiscal sobre todas as despesas/custos contabilizados pelo recorrente, incidindo sobre as restantes despesas onde não foram detectados quaisquer faltas de emissão de recibo/proveitos, bem como sobre as despesas gerais da actividade, nomeadamente, sobre salários, rendas, eletricidade, etc.,, o que se mostra manifestamente desajustado da realidade tributária do aqui recorrente; 


D5. Sendo certo que a Administração Tributária, partindo de um conjunto de despesas, ainda que de pouca monta, para as quais presumiu a existência de proveitos, não lhe é legítimo nem legal extrapolar tal presunção para as restantes despesas contabilizadas para as quais os proveitos foram declarados ou para as quais não foi detectada (nem alegada) qualquer omissão de proveitos;


D6. Ora, a douta sentença recorrida funda a sua decisão nesta matéria no alegado facto da contabilidade do recorrente apresentar rentabilidades fiscais abaixo da média do sector de actividade, bem como no alegado facto de que o Anexo V ao Relatório de Inspecção se tratar de uma amostragem e, por isso, não ser possível aplicar o dito rácio apenas às despesas aí constantes;


D7. Tais fundamentos da douta decisão não podem, contudo, vencer;


D8. Desde logo, porque a rentabilidade abaixo da média apenas poderia servir de pressuposto à avaliação indirecta nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 87° da LGT (cujos indicadores objectivos nunca foram publicados) e não pode servir de fundamento à aplicação de um determinado critério;


D9. Pelo outro lado, não é possível aceitar que o referido Anexo V do Relatório seja uma mera amostragem como se considera na douta sentença recorrida, uma vez que a inspecção foi iniciada no primeiro procedimento (onde se recolheram e cruzaram os elementos) ainda em 2007 e apenas terminou em Outubro de 2008, no segundo procedimento, ou seja num período mais do que suficiente para apurar todas as despesas constantes da contabilidade que não tinham por contrapartida recibo emitido ou proveito declarado, já que bastava, para tanto identificar as despesas constantes da contabilidade que não tinham proveitos associados tal como foi feito para as mencionadas no Anexo V:


D10. Contudo e não obstante todas as diligências efectuadas de forma exaustiva, não foram identificadas quaisquer outras despesas nessas condições (nem proveitos não declarados).


D11. Ora, se a Administração Tributária pretendia, em sede de avaliação indirecta, utilizar como critério de quantificação um rácio de rentabilidade sobre despesas sem proveitos associados para presumir esses mesmos proveitos, cabia-lhe apurar todas as despesas que se encontrassem nessas circunstâncias ou caso contrário, teria que escolher e utilizar um critério de quantificação que se mostrasse adequado ao seu propósito;


D12. O que não podia acontecer, por ser manifestamente ilegal, é aplicar tal rácio sobre a totalidade das despesas constantes da contabilidade do aqui recorrente, para a esmagadora maioria das quais não foi identificada (por inexistir) qualquer omissão de proveitos, incluindo despesas/custos que, pela sua natureza, não são passíveis de produzir proveitos de forma directa, como é o caso dos salários, da electricidade, das rendas, amortizações, etc.), pois todos estes concorrem na contabilidade para a formação da despesa ou custo total, mostrando-se tal critério de quantificação manifestamente inadequado e conducente a uma quantificação da matéria tributável manifestamente exagerada:


D13. Pelo que, nesta questão concreta, mal andou a douta sentença recorrida quando não julgou ilegal o critério que serviu de base à quantificação da matéria tributável donde resultaram as liquidações impugnadas, não cuidando da factualidade que ficou provada e aplicando erradamente o direito.


D14. Acresce, ainda, que o aqui recorrente alegou na sua impugnação que a quantificação resultante dos rácios aplicados mostrava-se manifestamente exagerada, em especial, por decorrência da sua particular situação pessoal nos exercícios em causa;


D15. A particular situação pessoal do aqui recorrente nos anos em causa e que o impediu da sua normal actividade profissional é, aliás, aceite no Relatório da ínspecção e amplamente confirmada no depoimento das testemunhas;


D16. Com efeito, da prova testemunhai produzida nos autos resulta claramente demonstrado que as circunstâncias da vida pessoal do aqui recorrente nos anos em causa foram significativamente limitadoras da sua actividade profissional nos termos que se alegam na petição inicial, impedindo-o de lhe dedicar com empenho o tempo que seria normal, o que, só por si, seria justificativo da eventual ocorrência de rentabilidades fiscais inferiores à dita média do sector de actividade;


D17. Ora, uma alteração na sua vida pessoal e familiar da dimensão e gravidade que é atestada pelos depoimentos das testemunhas, reflectiu-se, forçosamente, numa grave limitação da sua capacidade de trabalho e na consequente diminuição dos rendimentos conseguidos com o mesmo.


D18. Ora, a douta sentença recorrida, embora reconhecendo a existência das circunstâncias particulares e especiais da vida pessoal e familiar do aqui recorrente relativas aos anos em causa, parece aceitar, no sentido que defende a inspecção tributária, que tais circunstâncias da vida pessoal do recorrente já "foram consideradas na justa medida, uma vez que a média do rácio pelo sector de actividade a nível de unidade orgânica já revela as declarações de todos os sujeitos passivos que também terão influências de carácter pessoal e logístico na sua actividade profissional", pelo que conclui que tais circunstâncias concretas não relevam para efeitos da ponderação da quantificação da matéria tributável;


D19. Salvo o devido respeito, tal raciocínio mostra-se passível de censura, já que, para as circunstâncias especiais e particulares da vida pessoal e familiares pudessem estar contempladas de forma relevante nessa média, necessário seria que o universo dos advogados comportasse um elevado número de casos de circunstâncias idênticas às do aqui recorrente, as quais raramente sucedem na vida da esmagadora maioria das pessoas;


D20. Sendo que a rara ocorrência de circunstâncias análogas às do aqui recorrente não pode estar a influenciar aquela média/rácio, ao contrário do que se concluí na douta sentença recorrida:


D21. E tais circunstâncias da vida pessoal do aqui recorrente justificam, inquestionavelmente, que o seu rácio de rentabilidade fiscal do recorrente se situe abaixo da média do sector, como não poderia deixado de ser tido em conta pela Administração Tributária na quantificação dos proveitos por métodos indirectos .


D22. Ora, no n° 2 do artigo 83° da LGT o legislador optou claramente pelo conceito de “rendimento real presumido”, de forma a que o objectivo da avaliação indirecta não é atingir um qualquer rendimento normal (ou da média) de uma determinada actividade, mas sim apurar um valor de rendimentos tanto quanto possível aproximado do real e que reflicta a situação tributária peculiar de um concreto sujeito passivo, atendendo, nomeadamente, à conjuntura económica do período em que os rendimentos foram obtidos, à situação concreta do sector de actividade em que opera o sujeito passivo, à sua situação pessoal, à sua dimensão fiscal e a outros elementos reveladores da sua efectiva capacidade contributiva em cada exercício;


D23. E, não obstante na douta sentença se ter considerado que o recorrente teve graves problemas a nível pessoal e familiar que impediram que exercesse a sua actividade com a diligência e frequência com que o fazia antes, não de deu tais factos como provados nem se retirou daí das consequências que não poderiam ter deixado de ser valoradas quanto à quantificação dos proveitos/rendimentos;


D24. Não se podendo exigir, como se pretende na douta sentença recorrida, que as testemunhas, para além do que declaram e demonstraram conhecer sobre esta matéria de facto, viessem a tribunal, depois de decorridos vários anos, dizer quais os dias em concreto que o recorrente não esteve no seu escritório ou a que reuniões ou diligências faltou, já que tais depoimentos, pelos factos que demonstraram, foram clara e sobejamente suficientes para fazer prova de que o aqui recorrente não esteve presente no seu escritório inúmeras vezes e que, no período em apreço, não conseguia exercer normalmente a sua actividade, a qual se viu reduzida de forma muito significativa.


D25, Pelo que. também aqui, a douta sentença recorrida padece de manifesto erro na apreciação da matéria de facto, quando não julgou provadas as circunstâncias especiais da vida pessoal e familiar do recorrente nos anos em apreço e que tais circunstâncias impediram a sua normal actividade profissional que se viu reduzida significativamente, com a consequente redução dos seus rendimentos e da sua rentabilidade fiscal;


D26. E, consequentemente, também a douta sentença recorrida laborou em erro de julgamento de direito quando não julgou que, atendendo a essas mesmas circunstâncias particulares concretas, foi exagerada e desadequada a quantificação da matéria tributável determinada através de uma rentabilidade fiscal média para o sector de actividade que manifestamente não se ajusta ao caso concreto do aqui recorrente.

Nos termos sobreditos e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser anulada a douta decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene a anulação das liquidações adicionais impugnadas.».

*


Depois, em 26/12/2012, o Recorrente requereu a junção aos autos de diversa documentação, para suprir a que considerava faltar no PA apresentado oportunamente pela Fazenda Pública, mas o pedido foi indeferido por despacho de 23/5/2013 com fundamento da sua inadmissibilidade naquele momento.


*


Na sequência, o impugnante apresentou recurso contra o referido indeferimento, concluindo do seguinte modo:


« a) O ora recorrente requereu, expressamente, com a sua impugnação a junção integral do processo administrativo, incluindo, o relatório de inspecção tributária, o direito de audição exercido que lhe antecedeu e o procedimento de revisão requerido nos termos do art° 91° da LGT;


b) Em consequência, em 26.05 2009 mostra-se ordenado nos autos :“Admito liminarmente a impugnação (art.° 99, 102. 108 e 110 n° 1 e 2 do CPPT). Notifique o Exmo. Representante da Fazenda Pública para, nos termos do art° 110 n° 1 do CPPT, no prazo de 90 dia, contestar, a presente impugnação e solicitar a produção de prova adicional, devendo ainda juntar o processo administrativo organizado nos termos do artigo 111º do CPPT (…);


c) Não obstante, a Fazenda Pública, apenas juntou aos autos uma parte diminuta das peças relativas ao procedimento administrativo ocorrido com o impugnante e que foi consubstanciado em duas acções de inspecção e um procedimento de derrogação do sigilo bancário, violando, assim, o disposto no n° 4 do artigo 110° e o disposto no artigo 111° do CPPT;


d) A falta de junção da documentação relativa aos procedimentos administrativos que visaram o impugnante é, assim, imputável à Fazenda Pública, sendo certo que tal falta apenas foi detectada pelo impugnante aquando da consulta dos autos que fez para efeitos de recurso jurisdicional;


e) A parte do procedimento administrativo em falta é relevante para a boa decisão da causa, pelo que, não tendo a Fazenda Pública feito a sua junção, veio o impugnante fazê-lo;


f) Pelo que a sua junção pelo impugnante, ainda que posterior ao encerramento do julgamento, foi, e é, pertinente e, dado o seu conteúdo, não deve ser considerada extemporânea e indeferida;


g) Pelas regras próprias aplicáveis ao procedimento, estão asseguradas os princípios fundamentais de garantia dos particulares e, consequentemente, é através desse procedimento que a ordem jurídica assegura a sua fiscalização e, bem assim o controlo da arbitrariedade e ou discricionariedade;


h) Ao procedimento administrativo, de entre outros princípios que lhe são aplicáveis,


é aplicável o princípio da unidade (é um processo único) e indivisibilidade, pelo que não pode, em sede de fiscalização relativamente à sua marcha processual, fundamentação ou mesmo relativamente aos seus efeitos, ser apresentado truncado ou arbitrariamente instruído e composto pela parte que o apresenta, neste caso pela Administração Fiscal, apresentando-o parcialmente, mas declarando-o como procedimento “in totum”, como aconteceu no caso em apreço;


i) Maxime quando a sentença proferida, transcreve, partes truncadas do procedimento administrativo, de documentos da autoria da Administração fiscal e as que reputa da autoria do impugnante, mas tão somente as carreadas (apenas) por aquela Administração Fiscal, logo truncadas.


j) No caso concreto, a junção do procedimento administrativo (na integra) resultou ordenado ab initio sendo a informação oferecida à parte a de que tal procedimento se achava junto aos autos, pelo que, verificado o lapso, urgia assim corrigi-lo;


k) Resulta claro que a decisão de 1ª instância, ao se fundamentar em meio probatório não oferecido, criou inevitavelmente (pela 1ª vez) a necessidade de junção de determinado documento (o procedimento administrativo in totum);


l) Deste modo, os documentos junto aos autos, não só se tomaram necessários em virtude do julgamento da Ia instância, como também o são necessários e imprescindíveis para o correcto julgamento em Tribunal Superior da matéria de facto impugnada (e objecto de recurso), em complemento dos documentos apresentados pela própria Administração Fiscal, situação que integra claramente as excepções contempladas nos arts. 524° n° 1 e 693.º-B do Cód. Proc. Civil;


m) Donde, pelo facto dos documentos estarem na posse da parte contrária, a regra do art° 523° n°2 não pode ser aplicável à parte que não os possui, antes deverá apenas ter aplicação, à parte onerada com a obrigação na sua junção, o que se verifica no caso vertente;


n) No caso dos autos resulta a necessidade da sua junção não só pela sentença proferida, mas também pelo facto do probatório invocado se reportar a documentos não juntos na integra e que cuja obrigação da sua junção estava ordenada ab initio e a cargo da Fazenda Pública;


o) Deve assim concluir-se pela admissibilidade da junção dos documentos apresentados pelo ora recorrente (fls. 442 a 822), atento o seu alegado carácter excepcional, e por a Lei nisso o consentir, art° 524° e 693-B do CPC e em obediência aos princípios do dispositivo e da adequação formal, art 264° e 265°-A do CPC, na medida em que os documentos foram ordenados à contraparte para serem juntos aos autos; a contestação refere expressamente a sua junção; mas, o alegado procedimento administrativo junto, consubstanciado no apenso, não os contém;


p) Acresce que a sua junção (de parte) só foi possível (ou só se tomou necessária e imprescindível para a correcta análise da matéria de facto impugnada) com o conhecimento da decisão em Ia instância, face à fundamentação da sentença, que toma assim necessária, em sede de recurso, a prova de factos, cuja relevância, a parte não poderia razoavelmente contar antes de esta ser proferida, face à sua convicção de que os mesmo haviam sido oferecidos com a contestação (convicção formada pelo teor das notificações que lhe foram servidas) - e, por poderem, v.g., ainda que em conjugação com os demais elementos de prova, contribuir para a convicção do Tribunal Superior na decisão a proferir quanto à matéria de facto impugnada e objecto do recurso jurisdicional, com fundamento também no disposto na alínea a), segunda parte, do n° 1, do art.° 712°, do CPC.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve ser revogado o douto despacho de indeferimento exarado a fls. $49 e segs e, em consequência, ser substituído por outro que admita a junção dos documentos em causa de fls. 442 a 822, como é de inteira JUSTIÇA»

*


A Recorrida FAZENDA PÚBLICA não apresentou contra-alegações em qualquer dos recursos.


*


Ambos os recursos do impugnante foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos e com efeitos declarativos.


*


Foram os autos com vista à Ilustre Magistrada do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de que “o recurso deve improceder”.


*


Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.


*


São as seguintes as questões a decidir:

a. Verifica-se erro de julgamento quanto à invocada duplicação de ações inspetivas, em violação dos artigos 13°, 14º, nº 1, al. b) e 2, do RCPIT e 63º, nº 3, da LGT?

b. Verifica-se o invocado erro de julgamento da matéria de facto quanto à data do recebimento da notificação referida no facto KK do probatório?

c. Verifica-se erro de julgamento quanto ao invocado vício de emissão da liquidação antes da notificação da matéria coletável?

d. Verifica-se nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca do vício de falta de fundamentação

e. Verifica-se erro de julgamento sobre a matéria de facto subjacente aos pressupostos da decisão de recorrer a métodos indiretos para determinação da matéria coletável e consequente erro de julgamento quanto a esses pressupostos?

f. Verifica-se erro de julgamento quanto à invocada ilegalidade do critério utilizado para quantificação da matéria tributável?

g. Verifica-se erro de julgamento quanto à matéria de facto, na parte em que a sentença desconsiderou as especiais circunstâncias familiares no período sob inspeção, no sentido de qua as mesmas foram limitadoras da sua atividade profissional?

h. Verifica-se erro de julgamento quanto ao invocado excesso de tributação?

i. Verifica-se erro de julgamento quanto à admissibilidade e utilidade da junção aos autos dos documentos a que alude o recurso de fls. 853 do processo físico/pág. 899 do SITAF?


*


2 – FUNDAMENTAÇÃO


2.A.- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


“Em 03.05.2004, 27.04.2005, 28.12.2006, 29,12.2006, foram emitidos pelo Impugnante recibos no valor de € 4.999,50 €3.316,50, de € 7.575,00, € 505,00 e € 252,50, respectivamente (cfr. fls. 143 a 147 dos autos);

A. Em 09.02.2004, 19.07.2004, 30.09.2004, 30.09.2004, 23.04.2007 foram emitidos pelo Impugnante recibos no valor de € 3.565,50, € 5.000,00, €3.542,96, €3.299,51 e € 8.080,00 respectivamente (cfr. fls. 149 à 152 dos autos);

B. Em 06.03.2007, 10.10.2007, 11.10.2007, foram emitidos pelo Impugnante recibos no valor de € 505,00, € 1.020,98, € 500,00, respectivamente (cfr. fls. 153 à 155 dos autos);

C. Em 23.04.2007, 26.12.2007 foram emitidos pelo Impugnante recibos no valor de € 17.143,06 e €9.328,31, respectivamente (cfr. fls. 156 e 157 dos autos);

D. Em 22/06/2007 foi emitido pelo Director de Finanças de Faro, o Despacho nº …………………, que determinou o procedimento de inspecção para “recolha de dados e cruzamentos de elementos” relativos aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 (cfr. fls. 97 dos autos);

E. No dia 05/09//2007 a Impugnante tomou conhecimento do despacho referido na alínea anterior, através do seu TOC (cfr. fls. 97 in fine dos autos e por acordo);

F. Em 02/10/2007 foi enviada por L........ à Direcção de Finanças de Faro, uma carta na qual se refere, designadamente, que “ De facto, foi-me apresentada conta datada de 28/05/2004 com um saldo de €907,75 a favor do Sr. Dr. B........ cuja quantia é devida e que à presente data ainda não se mostra por mim liquidada por me encontrar a atravessar uma situação económica difícil” (cfr. fls. 124 do processo administrativo);

G. Em 14/10/2004 foi emitida por D........, Lda, a factura no 16082 ao Impugnante (cfr. fls. 126 do processo administrativo);

H. Em 07/09/2005 foi emitida e enviada por D........, Lda, a factura no 18493 ao Impugnante (cfr. fls. 127 a 129 do processo administrativo);

I. Em 12/04/2005, o Impugnante enviou via internet a Declaração Mod. 3 para efeitos de tributação em IRS dos rendimentos de 2004, no valor de €72.413,91 cujo resultado, depois da inspecção, foi corrigido para €119.273,56 (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

J. A liquidação do imposto referido na alínea anterior, não foi paga tendo sido instaurado o processo de execução fiscal no ..........55 que se encontra suspenso por prestação de garantia bancária (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

K. Em 12/05/2006 o Impugnante enviou via internet a Declaração Mod. 3 para efeitos de tributação em IRS dos rendimentos de 2005, no valor de €34.831,32 cujo resultado, depois da inspecção, foi corrigido para €111.934,87 (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

L. A liquidação do imposto referido na alínea anterior, não foi paga tendo sido instaurado o processo de execução fiscal no ..........72 que se encontra suspenso por prestação de garantia bancária (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

M. Em 25/05/2007 o Impugnante enviou via internet a Declaração Mod. 3 para efeitos de tributação em IRS dos rendimentos de 2006, no valor de €32.930,21, cujo resultado, depois da inspecção, foi corrigido para €98.016,83 (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

N. A liquidação do imposto referido na alínea anterior, não foi paga tendo sido instaurado o processo de execução fiscal no ..........64 que se encontra suspenso por prestação de garantia bancária (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

O. Em 23/05/2008 o Impugnante enviou via internet a Declaração Mod. 3 para efeitos de tributação em IRS dos rendimentos de 2007, no valor de € 78.064,68 cujo resultado, depois da inspecção, os prejuízos apurados em 2006 foram corrigidos e deram origem a uma “reliquidação” (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

P. A liquidação do imposto referido na alínea anterior, não foi paga tendo sido instaurado o processo de execução fiscal no ..........64 que se encontra suspenso por prestação de garantia bancária (cfr. fls. 272 do processo administrativo);

Q. Em 16/01/2008, o Impugnante prestou declarações nos Serviços de Inspecção Tributária de Faro, relativas à sociedade “A..........” e foi junta procuração da mesma (cfr. fls. 132 a 143 do processo administrativo);

R. Em 15/11/2007 foi solicitado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, ao colaborador do Impugnante, Dr. N.......... para “identificar correctamente, na listagem junta como Anexo I os clientes e o tipo de serviço prestado (...)‖ (cfr. fls. 113 a 114 do processo administrativo);

S. Em 20/11/2007 foi feita carta aos Serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Faro a responder ao solicitado na alínea anterior (cfr. fls. 116 a 121 do processo administrativo);

T. Em 21/04/2008 o Impugnante interpôs recurso em processo especial de derrogação do segredo bancário, tendo transitado em julgado em Setembro de 2008, que correu termos neste Tribunal sob o no 301/08.0BELLE (consultável no SITAF);

U. Em 06/07/2008, a Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, notificou pessoalmente o Impugnante, da conclusão do procedimento referido na alínea A), nos termos da certidão de diligências e nota de diligência insertas a fls. 98 e 99 dos autos);

V. Em 18/09/2008 foram emitidas Ordens de serviço n.º …………., ………….. e ……… pela Direcção de Finanças de Faro que originaram uma acção externa de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Faro abrangendo os exercícios de 2004, 2005 e 2006 (cfr. fls. 33 dos autos);

W. Em 06/10/2008, a Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, notificou pessoalmente o Impugnante, do início do procedimento de acção externa referido na alínea anterior, nos termos da certidão de diligências inserta a fls. 96 dos autos;

X. Em 20/10/2008 a Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, notificou pessoalmente o Impugnante, conclusão do procedimento de acção externa referido na alínea anterior, nos termos da certidão de diligências e notas de diligências insertas a fls. 100 a 103 dos autos;

Y. Foi elaborado o projecto de relatório final de inspecção e foi comunicado ao Impugnante (cfr. fls. 106 dos autos);

Z. Em 18/11/2008, o Impugnante exerceu o seu direito de audição (cfr. fls. 106 e 107 dos autos);

AA. Em 14/11/2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, nomeadamente, consta o seguinte:


― (...)


I- CONCLUSÕES DA ACÇÃO


1.2 – Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção:

Propõe correcções em sede de IRS e em sede de VA do ano de 2004, 2005 e 2006, por aplicação de métodos indirectos (ver capítulos IV e V do presente relatório).

Como resultado das referidas correcções, foi apurado o seguinte:


IRS





II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

A. Credencial e período em que decorreu a acção

1. Ordens de serviço externas nºs ……………., ………………. e ………….. de 2008/09/18

2. A acção teve o seu início em 2008/10/06 e terminou em 2008/11/14


B. Motivo, âmbito e incidência temporal

1. A Consulta, recolha de elementos e cruzamento de informação levada a cabo por esta Direcção de Finanças de acordo com o despacho n° ………… deu origem às ordens de serviço n° ……………….., ……………. e ……………….

Deste modo, foi proposto a emissão de ordens de serviço para inspecção aos anos de 2004, 2005 e 2006.

2. Exercícios económicos de incidência — anos de 2004, 2005 e 2006. (...)


IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

1. Actividade do s.p.


Através do “print” retirado do sistema informático desta Direcção de Finanças,. verificou-se que o s.p. se encontra registado pelo exercício da actividade de advogados, Código da Actividade ....., tendo ficado enquadrado em IVA no regime normal com periodicidade trimestral desde1988/09/01.


Trata-se de um sujeito passivo de IRS nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 3o do Código do IRS (CIRS) que, irá ser tributado de acordo com o regime da contabilidade organizada, por opção nos termos do n° 3 do art. 28° do CIRS.


As prestações de serviços estão sujeitas à taxa normal de IVA, conforme dispõe o n° 1 do art. 18° do CIVA.

2. Cumprimento das obrigações fiscais


O s.p. tem estado a cumprir com as suas obrigações fiscais, no que se refere à entrega das declarações de rendimento modelo 3 (IRS) e respectivas declarações anuais de informação contabilística e fiscal, bem como ao envio das declarações periódicas de IVA cumprindo assim o estipulado no art. 57° e no art. 113° do CIRS e no art. 28° e 40º do CIVA.

3. Análise contabilístico-fiscal (anos de 2004 a 2006)

3.1. Regularidade da escrita

O s.p, possui contabilidade organizada, estando a contabilidade a ser elaborada informaticamente.


3.2. Comportamento declarativo do s.p, no âmbito da actividade exercida e motivos para a aplicação de métodos indirectos nos aros de 2004, 2005 e 2006.

3.2.1.De acordo com as declarações de rendimentos modelo 3 de IRS apresentadas pelo s.p., verificou-se a seguinte situação declarativa em termos fiscais:

rentabilidade Fiscal = resultado fiscal/prestações de serviços


Tendo os serviços da Administração Fiscal, nas suas bases de dados rácios dos valores declarados, recorremos a essa base de dados para concluir, em termos comparativos, que o sujeito passivo apresenta rentabilidades fiscais de 34,73%, 20,98% e - 2,26%, respectivamente aos anos de 2004, 2005 e 2006, rácios estes inferiores à média da unidade orgânica dos valores declarados pelos contribuintes que exercem a mesma actividade de advogado e no mesmo Distrito, rácio R04 - CAE: ......

3.2.2. Após várias diligências efectuadas pelos Serviços de Inspecção, para os anos de 2004, 2005 e 2006, verificou-se o seguinte:

3.2.2.1.Nos anos de 2004, 2005 e 2006, de acordo com o sistema informático desta Direcção de Finanças — Visão do contribuinte -, verificou-se que o sujeito passivo é gerente/ administrador de várias sociedades, tais como:

V.......... Lda, NJPC: 50…….

F….., NIPC: 50……

C…. Lda, NIPC: 50…..

S….. Lda, NIPC:

M…. Lda, NIPC: 50….

C…. Lda, NIPC: 50….

A.......... Lda, NIPC: 50…

P…. Lda, NIPC: 50….

C…. Lda, NIPC: 50….

F…. Lda, NIPC: 50….

C…. Lda, N IPC: 50….

Ao longo dos anos de 2004, 2005 e 2006, no exercício da sua actividade de advogado relativamente às entidades supra referidas o sujeito passivo apenas emitiu recibos modelo 6 (recibos verdes) referentes a serviços prestados às sociedades A.......... Lda e V… Lda.

Relativamente às empresas M…., P… e F…, verificou-se que existe uma relação directa entre o sujeito passivo e o TOC destas empresas, uma vez que se verificou que os pagamentos dos serviços contabilísticos foram efectuados através de contas bancárias destas cujos cheques foram assinados pelo sujeito passivo em análise indiciando que também poderá ser responsável por outras operações relacionadas com as empresas, das quais não existe registo de qualquer facturação.

Relativamente à empresa P........., verificou-se também que se encontra registado em custos na contabilidade do sujeito passivo a factura n° …………. emitida pela empresa D......... em 2005/03/17 relativa à elaboração de balanços de 2004 da empresa P..........

Algumas destas empresas respeitam a três grandes grupos económicos ligados ao Golfe que investiram em propriedades dos Concelhos da ....., ...... Os serviços prestados envolvem quer a compra de terrenos, negociação e aprovação de projectos de construção e estudos de impacto ambientai, cujo desenvolvimento tem levado vários anos e esteve sujeito a vários condicionantes.

Relativamente aos campos de golfe de ..... (M.........), os mesmos já se encontram em comercialização, têm uma área de 400 hectares e envolve um investimento superior a 600 milhões de euros, tendo o sujeito passivo acompanhado este investimento desde a fase de arranque, participando actualmente na comercialização (incluindo a participação nas escrituras de venda).

3.2.2.2.A análise dos documentos financeiros permite concluir que embora o sujeito passivo possua contabilidade organizada, não tem na contabilidade quaisquer registos de documentos bancários (extractos de conta corrente dos Bancos e outros documentos de suporte tais como fotocópias de cheques, talões de depósitos bancários) que comprovem os recebimentos a os pagamentos, nem foi efectuada a reconciliação bancária. Os recebimentos e pagamentos são lançados nas contas do POC “11 e 51”.

Foi solicitado a algumas entidades prestadoras de serviços do sujeito passivo o comprovativo financeiro relativo a despesas registadas na contabilidade, de onde se conclui que, o contribuinte na sua actividade utilizou cheques como meio de pagamento (a título de exemplo junta-se alguns documentos em anexo 9). Verificou-se também que o contribuinte utilizou a conta bancária a que se refere o NIB: ……05 para pagamento de telecomunicações, entre outros. Pelo menos estes cheques e respectivas contas bancárias deveriam estar registadas na contabilidade e não estão, nem foram objecto de reconciliação bancária.

3.2.2.3. Procedeu-se à recolha de informação com algumas entidades, tais como cartórios notariais, tribunais judiciais e conservatórias do registo predial, bem coma a consulta no sistema informático ―Visão do contribuinte — relação com outros‖, tendo-se concluído a existência de serviços prestados a alguns clientes em que não há registo contabilístico de recibos modelo 6 (recibo verde) e, obviamente, não foram declarados à Administração Fiscal (vide anexo 5).

3.2.2.4. Nos anos de 2004, 2005 e 2006, o sujeito passivo possui alguns colaboradores a trabalhar para si na sua actividade de advogado, emitindo estes ao sujeito passivo em análise, recibos verdes pelos serviços prestados, bem como notas de despesas dos serviços prestados a clientes do sujeito passivo em análise, que para os quais também não existe na contabilidade qualquer registo de proveitos.

Os documentos de despesas atrás mencionados referem-se a despesas efectuadas com clientes do sujeito passivo, pelos advogados N........., contribuinte fiscal n° ….02 e D........., contribuinte fiscal no ....

Relativamente aos serviços prestados por um dos colaboradores do sujeito passivo em análise — Dr. G......... (anexo 1 e anexo 5), o Dr. C........ vai a afirmar que todos os serviços prestados por si, nos anos de 2004, 2005 e 2006 respeitante à lista de clientes que se juntou em anexo à notificação efectuada a si pela Administração Fiscal, foram serviços efectuados a pedido do Dr. B........ e constantes nas respectivas notas de despesas apresentadas ao mesmo,

Verificada a contabilidade, não foi detectado qualquer proveito declarado relativamente a alguns clientes mencionados nos referidos documentos de despesas, pelos serviços prestados nos anos de 2004, 2005 e 2006, ou seja, existem custos na contabilidade do sujeito passivo relacionados com a prestação de serviços de colaboradores, entre outros, em relação aos quais não existe registo do respectivo proveito.

3.2.2.5. Foram recolhidos elementos junto da contabilidade de algumas empresas em que o contribuinte é gerente/administrador nos anos de 2004, 2005 e 2006, nomeadamente na empresa V........ e a empresa A.........., onde foi possível verificar, através da análise das Actas daquelas empresas e outros documentos contabilísticos, que o contribuinte faz parte do Conselho de gerência das mesmas mas que não aufere qualquer remuneração fixa de trabalho dependente. Apenas emite recibos verdes àquelas, não discriminando nestes qual o tipo de serviço prestado, data da sua realização ou empresa do grupo a que respeita, bem como se estes se referem a honorários ou a notas de despesas. Na empresa A.......... encontram-se registadas notas de despesas relativas a deslocações, comunicações e rendas, que não fazem parte da contabilidade do contribuinte que a título de exemplo se anexa dois exemplares em anexo 6, apesar de se verificar a existência de recibos emitidos pelo contribuinte cujos montantes coincidem com as mesmas notas de despesas. Esta situação indicia que, relativamente aos recebimentos efectuados, o sujeito passivo possa emitir facturação discriminada entregue ao cliente, discriminação essa que não consta nos recibos registados na contabilidade por si emitidos.

No Auto de Declarações elaborado em 2008/01/16 (Anexo 7), o sujeito passivo veio esclarecer que os recibos emitidos contemplam honorários e despesas efectuadas por conta, admitindo que os honorários correspondem a uma avença mensal de €1500,00 em relação aos quais não existe quaisquer contratos escritos. Face à inexistência de documentação escrita não nos é possível concluir se os recibos contemplam a remuneração relativamente aos actos de gerência e aos serviços jurídicos de carácter pontual.

Relativamente às empresas ―A.......... e V........‖ o negócio contempla, não só actos de administração como prestação de serviços pontuais e despesas associadas que não se encontram discriminados directamente nos recibos contabilizados, pois os recibos não discriminam nem a data efectiva nem a natureza do serviço prestado*.

* Entende-se que no se encontra discriminado a natureza dos serviços prestados a estas empresas por os recibos e os registos contabilísticos não indicarem se se trata de uma remuneração a título de avença prestação de serviço pontual, comparticipação de despesas ou outros. Relativamente à data do serviço prestado, por se tratar de serviços de carácter contínuo cujas prestações se realizaram em diferentes datas que poderão ir além de um único período de tributação, as mesmas deveriam ter sido facturadas aquando da realização do serviço, independentemente ou não da data do pagamento.

Algumas das sociedades de que é gerente / administrador, o domicílio fiscal das mesmas coincide com o domicílio fiscal do sujeito passivo (localização do seu escritório de advogados), ou seja, na ... no ….. – 6o esquerdo em Faro, indicando que utiliza aquelas instalações para tratar de assuntos relacionados com as referidas sociedades.

Há que referir ainda que, a consulta aos livros de Actas de algumas daquelas sociedades supra referidas (A.........., V........ e outras) foi efectuada no escritório do advogado em causa por os mesmos se encontrarem disponíveis naquele local,

Verificou-se também que, relativamente a algumas das referidas sociedades, têm come accionistas, entre outras, empresas off-shores. Verificou-se que o sujeito passivo, para além de ser gerente/administrador, das sociedades referidas, é também um dos representantes da sociedade off-shore ―A........ Ltd NIF: ….27 a qual é accionista das sociedades ―A..........‖ e ―V........’, conforme devida procuração, que a título de exemplo se junta uma delas em anexo 8, onde se pode observar que todas as decisões destas sociedades que desenvolveram o projecto TTT tiveram intervenção do contribuinte. Para além desta situação, verificou-se que o sujeito passivo também assina cheques de empresas de que é gerente/administrador.

3.2.2.6. O contribuinte, na qualidade de administrador, tem desenvolvido projectos de investimento para as empresas – “C........”, S........” e ―C........”, e que ainda não existe na contabilidade qualquer emissão de recibo.

3.2.2.7. Contactado alguns clientes do sujeito passivo, verificou-se que, relativamente ao cliente J........, o sujeito passivo recebeu no ano de 2006 a contraprestação de um serviço prestado naquele ano, cujo recibo foi só emitido no ano de 2007, de onde sei conclui que a realidade patrimonial do contribuinte nos referidos anos poderá não ser a verdadeira, por, não ter sido respeitado o princípio da especialização dos exercícios (Anexo 2 e 5).

Verificou-se também que, relativamente ao cliente L........ e de acordo com declarações do próprio cliente, não foi pago ao sujeito passivo o montante respeitante a serviços prestados no ano de 2004, como se discrimina no anexo 3 e 5 Apesar do pagamento não ter sido eventualmente efectuado, o serviço foi efectivamente prestado mas não foi emitido qualquer facturação nem registado o correspondente proveito.

3.2.2.8.Contactada a empresa ―D......... Lda‖, NIPC: ….56, gabinete de contabilidade onde é elaborada a contabilidade do sujeito passivo, verificou-se que aquela sociedade emitiu as facturas n°s 15182, 16082 e 18493 ao sujeito passivo, por serviços prestados a este relativamente ao preenchimento de declarações modelo 22 e declarações anuais de algumas empresas representadas pelo contribuinte em análise,

Na contabilidade do sujeito passivo relativamente ao serviço prestada às referidas empresas, nos anos de 2004, 2005 e 2006, não foi detectado qualquer facturação emitida às mesmas (Anexo 4 e 5).

3.2.2.9.Recolhidos elementos do sistema informático da DGCI, verificou-se que, o sujeito passivo aparece como representante de alguns contribuintes (Visão do contribuinte - relação com outros) e aparece também designado em declarações de rendimentos modelo 22 de alguns contribuintes como sendo representante legal dos mesmos.

Também nesta situação, não foram detectados contabilisticamente quaisquer proveitos associados a estes serviços (Anexo 5).

Recolhidos elementos do sistema informático da DGCI (liquidação de IMTs- imposto municipal sobre imóveis), também foi verificado o pagamento de alguns IMTs por parte dos já citados 2 advogados colaboradores do sujeito passivo, relativamente a clientes deste. Também nesta situação não foi verificado na contabilidade qualquer proveito relativo a estes clientes nos anos em causa (Anexo 5).

3.2.2.10. Relativamente à empresa RRR (cliente do s.p.) verificou-se junto do TOC daquela que o pagamento ao TOC é feito directamente pelo Dr. B........, assim como os restantes pagamentos de despesas desta empresa, conformo se pode verificar pela existência de conta corrente credora, onde se resumem esses movimentos (Anexo 5).

3.2.3. Relativamente aos serviços prestados anteriormente referidos, tenham estes a natureza de um serviço pontual ou continuo respeitem ao grupo de empresas das quais o contribuinte é administrador/gerente ou aos restantes clientes, o contribuinte tendo contabilidade organizada deveria obedecer às regras do Código do imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC) conforme dispõe o art° 32° do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) e assim proceder à periodização da matéria tributável respeitando o principio da especialização dos exercícios conforme dispõe a alínea b) do artigo 18° do CIRC, situação esta que não foi respeitada na organização da sua contabilidade

A contabilidade do contribuinte limita-se apenas ao registo de recibos contrariamente ao que é obrigatório para os contribuintes que possuem contabilidade organizada que devem emitir facturação nos termos do art. 35° do Código do IVA, discriminando a natureza de cada serviço e a data em que foi prestado, independentemente do serviço ter sido pago ou não.

A falta de discriminação dos serviços prestados referida no ponto 3.2.2.5. não nos permite verificar se as diligências de carácter profissional efectuadas pelo sujeito passivo foram facturadas bem como se foram facturados todos os serviços associados aos custos contabilizados.

3.2.4. As situações relacionadas no anexo 5, fazem parte de uma amostragem efectuada pelos Serviços de Inspecção junto de terceiras que demonstram a existência de diligencias efectuadas pelo contribuinte e/ou seus colaboradores em representação de clientes do sujeito passivo podendo ou não estas diligências terem como suporte documentos de custos registados na contabilidade As referidas diligências indiciam a realização do serviço prestado de impossível quantificação que não se encontra registado na contabilidade.

3.2.5. Todas as situações supra referidas, demonstram que existem indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos. Assim, não é possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis a correcta determinação do lucro tributável.

Deste modo, os factos antes descritos enquadram-se no art. 39° do CIRS, pelo que, irá proceder-se à determinação da matéria tributável através da aplicação de métodos indirectos para os anos de 2004 2005 e 2006, conforme estipula a alínea b) do art. 87o e alínea a) do art. 88° todos eles da Lei Geral Tributária (LGT).

A alínea b) do art. 87° da LGT refere a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, situação esta que se encontra demonstrada pelos factos anteriormente referidos.

De acordo com o artigo 88° alínea a) da LGT entende-se por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do art. 87o da LGT a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração e ―irregularidades na sua organização ou execução‖, Estes factos encontram-se descritos nos pontos 3.2.2.1, 3.2.2.3., 3,2.2.4., 3.2.2.5, 3.2.2.6., 3,2.2,7., 3.2.2.8, 322 9 , 32 2 10 323 e 3 24 , onde se demonstra que houve omissão de facturação foram detectadas na contabilidade de outro contribuinte notas de despesas que não se encontram na contabilidade do sujeito passivo em análise bem como as irregularidades nos recibos emitidos pelo facto de não revelarem a natureza nem a data dos serviços prestados não permitindo relacionar os proveitos com os respectivos custos.

A insuficiência de elementos de contabilidade encontra-se demonstrada no ponto 3.2.2.2. onde se faz referência ao facto do sujeito passivo não possuir na sua contabilidade quaisquer documentos bancários relativos às contas bancárias utilizadas na actividade do sujeito passivo que comprovem os recebimentos e pagamentos impossibilitando a avaliação dos proveitos facturados e quantificação dos serviços prestados omitidos não reflectidos na contabilidade,

V – CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS:

1. Face aos motivos mencionados no capítulo IV irá proceder-se à determinação da matéria tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos, para os anos de 2004, 2005 e 2006.

2. Conforme já foi referido no capítulo IV, a contabilidade do s.p., tal qual como está elaborada, apresenta rentabilidades fiscais abaixo da média do sector de actividade, de acordo com os rácios retirados do sistema informático da DGCI — R04

Nos termos do art. 90º da LGT, a rentabilidade fiscal é um dos métodos utilizados para a quantificação da matéria tributável. Assim, considerando o rácio da rentabilidade fiscal retirado em 20/10/2008 do sistema informático R04 — média da unidade orgânica (46,70% para 2004, 46,04% para 2005 e 42,52% para 2006), é possível apurar um novo valor para os serviços prestados nos anos de 2004, 2005 e 2006 e fixar um resultado fiscal proposto pela aplicação de métodos indirectos.

3. Apuramento do resultado fiscal e do IVA presumido para os anos de 2004, 2005 e 2006

3.1. Apuramento do resultado fiscal proposto. Considerando que o rácio da rentabilidade fiscal resulta da seguinte fórmula:

Rácio R04 = Resultado Fiscal

Volume de negócios

Considerando os custos declarados como verdadeiros e atendendo a que o resultado fiscal é igual aos serviços prestados mais outros proveitos menos o total dos custos +/- as variações do quadro do apuramento fiscal, o novo valor proposto para os serviços prestados resultará da seguinte fórmula;

Custos — outros proveitos — variações do quadro do apuramento do lucro tributável.

1- rácio R04

Deste modo, determina-se assim os valores para os serviços prestados propostos e com base nestes determina-se os valores para o resultado fiscal proposto, para cada um dos anos em análise, como a seguir se indica:


(...)

VII - INFRACÇÕES VERIFICADAS

1. As omissões verificadas nas declarações de rendimento modelo 3 dos anos de 2004, 2005 e 2006, decorrentes das correcções da matéria tributável anteriormente referidas, são infracções previstas e puníveis pelo art. 119° do RGIT.

2. A falta de entrega de IVA liquidado adicionalmente nos períodos de IVA 04.03T, 04.06T, 04.09T, 04.12T, 05.03T, 05.06T, 05.09T, 05.12T, 06.03T, 06.06T, O6.09T e 06.12T, constitui infracção ao art. 26° do CIVA, punível pelo art. 114° do RGIT.

3. No decurso da acção inspectiva o s.p. não entregou o pedido de redução de coimas no Serviço de Finanças de Faro, conforme estipula o art. 29° do RGIT, pelo que, pelas faltas detectadas foi levantado o respectivo Auto de Notícia.


(...)


X – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO


O sujeito passivo foi notificado, por carta registada, para, no prazo de 15 dias exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório, tendo-se verificado que o mesmo exerceu tal direito, por escrito dentro do prazo, em 2008/11/12.


No direito de audição, e em termos de conclusão, o sujeito passivo vem alegar que o projecto de relatório é manifestamente ilegal, estando ferido de erro nos pressupostos da aplicação da avaliação indirecta e de ilegalidade na aplicação do critério de quantificação.


O direito de audição exercido pelo contribuinte, está fundamentado com base em três grandes grupos;

A. Quanto aos motivos e factos que implicam o recurso a métodos indirectos para os vários anos (pontos 1° a 11o).

B. A análise dos factos que servem de fundamento à avaliação indirecta (pontos 12° a 140o).

C. Do crédito que serviu para cálculo dos valores a corrigir (pontos 141° a 152°).


A) Motivos e factos que implicam o recurso a métodos indirectos para os vários anos.

O sujeito passivo vem alegar essencialmente que a Inspecção no seu projecto de relatório enuncia um conjunto de pretensos factos que justificam o recurso à utilização de métodos indirectos para os anos de 2004, 2005 e 2006, sem discriminar quais os factos que fundamentam a avaliação indirecta em cada um dos anos e vem alegar também que relativamente aos anos de 2005 e 2006 as únicas referências que se fazem no projecto de relatório são relativas às empresas de que o contribuinte é gerente e às que derivam de serviços prestados pelos seus colaboradores.

Em relação a esta situação, podemos dizer que, por um lado, o projecto de relatório no seu conteúdo e anexos faz referência a factos respeitantes a cada um dos períodos em análise, indicando sempre qual o ano a que diz respeito tal omissão, destacando-se nomeadamente o anexo 5 em que são identificados, a título de amostragem, factos concretos encontrados para os diversos anos e não apenas para o ano de 2004. Para além destas situações específicas do anexo 5, no âmbito do Projecto de Relatório são identificadas outras situações comuns aos três anos em análise que corroboram os indícios de que existem omissões de proveitos em todo o período analisado.

Assim, contrariamente ao referido pelo sujeito passivo no ponto 7° do direito de audição, como fundamento para aplicação de métodos indirectos nos anos de 2005 e 2006 não são apenas e unicamente apresentados ―pretensos factos referentes às empresas de que é gerente e aos colaboradores (situações essas que, de per si, já seriam suficientes para demonstrar de forma clara a existência de indícios da omissão de proveitos), mas também factos específicos para o ano de 2005 e 2006 apresentados no anexo 5 (a título de exemplo refere-se escritura de 06112/2005 — livro 360/102 e escritura de 29/06/2006 — livro 52G/101,102, ambas efectuadas no ... em Faro).

Adicionalmente e, como já foi referido anteriormente, há outras situações comuns aos três anos em análise que fundamentam a aplicação de métodos indirectos e que, para o ano de 2004, não são postas em causa pelo contribuinte.

Aliás o próprio sujeito passivo acaba por reconhecer mais adiante nos pontos 13° e 14° da sua exposição que a fundamentação utilizada pela Administração Fiscal para o recurso a métodos indirectos ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 87° da LGT (da qual o contribuinte alega não ter cabimento) respeita simultaneamente aos três anos em apreço.

B Análise dos factos que servem de fundamento à avaliação indirecta

Das alegações que o contribuinte apresenta neste ponto, destacam-se as seguintes por se considerarem mais relevantes e às quais passamos a responder:

1. O contribuinte vem argumentar que só é obrigado a emitir recibo, em oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, conforme alínea a) do n° 1 do artigo 115º do Código do IRS.

Para cumprimento das obrigações decorrentes do Código do IRS, determina o seu art. 115o que os profissionais, titulares de rendimentos da categoria B de IRS estão obrigados a:

- passar recibo em impresso modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes pelas prestações de serviços ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas ou,

- emitir factura ou documento equivalente por cada prestação de serviços ou outras operações efectuadas, e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas.

Estabelece ainda o mesmo artigo no seu n° 4, que as pessoas que paguem rendimentos desta natureza, são obrigadas a exigir os respectivos recibos e conservá-los durante os cinco anos civis subsequentes.

Por sua vez o n° 6 do art. 3o do CIRS, afirma que: “... ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente.., sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 18° do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade” ou seja prevalece nestes casos o princípio da especialização dos exercícios e normas de contabilidade.

Assim, sempre que um advogado seja sujeito passivo de IVA não abrangido pelo regime especial de isenção ou possua contabilidade organizada (que é o caso do sujeito passivo em análise), a emissão do documento relativo aos serviços prestados deverá respeitar o estipulado no n° 1 da alínea b) do art. 28° do Código do IVA, emitir factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, bem como, pelos pagamentos que lhe sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços‖. Assim, o momento determinante para efeitos de tributação em sede de IRS deverá obedecer àquele preceituado e ser considerado rendimento no período em que o serviço foi prestado (óptica económica) respeitando, nos casos de prestação de serviços de carácter continuado, o limite máximo de 12 meses previsto no n° 9 do art. 7° do Código do IVA

Acresce que, nos casos em que a forma de determinação do rendimento tributável seja a contabilidade, independentemente de estar ou não no regime de especial de isenção para efeitos de IVA, o momento do proveito para efeitos tributários será sempre o da prestação dos serviços, por força dos princípios contabilísticos geralmente aceites, normas de contabilidade e 18o do Código do IRC por remissão do art. 32° do Código do IRS.

Assim, a tributação segundo a óptica de caixa (art. 115° do Código do IRS) apenas se verificará nos casos em que os contribuintes estejam no regime simplificado de tributação para efeitos de IRS e simultaneamente no regime especial de isenção (art. 53°) para efeitos de IVA.

Em conclusão, grande parte das alegações apresentadas pelo contribuinte neste ponto do direito de audição para pôr em causa a fundamentação para aplicação de métodos indirectos, baseia-se num incorrecto entendimento daquilo que constituem factos tributários para efeitos de IRS e IVA e do momento em que os mesmos ocorrem (óptica de caixa versus óptica económica, sendo esta última que se aplica ao seu caso).

2. O contribuinte vem alegar que algumas sociedades mencionadas no projecto de relatório, nomeadamente P........., RRR e outras, nos anos de inspecção tributária inexistem relativamente a estas sociedades quaisquer prestações de serviços ou tarefas inerentes ao exercício de advocacia.

Porém, o Projecto de Relatório deixou bem claro que associadas às empresas, verificaram-se factos que demonstram indícios de omissões de prestações de serviços.

3. O contribuinte vem alegar que o documento de despesas apresentado pelo advogado Dr. C........ foi apenas processado para controlo interno da deslocação ou despesa, sendo certo que o nome ou a referência utilizada para tal deslocação ou despesa, nem sempre coincide com o último beneficiário dessa prestação de serviço.

Sobre esta situação parece-nos de salientar que os referidos documentos de despesas não se destinaram apenas para controlo interno, mas foram contabilizados como custos na actividade e assim sendo, nos termos do n° 1 do art. 23º do Código do IRC, deverão ser custos geradores de proveitos, situação esta já mencionada no ponto 3.2.2.4. do Projecto de Relatório.

Por outro lado refere que o nome ou a referência utilizada para tal deslocação, nem sempre coincide com o último beneficiário dessa prestação de serviços (admitindo deste modo a existência de prestação de serviços), sem no entanto referir e fazer prova de quem é o último beneficiário desses serviços impossibilitando a Administração Fiscal de comprovar a contabilização do proveito associado.

4. No direito de audição o sujeito passivo alega por várias vezes situações que designa de “pro bono” sem que daí se tivesse auferido qualquer rendimento.

O que constitui fundamento para aplicação de métodos indirectos tem a ver com a existência de prestações de serviços não declaradas, independentemente de se ter verificado o recebimento de honorários ou não (situação esta já anteriormente explicada).

5. O sujeito passivo vem alegar que a Administração Fiscal não o questionou sobre as despesas que constam no anexo 5 do projecto de relatório.

Porém, o contribuinte já tinha conhecimento de algumas situações descritas no anexo 5 no processo de derrogação do sigilo bancário.

No direito de audição o contribuinte nada refere sobre a obrigatoriedade de registo dos documentos financeiros das contas bancárias da actividade (os quais são obrigatórios para os contribuintes que possuem contabilidade organizada), constituindo a referida falta uma insuficiência dos elementos contabilísticas que, de acorda com a alínea a) do art. 58° da LGT impossibilita a determinação directa e exacta da matéria colectável e constitui fundamento para aplicação de métodos indirectos.

Sobre o critério utilizado pela Administração Fiscal para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, já abordado pelo contribuinte neste ponto B), irá ser analisado no ponto seguinte,

C) Critério que serviu para cálculo dos valores a corrigir

O contribuinte vem alegar neste ponto que o critério utilizado pela Administração Fiscal não é o correcto, pois não é legítimo nem legal extrapolar que, para além dos proveitos correspondentes às despesas para que não havia recibo emitido possam existir outros proveitos também omitidos. Diz que a Administração Fiscal apenas poderia corrigir os proveitos correspondentes a essas despesas.

Nesta alegação o sujeito passivo não tem razão, por um lado, porque as despesas encontradas que para as quais não existia a contabilização de proveitos na contabilidade, fazem parte de uma amostragem, e por outro lado, existem outros factos para além destas despesas que indiciam a existência de omissão de proveitos, pelo que, não nos é possível determinar de forma exacta e precisa a totalidade e o valor real dessas omissões e, consequentemente da matéria tributável,

No intuito de melhor apurar a real situação fiscal do contribuinte, foi também solicitado o acesso à informação bancária do contribuinte, acesso esse que foi negado à Administração Fiscal.

Face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a Administração Fiscal procedeu à sua determinação por métodos indirectos tendo em canta os rácios da rentabilidade fiscal apresentadas pelo sector de actividade a nível do Distrito nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 90° da LGT.

Ainda relativamente ao critério utilizado pela Administração Fiscal, no ponto 76° do direito de audição o sujeito passivo afirma que no projecto de relatório se fala de rácio como sendo de média nacional e que a Administração Fiscal não os especifica. Sobre esta situação, apenas há a referir que no capítulo V ponto 2 está bem explícito que o rácio utilizado foi o da unidade orgânica e não da média nacional a qual evidencia valores mais elevados, sendo também especificados os correspondentes valores médios de unidade orgânica para cada um dos anos. Os referidos valores respeitantes à média da unidade orgânica são valores superiores aos declarados pelo contribuinte, como resulta da leitura do quadro 3 do Projecto de Relatório.

As considerações pessoais relatadas no direito de audição, são consideradas, na justa medida, em que a média do rácio do sector de actividade a nível da unidade orgânica já revela as declarações de todos os sujeitos passivos que também terão influências de carácter pessoal e logístico na sua actividade profissional.

A nossa compreensão dos problemas pessoais do contribuinte não o desobriga do cumprimento das suas obrigações fiscais.

Em termos de conclusão podemos dizer que o direito de audição não apresentou dados novos nem provas que permitam alterar as conclusões e correcções contidas no Projecto de Relatório, pelo que as mesmas deverão ser mantidas na íntegra.”

(cfr. fls. 85 a 112 do processo administrativo);

CC) Em 17/11/2008 foi emitido pelo Director de Finanças o seguinte despacho:


“Concordo. Proceda-se como se propõe.” (cfr. fls. 85 do p.a.);


DD) Em 17/11/2008 foram enviados ao Impugnante os ofícios no 12724 e 12725


respeitantes à notificação do relatório final de inspecção tributária, por carta


registada com aviso de recepção (cfr. fls.263 a 266 dos autos);


EE) Em 27/11/2008, o Impugnante assinou o aviso de recepção dos ofícios referidos na alínea precedente ( cfr. fls.


267 dos autos);


FF) O Impugnante apresentou um “pedido de revisão da matéria colectável” e tendo reunido os peritos, os mesmos não chegaram a acordo (cfr. fls. 105 dos autos);


GG) O perito da Impugnante fez constar do seu laudo o seguinte:


(...) Por último diga-se que no Relatório são levantadas várias situações em que se alega que o sujeito passivo não emitiu recibo e, como tal, omitiu proveitos.


Contudo, todas as situações invocadas respeitam a serviços de pequena expressão, como sejam o levantamento de certidões, a consulta de processos, a entrega de modelos. 22 de IRC, etc.


Não obstante, a Administração Tributária não detectou uma única situação (e, durante cerca de um ano, fez todas as diligências que entendeu necessárias — os primeiros dados que constam no processo são do final de 2007 — nomeadamente, através do cruzamento de inúmera informação com - clientes do sujeito passivo) em que ocorressem pagamentos sem a correspectiva emissão de recibo. Ora, o facto do sujeito passivo evidenciar pequenas despesas na sua


contabilidade sem que se verifique a correspondente emissão de recibo (o que poderia ser explicado pela inexistência de recebimento e que não se quis analisar) não é passível de determinar que se aplique uma média de lucro, seja ela qual for, sobre todas as despesas do contribuinte.


É que, como é fácil de compreender, todas as outras despesas contabilizadas tinham a correspondente emissão de recibo, pelo que a aplicação deste critério é manifestamente ilegal.


De resto, da utilização do critério em causa resulta uma fixação manifestamente exagerada e desajustada da realidade da actividade do sujeito passivo para os anos em causa, como se consegue extrair facilmente da sua petição de revisão.


Mais não é necessário dizer-se, depois de analisado o Relatório da inspecção e a petição de revisão do sujeito passivo, para com clarividência apercebermo-nos do absurdo e exagero da tributação em apreço.


Esta é a posição do perito indicado pelo sujeito passivo e que se submete ao elevado e prudente juízo nos termos e para os efeitos do n° 6 do artigo 92°, sendo nossa opinião que deverão prevalecer as questões de legalidade alegadas pelo sujeito passivo, pelo que deverá ser reformulada a fixação por métodos indirectos de forma a que se paute pelos princípios supra referidos e num quadro de legalidade, em que se atenda: às circunstâncias e às reais condições da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo nos anos em causa.” (cfr. fls. 110 a 117 dos autos);


HH) Na falta de acordo entre os peritos, o Director de Finanças proferiu a seguinte decisão:


“(...) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos e como fazendo parte integrante da presente decisão todos os documentos que constituem o processo base, designadamente o relatório do exame à escrita e seus anexos, a petição apresentada pelo reclamante, o direito de audição prévia facultado e previsto no art.° 60.o da LGT e RCPIT e os laudos elaborados pelos peritos das partes, derivados do debate contraditório já aludido.


O perito indicado pelo contribuinte, refere que deverá ser reformulada a fixação por métodos indirectos para a qual considera não existirem fundamentos, com uma quantificação da matéria tributável absurda e excessiva, desajustada da realidade da actividade do contribuinte para os anos em causa, referindo a confusão que é manifesta no Relatório da Inspecção entre a actividade de advocacia do contribuinte e a desenvolvida como gerente de diversas empresas, considerando que foram violados os princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e o da justiça tributária que encerra em si o princípio da equidade.


O perito da administração tributária, mantém o apoio das conclusões retiradas do relatório do exame à escrita, visto que, os argumentos invocados no laudo do perito indicado pelo contribuinte, não permitiu estabelecer qualquer acordo, não tendo sido apresentados factos susceptíveis de produzir alterações. Considera que os fundamentos e os factos que levaram à tributação por métodos indirectos, para o quais o contribuinte considera não existirem fundamentos, respeitam a 2004 e quanto aos anos seguintes apenas se referem a empresas de que o reclamante é gerente ou a serviços que lhe foram prestados pelos colaboradores. Quanto à quantificação da matéria tributável considerada excessiva pelo reclamante, poder-se-ia parcialmente compreender se da contabilidade do contribuinte constassem os documentos bancários, não sendo este fundamento referido ao longo de toda a reclamação, tendo a Inspecção Tributário utilizado o rácio da rentabilidade fiscal constante no sistema informático da DGI, no seu valor médio da unidade orgânica, considerado adequado, uma vez que as alegações do contribuinte não permitem concluir uma situação excepcional que justifique a adopção de um valor inferior à média. Por tudo isto, o perito da administração tributária é de parecer que o


valor da matéria tributável objecto da reclamação, deverá ser mantido. Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito e Administração Tributária, e mantenha a fixação do rendimento de IRS e IVA, dos anos de 2004, 2005 e 2006, nos valores de: €126.762,43, 157.935,84, € 98.016,83 (IRS) e € 8.903,36, € 15.420,72, € 21.198,85 (IVA), respectivamente fixados por métodos indirectos.” (cfr. fls. 105 e 106 dos autos);


II) Em 26/01/2009 foi emitida a liquidação referente a IRS de 2004 (cfr. fls. 85 dos autos);


JJ) Em 29/01/2009, através do ofício nº 002229 foi comunicado à Impugnante a decisão do pedido referido na alínea anterior (cfr. fls. 104 dos autos);


KK) Em 05/02/2009 a Impugnante foi notificada do ofício referido na alínea anterior (cfr. fls. 118 a 120 dos autos);


LL) Em 05/02/2009 foi afixado edital


(cfr. fls. 121 dos auto);


MM)Em 06/02/2004 o Impugnante foi notificado da liquidação referente ao ano de 2004


(cfr. fls. 85 e 122 dos autos);


NN) Em 16/02/2009 foi emitida a liquidação referente a IRS de 2005


(cfr. fls. 87 dos autos);


OO) Em 16/02/2009 foi emitida a liquidação referente a IRS de 2006


(cfr. fls. 89 dos autos);


PP) Em 16/02/2009 foi emitida a liquidação referente a IRS de 2007


(cfr. fls. 91 dos autos).


Fundamentação do julgamento:


A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que dos autos constam, do processo administrativo e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.


Do depoimento dessas testemunhas resultou o seguinte:


A testemunha R........, inspector tributário, em suma, referiu que acompanhou algumas diligências da inspecção feita pela colega, e que o s.p. tinha contabilidade organizada. Pediram os elementos bancários e o s.p. alegou sigilo profissional. A verificação desses elementos era essencial para verificar a regularidade da contabilidade. Nesta actividade seria imprescindível, porque só assim se poderia avaliar os fluxos financeiros associados à actividade. Os outros elementos cuja análise seria necessária, seria a facturação discriminada e o s.p. disse que tal não era obrigatória. Se relativamente aos proveitos foi uma óptica de caixa, quanto aos custos, os mesmos foram contabilizados no exercício em que as prestações foram contabilizadas.


Não houve correcções técnicas se tivessem conhecimento da data do tipo de serviço que seria prestado. O que consta do recibo, não descreve ao tipo de prestação de serviços, nem se o mesmo respeita a despesas facturadas a clientes ou se diz respeito a honorários. Relativamente aos custos também era difícil verificar se o custo dizia respeito a um cliente ou outro, ou se foi facturada ou não, Mesmo que se conseguisse abandonar a lógica de caixa, nunca tal poderia ser feito a nível de custos, pois nunca teriam a certeza que aquele custo e o proveito dissessem respeito aquele exercício.


Também não seria possível fazer a análise de todas as sociedades clientes, a nível contabilístico até porque alguns até são não residentes


Na ausência de documentos financeiros, não podiam avaliar os proveitos.


Todos os custos eram contabilizados pelo s.p. Não havia facturação associada aos custos relativamente aos clientes descritos no RIT. Os colaboradores internamente emitiam documentos onde se descrevia os serviços prestados pelos mesmos, que actuavam em nome do Impugnante. Não conseguiram encontrar qualquer pagamento para o qual não houvesse emissão de recibo. Mas tal não encontraram porque nunca seria possível encontrar, pois não tiveram acesso às contas bancárias e da contabilidade não resultar. Há despesas que não estão individualizadas, como as despesas com consumos de água, etc, e são sempre despesas de exercício e não imputadas ao cliente. O que não está devidamente contabilizado são os proveitos, as despesas estão todas contabilizadas. Contactaram alguns dos clientes, mas não todos,


até porque alguns eram não residentes. O impugnante era representante fiscal das mesmas, mas nunca pediram que o mesmo apresentasse qualquer documento, porque se a própria entidade que está a ser inspeccionado não declara, não fazia sentido estar a pedir informações.


Havendo um custo, pelo art. 18o do CIRC, tem de existir sempre um proveito. Se o s.p. não queria contabilizar o proveito porque ainda não tinha recebido, então o que devia ter feito era só contabilizar o custo no exercício quando efectivamente recebesse.


Mas para isso, teria de haver facturação e recibos com discriminação dos serviços.


Relativamente às empresas em que o s.p. é gerente, a administração fiscal não conseguiu separar em termos de proveitos a sua actividade de advocacia da gerência.


Pelos recibos, não foi possível verificar, por não estar discriminar se estamos perante actividade de gerente ou de advogado.


O montante de despesas era muito grande comparado com o valor da avença que o Impugnante tinha. Todas as despesas facturadas a essas empresas é da facturação na íntegra do escritório do impugnante – renda, telefones, mails, etc. questiona-se como é existe uma avença de 1500 euros e só com despesas de telefone são à volta de 400 euros. Mas só presumiram rendimentos a partir dos custos do advogado.


A testemunha D........, em suma, disse que prestou esclarecimentos no âmbito da inspecção sobre a sua própria actividade no escritório. Disse que as certidões que pediu no âmbito da sua actividade relativa a vários clientes seus. Não tinha quaisquer recibos ou documentos que tivessem relações com o Impugnante. Eram despesas suas, nada tinham a ver com o Impugnante, apenas partilhavam o escritório.


Sabe que as empresas referidas no RIT, sabe que é gerente da A.........., V........, C........, S........ e C......... A h… é a A.......... – SGPS e a gerência é feita pela assinatura de 4 gerentes em conjunto. Na gerência, o Impugnante era o último a intervir. Normalmente era recorrente aparecer um funcionário no escritório que trazia documentação, muitas vezes, cheques já preenchidos e assinados e ele também tinha de assinar.


As empresas V........ e C........, estão ligadas ao empreendimento ..., neste momento está a ser executado. ..., ainda não saiu do projecto, os terrenos estão tal e qual como quando foram comprados e C........ a mesma situação.


A avença é determinada pelo no de trabalho e normalmente é inferior se praticar cada trabalho individualmente para certos clientes. Mas a avença dá estabilidade e conservação do cliente.


Confirmou que as sociedades off-shores foram redomiciliadas para Portugal em final de 2003, devido à nova legislação, do IMI. Queriam beneficiar de um sistema fiscal mais benéfico. Essas sociedades apenas são proprietárias de imóveis, normalmente lotes para construção. Não têm produtividade. O trabalho com essas empresas será por ex. pagar a contribuição autárquica, ou seja, o maior trabalho é no momento da aquisição e só mais tarde se houver uma venda é que voltará a ter actividade.


Houve muitas situações em que o Impugnante prestou ajuda, atendeu telefonemas, etc, e não cobrou por isso, pois era uma forma de conseguir a confiança do cliente, e de o manter como cliente no caso de haver depois uma necessidade de intervenção maior.


Durante o período de 3 anos foi caótico, com filhos menores, a quem tinha de atender, saia a meio de reuniões, pedia para o substituírem em diligências, acabou por se divorciar e ficou com o poder paternal dos filhos.


Quanto ao cliente Sr. B........, ele é vizinho do Impugnante e já é cliente do mesmo há muitos anos, mas é mais amigo e vizinho em termos de tratamento do que como cliente. M........; B........; U........; E........; Eastside são todas offshore e são quase todas únicas e exclusivamente detentoras de propriedades/ vivendas. Não têm actividade comercial, industrial, etc. Estas sociedades são pastas de arquivo no escritório. O Impugnante, no fundo, deu o nome para possibilidade de redomiciliação de empresas e para representante fiscal. Este sistema de representação, era algo comum há 15/20 anos como actividade dos advogados aqui nesta área. Entretanto, com a alteração da legislação hoje em dia ninguém faz isso.


A testemunha N.........., advogado, disse, em suma que, partilha o escritório com o Impugnante e cada um partilha o espaço do escritório. Foi contactado pelas finanças para comprovar recibos do depoente. Além disso foram-lhe feitas perguntas muito genéricas acerca do funcionamento do escritório.


Sabe que o Impugnante é gerente de algumas empresas, mas que não exerce as funções de gerência, são 4 ou 5 pessoas, não dá grande apoio como gerente, mas deu apenas o nome e depois presta serviços jurídicos. A avença é com a SGPS, mas depois dá apoio às várias empresas. Nem todas as empresas da holding têm actividade. São proprietárias de imóveis e estão paradas, apenas só a C........ e a V........ é que têm projectos em curso, as restantes empresas estão inactivas, só são meras detentoras de imóveis. A gerência de sociedades, não faz parte do rendimento de um advogado. Não é um acto de advocacia. A P......... apenas existe para efeitos fiscais, só tem prédios em Portugal e as restantes também, são todas, unipessoais e o normal é os advogados serem representantes fiscais dessas empresas. Esta representação fiscal é mais uma caixa de correio, não há um trabalho real de gerência. As despesas com essas empresas são mínimas e quase inexistentes e o trabalho do advogado é mínimo, é emprestar o nome. Ex: pagamento de IMI – chega a nota de liquidação, é solicitado o dinheiro à empresa, o dinheiro vem e o advogado paga.


O valor de 1500 € é razoável, atendendo a que o trabalho é pouco, é dar o nome.


Há avenças que incluem despesas e outras não. Nos anos em causa, o Impugnante teve vários problemas familiares. A mulher do impugnante foi internada e quem tratava de tudo, ir e buscar filhos, etc, era ele.


Foi uma época muito complicada na vida do Impugnante. Em 2006 divorciou-se.


Estava um pouco fora do escritório.


Prestou serviços simples, como consultar processos na Câmara Municipal de Loulé, ir às conservatórias, serviços de pouca monta. A documentação era apenas o nome do cliente o serviço e o impugnante depois pagava-lhe. Houve certas situações em que os clientes eram identificados pela pessoa que pediu o serviço do que a empresa em si, por exemplo, M........, quando a cliente era L.........


Identificou as várias empresas referidas no relatório, como off-shores e apenas detentoras de imóveis em Portugal.


A testemunha M.G......., em suma, referiu que, trabalha com o Impugnante desde 1991, nos anos de 2004 a 2006 a esposa do Impugnante contraiu uma doença muito grave e isso incapacitou-a para tudo, e o Impugnante passou a assegurar toda a lide doméstica, dar assistência à esposa em termos de a levar ao médico, tratar dos 3 filhos ainda menores, levá-los à escola, às actividades, divorciou-se em 2006, tendo ficado com a guarda dos filhos. Assegurou toda a família em prejuízo da sua actividade profissional. Transtornou a vida profissional do Impugnante, deixou de estar no escritório, a sua produtividade no escritório diminui muito, havia dias em que não conseguia falar com o Impugnante, o escritório estagnou completamente.


A testemunha, M.C......., inspectora tributária, em suma, referiu que os vários indícios de omissão de proveitos estão descritos no anexo V do relatório, onde estão descritos serviços prestados pelo Dr. C........ que trabalhava no mesmo escritório do Impugnante a pedido deste. Muitos estavam registados em custos de actividade e se há custos, tal é gerador de proveitos, mas não havia facturação quanto aos mesmos, presumindo-se a omissão de proveitos na contabilidade. Na contabilidade apenas estavam reflectidos os custos de actividade do Impugnante. Também se verificou a presença do Dr. B........ em escrituras públicas em que interveio como procurador e não havia depois facturação dessa prestação de serviços relativamente aos clientes. O Impugnante também era representante fiscal de alguns clientes, mas depois não havia facturação relativamente a essa prestação de serviços. Todos os custos por conta de clientes, como por exemplo, pagamentos adiantados dos clientes para escrituras devem ir para a conta de terceiros. Os recibos só seriam emitidos quando houvesse pagamento. Mas a lei diz que independentemente de receber ou não, pois tendo contabilidade organizada, logo no momento da prestação do serviço, deve ser emitida a factura. O Impugnante tinha a obrigação de emitir factura no dia ou no prazo de 5 dias da prestação de serviços e isso não foi feito.


Na representação fiscal foram detectadas apresentações de declarações, despesas do Dr. C......... Por exemplo, o Dr. C........ ia a Loulé buscar uma certidão e cobrava depois ao Impugnante e este colocava na contabilidade como despesa.


Na empresa “P.........” verificou-se que o Impugnante tinha colocado em custos da actividade o pagamento ao TOC, ora se colocou em custos da actividade, então é óbvio que teria haver uma cobrança ao cliente desse custo, emitir uma factura para pagamento, pelo menos desse custo, para o recuperar. Esta sociedade tinha actividade declarada com Mod. 22. e o preenchimento era dela, mas o Dr. B........ é que prestou o serviço à sociedade, pagou ao TOC. Esta sociedade e outras entregavam o Mod. 22 e com valores, não apresentavam a zeros. Não verificou se a actividade era relevante. Elas apresentavam resultados, mas não se lembra se era com prejuízo ou com lucro. Aplicou a média de advogados porque não era só a representação fiscal também havia outros serviços.


Quanto às empresas em que era gerente, houve uma presunção de que poderia haver outros rendimentos, mas nunca foi detectado qualquer recibo relativamente a pagamentos de honorários. Não foram fiscalizadas essas sociedades, ou seja, apenas verificaram os recibos que eram passados a essas empresas. Não eram recibos mensais. Mas não detectou qualquer pagamento que não tivesse recibo.


Apenas verificou em termos de amostragem. Os advogados que tenham contabilidade organizada têm de emitir factura pelos serviços prestados, quando recebem, então emitem os recibos para pagamento. No recibo não discrimina o que eram honorários. Quanto ao recibo relativo à avença de 1500 euros, não estava discriminado se eram honorários, se tinham despesas. Não havia facturas mensais emitidas relativas a essa avença, o que seria obrigatório, independentemente de receber ou não. No caso, por exemplo, do AA, não podia haver correcções técnicas porque não se sabia a data dos serviços, pois só sabia quando é que havia recebimento de dinheiro, por causa do recibo, mas como não havia factura, não era possível ver quando foi feito, nem o que foi feito. Aceitou todos os custos contabilizados.


Este foi o caso em que há recebimento num ano e recibo passado no ano seguinte


Da amostragem que fez, relacionou o rácio da rentabilidade fiscal, com todas as despesas. Para estas despesas não havia proveitos. Houve separação para as quais houve prestação serviços, para os quais não houve uma facturação e os do anexo V.


A parte da contabilidade referente à representação fiscal, houve total identificação, mas não conseguiu verificar toda a actividade do Impugnante porque não conseguiu obter informação das conservatórias, nem fiscalizou todas as empresas, foi uma amostragem. A amostragem apenas diz respeito a despesas diminutas porque conseguia associar aos clientes, mas não estavam associadas a proveitos. Mas as restantes, não se sabe, não se conseguiu. Para além do Anexo V, não conseguiu determinar que não houve proveitos, mas depois quando aplicou o rácio, foi sobre as despesas contabilizadas, ou seja, para todos, as do Anexo V e as que não estavam no Anexo V. Não podia aplicar a rácio apenas a alguns. Considerou os proveitos sobre uma média de todos os custos. O rácio é a da actividade de advocacia no distrito de Faro. O Anexo V é uma amostragem onde se detectou que a contabilidade não está bem, não é credível e por isso se tem de presumir os proveitos com base numa média de actividade e sobre todas as despesas e não só as do Anexo V. As despesas constantes do Anexo V eram de pouca monta, 20, 30, 40 euros, mas o facto de a despesa ser pequena, não quer dizer que o serviço o seja. O Dr. C........ emitia as notas de despesas a dizer que tinha ido a Loulé retirar uma certidão e depois isso era facturado ao Impugnante. A amostra é de despesas diminutas porque foram as únicas que conseguiu associar a clientes. Nos anos em causa o Impugnante teve problemas pessoais graves.


Mas tal não foi tido em consideração, pois tinha os advogados que colaboraram com ele, que lhe faziam serviços. Considerou que a média seria o critério mais justo.


Não foi possível verificar os recebimentos e os pagamentos do Impugnante. O mesmo não tinha uma conta bancária afecta à actividade. As contas bancárias seriam essenciais, mas também a contabilidade não tinha nota de honorários, apenas o recibo, sem data da prestação de serviço, que tipo de serviço tinha sido prestado, apenas tinha os custos da actividade. Em vez de ir para a conta de bancos (12) e o impugnante fazia os pagamentos através das contas que constam do RIT, mas tal também não era o procedimento correcto, principalmente por alguém que tinha contabilidade organizada. Foi todo um conjunto de situações que levaram a que se considerasse que a contabilidade não era credível. Os colaboradores eram pagos apenas pelas despesas que os mesmos tinham tido com o serviço, depois, o que era cobrado aos clientes, isso não foi possível saber.


A maioria das empresas que inspecciona tem reconciliação bancária. É normal que os maiores custos de escritório de advogados são os custos fixos, por exemplo, electricidade, rendas, ordenados dos funcionários, aluguer de equipamento.


Normalmente são os maiores custos. Estes custos estavam justificados, estavam na contabilidade, entrou no “bolo” da amostragem.


*


III-2. Factualidade não provada:


Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


*

4. De Direito


As conclusões dos recursos delimitam o respetivo objeto.


Como acima se viu, resulta das conclusões dos recursos do impugnante que o Tribunal deve conhecer as questões suscitadas, bem como as de conhecimento oficioso, e só essas, pela ordem seguinte (artigos 124º do CPPT e 608º do CPC):

A. Do erro de julgamento quanto à invocada duplicação de ações inspetivas, em violação dos artigos 13°, 14º, nº 1, al. b), e nº 2, do RCPIT e 63º, nº 3, da LGT.

B. Do erro de julgamento da matéria de facto quanto à data do recebimento da notificação referida no facto KK do probatório e consequente erro de julgamento quanto ao vicio de emissão da liquidação antes da notificação da matéria coletável.

C. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca do vicio de erro sobre os pressupostos da decisão de recorrer a métodos indiretos para determinação da matéria coletável dos exercícios de 2005 e 2006.

D. Do erro de julgamento quanto à matéria de facto subjacente à questão do erro sobre os pressupostos da decisão de recorrer a avaliação indireta e consequente erro de julgamento quanto a esses pressupostos.

E. Do erro de julgamento da matéria de facto na parte em que a sentença desconsiderou as especiais circunstâncias familiares no período sob inspeção, no sentido de qua as mesmas foram limitadoras da sua atividade profissional e consequente erro de julgamento quanto excesso de tributação.

F. Do erro de julgamento quanto à invocada ilegalidade do critério utilizado para quantificação da matéria tributável.

G. Do erro de julgamento quanto à admissibilidade e utilidade da junção aos autos dos documentos a que alude o recurso de fls. 853 do processo físico/pág. 899 do SITAF.

Apreciando de imediato:

A. Do erro de julgamento quanto à invocada duplicação de ações inspetivas, em violação dos artigos 13°, 14º, nº 1, al. b) e 2, do RCPIT e 63º, nº 3, da LGT.

O Recorrente defende que a sentença recorrida errou na qualificação, quanto ao local, dos dois procedimentos em causa nos autos, considerando que o primeiro, com origem no Despacho Interno ..., visando a consulta, recolha e cruzamento de elementos, teve natureza interna, sem levar em conta que decorreu de 05/09/2007 a 06/10/2008, sem que tenha sido objeto de prorrogação, e foi neste procedimento que tiveram lugar todos os atos materiais externos de fiscalização, nomeadamente, os de recolha de depoimentos de terceiros e os de recolha de elementos junto do escritório do recorrente, nas sociedades com que este tinha relações, nos tribunais judiciais, cartórios notariais, conservatórias do registo predial, incluindo o procedimento de derrogação do sigilo bancário, e que no segundo procedimento inspetivo, os atos materiais de fiscalização produzidos ocorreram apenas no período entre 06/10/2008 e 20/10/2008 (apenas nove dias úteis) e que todos os elementos constantes do mesmo foram carreados daqueloutro primeiro procedimento, “termos em que a douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 13° e alínea b) do n° 1 e n° 2 do artigo 14° do RCPIT, bem como o n° 3 do artigo 63° da LGT, na medida em que deveria ter julgado ilegal o segundo procedimento de inspecção, bem como a matéria tributável aí fixada por métodos indirectos, e consequentemente, deveria ter anulado as liquidações impugnadas”.

A Recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.

No seu parecer, o DM Ministério Público junto deste Tribunal discorda do Recorrente e pronuncia-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Decidindo:


Está em causa saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que não se verifica a violação do disposto no nº 3 (atual nº 4) do artigo 63º da LGT em resultado de duplicação de ações inspetivas externas, por errada qualificação, como interno, do primeiro procedimento de inspeção.


De facto, resulta do probatório que a AT procedeu a duas ações de inspeção: a primeira, efetuada ao abrigo do Despacho nº DI20070242, de 22/6/2007, destinou-se a consulta, recolha e cruzamento de elementos, e decorreu no período de 05/09/2007 a 06/10/2008, sem que tenha sido objeto de prorrogação; o segundo, efetuado ao abrigo das Ordens de Serviço nº ………., ……….. e ………., de 18/9/2008, destinou-se a efetuar correções por métodos indiretos, e decorreu no período de 6/10/2008 a 20/10/2008, tendo o Relatório final sido notificado em 14/11/2008.

Sobre isso, a sentença recorrida referiu, além do mais, o seguinte:

«(…), verifica-se quer pela documentação junta aos autos, quer do depoimento das testemunhas, que existiu primeiramente um procedimento interno para recolha de elementos e cruzamento de dados e depois, um procedimento externo nas instalações da empresa do qual resultou o relatório de inspecção tributária cujas conclusões são postas em causa pelo Impugnante,

(…) Assim, conclui-se que através do Despacho nº DI200701167, emitido em 22/06/2006, se iniciou um procedimento de consulta, recolha e cruzamento de elementos relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, nos termos do art. 46° n.ºs 4 e 5 do RCPIT, mas tal não se tratou de uma acção inspectiva externa propriamente dita, mas tão só a recolha e cruzamento de elementos, a qual foi efectuada na sua maioria nos serviços da Administração Tributária, pedindo elementos à Impugnante e obtendo a prestação de esclarecimentos por parte quer do Impugnante, quer de seus colaboradores.

A Inspecção externa propriamente dita e definida no art. 13º al. b) do RCPIT, fez-se com base nas referidas ordens de serviço e iniciou-se com a notificação do Impugnante, em 06/10/2008, tendo terminado os trabalhos de inspecção (cfr. nota e certidão juntas aos autos), em 20/10/2008 (não obstante o RIT referir a data de 14/11/2008), tendo o Impugnante sido notificado, do relatório de inspecção, em 27/11/2008.

O art. 63º nº 3 da LGT refere-se expressamente às situações de procedimento inspectivo externo, o que no caso, apenas ocorreu entre o dia 6/10/2008 e 20/10/2008 e o procedimento com origem no Despacho Interno 20071167 apenas consubstancia um procedimento interno, de recolha e cruzamento de elementos, pelo que, não se encontra violado o referido normativo».

À data das inspeções (2008), o artigo 63.º, n.º 3, da LGT dispunha que:


“3 - O procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas”.


O referido nº 3 passou a nº 4 por força da Lei nº 37/2010, de 2 de setembro.


O citado normativo consagra o princípio da irrepetibilidade dos procedimentos inspetivos externos e visa poupar os contribuintes aos incómodos inevitavelmente causados pela repetição de ações externas relativas ao mesmo tributo do mesmo exercício, ainda que as respetivas finalidades (cf. art.º 12.º do RCPITA) e âmbitos (cf. art.º 14.º do RCPITA) sejam diferentes, e concomitantemente, garantir a estabilidade da relação jurídica fiscal e a unidade do ato tributário, as quais, de resto, seriam colocadas em crise com a possibilidade de realização de inspeções sucessivas sobre o mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação.


Que a intenção principal da norma é evitar os incómodos causados pela presença física da AT manifesta-se no facto de a norma se opor expressamente à repetição à repetição de inspeções, apenas, quando tiverem natureza externa.


Razão pela qual urge, desde logo, convocar para efeitos da delimitação desse conceito, o disposto no artigo 13.º do RCPIT, o qual preceitua quanto ao lugar do procedimento de inspeção que o mesmo pode classificar-se em:


a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;


b) Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”


Em rigor, as definições constantes do artigo 13º do RCPIT devem ser entendidas, não no seu estrito sentido literal, como se, para classificar as inspeções como internas, bastasse que os funcionários inspetores não saíssem fisicamente das instalações dos serviços da AT. A norma pretende dizer que são internas as ações de inspeção quando, para praticar os atos materiais de inspeção, os funcionários não careçam de procurar elementos fora das instalações da AT e serão externas no caso contrário.


Verdadeiramente, não importa muito onde estão fisicamente os funcionários (que até poderão estar em “teletrabalho” a partir das suas residências). O que importa saber é “onde estão os elementos objeto de inspeção?”: se os elementos utilizados para proceder à inspeção são exclusivamente os que se encontram, previamente, à disposição da AT, nas suas instalações ou em hardware (“servidores informáticos”) deslocalizado e ao seu serviço, a ação será “interna”; e, não havendo essa exclusividade, ou seja, sendo alguns ou a totalidade dos elementos objeto de inspeção obtidos junto do sujeito passivo ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou localizados em qualquer outro local externo a que a administração tenha acesso, a ação inspetiva será “externa”


Uma ação de inspeção não deixa de ser externa se os inspetores, em vez de se deslocarem às instalações da empresa ou do respetivo contabilista, se mantiverem fisicamente nas instalações da AT e notificarem o sujeito passivo para exibir (na sede dos serviços de inspeção) toda a sua contabilidade e elementos que lhe serviram de suporte, relativamente a determinado período, a fim de verificarem a exatidão material das declarações apresentadas ou para apurarem matéria coletável omitida.


Como vimos, a sentença considerou que a primeira ação inspetiva se qualifica como interna e a segunda como externa.


Pelo que, para resolver a questão, impõe-se verificar se ambas as ações podem ser qualificadas como externas.


Analogamente ao previsto no artigo 36º, nº 4, do CPPT, a qualificação jurídica da ação de inspeção, como interna ou como externa, efetuada pelas partes, não vincula o tribunal, de acordo com o princípio “iura novit curia” – “o juiz conhece o Direito” -, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 3, do CPC.


Esse princípio também se aplica, nos casos de recurso jurisdicional, em relação à qualificação objeto de recurso.


Resulta do disposto no artigo 46º do RCPIT que os procedimentos externos de inspeção carecem, além do mais, de credenciação (nº 1), a qual poderá ser feita, conforme os casos, através de Ordem de Serviço (nº 3) ou de Despacho do superior hierárquico (nº 2 e 4 a 7).


Diversamente, nas ações internas de inspeção não é necessária credenciação.


Porém, desta norma não resulta que são externas todas as ações para as quais foi emitida a respetiva credenciação e que são internas todas as outras. Tal norma apenas dispõe sobre a “forma” de proceder nos casos em que a ação de inspeção deva ser qualificada como externa.


No caso, para que as ações de inspeção possam ser qualificadas materialmente como internas ou como externas, importa verificar o que resulta dos factos, quanto ao local da prática dos atos materiais de cada uma das inspeções.


Ora, resulta do acervo probatório que:


- Em 22/06/2007 foi emitido o Despacho nº ………………., que determinou o “procedimento externo” de inspeção (“nos termos dos nº 4 e 5 art,º 46º do RCPIT”) para “recolha de dados e cruzamentos de elementos” relativos aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 (facto E e doc. 9 anexo à p.i.) e que nesse procedimento a AT levou a cabo diversos atos matérias de recolha de elementos referentes à impugnante, solicitando-os ao respetivo contabilista e a entidades relacionadas, e também procedeu à derrogação do sigilo bancário. Pelo que, tendo esses atos tido participação de entidades externas às instalações da AT, tal ação de inspeção deverá ser qualificada materialmente como “externa”. Neste caso a ação materialmente externa teve forma externa.


A “recolha de elementos”, no sentido de colheita ou pesquisa de dados remete logicamente para o “campo exterior”, para fora dos arquivos da própria AT.


Se a AT já possuísse esses elementos não precisaria de efetuar qualquer ação de inspeção para os reunir. A recolha destina-se a obter a posse de novos elementos.


Portanto, a recolha de elementos acerca do sujeito passivo remete logicamente para os arquivos do sujeito passivo ou de terceiros relacionados com eles, como seja o seu contabilista, tendo em vista a obtenção de novos elementos, que ainda estão no exterior da AT, pelo que essa obtenção carece de uma ação externa.


- Em 18/09/2008 foram emitidas Ordens de serviço n.º …………., ……….. e …………. autorizando uma “ação externa” de inspeção relativa à atividade do mesmo sujeito passivo, ao mesmo imposto e aos mesmos períodos (facto W e doc. 5, 6 e 7 anexos à p.i.). Neste caso, o probatório pouco nos diz quanto aos atos praticados pela AT e, portanto, quanto ao local. Todavia, a posição do Recorrente impugnante é muito clara. Nas conclusões de recurso, o próprio sujeito passivo afirma que “A2. Embora o procedimento de inspecção com origem no Despacho Interno ... vise a consulta, recolha e cruzamento de elementos, teve a mesma a duração de 05/09/2007 a 06/10/2008, sem que tenha sido objecto de prorrogação e foi neste procedimento que tiveram lugar todos os actos materiais externos de fiscalização, nomeadamente, os de recolha de depoimentos de terceiros e os de recolha de elementos junto do escritório do recorrente, nas sociedades com que este tinha relações, nos tribunais judiciais, cartórios notariais, conservatórias do registo predial, incluindo o procedimento de derrogação do sigilo bancário que decorreu no âmbito deste primeiro procedimento de inspecção;


A3. Sendo certo que no segundo procedimento inspectivo, os actos materiais de fiscalização produzidos ocorreram no período entre 06/10/2008 e 20/10/2008 (apenas nove dias úteis) e que todos os elementos no mesmo constantes foram carreados daqueloutro primeiro procedimento;


(…)A5. Ora, o próprio Relatório de Inspecção produzido no segundo procedimento de fiscalização, bem como os seus Anexos, evidenciam que os elementos de recolha externa aí existentes foram obtidos aquando do primeiro procedimento de inspecção, como se verifica pelas datas apostas nos mesmos;


A6. Sendo certo que todos esses elementos de recolha externa já constavam na Informação que serviu de base à decisão de derrogação do sigilo bancário no âmbito da primeira inspecção;


(…) A8. Ao invés, resulta inequivocamente provado pelos documentos juntos aos autos que foi no primeiro procedimento de inspecção que ocorreram todos os actos materiais externos de fiscalização nos termos sobreditos, os quais a administração tributária se limitou a "importar" para o segundo procedimento de inspecção, quiçá, por já estar há muito ultrapassado o prazo de seis meses da primeira inspecção sem que o mesmo tenha sido prorrogado;” (sublinhados nossos).


Atentando nas afirmações agora postas em evidência, verifica-se que o próprio Recorrente reconhece que a segunda inspeção tem forma externa. Poderia dizer-se que a segunda inspeção tem natureza material interna, dado que se limitou a “importar” os elementos obtidos externamente na primeira ação de inspeção, caso em que não haveria duplicação de ações inspetivas. Mesmo que se considerasse que tal “importação” da informação obtida na primeira ação inspetiva externa para a segunda ação de inspeção implica a qualificação desta como ação de inspeção externa (cfr. Ac. TCA Sul, de 1/10/2014, processo nº 04817/11, então deverá considerar-se que a data do início da primeira ação traduz o início de uma única ação de inspeção externa que terminou no final da segunda ação. Ou seja: dada a continuidade temporal, a segunda é mera continuação da primeira, dado que o procedimento decorreu ininterruptamente desde 05/09/2007 a 06/10/2008 e de 6/10/2008 a 20/10/2008, sem que tivesse havido qualquer prorrogação.


Como refere Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in Regime Complementar do Procedimento de Inspeção tributária- RCPIT anotado e comentado, Coimbra Editora, 2013, anotação ao artigo 13º, pág. 81, «O procedimento interno é uma espécie de inspeção cadastral, efetuada dentro dos próprios serviços de inspeção, [ isto é] com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba atividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por partes dos sujeitos passivos os seus deveres declarativos». Embora possa solicitar esclarecimentos ao sujeito passivo, ou elementos para prova ou esclarecimento de alguma dúvida, isso tem de ser limitado pelo âmbito dos elementos sob análise interna.


Na “inspeção interna” não se trata, portanto, de uma atividade fiscalizadora em sentido estrito, de cariz investigatório de realidades desconhecidas, mas apenas de uma verificação formal da exatidão do conteúdo das declarações apresentadas, por comparações com outros elementos já disponíveis, ou da omissão de deveres declarativos.


Assim, a sentença recorrida decidiu corretamente a questão de saber se houve violação do princípio da irrepetibilidade de ações externas, julgando improcedente esse vício, apesar de ter qualificado erradamente a primeira ação como interna e a segunda como externa, em vez de considerar, ao contrário, que a primeira era externa e segunda era interna e que ambas integraram materialmente um só procedimento externo com a duração total de mais de 25 meses.


O Recorrente afirma, nas alegações que “estamos em crer que a Administração Tributária apenas lançou mão do segundo procedimento de inspecção na medida em que deixou caducar o primeiro por falta de renovação do seu prazo. Com efeito, o primeiro procedimento decorreu por um período superior a um ano quando o seu prazo é de seis meses, sem que houvesse qualquer prorrogação desse prazo. Aliás, quando são produzidas as ordens para a realização do segundo procedimento inspectivo, ainda a conclusão do primeiro procedimento não tinha sido notificada ao sujeito passivo, sendo certo que, à data da derrogação do sigilo bancário já se tinha dado a caducidade do primeiro procedimento inspectivo”.


De facto, o artigo 36º, nº 2, do RCPIT dispõe que “o procedimento de inspeção é continuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”, sendo certo que o prazo pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses, em casos especialmente regulados, sujeitos a notificação da prorrogação.


No entanto, a lei não prevê qualquer ilegalidade resultante da infração ao disposto neste normativo, que, portanto, não constitui fundamento de invalidade da liquidação consequente nem determina, só por si, a caducidade desse ato tributário. A única consequência para a inobservância do prazo de seis meses para a conclusão do procedimento é apenas a não suspensão do prazo de caducidade da liquidação, nos termos do disposto no artigo 46º, nº 1, da LGT.


Nesse sentido se pronuncia a doutrina, por exemplo, Joaquim Freitas da Rocha, João Damião Cardeira, RCPIT anotado e Comentado, Coimbra editora, 2013, pág. 199, e a jurisprudência, por exemplo Ac. TCA Sul de 30/4/2014, processo nº 06580/13, segundo o qual “Tal prazo tem natureza meramente ordenadora, sendo que a única consequência que decorre da sua violação é a que resulta do nº 1 do artº 46º da LGT: o prazo de caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, ou seja, tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspecção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão.”


Tal entendimento não é inconstitucional, conforme decidido no Ac. TC nº 566/08, processo nº 1171/07, de 25/11/2008, segundo o qual “decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 36.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de que a ultrapassagem do prazo aí fixado não determina a caducidade do procedimento de inspecção tributária nem a invalidade dos actos de liquidação fundados em procedimento cuja duração excedeu a legalmente fixada”.


Portanto, o Recorrente impugnante não tem razão quanto ao invocado erro de julgamento da questão referente à violação do princípio da irrepetibilidade da ação de inspeção externa, apesar de ter razão quanto ao seu argumento de que a sentença qualificou erradamente a primeira ação de inspeção.


Pelo que o Tribunal julga improcedente este fundamento do recurso.


*

B. Do erro de julgamento na fixação da matéria de facto e consequente erro quanto ao invocado vício de emissão da liquidação relativa a 2004 antes da notificação da decisão do procedimento de revisão da matéria tributável.


O Recorrente alega que a sentença padece de erro na fixação do facto KK) do probatório na parte em que indica que o recebimento da notificação da decisão da conclusão do procedimento de revisão da matéria tributável ocorreu em 5/2/2009, quando isso ocorreu efetivamente em 9/2/2009 (conclusões B1 e B.2).

Mais concretamente, a Recorrente alega:

As liquidações impugnadas nos autos assentaram na fixação dos respectivos rendimentos tributáveis fixados por métodos indirectos, após procedimento de revisão e que vieram a ser fixados por decisão do Director de Finanças de Faro, datada de 14-01-2009, (alínea HH) da factualidade dada como provada. Tal fixação foi notificada ao aqui recorrente através do ofício n° 002229, de 29-01- 2009, por carta regista com aviso de recepção, aliás, como comanda o disposto no n° 1 do artigo 38° do CPPT, (alínea JJ) da factualidade dada como provada).


Tal notificação apenas foi recebida pelo aqui recorrente impugnante em 09- 02-2009, conforme consta do documento extraído do site dos ... relativo à pesquisa daquele registo RM ... PT, junto à petição como Doc. 14 e não contestado, pelo que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto à alínea KK) da factualidade dada como provada que reporta tal data a 05/02/2009.

O facto KK) do probatório tem a seguinte redação:

KK) - Em 05/02/2009 a Impugnante foi notificada do ofício referido na alínea anterior (cfr. fls. 118 a 120 dos autos);

Portanto, uma vez que estão cumpridos os requisitos de impugnação da matéria de facto julgada na primeira instância, nos termos dos artigos 640º e 662º do CPC, cumpre apreciar:

Verifica-se que a decisão que “resolve” o procedimento de revisão na falta de acordo entre os peritos, conforme artigo 92º, nº 6, da LGT, foi proferido pelo Diretor de Finanças de Faro no dia 14/1/2009 (doc. 13, de fls. 105 a 117 do processo físico);

Por outro lado, a liquidação referente ao IRS de 2004 foi efetuada em 26/1/2009 (doc. 1, a fls. 85 do processo em suporte físico);

No facto KK, o Tribunal a quo deu como provado que a notificação relativa à decisão administrativa de 14/1/2009 foi consumada em 5/2/2009.

Crê-se que só por lapso a sentença recorrida referiu que tal facto se funda no disposto no documento 14 de fls. 118 a 120 do processo físico, pois se afigura que queria referir-se ao documento 15, de fls. 121 do mesmo processo.

A Recorrente considera que a notificação da decisão do procedimento de revisão ocorreu efetivamente em 9/2/2009, conforme doc. 14, fls. 118 a 120 do processo em suporte físico.

Verifica-se que o referido documento 14, a fls. 118/120 do processo em suporte físico, consiste numa fotocópia aparentemente retirado da página web dos ... relativo à “pesquisa de objetos”.

O documento 14, a fls. 120 do processo em suporte físico, refere-se ao objeto (carta) enviado sob registo postal nº RM423144162PT, que corresponde à remessa do ofício nº 002229, de 29/1/2009, que constitui o doc. 13 de fls. 104 a 119.

O documento 15, a fls. 121 do suporte físico, designado “Éditos de 30 dias” foi elaborado em 5/2/2009.

Conjugando os documentos 13, 14 e 15, verifica-se o seguinte:

- Sob ofício nº 002229, de 29/1/2009, a AT remeteu ao mandatário nomeado pela Impugnante, sob registo postal nº RM423144162PT da mesma data, a notificação do teor da decisão proferida pelo Diretor de Finanças de Faro que pôs termo ao procedimento de revisão em causa nos autos (doc.13, fls. 104 a 118 e doc. 14, fls. 120 pf);

- Em 30/1/2009, a carta registada acima referida, que se encontrava “em distribuição”, não foi conseguida, porque o destinatário “não atendeu” (doc. 14, de fls. 120, e doc. 13, de fls. 119 pf)

- Os ... deixaram aviso, para levantar na estação de correios – doc. 13, carimbo de fls. 119 pf, onde consta, além do mais: “Avisado- Não entrega no domicílio; 30-1-09, Hora 10:00

- Em 5/2/2009 a AT elaborou um documento interno designado “Éditos de 30 dias”, no qual o Serviço de Finanças de Faro diz fazer saber que correm éditos destinados a notificar ........... B........, com residência conhecida Na RUA, em parte incerta, “para, no prazo de 30 (trinta) dias imediatos aos trinta) dos éditos, contados da data da afixação destes, nos termos do art.º 92º da LGT da decisão e acta do órgão competente para a fixação da matéria tributável relativamente ao pedido de revisão de IRS e IVA dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 e da liquidação de IRS (….) referente ao ano de 2004, no montante provisório de € 20.750,81 e de IVA (…) no montante de e 8.903,36 (…).” (doc. 15, de fls. 121 do processo em suporte físico);

- Do doc. 14, a fls. 120 do pf, consta, além das referências à aceitação do registo postal em 29/1/2009, “em distribuição” e “entrega não conseguida” em 30/1/2009, que “entrega conseguida” em 9/2/2009.

Daqui resulta claramente que a notificação não foi consumada em 5/2/2009, data aceite pela sentença recorrida conforme facto KK, dado que os “Éditos de 30 dias”, doc. 15, de fls. 121, não produziram o efeito notificativo logo na mesma data em que o documento foi elaborado; não está provada a data em que tais éditos terão sido afixados, mas é certo que a notificação da decisão administrativa em causa só ocorreria 30 dias depois disso, decorrendo depois um prazo de 30 dias para pagamento de uma liquidação provisória de IRS no montante de € 20.750,81 relativa ao ano 2004.

Com fundamento no doc. 14, de fls. 118 a 120 do processo físico, a Recorrente e impugnante afirma que tal notificação foi consumada em 9/2/2009.

De facto, a menção “entrega conseguida” em 9/2/2009, pelas 9:20 horas, na ..., é perfeitamente compatível com o facto de o destinatário, já avisado da tentativa falhada de entrega da carta, ter recebido o expediente na ... na data que indica. Tal como é compatível com o facto de o documento 14 não fazer menção à devolução ao remetente.

Isso explicaria por que razão não consta dos autos qualquer documento relativo à notificação por éditos de 30 dias, para além dos próprios “éditos”, designadamente, não consta o “termo de afixação” dos éditos.

Aquela explicação também é compatível com o comportamento da AT, que nada contraditou, entendendo-se que aceitou a alegação da Recorrente.

Este Tribunal considera que a conjugação dos documentos emitidos pela AT, com a cópia do documento emitido pelos ..., sem que qualquer deles se encontre impugnado, é adequada para comprovar a materialidade dos factos acima referidos, relativos à remessa da notificação sob registo postal e relativos à aceitação do registo, da entrega falhada e do respetivo motivo, bem como da entrega conseguida.

Assim, este Tribunal julga provado que a notificação em causa ocorreu em 9/2/2009, como defende o Recorrente, pelo que retifica o facto KK do probatório de modo que passa ter o seguinte teor:

KK) - Em 09/02/2009 a Impugnante foi notificada do teor do ofício referido na alínea anterior cfr. doc. 14 junto à p.i., fls. 118 a 120 dos autos);

Por outro lado, o Recorrente alega que a liquidação de IRS relativa ao ano de 2004 foi emitida em 26/01/2009 e notificada ao aqui recorrente em 06/02/2009, antes de a decisão de conclusão do procedimento de revisão, o qual tem efeito suspensivo da liquidação, nos termos do artigo 92º, nº 2, da LGT, se ter tornado eficaz em relação ao sujeito passivo, o que apenas veio a suceder com a notificação efetuada em 9/2/2009.

Pelo que a douta sentença enferma igualmente de erro no julgamento de direito ao não julgar procedente tal vício e, consequentemente, por não anular a liquidação de IRS do ano de 2004, violando, assim, o disposto no n° 1 do artigo 36° do CPPT e o n° 2 do artigo 92° da LGT

Da sentença recorrida consta, além do mais, o seguinte:

Alega o Impugnante que pelo facto de ter sido notificado da liquidação de IRS referente ao ano de 2004 após a notificação da decisão do pedido de fixação da matéria colectável, a referida liquidação é ilegal.

Ora, decorre da factualidade assente que a decisão de revisão da matéria tributável foi tomada em 14 de Janeiro de 2009 e o Impugnante foi notificado da mesma em 05/02/2009.

Mais decorre que a liquidação referente ao ano de 2004 foi emitida em 26/01/2009.

Daqui se conclui que tendo a decisão que fixou a matéria tributável sido tomada anteriormente à liquidação do imposto, não obstante ter sido notificada ao Impugnante após esta, não a torna inválida, mas apenas que a eficácia do seu conteúdo face ao mesmo só existe a partir da sua notificação. Tal não implica a ilegalidade da liquidação, uma vez que aquela decisão é válida, pelo que não tem razão aqui o Impugnante no que a esta questão diz respeito.”

Decidindo:

Este Tribunal interpreta a pretensão do Recorrente não apenas no sentido, atribuído pela Sentença recorrida, de que a liquidação relativa ao ano 2004 é ilegal por ter sido efetuada antes da notificação da decisão que concluiu o procedimento de revisão, mas que é ilegal, também, por essa antecipação ter violado o disposto no artigo 91º, nº 2, da LGT.

Este Tribunal considera, de acordo com o já referido princípio “iura novit curia” – o juiz sabe o Direito”, que no contexto a que o recurso se refere ao artigo 92º, nº 2, da LGT, tal referência constitui um manifesto lapso, e que queria referir-se ao artigo 91º, nº 2, da LGT, o qual prevê, como refere o Recorrente, que “o pedido referido no número anterior (pedido de revisão) tem efeito suspensivo da liquidação do tributo”.

A cronologia dos factos relevantes é a seguinte:

- Em 14/1/2009 – despacho/decisão final do procedimento de revisão (facto HH)

- Em 26/1/2009 – liquidação de IRS referente a 2004 (facto II)

- Em 6/2/2009 – notificação da referida liquidação (facto MM)

- Em 9/2/2009 – notificação da decisão de 14/1/2009, por ofício datado de 29/1/2009 (facto KK).

Portanto, não há dúvida de que a liquidação do IRS referente ao exercício de 2004 foi efetuada depois de concluído o procedimento de revisão da matéria tributável que lhe serviu de base, mas antes de essa decisão ser notificada ao sujeito passivo e de se tornar eficaz em relação a ele.

A questão que aqui se coloca é a de saber se o facto de a liquidação ter sido efetuada depois da decisão final do procedimento de revisão e antes da notificação dessa decisão constitui uma preterição de formalidade legal essencial, com efeitos anulatórios da liquidação.

É “formalidade legal” toda a formalidade prescrita pela lei, dado que os atos inúteis são proibidos por lei e, portanto, não seriam prescritos na lei.

A “preterição de formalidades” ocorre quando se omite uma formalidade legal, quando se pratica uma formalidade legal fora da ordem prevista na lei ou quando se pratica uma formalidade que a lei não admite.

Contudo, algumas formalidades poderão ser mais importantes que outras, conforme os casos concretos: algumas poderão afetar a validade e ou existência do ato, pelo que têm efeito anulatório, e outras apenas o tornam meramente irregular.

Assim, a “preterição de formalidade legal essencial” ocorre quando uma preterição formal afete a existência ou validade do ato e, portanto, determine a sua anulação ou anulabilidade.

Ora, a falta de notificação não afeta a existência nem a validade do ato. A notificação, sendo um ato comunicativo, exterior e posterior ao ato notificado, é mera condição de eficácia do ato, conforme resulta dos artigos 268º, nº 3, da CRP, 77º, nº 6, da LGT, 36º, nº1, do CPPT e 160º do CPA.

O ato administrativo mantém-se ineficaz em relação ao sujeito passivo enquanto não lhe for regularmente notificada.

Na altura dos factos, o artigo 91º, nº 2, da LGT determinava que “O pedido (de revisão da matéria tributável) referido no ponto anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo”.

Essa norma não esclarece o termo do efeito suspensivo.

No entanto, tal norma tem necessariamente de ser interpretada e integrada em conjugação com a norma do artigo 46º, nº 2, al. e), do mesmo diploma que determinava, na mesma altura, que, estando suspenso o direito de liquidar, o prazo de caducidade da liquidação se suspende “e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, até à respetiva decisão”.

Só mais tarde, com o artigo 149º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, entrada em vigor em 1/1/2012, foi alterada a redação do referido artigo 46º, nº 2, al. e), da LGT que passou a ser a seguinte: e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, até à notificação da respetiva decisão”.

O que equivale a dizer que das referidas normas, vigentes na altura dos factos, é possível retirar uma outra norma que afirma expressamente que “o pedido de revisão da matéria tributável referido no nº 1 do artigo 91º da LGT tem efeitos suspensivos da liquidação, suspendendo-se também o respetivo prazo caducidade, até à respetiva decisão, nos termos do artigo 46º, nº 2, al. e), do mesmo diploma”.

Só após 1/1/2012, esta norma passou a interpretar-se no sentido de que a suspensão e proibição da liquidação vigora até à notificação da decisão do pedido de revisão.

A redação dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, não tem efeitos retroativos, aplicando-se apenas para o futuro, pelo que até final de 2011, a suspensão da liquidação e da respetiva caducidade vigorava apenas até à data da decisão do procedimento de revisão, que em caso de falta de acordo entre os peritos das partes será proferida pelo Diretor de Finanças, nos termos do artigo 92º, nº 6, da LGT.

Na verdade, uma vez que o efeito suspensivo da liquidação, previsto no artigo 91º, nº 2, da LGT, resultante do início do procedimento de revisão, com a apresentação do respetivo pedido, e que esse efeito suspende o prazo de caducidade da liquidação até à notificação da respetiva decisão, nos termos do artigo 46º, nº 2, al. e), do mesmo diploma, tem de se entender que a liquidação poderia ser efetuada depois da decisão de 14/1/2009, ainda que -em 26/1/2009 - antes de consumada a notificação daquela decisão, em 9/2/2009.

Portanto, não há dúvida de que a atuação da AT não violou o referido efeito suspensivo da liquidação.

Com base na cronologia acima referida verifica-se o seguinte:

- Em 14/1/2009 – despacho/decisão final do procedimento de revisão (facto HH)

- Em 26/1/2009 – liquidação de IRS referente a 2004 (facto II), valida no sentido de que não viola o efeito suspensivo atribuído pelo artigo 91º, nº 2, da LGT;

- Em 6/2/2009 – notificação da referida liquidação (facto MM), ato comunicativo que torna eficaz a liquidação;

- Até 9/2/2009 a liquidação poderá ser anulável por assentar em factos apurados num procedimento de fiscalização e determinação da matéria coletável que ainda se mantém ineficaz em relação ao sujeito passivo; todavia, a liquidação não chegou a ser reclamada nem impugnada com tal fundamento;

- Em 9/2/2009 – notificação da decisão de 14/1/2009, por ofício datado de 29/1/2009 (facto KK), tornando eficaz a matéria coletável subjacente à liquidação;

Esta notificação sanou o vício de que a liquidação padecia, pelo que a referida ilegalidade invocada na impugnação apresentada posteriormente já não tem efeito anulatório por se ter degradado em mera irregularidade, tendo em conta que a liquidação do tributo, sendo ato estritamente vinculado, não poderia ter conteúdo diferente daquele que lhe foi dado na liquidação efetuada antes de estarem verificados todos os requisitos de eficácia.

Conhece-se o decidido no Ac. STA, de 7/10/2009, proferido no processo nº 0655/09, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e 003ea931/922188c3b3b9c20f8025764e002f6bd8?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, no qual se considerou, além do mais, que, na situação ali analisada, “Estabelecendo-se no art. 91.º, n.º 2, da LGT que o pedido de revisão da matéria colectável tem efeito suspensivo da liquidação do tributo, tem de se concluir que, até estar esgotado o prazo para o contribuinte efectuar tal pedido ou até ser proferida decisão sobre ele, não pode ser praticado o acto de liquidação que tenha por suporte a matéria colectável fixada, pois, se assim, não fosse, contrariar-se-ia a intenção legislativa subjacente àquela regra de atribuição de efeito suspensivo ao pedido de revisão, que é, manifestamente, a de que não se faça a liquidação sem estar esgotada a possibilidade de alteração da matéria colectável por meios administrativos.

Por isso, o acto de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente fixada a matéria colectável por meios administrativos é ilegal, por violar o referido art. 91.º, n.º 2, da LGT, para além de ser ilegal também por violar os referidos arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT, se for praticado antes da notificação do acto de fixação da matéria colectável.”

No entanto, este Tribunal considera, respeitosamente, que tal jurisprudência não é aplicável ao caso dos presentes autos porque, como se viu, a liquidação agora sob litígio não viola do disposto no artigo 91º, nº 2, da LGT, e nada obstava à respetiva impugnação imediata com base em qualquer ilegalidade, designadamente por inexistência de facto tributário apurado em procedimento eficaz.

Em resumo: a emissão da liquidação antes da notificação da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável não constitui uma preterição de formalidade legal, na medida em que a alteração da ordem legalmente fixada das formalidades a praticar não afetou a validade do ato nem colocou em causa direitos fundamentais do contribuinte, degradando-se em mera irregularidade sem efeito anulatório

Assim, a liquidação em causa não padece do vício que lhe vem imputado, pelo que a sentença que assim entendeu não merece censura..

*

C. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca da questão da falta de fundamentação da decisão de recorrer a avaliação indireta


O Recorrente alega que os factos que motivam a avaliação indireta são na sua esmagadora maioria reportados ao ano de 2004, mas servem para justificar o recurso à utilização de métodos indiretos para os três exercícios objeto da ação inspetiva, sem discriminar quais os factos que fundamentam o recurso à avaliação indireta para cada um daqueles anos (conclusão C.4) e que a falta de fundamentação (erro nos pressupostos) relativamente à avaliação indirecta dos três anos em apreço foi igualmente sindicada especificamente para os exercícios de 2005 e 2006, conforme decorre do ponto “E.1) Da fundamentação (ou falta dela) do recurso a métodos indirectos para os vários anos: do erro nos pressupostos para os exercícios de 2005 e 2006, nomeadamente, nos artigos 122° e seguintes da petição” (conclusão C.6) e sobre esta questão específica a douta sentença recorrida é totalmente omissa, já que não se pronuncia sobre a mesma, pelo que, nesta parte, verifica-se a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC, na medida em que apenas pronuncia-se genericamente sobre a fundamentação da avaliação indirecta, no conjunto dos três anos em causa, essencialmente com base nos mesmos pressupostos atinentes ao exercício de 2004; Conclusão C.7).


Decidindo:


Não há dúvida, porque resulta expressamente das alegações do recurso, que o impugnante percebeu que “os motivos que fundamentam o recurso a métodos indirectos relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 constam do citado Capítulo IV do Relatório da Inspecção”.


E também não restam dúvidas de que o impugnante percebeu os motivos indicados pela AT, mas discorda do decidido porque “no Capítulo IV do Relatório em apreço, enuncia-se um conjunto de factos, todos eles reportados ao ano de 2004, como se todos eles servissem para justificar o recurso à utilização de métodos indirectos para todos os três exercícios objecto da acção inspectiva, sem discriminar quais os factos que fundamentam o recurso à avaliação indirecta para cada um daqueles anos, sendo certo que os motivos ou factos apontados relativamente, por exemplo, ao ano de 2004, nunca poderiam servir de fundamento para lançar mão da avaliação indirecta nos anos de 2005 e 2006.”


Logo em seguida, o Recorrente conclui: “20. Ora, uma das questões que é levantada especificamente pelo aqui recorrente em sede de impugnação é a da falta de fundamento ou erro nos pressupostos da avaliação indirecta para os exercícios de 2005 e 2006, conforme decorre do ponto El) Da fundamentação (ou falta dela) do recurso a métodos indirectos para os vários anos: do erro nos pressupostos para os exercícios de 2005 e 2006, nomeadamente, nos artigos 122° e seguintes da petição.


E sobre esta questão em concreto a douta sentença recorrida é totalmente omissa, já que não se pronuncia sobre a mesma, pelo que, nesta parte, verifica-se a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC.


Perante tal argumentação coloca-se a questão de saber se o impugnante pretendeu invocar o vício de forma por falta de fundamentação previstos nos artigos 268º, nº 3 da CRP e 77º da LGT, ou se pretendeu invocar o vício material de erro sobre os pressupostos de facto e ou de direito por falta de fundamento (material) para a decisão de recorrer a avaliação indireta (1).


A mesma dificuldade já resultava da petição inicial.


De facto, resulta dos artigos 122º e seguintes da petição inicial que o impugnante alega que o capítulo IV do Relatório de inspeção enuncia um conjunto de factos como se todos eles servissem para justificar o recurso à utilização de métodos indiretos para os três exercícios objeto dessa ação, sem discriminar quais os factos que fundamentaram a avaliação indireta para cada um deles (artigo 125º da p.i.) e que embora o mesmo Relatório faça referência a um conjunto de factos atinentes ao ano 2004, é certo que relativamente aos anos 2005 e 2006, as únicas referências existentes são as relativas às empresas de que o impugnante é ou foi gerente e às que derivam dos serviços que lhe foram prestados pelos seus colaboradores (artigo 128º da p.i.), concluindo que se verifica a falta ou inexata fundamentação da decisão de recorrer á avaliação indireta para cada um dos exercícios (artigo 130º da p.i.).


Perante essa dificuldade, cabe ao tribunal o esforço de interpretar a causa de pedir e delimitar a “questão” suscitada, a fim de se pronunciar sobre ela.


Para este efeito, “questão” é o problema de facto ou de Direito cuja resolução é pedida ao tribunal, o qual não se confunde com os “argumentos” invocados pelas partes e que, na sua perspetiva, servem de fundamento para a solução pedida por elas.


Questão tributária, ou de natureza tributária, é aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito tributário, inscritas no domínio da atividade tributária da administração (Acórdãos do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13, de 21/3/2012, proc. nº 0189/11; de 27/5/2009, proc. nº 0119/08; de 2/4/2009, proc. nº 0987/08).


Efetivamente, se a sentença deixar de se pronunciar sobre alguma questão que devesse conhecer será nula por omissão de pronúncia, como decorre do artigo 125º do CPPT e, também, do artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC.


Aqui, a “questão” a exigir pronúncia seria: “verifica-se falta de fundamentação formal?”.


No caso concreto, consta de a pág. 40 da sentença recorrida que o tribunal a quo se propôs conhecer a questão “Da falta de fundamentação para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos e que, nesse mesmo capítulo, a pág. 44 e 45 da mesma sentença, se afirma o seguinte:


«Atendendo aos documentos juntos aos autos decorre que a Administração Tributária recorreu à avaliação por métodos indirectos porque, designadamente, como consta de fls. 94 a 102 do processo administrativo:

“(…) Todas as situações supra referidas, demonstram que existem indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos. Assim não é possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável. (…)

Os factos descritos (…) demonstram que houve omissão de facturação, foram detectadas na contabilidade de outro contribuinte notas de despesas que não se encontram na contabilidade do sujeito passivo em análise bem como as irregularidades nos recibos emitidos pelo facto de não revelarem a natureza nem a data dos serviços prestados não permitindo relacionar os proveitos com os respectivos custos.

A insuficiência de elementos de contabilidade encontra-se demonstrada no ponto 3.2.2.2. onde se faz referência ao facto do sujeito passivo não possuir na sua contabilidade quaisquer documentos bancários relativos às contas bancárias utilizadas na actividade do sujeito passivo que comprovem os recebimentos e pagamentos impossibilitando a avaliação dos proveitos facturados e quantificação dos serviços prestados omitidos não reflectidos na contabilidade.”»

A sentença prossegue de imediato, concluindo que:

“Resulta também do depoimento dos Inspectores Tributários, que tiveram intervenção directa na inspecção em causa, que “a verificação dos elementos bancários a que não tiveram acesso, eram essenciais para verificar a regularidade da contabilidade. Nesta actividade seria imprescindível, porque só assim se poderia avaliar os fluxos financeiros associados à actividade. Os outros elementos cuja análise seria necessária, seria a facturação discriminada e o s.p. não tinha e disse que tal não era obrigatória. Quanto aos recibos emitidos, o que consta dos mesmos, não descreve o tipo de prestação de serviços, nem se o mesmo respeita a despesas facturadas a clientes ou se diz respeito a honorários. Relativamente aos custos também era difícil verificar se o custo dizia respeito a um cliente ou outro, ou se foi facturado ou não. Nunca tinham a certeza que certo custo e o proveito diziam respeito ao mesmo exercício. Na ausência de documentos financeiros, não podiam avaliar os proveitos e todos os custos eram contabilizados pelo s.p. e não existia facturação associada aos custos relativamente aos clientes descritos no RIT. Na contabilidade apenas estavam reflectidos os custos de actividade do Impugnante. Teve dificuldade de recolher elementos, não foi possível verificar os recebimentos e os pagamentos do Impugnante. O mesmo não tinha uma conta bancária afecta à actividade, a contabilidade não tinha nota de honorários, apenas o recibo, sem data da prestação de serviço, que tipo de serviço tinha sido prestado, apenas tinha os custos da actividade.


Nas palavras da inspectora tributária, “foi todo um conjunto de situações que levaram a que se considerasse que a contabilidade não era credível. Os colaboradores eram pagos apenas pelas despesas que os mesmos tinham tido com o serviço, depois, o que era cobrado aos clientes, isso não foi possível saber.”


A Administração Tributária não está apenas obrigada a evidenciar as lacunas da escrita da Impugnante, mas está também obrigada a demonstrar que essas lacunas são de tal maneira graves ou extensas que não é possível através de outros elementos reconstituir os dados em falta.


Ora, os factos supra referidos são demonstrativos disso mesmo e por isso legitimam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável do contribuinte por falta de credibilidade da mesma».


Ou seja, o tribunal delimitou a questão da falta de fundamentação formal e analisou o Relatório de inspeção e a respetiva motivação. Após, concluiu que, não só, a AT produziu fundamentação formal adequada, como também, decidiu materialmente bem ao considerar que os factos que apurou são adequados e suficientes para a aplicação da avaliação indireta.


Portanto, a sentença conheceu a questão (problema que exigia solução) relativa à fundamentação formal e concluiu que tal vício de forma não se verifica, seja qual for o argumento subjacente..


Assim, independentemente da questão de saber se a sentença padece de erro de julgamento, este Tribunal considera que não se verifica a invocada nulidade por omissão de pronúncia.


*

D. Do erro de julgamento quanto à matéria de facto subjacente à questão do erro sobre os pressupostos da decisão de recorrer a avaliação indireta e consequente erro sobre a questão do erro sobre esses pressupostos


O Recorrente alega que a sentença recorrida cometeu erro de julgamento da matéria de facto relevante para o conhecimento da questão relativa ao erro sobre os pressupostos da decisão de recorrer a avaliação indireta nos anos 2004 a 2006 e que isso determinou o erro de julgamento quanto a esses pressupostos (conclusões C.8 a C.32).


Ora, como se sabe, os recursos são meios processuais que se destinam a apreciar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. «O erro de julgamento existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem que ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova», lê-se no Acórdão do STJ de 12-03-2009, Proc. n.º 3781/08, www.dgsi.pt. Por isso, ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía, sem que se exija que o tribunal de recurso tenha de «refazer e deixar expresso todo o processo de avaliação e de ponderação dos meios de prova levada a cabo pela decisão de 1.ª instância, cuja correcção apreciava» (Ac. do TC n.º 387/05, DR II Série, de 19-10-2005)


A modificação da matéria de facto julgada em 1ª instância é possível, nos termos do disposto nos artigos 640º ou 662º do CPC.


Quando essa modificação dependa de impugnação do Recorrente, a modificabilidade implica o cumprimento dos requisitos consignados no artigo 640º do CPC, que preceitua o seguinte:


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


Portanto, a modificação da matéria de facto fixada no probatório depende do cumprimento de um ónus rigoroso, de tripla impugnação prevista no nº 1,sob pena de imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa.


Para cumprir esse ónus, o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, bem como a indicação expressa da decisão que, no seu entender, o tribunal ad quem deverá proferir sobre as questões de facto impugnadas (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C. P. Civil anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina, 2009, pág. 181)


Relativamente aos requisitos referentes à prova testemunhal, verificaram-se hesitações jurisprudenciais, mas o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (cfr. Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07).


Nessa perspetiva, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que o recorrente pretende ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC (Cfr, Acórdão do STJ datado de 19/02/2015, proferido no processo nº 299/05.06TBMGD.P2.S1).


Além disso, importa notar que podem ser objeto de “prova” apenas os factos (estados ou acontecimentos) dela necessitados (artigos 341º do CC e 410º do CPC), mas não o Direito (artigo 5º CPC - iura novit curia , o tribunal conhece o Direito, e da mihi factum dabo tibi ius, dá-me os factos e te darei o Direito). Em exceção, está sujeito a prova o Direito consuetudinário, local e estrangeiro (artigo 348º do CC).


No caso concreto, o Recorrente não faz a indicação expressa da decisão que, no seu entender, o tribunal ad quem deverá proferir sobre as questões de facto impugnadas. Pelo que a impugnação deve ser rejeitada de imediato.


Contudo, cabe averiguar se é justificada a modificação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.


Consta do ponto IV do Relatório de inspeção, transcrito no facto AA) do probatório que a AT fundou a sua decisão nos seguintes factos indiciários:

a. – Das declarações de rendimentos modelo 3 relativas a 2004, 2005 e 2006 resultam as rentabilidades fiscais de 34,73%, 20,98 e -2,26%, respetivamente, que são muito inferiores aos rácios setoriais disponíveis, relativos aos operadores que exercem a mesma atividade (advogados) no mesmo distrito;

b. – O impugnante é gerente/administrador de várias (11) sociedades e apenas emitiu recibos modelo 6 referente aos serviços prestados a duas delas, podendo haver omissão de faturação a outras empresas;

c. - Relativamente a duas daquelas empresas, o negócio contempla, não só atos de administração como prestações de serviços pontuais e despesas associadas que não se encontram discriminadas diretamente nos recibos contabilizados, os quais também não indicam a data nem a natureza da prestação de serviços;

d. - Numa dessas empresas encontram-se registos de notas de despesa relativas a deslocações, comunicações e rendas devidas ao impugnante que não estão registadas na contabilidade deste, sem que exista contrato de avença em forma escrita que justifique tal situação (anexos 6 e 7, a fls. 130 a 132 do PA);

e. Na qualidade de administrador, o impugnante desenvolveu projetos de investimento na área do golfe para três das referidas sociedades, sem que exista na contabilidade do impugnante qualquer recibo de proveitos;

f. – A contabilidade não regista qualquer documento bancário comprovativo de pagamentos e recebimentos, nem foi efetuada reconciliação bancária, demonstrando-se que usou cheques e não refletiu essas operações (no anexo 9 a AT junta “exemplos” de 2004 e 2006, fls. 144 a 146 do PA);

g. - Dos elementos recolhidos junto de alguns cartórios notariais, tribunais e conservatórias do registo predial concluiu-se que o impugnante prestou serviços sem que haja registo contabilístico de recibos modelo 6 e que não declarou à AT, conforme anexo 5, a pág.. 128 e 129 do PA

h. - Nos anos 2004, 2005 e 2006 o sujeito passivo teve dois advogados a trabalhar para si , que apresentaram os recibos dos respetivos serviços prestados e notas de despesas relativas aos respetivos clientes, sem que a contabilidade registe os proveitos obtidos desses clientes, além disso, um desses advogados teve intervenção no pagamento de IMT nos anos 2004, 2005 e 2006 sem que o impugnante registasse proveitos referentes a esses clientes;

i. - Em 2004 o impugnante prestou efetivamente serviços a um cliente sem que o impugnante tivesse emitido qualquer faturação nem registado o proveito, independentemente de o serviço eventualmente não ter sido pago;

j. - Em 2006 um cliente pagou ao impugnante a contraprestação de um serviço prestado naquele ano, cujo recibo só foi emitido em 2007;

k. - O contabilista do impugnante prestou-lhe serviços de preenchimento de declarações do IRS dos anos 2004, 2005 e 2006 a clientes do impugnante sem que este emitisse faturação dos correspondentes proveitos (anexos 4 e 5, de fls. 125 a 129 do PA);

l. – Resulta da “Visão do contribuinte” que nos anos 2004, 2005 e 2006 constava como representante fiscal de alguns contribuintes, mas não regista quaisquer proveitos correspondentes, conforme anexo 5 acima referido;


Em face desses factos-índices, a AT concluiu ser impossível determinar direta e exatamente a matéria tributável e que era necessário proceder a avaliação indireta, com fundamento nos artigos 39º do CIRS e 87º, al. b), e 88º, al. a), da LGT (pág. 18 do Relatório, a fls. 102 do PA).


É dessa decisão que o impugnante discorda, por considerar que os referidos factos índices não são adequados para justificar a avaliação indireta relativa aos anos 2005 e 2006 porque tais factos se reportam exclusivamente ao ano 2004.


Ora, isso não é rigoroso.


É fácil de ver que os factos discriminados no Relatório e seus anexos se reportam a todos os anos em causa, emboras os factos sintetizados em i) e j) – mas só esses - não sejam comuns aos três exercícios.


Quanto às restantes situações, o facto de a AT ter juntado apenas documentos de alguns dos anos em causa, disse expressamente que o fazia a título exemplificativo e que isso se verificava em todo o período sob inspeção.


Obviamente os factos que não sejam comuns a todo o período em causa - factos i) e j) acima referidos - apenas relevaram para a decisão relativa aos anos a que se reportam.


O Recorrente alega que a sentença não atendeu à prova documental constituída pela informação da própria AT, junta aos autos como doc. 18 anos à p.i., que reconhece não existir, para os anos de 2005 e 2006 e com base nos mesmos factos vertidos no Relatório da Inspecção em apreço, qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para os anos de 2005 e 2006 (conclusões C. 8 a C10).


Está em causa uma informação de 21/1/2008, que serviu de fundamentação da decisão do pedido de acesso às contas bancárias do sujeito passivo, que esteve na origem do processo de impugnação da decisão de derrogação do sigilo bancário que decorreu sob o nº 301/08.0BELLE aludido no facto U do probatório.


O Recorrente refere que a falta de pressupostos resulta manifestamente da informação prestada pelos serviços de inspecção tributária no âmbito do procedimento para derrogação do sigilo bancário que moveram ao aqui recorrente e que deu azo ao supra citado recurso judicial que correu os seus termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé com o Proc. n° 301/08.0BELLE.


Com efeito, na referida informação tributária, os factos analisados (e que são os mesmos expostos no citado Relatório de Inspecção) conduziriam no exercício de 2004 à derrogação do sigilo bancário com fundamento na previsão da alínea a) do n° 2 do artigo 63°-B (na redacção em vigor ao tempo), ou seja, “quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88° („.)”;


Já para os exercícios de 2005 e 2006, a fundamentação de tal derrogação do sigilo bancário, ao invés de assentar em igual pressuposto jurídico (que actualmente, é o da previsão da alínea a) do n° 3 do mesmo artigo 63°-B), sustentou-se exclusivamente na alínea b) do n° 1 do mesmo artigo, na sua redacção actual;


Ou seja, a Administração Tributária, não considerou existir para os anos de 2005 e 2006 e com base nos mesmos factos vertidos no Relatório da Inspecção em apreço, qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, tudo conforme a referida Informação junta à petição como Doc. 18.


Tais factos, contidos em prova documental junta aos autos, não foram julgados provados, pelo que que a douta sentença, também aqui, mostra-se ferida de erro no julgamento da matéria de facto.


Na verdade, da referida informação retira-se que a AT refere expressamente que, na sua perspetiva, “os factos anteriormente referidos constituem indícios da falta de veracidade do declarado nos anos de 2004, 2005 e 2006, que impossibilitam a comprovação e quantificação direta e exata do rendimento tributável e implicam o recurso a uma avaliação indireta”, mas “o contribuinte recusou a autorização para se solicitar ao Banco de Portugal o acesso a todas as contas bancárias”, pelo considera que estão “reunidos, para os anos 2004, 2005 e 2006, os pressupostos mencionados no artigo 63º-B da Lei Geral Tributária”.


Dessa informação apenas é possível retirar a conclusão de que a AT procurou aceder a elementos bancários que lhe permitissem o conhecimento da verdade material acerca da situação tributária em 2004, 2005 e 2006, independentemente do fundamento legal invocado para aceder a tal informação bancária.


Aliás, este Tribunal não consegue acompanhar o entendimento do Recorrente no sentido de que o facto de o pedido de derrogação do sigilo bancário referente ao ano 2004 ser o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 63º-B da LGT e o da derrogação do sigilo relativo a 2005 e 2006 ser o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT deve ser entendido, no especifico contexto da fundamentação tecida pela AT, que a apontada diferença de fundamentos legais indica que a AT considerou não existir para os anos 2005 e 2006 qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável. Pelo contrário: este Tribunal considera ser manifesto que resulta da referida informação que a AT considerou que, para os anos 2005 e 2006, se verifica a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e que, para o apuramento da verdade material, carecia de verificar os dados bancários, pelo que, não tendo tido acesso a eles, não restou outra opção senão proceder a avaliação indireta.


Do referido processo 301/08.0BELLE apenas se retira que, por Acórdão do STA de 20/8/2008, recurso nº 0715/08, foi negado à AT o acesso aos elementos bancários pretendidos porque o sujeito passivo se opôs alegando sigilo profissional (de advogado), pelo que a AT só poderia aceder a tal informação após autorização judicial concedida nos termos do artigo 61º , nº 5, da LGT.


Portanto, este Tribunal considera que tal informação não releva para os presentes autos.


O Recorrente alega que os únicos factos que no Relatório da Inspecção são concretamente imputados aos anos de 2005 e 2006 como pressupostos da avaliação indirecta não podem ser legalmente considerados como tal, já que não têm cabimento na previsão da alínea b) do artigo 87° da LGT por não impossibilitarem a comprovação directa e exacta do rendimento tributável, o mesmo acontecendo, aliás, quanto aos pressupostos em que se funda a avaliação indirecta relativa ao ano de 2004;


Com efeito, os factos alegados no Relatório são meramente presuntivos ou conclusivos e não correspondem à realidade. (conclusões C.11 e C.12 e até ).


Concretamente, o Recorrente alega que existe um conjunto de sociedades em que o aqui recorrente efectua, por conta delas, o pagamento de determinadas despesas, nomeadamente, dos Técnicos Oficiais de Contas, o pagamento do IMI, bem como as situações de "pro bono" mas tal facto não implica que cobre honorários por isso, nem tal pode ser presumido como fez a Administração Tributária, como, aliás, foi claramente comprovado pelos depoimentos das testemunhas C........ e D........;


Pelo que, face aos depoimentos, resulta inequivocamente que o facto do aqui recorrente manter relações com determinadas sociedades, quer ao nível da gerência, quer meramente de representação fiscal ou, ainda de pagar pequenas despesas por sua conta, não determinava forçosamente que cobrasse honorários por tal facto, bem como ficaram cabalmente demonstradas diversas situações de "pro bono" (conclusões C.20 e C.21), a sentença decidiu erradamente ao considerar que, quanto a esta matéria, cabia ao aqui recorrente a prova de facto negativo e que "o impugnante não conseguiu provar a omissão de prestação de serviços quanto a estas sociedades" e que "da enumeração feita e dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas, resulta mais uma vez que não foi feita prova pelo impugnante, como lhe competia, da inexistência de proveitos, ou de outros proveitos para além dos titulados por recibos e cujas despesas contabilizadas para tal apontam" (conclusão C.22, complementada pela conclusão C. 23).


Está em causa, portanto, um juízo conclusivo – que se pede ao tribunal – no sentido de considerar que o exercício de funções de gerência não se engloba no âmbito da atividade de “advogado” e, portanto, essa gerência não determina a existência de rendimentos enquadráveis na categoria B do CIRS. Ou seja, que os rendimentos eventualmente obtidos na qualidade de gerente, enquadráveis na categoria A do CIRS, não relevam para a decisão de proceder á avaliação indireta dos rendimentos da categoria B.


Oras, afigura-se que nem a AT nem a sentença recorrida pretenderam dar aos factos o sentido que o Recorrente lhe atribui.


O Relatório de inspeção arrolou o facto índice que consiste na existência de serviços prestados na qualidade de advogado a duas das empresas geridas pelo Recorrente, relativamente aos quais emitiu o respetivo recibo de rendimentos da categoria B, pelo que é possível que também tenha prestado rendimentos da mesma natureza às restantes empresas.


Este Tribunal também considera que essa possibilidade existe, mas como mera hipótese. Pelo que acompanha o Recorrente no sentido de que o indício em causa não justifica, por si só, a decisão de recorrer a avaliação indireta.


Quanto à similitude dessa situação com os casos em que o Recorrente consta com representante fiscal de diversas sociedades, este Tribunal não aceita o depoimento das testemunhas no sentido que que isso não implica qualquer ato de gerência, mas mera cedência do nome e caixa do correio, pelo que também não implica o exercício de qualquer atividade remunerada suscetível de ser enquadrada no âmbito da atividade de um advogado.


Trata-se de afirmações puramente conclusivas e ou relativas a questões de Direito, que se integram no domínio exclusivo dos poderes de cognição do tribunal. Além disso, as testemunhas não alegaram possuir razão de ciência adequada para fundamentar tais opiniões.


A representação fiscal não se limita à receção de comunicações, como mera caixa de correio, antes inclui, também, o dever de colaboração com as autoridades fiscais no cumprimento de obrigações acessórias do contribuinte.


Por isso, a representação de clientes, designadamente na receção de notificações e no cumprimento de obrigações de colaboração constitui, em abstrato, uma atividade de prestação de serviços. Sem dúvida, esses serviços poderão ser gratuitos ou onerosos. Todavia, o facto de o representante ser um advogado que exerce atividades similares a título profissional e com finalidade lucrativa, é legitimo concluir que dessas representações resultam alguns proveitos, que, a existirem, estão sujeitos a tributação na categoria B.


Em tal situação, a prova que se exige não é a prova do facto negativo “não obtive proveitos”, mas do facto positivo “a concreta representação fiscal tem natureza gratuita”. Sobre isso, as testemunhas não se pronunciaram, nem se figura que o pudessem fazer legitimamente, por lhes faltar razão de ciência adequada, nem o recorrente exibiu outro meio de prova., conforme decidido pela sentença recorrida.


Do mesmo modo, o Recorrente alega que a sentença exigiu prova do facto negativo subjacente a diversas situações de "pro bono" não apenas relativamente a um vasto conjunto de sociedades, mas também de amigos e vizinhos do aqui recorrente, o que, aliás, é de todo vulgar ocorrer na actividade de advocacia relativamente a serviços de pequenos serviços e valor muito reduzido.


Ora o tribunal recorrido não atendeu a essa argumentação por considerar que existe um dever de provar o facto negativo, que não obteve proveitos, mas porque o impugnante não demonstrou adequadamente o facto positivo, de que as situações de omissão de registo de proveitos correspondem a serviços prestados a título gratuito ou “pro bono” a sociedades clientes e a amigos ou vizinhos, nos termos dos usos e costumes vigentes na atividade de “advogado”.


Não basta alegar que, estando na fase da prova da existência dos pressupostos de facto subjacente à decisão de recorrer a métodos indiretos de avaliação, o ónus impendia sobre a AT, o qual não se cumpre com a mera presunção de que tais proveitos ocorreram efetivamente e, portanto, não estando contabilizados, foram omitidos à tributação. A recorrente defende que tais proveitos não existiram neste caso pelo facto de o recorrente não cobrar honorários.


De facto, não bastam tais alegações porque a AT cumpriu o ónus probatório a seu cargo, demonstrando que o sujeito passivo prestou serviços de “advocacia”, abstratamente sujeitos a tributação e que os mesmos não foram objeto de faturação nem do correspondente registo contabilístico e, consequentemente, não foram tributados.


Em tal situação competia ao sujeito passivo alegar e comprovar que, apesar de não ter cumprido a obrigação de faturar e registar contabilisticamente o serviço prestado, não existe prejuízo para o Estado, uma vez que tais serviços foram prestados gratuitamente (“pro bono”), inexistindo o respetivo facto tributário.


O facto a provar seria: «os serviços em causa foram prestados “pro bono”», pelo que não geraram proveitos tributáveis.


O tribunal recorrido considerou que essa prova não foi feita adequadamente e este Tribunal concorda. De facto, de duas uma: ou a prestação é “pro bono” e não tem custos dedutíveis, ou tem custos dedutíveis e não é pro bono. No caso, tendo havido custos, ainda que de pequeno montante, não é credível que não tenham gerado proveitos.


Na falta de qualquer prova em contrário, que teria de ser uma prova muito convincente, o tribunal recorrido não poderia ter decidido de modo diferente.


O Recorrente considera que “ao contrário do que se afirma na douta sentença recorrida, não existe obrigação legal de emitir notas de honorários, já que os profissionais liberais apenas estavam obrigados à emissão de recibo modelo oficial (hoje electrónico e com campo próprio para a descrição dos serviços prestados), o qual sempre foi considerado como "documento equivalente" à factura para efeitos de IVA (desde logo porque era neste recibo de modelo oficial que o sujeito passivo liquida o IVA devido na prestação de serviços”.


Mais à frente refere que “dispõe-se na alínea a) do n° 1 do artigo 115o do Código do IRS que os titulares de rendimentos da categoria B, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do n° 1 do artigo 3o (ou seja, rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, como é o caso do aqui recorrente) são obrigados a passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes.


Por seu turno, a emissão de factura ou documento equivalente, prevista na alínea b) do n° 1 do mesmo artigo 115°, fica reservada aos restantes titulares de rendimentos da categoria B (nomeadamente, aos titulares de rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas a que se refere a alínea a) do n° 1 do citado artigo 3o do CIRS).


Donde, em conformidade com estes normativos, outra coisa não se pode concluir que não seja apenas a obrigação do aqui recorrente à emissão do recibo de modelo oficial quanto aos seus honorários aquando do efectivo recebimento dos mesmos por parte dos seus clientes (ao contrário do que acontece com os titulares de rendimentos a que se refere a alínea b) do n° 1 do artigo 115° que devem emitir factura independentemente do efectivo recebimento).”


Ora, é manifesto que tal posição decorre de um equívoco, pressupondo que os profissionais liberais, incluindo os advogados, só estão obrigados a emitir recibo modelo 6 (“recibo verde”), de modelo oficial, o qual é considerado “documento equivalente” à fatura; e só existe obrigação de emitir tal documento quando o cliente pagar a prestação de serviços.


A verdade é que os advogados são profissionais liberais que exercem atividade enquadrada na categoria B do CIRS, podendo seguir dois regimes, nos termos do artigo 28º do CIRS: em regra, no regime simplificada, sem contabilidade organizada (artigo 31º do CIRS), ou, quando obrigatória ou por opção, no regime de contabilidade organizada, caso em que se aplicam subsidiariamente as regras do CIRC, nos termos do artigo 32º do CIRS.


No regime simplificado vigora a ótica de caixa ou monetária (2), considerando-se que o rendimento é obtido quando o cliente pagar e que o custo é registado quando a despesa for paga ao fornecedor; no regime de contabilidade vigora a ótica produtiva ou económica, considerando-se que os proveitos e os custos se registam quando ocorrem efetivamente, isto é, quando os serviços são prestados ou os bens ou serviços são adquiridos, independentemente do momento em que ocorra o efetivo recebimento pagamento.


O artigo 19º do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32º do CIRS, dispõe que:


1- Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.


(…)


3- Para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios:


a) (…)


b) – Os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado (…)”.


Nessa altura o ponto 4. c) das “considerações técnicas” referentes ao POC dispunha que é “princípio contabilístico fundamental” o princípio da especialização ou do acréscimo (também conhecido por princípio da equivalência/matching entre custos e proveitos), segundo o qual: “os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam


O facto de o artigo 115º, nº 1, al. a), do CIRS dispor que os titulares de rendimentos da categoria B são obrigados a emitir recibo de modelo oficial de todas as importâncias recebidas de clientes, isso não afasta o disposto no nº 2, que prevê a possibilidade de lhes aproveitar a dispensa de obrigação de faturação, nos termos do artigo 39º do CIVA, o que – a contrario senso – significa que terão de emitir fatura sempre que não ocorra tal dispensa.


Resulta do disposto no artigo 39º do CIVA que a referida dispensa de faturação ocorre apenas quando o cliente for um particular (que não é sujeito passivo de IRS, categoria B, de IRC ou de IVA), desde que o pagamento seja efetuado de imediato e em dinheiro e, tratando-se da prestação de serviços de um advogado, o respetivo valor seja inferior a € 2.000,00.


Portanto, a dispensa não se verifica nos casos de prestação de serviços de advocacia a sociedades comerciais quando relacionadas com o objeto social.


Além disso, resulta das regras do IRC que a contabilidade deve ser organizada nos termos das leis contabilísticas, designadamente do POC, e das regras especificas dos códigos fiscais, designadamente artigo 17º e 115º do CIRC.


Portanto, uma vez que se encontrava no regime de contabilidade, o sujeito passivo estava obrigado a emitir fatura ou documento equivalente (fatura ou recibo modelo 6) logo após a prestação do serviço, independentemente do efetivo recebimento.


Dessas regras resulta a obrigação registar, em contas adequadas, todas as operações ativas e passivas por ordem cronológica e com base em “documentos justificativos”, não sendo permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias.


Os documentos justificativos devem ser emitidos contemporaneamente às operações que titulam, considerando-se que as prestações de serviços se consideram efetuadas no momento da sua conclusão e as aquisições no momento do seu recebimento.


A emissão da fatura pode ser feita até ao 5º dia posterior à operação.


Os documentos que titulam as operações ativas – faturas ou documentos equivalentes emitidos para os clientes - devem ser registados na contabilidade independentemente do respetivo recebimento.


É desejável que todas as empresas procedam ao pagamento imediato das suas operações passivas (aos fornecedores) e ao recebimento imediato das operações ativas (de clientes), caso em que os documentos justificativos serão faturas-recibo ou os recibos que contenham os elementos formais exigíveis para as faturas (não importa aqui discutir as exigências formais dos documentos justificativos em IRS/IRC ou em IVA).


Nos casos que que o pagamento seja diferido, deve haver lugar a emissão de fatura com prazo de vencimento da obrigação, registada como proveito “a receber” ou “em crédito” sobre o cliente, com posterior emissão do recibo, aquando do efetivo recebimento.


Se o serviço fosse prestado “pro bono”, "pelo bem público" e, portanto, sem intenção lucrativa, seria desejável que o registo do serviço prestado mencionasse valor nulo e ficasse documentado com comprovativo desse facto (documento que poderia ser uma declaração subscrita pelo amigo ou vizinho, especificando o especial motivo que justificou a gratuitidade da prestação).


Portanto, este Tribunal não reconhece tal erro de julgamento imputado à sentença.


O Recorrente alega que em alguns casos, embora as despesas pagas pelo aqui recorrente tenham sido identificadas como sendo de pessoas singulares, as mesmas reportavam-se a sociedades, para as quais existia a emissão de recibo, como, aliás, se dá conta na douta sentença a fls. 323, como é o caso de M........ e da L........, Lda. e dos recibos de fls. 140 a 157 (vide recibos juntos pelo impugnante no seu requerimento apresentado aos autos em 27/05/2009 e reportados aos artigos 257°, 258°, 262° e 263 da petição inicial, pelo que a douta sentença labora em erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que as despesas não têm que ter associado um proveito efectivo.


Na verdade, para efeitos de dedução dos custos fiscais, as despesas efetivamente suportadas e documentadas não precisam de ter associado um proveito efetivo, bastando que tenham relação com a atividade efetivamente exercida (nexo empresarial), nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC.


Mas não é isso que está em causa nos autos: a AT verificou a existência de custos associados a uma prestação de serviços a clientes e, daí, inferiu que essas prestações de serviços originaram proveitos cujos montantes se desconhecem.


Ou seja: parte-se da existência de custos referentes a prestações de serviços a clientes, para afirmar que tais prestações de serviços deverão ter gerado proveitos.


Trata-se de um facto indiciário adequado a justificar, sobretudo quando reforçado com outros que tenham o mesmo sentido, a decisão de recorrer a métodos indiretos de avaliação.


O facto indiciário é aquele que constitui um indício sério, isto é, um facto provado que está numa relação tão precisa com outro facto ainda não provado que permite que, a partir dele, se chegue a uma conclusão natural acerca do outro (raciocínio do conhecido para o desconhecido, identicamente ao que ocorre em toda a prova indireta).


A prova indiciária é válida desde que nela se reconheçam as características de gravidade, precisão e concordância.


A gravidade é aquilo que torna uma conclusão mais aceitável do que outras conclusões possíveis; a precisão é aquilo que faz com que a conclusão mais provável que é possível extrair dela, em concorrência com outras, se refere ao facto a provar (é tão precisa quanto maior for a coincidência entre a dita conclusão e o facto a provar); a concordância resulta do facto de existirem diversas provas, indícios ou presunções que convergem para o facto a provar (bastando a convergência de algumas provas, embora nem todas). Esta última caraterística exige a inexistência de indícios dissonantes, que ponham o indício sob suspeita.


No caso, pode dizer-se o indício sob análise reúne todas essas caraterísticas e reforça-se quando valorado em conjunto com outros.


O recorrente alega que tais despesas se referem nominalmente a pessoas singulares, mas reportam-se efetivamente a sociedades para as quais existia emissão de recibos e, portanto, registo e tributação dos respetivos proveitos.


No entanto, competia ao sujeito passivo provar os factos que permitam reconhecer a relação entre aquelas despesas, referidas a pessoas singulares, e os correspondentes recibos emitidos em nome de pessoas coletivas.


Para isso, o Recorrente transcreve parcialmente o depoimento de um dos advogados referidos no Relatório como seu “colaborador”, confirmando que os advogados em causa partilhavam as instalações, prestou a referida colaboração e que juntou os referidos documentos, mas sustentando que o impugnante lhe dizia para fazer referência à pessoa singular relacionada com a sociedade que era o cliente efetivo.


Essa testemunha terá dito, textualmente, o seguinte: “o Dr. B........ disse-me, por exemplo, olhe o T........ pediu-me isto, quer dizer não foi o T........ era a L........, mas quem falou com ele foi o T........ não é, e dai que para nós que nos conhecemos e sabemos qual é o processo, colocar lá M........ é apenas uma questão para identificar o assunto”.


Ou seja: não se discute a existência dos serviços, nem das despesas subjacentes. Apenas se discute a questão de saber se as pessoas referidas nos documentos de despesas são os efetivos clientes e, em caso negativo, se essas pessoas são os representantes das sociedades para as quais foram emitidos os respetivos recibos de proveitos.


Os “documentos” de custos que suportam a contabilidade são documentos externos cujo valor probatório é, em regra, superior ao valor probatório do depoimento de testemunhas, sem prejuízo da livre convicção do juiz, nos termos do disposto no artigo 607º, nº 5, do CPC.


Os documentos particulares cuja autoria não seja impugnada faz prova plena simples quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artigo 376º, nº 1, do CC), caso em que o depoimento testemunhal é inadmissível (artigo 393º, nº 2, do CC).


No caso, o Recorrente não impugnou a veracidade dos documentos referidos pela AT, tendo-se limitado a apresentar testemunha que afirma que não é verdadeira a identificação do cliente que neles se faz.


Esse depoimento só tem valor de prova sujeita a livre apreciação (artigos 396º do CC e 607, nº 5, do CPC).


O princípio da livre apreciação da prova determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum, embora não de forma arbitrária ou subjetiva e, por isso, deve ser motivada.


A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. Será (…) uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros” - Cf. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 202.


A prova desse facto, contra prévio documento escrito, deveria ser cuidadosamente produzida e exibida, de maneira a evitar dúvidas sobre a genuinidade da nova informação. Designadamente, essa prova deveria ter sido procurada junto das pessoas singulares identificadas nos documentos, no sentido de confirmarem que não eram clientes do advogado impugnante, e junto das pessoas coletivas alegadamente representadas pelas pessoas identificadas no documento, no sentido de que existe a apontada relação entre os documentos de despesa em causa e as prestações de serviços que lhe foram prestados pelo impugnante.


Nas referidas condições, este Tribunal sempre teria de considerar que, atendendo à relação pessoal e profissional existente entre os referidos advogados, que partilham interesses e colaboram mutuamente, este Tribunal considera que a testemunha não apresenta a idoneidade/imparcialidade que seria exigível para convencer que os factos decorreram exatamente como consta no seu depoimento, e não de outro modo.


Pelo que, este Tribunal julga não verificado o referido erro de julgamento da matéria de facto.


O Recorrente alega que quer do Relatório, quer da prova testemunhal dos inspectores tributários resulta que não foi detectada qualquer situação (facto) em que o aqui recorrente tenha auferido quaisquer rendimentos sem que dos mesmos tivesse emitido o respectivo recibo, isto é, não existiu omissão de declaração de proveitos relativamente aos recebimentos ocorridos.


No resto, o Relatório e os referidos depoimentos limitam-se a evidenciar situações em que apenas se pretende presumir que o aqui recorrente possa ter recebido eventuais honorários (sem que disso se faça qualquer prova).


Ora, o conjunto de factos descritos no Relatório permite retirar a conclusão de que a AT logrou cumprir o ónus de demonstrar factos que provam, para além de qualquer dúvida razoável, que a contabilidade do sujeito passivo não se encontra organizada nos termos da lei e que as declarações fiscais apresentadas com base nela não cumprem o disposto na lei.


Por isso, conforme resulta do artigo 75º, nº 2, da LGT, esses elementos do contribuinte não gozam da presunção de verdade e boa-fé prevista no nº 1 do mesmo preceito, passando a aplicar-se a regra geral do ónus da prova que consta no artigo 74º do mesmo diploma.


Assim, uma vez que a AT só fica autorizada a proceder a avaliação indireta, nos termos do disposto nos artigos 39º do CIRS e 81º, nº 1, 85º, nº 1, e 87º, , al. b), da LGT, se as irregularidades detetadas na contabilidade “inviabilizarem o apuramento da matéria tributável” efetiva (artigo 85º, nº 1, e corpo do artigo 88º da LGT), é indispensável verificar se aquelas anomalias e incorreções impossibilitam a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributária do tributo em causa (IRS de 2004, 2005 e 2006).


O facto de os resultados apurados e declarados espontaneamente demonstrarem rácios de rentabilidade fiscal fortemente decrescentes, chegando a ser negativo em 2006, e anormalmente baixos comparativamente com os rácios apurados pela AT com base nas declarações apresentados pelos restantes contribuintes que exercem idêntica atividade no mesmo distrito, pode ser interpretado, de acordo com um juízo de senso comum segundo as regras de normalidade, que isso indica omissão de registo de proveitos, embora tal indício não seja decisivo sem confirmação de outros indicadores da mesma tendência. Note-se que a haver proveitos não faturados, a AT estaria impossibilitada de identificar os clientes e de quantificar direta e exatamente a matéria tributária real efetiva.


Essa tendência confirma-se pelo facto descrito na alínea b) supra (eventual omissão de proveitos relativos às 9 empresas geridas por si e não faturados), uma vez que se desconhece o valor exato de tais eventuais omissões. Note-se, contudo, que também este indício não é absolutamente certo, pelo que não vale por si só.


O mesmo se poderia dizer quanto aos indícios descritos sob as alíneas c), f), j).


Porém, o facto de ter tido ao seu serviço dois advogados, os quais prestaram serviços a clientes sem que exista comprovativo do registo dos respetivos proveitos, conforme alínea h) dos factos indiciários acima sintetizados, é indício suficiente para julgar cumprido o ónus da prova a cargo da AT e invertido esse ónus, nos termos do disposto no artigo 74º, nº 3, da LGT. O mesmo sucede quantos aos factos g), i), k) e l).


O conjunto dos indícios acima referidos aponta fortemente no mesmo sentido, de que o sujeito passivo prestou serviços nos anos 2004, 2005 e 2006 sem que registasse na sua contabilidade os respetivos proveitos, de acordo com o respetivo regime (independentemente do efetivo recebimento), assim impossibilitando a determinação direta e exata da matéria tributável real efetiva de cada um desses exercícios.


Porém, como já se disse, não há dúvida que que a contabilidade não se encontra efetuada nos termos da lei (por exemplo, só regista proveitos na lógica de caixa, isto é, após o efetivo recebimento dos proveitos, quando o deveria fazer na lógica do rendimento, aquando da prestação do serviço). Pelo que a contabilidade e respetivas declarações fiscais não gozam da presunção de verdade.


A AT recolheu uma série de indícios sérios de que a matéria coletável apurada com base na contabilidade e refletida nas declarações fiscais não corresponde à realidade e que é impossível fazer a sua quantificação direta e exata.


A partir de então passou a caber ao sujeito passivo o ónus de alegar e demonstrar factos que contrariem os referidos indícios e as conclusões a que eles conduzem (artigo 74º, nº 3, da LGT).


Para essa inversão do ónus da prova, a AT não precisa de provar qualquer omissão concreta e determinada, que a existir seria incluída na avaliação direta (artigos 81º, nº 1, 83º, nº 1, 85º, nº 1, da LGT) e não na avaliação indireta. O ónus probatório da AT cumpre-se com a alegação e prova de factos que, isoladamente ou em conjunto, permita ao juiz formar a convicção de que aqueles indícios correspondem a uma certeza prática de que a matéria coletável declarada com base na contabilidade não corresponde à realidade da vida.


No confronto entre a factualidade provada e a lei aplicável, essa convicção do juiz não precisa de ser uma certeza lógica, mas uma crença racionalmente fundada nas regras da normalidade fornecidas pela ciência e pela experiência, bem como na própria intuição do decidente.


Finalmente, o Recorrente alega que não está provada nenhuma das situações a que se refere a alínea a) do artigo 88º da LGT, invocada na decisão recorrida.


A norma em causa refere que a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:


a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo que a ausência desses elementos se deva a razões acidentais.”


Ou seja: é legitimo o recurso a métodos indiretos, com fundamento em impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, quando se verificar alguma das seguintes situações, mesmo que se devam a razões acidentais:

i. - Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração;

ii. - falta ou atraso de escrituração dos livros e registos

iii. ou irregularidade na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal.

Resulta ainda do artigo 39º, nº 2, do CIRS que atraso na execução da contabilidade ou na escrituração dos livros de registos só determina a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável e, portanto, a aplicação de métodos indiretos, após o decurso do prazo fixado para regularização, sem que se mostre cumprida a obrigação. O referido prazo para regularização não pode ser inferior a 5 nem superior a 30 dias, conforme nº 3 do mesmo artigo.


De facto, ao caso dos autos não vem imputada a falta ou atraso na execução da contabilidade nem irregularidades na sua organização não supridas no prazo fixado.


Sem prejuízo, a AT verificou os factos indiciários descritos no procedimento e considerou que determinam a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável por “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração” que viabilizem tal comprovação e quantificação.


Não se trata de saber se os factos indiciários resultam da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração ou se esta inexistência ou insuficiência constituem os próprios factos indiciários que justificam a decisão de proceder a avaliação indireta, mas, diferentemente, de saber se a comprovação e quantificação direta e exata a fazer a partir daqueles factos indiciários ficam impossibilitadas/inviabilizadas por inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração. Verificando-se os factos indiciários da omissão de proveitos e a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria tributável, compete à AT fundamentar o ato nos termos dos artigos 77º, nº 4, e 84º, nº 3, da LGT, indicar o critério escolhido, nos termos do artigo 90º da LGT, e proceder à respetiva quantificação, demonstrando os respetivos cálculos e o resultado apurado, nos termos da parte final do referido artigo 84º, nº 3, da LGT.


Percebe-se que a decisão da AT resulta do facto de a inspeção visar a correção das declarações de rendimentos dos anos 2004 a 2006, e não diretamente a retificação da contabilidade que suporta tais declarações, e que da consulta efetuada aos elementos que servem de suporte à contabilidade resulta a convicção da a existência de indícios de que a matéria coletável declarada não corresponde à realidade, com aparente omissão de proveitos (alegando o impugnante, em síntese simplificadora, que se aplica aos proveitos a ótica monetária ou de caixa), sem que existam quaisquer elementos que permitam fazer a quantificação direta e exata da matéria tributável considerada omitida.


Este Tribunal concorda que inexistem elementos da contabilidade ou da declaração do sujeito passivo que viabilizem a quantificação direta e exata da matéria tributável a efetuar com base nos factos indiciários apontados pela AT. Designadamente, não há elementos que permitam conhecer todos os clientes dos serviços prestados pelo impugnante nos anos em causa nem os preços desses serviços prestados, pelo que não é possível fazer a quantificação direta e exata dos proveitos omitidos.


Assim, este Tribunal considera que as decisões administrativa e judicial que assim entenderam não padecem dos erros que lhe vêm imputados.


*

E. Do erro de julgamento quanto à invocada ilegalidade do critério utilizado para quantificação da matéria tributável.


O Recorrente alega que, a entender-se haver omissão de proveitos relativamente a um conjunto de despesas especificadas (o que não concede), a avaliação indirecta teria que se limitar a corrigir tais proveitos omitidos respeitantes a essas mesmas despesas em concreto, adicionando-os à matéria tributável já declarada. E nunca fazer-se, como se fez, aplicar uma determinada rentabilidade fiscal sobre todo o universo das despesas (gastos) do recorrente, de forma a corrigir também os proveitos já declarados sobre todas as restantes despesas.


A douta sentença recorrida funda a sua decisão nesta matéria no alegado facto da contabilidade do recorrente apresentar rentabilidades fiscais abaixo da média do sector de actividade, bem como no alegado facto de que o Anexo V ao Relatório de Inspecção se tratar de uma amostragem e, por isso, não ser possível aplicar o dito rácio apenas às despesas aí constantes;


Tais fundamentos da douta decisão não podem, contudo, vencer;


Desde logo, porque a rentabilidade abaixo da média apenas poderia servir de pressuposto à avaliação indirecta nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 87° da LGT (cujos indicadores objectivos nunca foram publicados) e não pode servir de fundamento à aplicação de um determinado critério;


Pelo outro lado, não é possível aceitar que o referido Anexo V do Relatório seja uma mera amostragem como se considera na douta sentença recorrida, uma vez que a inspecção foi iniciada no primeiro procedimento (onde se recolheram e cruzaram os elementos) ainda em 2007 e apenas terminou em Outubro de 2008, no segundo procedimento, ou seja num período mais do que suficiente para apurar todas as despesas constantes da contabilidade que não tinham por contrapartida recibo emitido ou proveito declarado, já que bastava, para tanto identificar as despesas constantes da contabilidade que não tinham proveitos associados tal como foi feito para as mencionadas no Anexo V.


Vejamos:


Resulta do já exposto que a AT verificou indícios sérios da existências de proveitos, cujo montante não se atreveu a quantificar direta e exatamente, levando-a a pensar, com base na divergência entre a rentabilidade fiscal declarada e a correspondente rentabilidade média apurada nas declarações dos outros advogados do distrito, que, se este sujeito passivo não tivesse cometido as referidas omissões, o rácio de rentabilidade fiscal apurado com base na sua contabilidade seria próxima da rentabilidade média dos restantes colegas de atividade.


Isto não significa que a AT considera que a apontada divergência de rácios de rentabilidade fiscal é pressuposto essencial para justificar a decisão de recorrer a métodos indiretos de avaliação. Está apenas a dizer que, na falta de elementos da contabilidade que viabilizem a quantificação direta e exata da matéria tributável é congruente supor que, caso o sujeito passivo não tivesse omitido proveitos, os rácios declarados seriam próximos ou coincidentes com os referidos rácios.


Portanto, uma vez justificado o recurso a métodos indiretos, conforme factos indiciários referidos no ponto anterior, a AT apenas está a definir o critério de quantificação a usar para apuramento do lucro real estimado.


Ou seja, já não se está no âmbito do artigo 87º ou 88º da LGT, mas na fase de escolha de um dos critérios referidos no artigo 90º desse diploma, que deixa à AT uma certa margem de discricionariedade técnica, embora exija que o critério escolhido assente numa relação congruente entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.


O Recorrente não concorda que as situações aludidas no anexo V do Relatório são uma mera amostragem de situações em que se apurou a existência de custos com clientes relativamente aos quais não foram emitidas faturas nem recibos e, portanto, não houve a tributação devida. Considera que a AT teve oportunidade e os meios para apurar todas as situações idênticas, todos os custos com clientes e verificar se há proveitos referentes a tais clientes


No entanto, o anexo V não visou demonstrar, até à exaustão, todos os casos indiciadores de omissão de proveitos. O ponto a provar através do anexo V do Relatório era apenas que o sujeito passivo prestou serviços a clientes e não registou proveitos relativos a eles, assim se comprovando a necessidade de fazer correções (técnicas ou presuntivas), concluindo-se ser impossível fazer correções técnicas; pelo que a AT decidiu proceder a avaliação indireta.


Mesmo que a AT tivesse apurado todas as despesas constantes da contabilidade que não tinham por contrapartida recibo emitido ou proveito declarado, tal como foi feito para as mencionadas no Anexo V, ainda assim a AT desconheceria o montante dos proveitos omitidos e continuaria a ter necessidade de recorrer ao critério de quantificação a que recorreu.


Na verdade, diversamente do alegado pelo Recorrente (conclusão D11), a AT não pretendeu utilizar como critério de quantificação um rácio de rentabilidade sobre despesas sem proveitos associados para presumir esses mesmos proveitos; a AT usou o critério da rentabilidade fiscal, que implica a consideração da totalidade dos custos, não para presumir os proveitos referentes apenas às despesas sem proveitos associados, mas para presumir os proveitos, com ou sem despesas associadas, que, se não tivessem sido omitidos, teriam gerado rentabilidades fiscais próximas ou coincidentes com os rácios setoriais médios.


Este Tribunal entende que teria de ser assim porque se sabe que, pelo menos nos casos de prestações de serviços, nem todos os proveitos estão relacionados com despesas, como sucede tipicamente com os obtidos por prestação de serviços de simples aconselhamento jurídico.


Assim, não se reconhece o erro de julgamento apontado à sentença que assim entendeu.


*

F. Do erro de julgamento quanto ao invocado excesso de tributação, designadamente por desconsideração das especiais circunstâncias familiares no período sob inspeção, no sentido de que as mesmas foram limitadoras da sua atividade profissional


O Recorrente alega que a quantificação resultante dos rácios aplicados se mostra manifestamente exagerada, em especial, por decorrência da sua particular situação pessoal nos exercícios em causa.


Defende que a particular situação pessoal (falta de tempo para se empenhar na sua atividade profissional por motivo de doença grave da então esposa, que implicava que o apoio aos filhos e ao afazeres domésticos ficassem a cargo do aqui recorrente) nos anos em causa e que resulta manifesto que essas circunstâncias foram significativamente limitadoras da sua actividade profissional nos termos que se alegam na petição inicial, impedindo-o de lhe dedicar com empenho o tempo que seria normal, o que, só por si, seria justificativo da eventual ocorrência de rentabilidades fiscais inferiores à dita média do sector de actividade; pelo que a sentença recorrida errou ao julgar, embora reconhecendo a existência das circunstâncias particulares e especiais da vida pessoal e familiar do aqui recorrente relativas aos anos em causa (…), que tais circunstâncias da vida pessoal do recorrente já "foram consideradas na justa medida, uma vez que a média do rácio pelo sector de actividade a nível de unidade orgânica já revela as declarações de todos os sujeitos passivos que também terão influências de carácter pessoal e logístico na sua actividade profissional", pelo que conclui que tais circunstâncias concretas não relevam para efeitos da ponderação da quantificação da matéria tributável; e conclui que tais circunstâncias da vida pessoal do aqui recorrente justificam, inquestionavelmente, que o seu rácio de rentabilidade fiscal do recorrente se situe abaixo da média do sector, como não poderia deixado de ser tido em conta pela Administração Tributária na quantificação dos proveitos por métodos indirectos, tanto mais que o conceito de “rendimento real presumido”, de forma a que o objectivo da avaliação indirecta não é atingir um qualquer rendimento normal (ou da média) de uma determinada actividade, mas sim apurar um valor de rendimentos tanto quanto possível aproximado do real.


De facto, essas circunstâncias familiares não foram relevadas no probatório nem foram levadas em conta no procedimento de inspeção.


Vejamos porquê.


O rácio de rentabilidade fiscal é, por definição, uma relação ou proporção que se estabelece entre o numerador (resultado fiscal) e denominador (proveitos). Portanto, esse rácio é um indicador de que determinado valor de proveitos gera certo resultado ou lucro fiscal.


Dizer que duas empresas conseguem obter rentabilidades fiscais idênticas, não significa que obtiveram resultados fiscais e proveitos idênticos; significa apenas as frações que determinam esse rácio são “frações equivalentes” (que representam a mesma quantidade, como por exemplo: 4/2=2 ou 8/4 =2 ou 16/8 = 2).


O facto de um advogado ter problemas familiares que diminuem o seu tempo disponível para exercer a atividade profissional poderá afetar, e certamente afeta, o volume de proveitos e, portanto, o resultado fiscal, quando comparado com a situação em que o mesmo advogado não tivesse tais problemas.


Porém, a referida circunstância não é apta a justificar, por si só, qualquer variação da proporção entre os proveitos e o lucro.


Aquilo que a AT fez foi comparar os custos, proveitos e resultados declarados pelo sujeito passivo, apurando a respetiva proporção, e comparar com idêntica proporção resultante das declarações dos outros operadores que exercem a mesma atividade no mesmo distrito. Em seguida, considerando que o total de custos declarados pelo impugnante, considerados verdadeiros, deveriam ter gerado uma proporção (rácio de rentabilidade fiscal) apurada entre os resultados fiscais e proveitos idêntica à gerada pelos restantes colegas do mesmo distrito, a AT procedeu à correção presuntiva.


Numa situação destas, não aproveita ao sujeito passivo o argumento de que a então esposa se encontrava doente e que, em consequência, dedicou menos tempo à sua atividade profissional. Dai apenas se pode retirar que o conjunto da sua atividade se retraiu em termos quantitativos absolutos, mas não prova que a rentabilidade fiscal, a proporção das componentes ativas e passivas, se alterou significativamente, designadamente por ocorrer manutenção de todos os custos e redução dos proveitos, em cada um dos anos em causa.


Sendo esse o caso, competia ao sujeito passivo, nos termos do artigo 74º, nº 3, da LGT, alegar e provar que essa alteração da estrutura económica da sua empresa determinou a inaplicabilidade dos rácios setoriais médios porque estes conduzem a manifesto excesso de tributação.


Todavia, em momento algum o impugnante se refere especificamente aos montantes dos custos fixos de cada exercício.


Além disso, cabia-lhe justificar a anomalia constituída pela diferença entre a rentabilidade fiscal declarada em 2004, de 34,73% (positiva, mas bastante inferior ao rácio setorial médio, de 46,70%) e em 2006, de -2,26% (negativa e muito distante do rácio setorial médio, de 42,52%), apesar de as testemunhas afirmarem que em 2004 já se verificavam as invocadas circunstâncias familiares.


Essa inércia impugnatória e probatória determina que as referidas circunstâncias familiares não possam ser relevadas para o efeito pretendido pelo Recorrente.


Pelo que, com tal fundamento, este Tribunal julga improcedente o vício agora sob análise.


*


G) Do erro de julgamento quanto à admissibilidade e utilidade da junção aos autos dos documentos a que alude o recurso de fls. 853 do processo físico/pág. 899 do SITAF.


Uma vez que este segundo recurso tem por objeto o despacho de indeferimento do pedido de junção ao Processo administrativo dos documentos referentes à primeira ação de inspeção referida em A) supra e que tais documentos se destinam a comprovar os atos externos praticados nesse procedimento, o conhecimento desta questão ficou prejudicado pela solução dada à questão apreciada em A).


*


4 - DECISÃO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em:

a. negar provimento ao recurso contra a sentença e manter a mesma, com as demais consequências legais; e

b. julgar prejudicado o recurso contra o despacho de indeferimento de junção de documentos.


Custas pelo Recorrente.


Registe e Notifique.


Lisboa, em 6 de fevereiro de 2025 - Rui A.S. Ferreira (Relator), Isabel Silva, Ângela Cerdeira (Adjuntas).


(1)Neste contexto, entende-se que “fundamentação” é o conjunto das razões expressas formalmente no texto fundamentador e “fundamentos” são as razões que devem real/materialmente ser relevadas. A fundamentação assente em razões materialmente erradas não padece de vício de forma se for clara, suficiente e congruente, apesar de o ato poder/ser ilegal por erro sobre os fundamentos de facto e ou de direito nele pressupostos. Ou seja: o vício de forma por falta de fundamentação não se confunde com o vício de erro sobre os pressupostos materiais.


(2)- Como se sabe, a atividade empresarial gera diversos tipos de fluxos, de bens ou serviços, de documentos e de meios financeiros, e esses fluxos podem e devem ser olhados sob 3 óticas diferentes:


1ª – Financeira – operações reais que originam obrigação de pagar dividas (despesas ou saídas de meios financeiros) ou direito de receber divida (receitas ou entrada de meios financeiros).


2ª- Económica ou produtiva – ligada à transformação e incorporação de materiais na atividade produtiva, que origina custos ou gastos (diminuição do capital próprio devido ao consumo ou incorporação de materiais existentes em armazém) e perdas (diminuição devido a deterioração ou desperdícios dos materiais existentes), que são componentes negativas do lucro, ou proveitos ou rendimentos (aumentos do capital próprio originados pela produção/venda de bens ou da prestação de serviços) e ganhos (aumentos do capital por outras causas, como valorização extraordinária de ativos), que são componentes positivas do lucro.


3ª – Monetária ou de caixa – entradas e saída de dinheiro da esfera da empresa (caixa e ou bancos), ou seja: pagamentos (saídas ou exfluxos de meios líquidos de pagamento) e recebimentos (entradas ou influxos de meios líquidos de pagamento).