Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:745/13.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito (n.º 1 do artigo 24.º da LGT)
III - O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição apresentada por M…, no âmbito da execução fiscal nº 1562200601055852, que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra, por reversão de dívidas de IVA do 2º e 3º trimestres de 2006, no montante global de € 20 951,76, da devedora originária “S… Construções Lda.”, dela veio interpor recurso.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

1. «A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma, ignorando regras básicas do senso comum, procede a uma deficiente aplicação do direito. Considera assim ter ocorrido erro de julgamento na referida sentença, dado que, da prova produzida e levada aos autos, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida; pois que existem nos autos elementos que denunciam o exercício da gerência de facto por parte da Oponente; circunstancias estas que, tendo sido mal apreciadas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.
2. Nesta senda, convém ter presente que da matéria de facto dada como provada consta, na al. d) da fundamentação de facto da douta sentença um excerto da ata assinada em 20/09/2007 em sede de assembleia geral da devedora originária, donde se extrai que a Oponente, ora Recorrida, renuncia à gerência “que tem vindo a exercer com efeitos a esta data”.
3. E assim, através de um olhar atento a este ponto constante do probatório resulta claro que a Oponente, ora recorrida, somente se afastou dos rumos da devedora originária na data em que foi elaborada e assinada a referida ata em sede de assembleia geral da devedora originária.
4. Note-se que, se fosse seu intento vincar o seu afastamento da gerência nominal da devedora originária, tal expressão (“que tem vindo a exercer com efeitos a esta data”) seria destituída de qualquer sentido semântico na economia da referida ata, na medida em que, pela ordem natural, das coisas não se exerce uma gerência nominal. Nesta medida, vislumbra-se, nesta parte, uma verdadeira confissão de gerência de facto por parte da Oponente, dado que o facto em questão lhe diz pessoalmente respeito e figura na ata a sua assinatura.
5. Por outro lado, a circunstância de os novos gerentes fazerem constar da ata que declaram não ter sido a oponente gerente de facto, não se afigura suscetível de afastar aquele entendimento. Na verdade, não figurando estes como parte na Oposição, estes teriam que reiterar aquela versão em juízo, o que não veio a ocorrer na medida em que foi dispensada a inquirição destes como testemunhas (cfr. o relatório da sentença recorrida e a p.i.).
6. Inexistem, assim, nos autos qualquer facto que, dado como provado, implique ou faça supor uma interrupção do exercício deste cargo por parte da Oponente até à data de assinatura da ata referenciada na sentença recorrida. Por conseguinte, é inegável que a Oponente, nesse lapso de tempo que decorreu entre a constituição da sociedade devedora originária e a assinatura da referida ata, determinou os rumos financeiros da Devedora Originária diante de terceiros, conforme a mesma deixou subentendido na ata em questão.
7. Posto isto, decorre das regras da experiência que existe continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a nomeação para a gerência e a renúncia da mesma, se existir uma declaração do gerente a admitir o exercício dessa mesma gerência e se nesse lapso temporal não forem conhecidas outras circunstâncias que venham contrariar a presunção constante do Registo Comercial, uma vez que o registo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11.º do Código do Registo Comercial -CRC).
8. A existência de gerência de facto é um dos pressupostos para a reversão das dívidas fiscais, como se extrai do postula do n.º 1 do artigo 24.º da LGT: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. E, no caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.
9. Nesse sentido, do que vem acima explanado, e tendo em especial consideração a confissão resultante da ata, nada nos autos permite afastar a continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a nomeação da Oponente para a gerência da devedora originária e a sua renúncia desta mesma gerência e que coincide com o período referente às dívidas tributárias em cobrança nos autos. Ilação esta que é mesmo uma exigência das regras da experiência comum. Assim, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas se as regras da experiência para concluir a gerência de facto.
10. Na esteira do que se afirmou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”.
11. Face ao referido, deve-se assim concluir que a oponente era gerente de direito e de facto, sendo responsável pelo não cumprimento do dever fundamental de pagar os impostos por parte da devedora originária. Com efeito, e sempre com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente decidiu, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da Lei Geral Tributária.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à Conferência.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir sobre a sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito, ao considerar procedente a oposição, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Oponente e ora Recorrido.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) «A 11/10/2006 foi instaurado o PEF n.º1562200601055852, contra a sociedade S… Construções Lda., para cobrança de dívida de IVA, relativo ao período de 04/2006 a 06/2006, no valor de 16.867,36 euros (cfr. documento de fls. 1 do PEF);
b) A 15/02/2013, foi proferido despacho para audição, em reversão, dirigido à oponente, no PEF n.º1562200601055852, onde se lê (cfr. documento de fls. 34 do PEF apenso):



c) A oponente respondeu, conforme requerimento de fls. 39 do PEF apenso;
d) Com data de 20/09/2007, foi assinada acta relativa a Assembleia Geral da devedora originária, onde se lê (cfr. documento de fls. 41 do PEF):






«Imagem em texto no original»





«Imagem em texto no original»








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(…)




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e) A 21/03/2013 foi elaborada informação onde se lê (cfr. documento de fls. 46 do PEF):


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f) Na mesma data foi proferido despacho, onde se lê (cfr. documento de fls. 47 do PEF):


«Imagem em texto no original»




g) A 21/03/2013, foi proferido ofício “citação”, dirigido à oponente (cfr. documento de fls. 57 do PEF);
h) h) A missiva foi entregue a “P… (…)”, a 25/03/2013 (cfr. documento de fls. 58 do PEF);
i) i) A 28/12/2008 foi instaurado o PEF n.º156220060101083392, contra a sociedade S… Construções Lda., para cobrança de dívida de IVA, relativo ao período de 07/2006 a 09/2006, no valor de 12.710,39euros (cfr. documento de fls. 68 do PEF);
j) j) A 10/04/2007 foi instaurado o PEF n.º15622006010016628, contra a sociedade S… Construções Lda., para cobrança de dívida de IRS, relativo ao período de 2007, no valor de 716,00euros (cfr. documento de fls. 70 e 71 do PEF); »


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.»

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir pela verificação dos pressupostos de que depende reversão, tendo demonstrado, nomeadamente, o exercício da gerência de facto da sociedade por parte da revertido.

A ora Recorrente não impugna a matéria de facto, mas alega o erro de julgamento na interpretação dos factos e aplicação do direito, argumentando, em suma, que na ata da Assembleia em que a Oponente e ora Recorrida, parcialmente transcrita na matéria de facto supra, declara renunciar ao cargo «que tem vindo a exercer com efeitos a esta data renunciado», e logo que desta frase se pode extrair que ela era responsável pelos destinos da sociedade desde a constituição até à data da renúncia e por todos os atos de gestão da mesma.

Defende, pois, a ora Recorrente como mote das alegações apresentadas e nas conclusões que a sentença padece de erro de julgamento: «dado que, da prova produzida e levada aos autos, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida; pois que existem nos autos elementos que denunciam o exercício da gerência de facto por parte da Oponente; circunstancias estas que, tendo sido mal apreciadas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida» (cf. conclusão 1 das alegações de recurso) acrescentando que: «nesta senda, convém ter presente que da matéria de facto dada como provada consta, na al. d) da fundamentação de facto da douta sentença um excerto da ata assinada em 20/09/2007 em sede de assembleia geral da devedora originária, donde se extrai que a Oponente, ora Recorrida, renuncia à gerência“ que tem vindo a exercer com efeitos a esta data ” (cf. conclusão 2 das alegações de recurso).

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida não merece a censura que lhe foi feita. Após discorrer assertivamente sobre o quadro legal aplicável, diz a no segmento que aqui interessa:

«(…)
Vem a oponente invocar ainda a falta de verificação dos pressupostos para a reversão, defendendo que nunca exerceu de facto a gerência da devedora originária, e que aquela era gerida por G… e Sr. S…. Para prova do alegado juntou um documento e arrolou aqueles que identificou como gerentes como testemunhas.
A FP, defende que do texto contido na acta junta aos autos, na qual ficou documentada a renúncia da oponente à gerência, se pode concluir que a oponente geriu, de facto, a devedora originária, nada mais juntando ou alegando, resultando do probatório que nenhum facto foi invocado no despacho de reversão relativo ao exercício da gerência, mas apenas se fundando, também aquele, no teor da acta junta pela oponente.
(…)»

Prossegue a sentença recorrida:

«(…)
Em suma, a oponente afirma nestes autos que não exerceu a gerência de facto da devedora originária, e a FP nada aduz para a prova do contrário, ancorando-se apenas no teor das declarações da própria oponente, proferidas numa assembleia geral de devedora originária e consignadas em acta, dela expurgando que a aqui oponente “renúncia à gerência que tem vindo a exercer na sociedade com efeitos a esta data, uma vez que com as cessões supra referidas se aparta da sociedade”. Quer com esta frase, inserida na acta da AG, a FP fazer a sua prova, mas tal intento não pode proceder, desde logo porque as palavras expurgadas da acta não têm a força declarativa que a FP quer fazer crer pois não se reconduzem a confissão da pratica de actos em concreto, e são genéricas, nada sendo possível concluir das mesmas, pois tal como a FP não desconhece a aqui oponente era ao tempo que aqui nos ocupa, para além de gerente nominal também sócia da devedora originária, e que naquela AG se deliberou um conjunto de cedência de quotas, que a afastou da sociedade devedora.
Mas acrescente-se que o intento da FP não pode também proceder pois se valoriza parte do proferido na AG de 20/09/2007, e despreza o teor das declarações proferidas, naquele mesmo acto e que foram no sentido de a oponente nunca ter exercido de facto a gerência, não intervindo nas decisões ou condução do negócio, assumindo os gerentes identificados como tal pela aqui oponente, aquele exercício. Assim sendo, e ainda que não seja possível concluir que a oponente nunca exerceu a gerência, o certo é que não é também possível concluir o contrário, isto é, que a oponente, de facto, exerceu aquela gerência, sendo a dúvida suficiente para que proceda a oposição, em face do ónus que recai sobre a FP.
(…)»


Vejamos, então:

Tal como decidido, é jurisprudência firme dos Tribunais Superiores que a responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente (1-Ac. STA, 2ª Secção, Proc nº 022598, de 1999.06.02, disponível em www.dgsi. pt).

Como resulta dos factos provados e não é facto controvertido, as dívidas da sociedade cujo pagamento está agora a ser exigido à Opoente e ora Recorrida são respeitantes a IVA de 2006, pelo que ao caso é aplicável é o regime previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999.

Dizia o nº 1 do artigo 24º da LGT, que tem por epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos

1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Assim, nos termos do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito, mas sim o exercício da gestão de facto.

Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b) do mesmo artigo].

Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT].

Assim, para a responsabilização do gerente pelas dívidas da sociedade importa, pois, verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gerente da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros, condições que cumpre averiguar casuisticamente, i. é, em cada caso concreto.

Ora, no caso concreto ora em análise não é facto controvertido, nem vem posto em causa, que a Opoente foi nomeada gerente da sociedade devedora originária e que posteriormente o Opoente e ora Recorrido em 20 de setembro de 2007 renunciou ao cargo.

Cumpria então responder à questão sobre se a Opoente e ora Recorrida exerceu a administração de forma efetiva, com tudo o que isso implica de assunção dos destinos da sociedade, praticando os atos de disposição e administração inerentes ao cargo, sendo certo que o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, compete à Fazenda Pública e deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência (cf. Ac. do Pleno da Secção do CT do STA, de 2007.02.28, Proc. nº 01132/06, disponível em www.dgsi.pt).

Foi a esta questão que na sentença recorrida se procurou dar resposta, decisão com a qual a ora Recorrente se não conformou e de que vem interposto o presente recurso.

Como já referimos supra, a Recorrente insurge-se nas conclusões das alegações de recurso, contra a valoração feita na sentença recorrida quanto aos indícios recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao exercício da gerência de facto, defendendo nas alegações de recurso e nas conclusões que para esta remetem, que deveria ter sido valorado o constante da mencionada ata da assembleia geral da sociedade.

Entendemos, contudo, que a ora Recorrente não conseguiu demonstrar que a Opoente e ora Recorrida era gerente efetivo da empresa, não bastando para o efeito aquela declaração vaga e pouco pormenorizada, como defende. Teria de ter demonstrado a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira não reuniu elementos bastantes e suficientes para se dar como provador o exercício efetivou ou a gestão de facto da sociedade por parte da Opoente e ora Recorrida e de que esta praticou atos de representação da empresa perante terceiros.

Todavia, recaia antes do mais, sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira reunir elementos bastantes e suficientes para se dar como provado o exercício efetivou ou a gestão de facto da sociedade por parte da Opoente e ora Recorrida e de esta ter praticado, nomeadamente, atos de vinculação da empresa perante terceiros.

Apesar de vir alegado que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, não ficou demonstrado, porém, o exercício da gerência efetiva ou de facto do Opoente e ora Recorrido no ano de 2006. Defendendo, antes, que a Opoente, tinha formalmente o título de gerente e que se presume o exercício da gerência de facto.

Ora, em síntese, na sentença recorrida foi dado por provado:
- Em 2006.10.11, foi instaurado contra a sociedade S… Construções, Lda., para cobrança coerciva de IVA, de respeitante aos períodos de 04/2006 a 6/2006 [cf. alínea a) dos factos provados];
- A Opoente e ora Recorrida foi nomeada gerente da sociedade desde a constituição até 2007.09.20;
- Em 2007.09.20 a Opoente e ora Recorrida renunciou ao cargo de gerente da sociedade.
Em 2013.03.21, no âmbito do PEF foi proferido despacho de reversão contra a Opoente e ora Recorrida.

Em face do quadro factual que, insiste-se, não foi impugnado, na sentença recorrida decidiu-se que não se encontravam reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária da Opoente e ora Recorrida.

No caso em apreço dúvidas não há que a Opoente era gerente nominal ou de direito no período em que se geraram as dívidas em cobrança coerciva.

E, não ficou demonstrado o exercício da gerência efetiva ou de facto do Opoente e ora Recorrida no período de pagamento da dívida.

Como se vê do excerto da sentença supratranscrito, para a procedência da oposição foi decisiva a falta de prova da gerência de facto, cujo ónus recaía sobre a Fazenda Pública e, logo, não estarem reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária.

Concordamos, aliás, com o decidido na sentença recorrida quando desvaloriza a menção por parte da Opoente e ora Recorrida aquando da renúncia ao cargo de gerente da sociedade a um exercício efetivo do mesmo, por ser uma afirmação vaga, genérica sem qualquer pormenorização além de desacompanhado de qualquer elemento de prova da gerência efetiva ou de facto por parte da mesma Opoente.

Não tendo a Fazenda Pública valorizado ou tirado qualquer ilação do texto constante da mesma ata que consigna expressamente que a Opoente (e outra gerente também renunciante), «(…) não tiveram nunca qualquer intervenção, fosse de que natureza fosse, com referência à condução dos negócios e das atividades da sociedade (…) e, consequentemente, na sua gerência, pelo que assumem exclusivamente, eles próprios G… (…) e S… (…) todos os encargos e responsabilidades (…)».

No mesmo sentido, aliás, já se pronunciou a jurisprudência deste Tribunal nos Acórdãos de 2021.04.29, proferido no processo nº 739/13.0BESNT e de 2023.02.16, preferido no processo nº 740/13.4BESNT, sendo que subscrevemos este último na qualidade de 2ª adjunta (disponível em www.dgsi.pt).

A este propósito transcrevemos do citado acórdão proferido no processo nº 739/13.0BESNT, em que as partes são as mesmas, e com o qual concordamos:

A Fazenda Pública valoriza, assim, apenas parte do constante na referida Acta da Assembleia Geral da sociedade devedora originária, tendo ficado por provar com segurança uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência efectiva ou de facto por parte da Oponente no período a que respeitam as dívidas exequendas, sendo que, repete-se, quem estava onerada com o peso da prova era a Administração Tributária, pois que o exercício efectivo ou de facto da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova e ainda que assim não seja, tem-se por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o exercício efectivo ou de facto da gerência da sociedade devedora originária por parte da Oponente, de modo que, competindo à Administração Tributária o ónus probatório do exercício efectivo ou de facto da gerência por parte da Oponente, a tal título, como responsável subsidiária e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem que desfavorecer a Administração Tributária.”.

Assim, subsiste que a ora Recorrente não carreou para os autos qualquer prova da gerência efetiva ou de facto da Opoente praticado no ano de 2006.

Não estavam, pois, como se decidiu na sentença recorrida, reunidos os pressupostos de que depende a responsabilização subsidiária da Opoente e ora Recorrida pelas dívidas da sociedade, sendo, por isso mesmo, parte ilegítima para a execução fiscal.

Em face do exposto, é de julgar improcedente o recurso jurisdicional e, consequentemente, é de confirmar a sentença recorrida.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I - A responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito (n.º 1 do artigo 24.º da LGT)
III - O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 30 de outubro de 2025

Susana Barreto

Lurdes Toscano

Luísa Soares