Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3/16.3 BEALM |
![]() | ![]() |
Secção: | CA |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 02/07/2019 |
![]() | ![]() |
Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
![]() | ![]() |
Descritores: | ATRASO NA JUSTIÇA, MOROSIDADE INDEVIDA, PRESCRIÇÃO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial. II - A não morosidade da justiça não é uma questão puramente quantitativa, não bastando, para atestar um atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início [ou a data da prática dos factos] e fim de um processo. III - A lentidão ou morosidade de um processo judicial não é apenas ou nem sempre é imputável ao sistema judiciário, havendo vários fatores que a determinam, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva. IV - A duração razoável de um processo deve ser apreciada casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata], e com a ajuda de vários critérios ou parâmetros, quais sejam: a complexidade da causa, o comportamento do requerente e das autoridades competentes e o objetivo do litígio para o interessado. V - A “morosidade processual indevida” inclui-se no “mau funcionamento da administração da justiça”. VI – O prazo de prescrição de três anos do direito de ação de indemnização tem início com o conhecimento pelo lesado da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto danoso ou atuação danosa. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de danos. VII – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos. E não após o transito em julgado da sentença emitida no processo alegadamente moroso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO ANA ……………………………., viúva, reformada, residente na Rua ……………… n.º …, …. Dto., …………, intentou ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual contra ESTADO PORTUGUÊS. A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte: a) Se declare que o Estado Português violou o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”; b) Se condene o Réu Estado Português a pagar à Autora: i. uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais no valor de €20.000,00 ou naquilo que se vier a liquidar em execução de sentença; ii. despesas de abertura de dossier, despesa administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora e honorários a advogado neste processo, conforme alegado nos artigos 42.º e 43.º, da P.I.; iii. juros à taxa legal desde a citação; iv. quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado. Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu julgar procedente a exceção da prescrição do direito de indemnização, absolvendo o Réu do pedido. * Inconformada com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1.ª) A decisão recorrida julgou provado que a A. havia instaurado em 22 de abril de 2005 uma ação para anulação de um ato administrativo que só obteve dos órgãos jurisdicionais uma decisão final transitada em julgado em 5 de junho de 2014. (vide al.s H) e MM) dos factos dados por provados, fls.14 e 22 da sentença). 2.ª) Para se apurar, no âmbito do direito administrativo, se uma ação em que se impugna a ilegalidade de um ato administrativo foi proferida em prazo razoável tem que se atender ao momento em que a petição em que se pede a anulação do ato deu entrada em tribunal, (prazo a “quo”) e ao momento em que foi proferida a decisão final transitada em julgado, (prazo “ad quem”). (vide Acórdão do STA de 27.11.2013 - Processo n.º 0144/13). 3.ª) O prazo razoável para que seja tomada uma decisão judicial e para que o Estado não incorra em culpa funcional, tem de ter em consideração todos os elementos processuais constantes do processo, entre o momento da instauração de uma ação e o momento em que é proferida a decisão final desse mesmo processo transitada em julgado. 4.ª) Os pressupostos necessários para se exigir a reparação dos danos causados pela demora numa decisão final por parte dos órgãos jurisdicionais, numa ação administrativa de anulação de ato administrativo, só se verificam e estão preenchidos, quando a A. verificou, pela decisão final e pela análise dos autos, que a demora do processo, como operou, foi ilícita e excessiva, só nesse momento tendo o lesado conhecimento eventual do direito que lhe compete, nos termos do art.º 498.º n.º1 do C.C. 5.ª) O direito da A. como lesada, a exigir a responsabilidade extracontratual do Estado pela demora na decisão judicial, constituindo uma sua expetativa, só pode ser considerado como um seu direito subjetivo, após chegar ao seu conhecimento a decisão final proferida na ação n.º 284/05BEALM e na qual pode tomar consciência de todos os factos que globalmente não justificavam que um ação intentada a 22 de abril de 2005 apenas tivesse sido decidida com trânsito em julgado a partir de 5 de junho de 2014, mais de 9 anos após a sua instauração. 6.ª) A circunstância de a A. ter pedido a atenção, por diversas vezes, para o atraso na conclusão da ação e, designadamente, em 28 de janeiro de 2011, não pode ser considerada como correspondendo ao conhecimento do direito da A. para exercer o seu direito a ser indemnizada pela demora na conclusão do processo, quando, naquela data ainda se não verificavam todos os pressupostos para A. poder concluir que o atraso na resolução do processo era excessivo. 7.ª) Deve ser revogada a decisão recorrida, por erro de facto e de direito na interpretação do art.º 498.º n.º1 do C C., ao julgar verificada a exceção perentória de prescrição em 28 de janeiro de 2011, quando a ação em causa ainda não havia transitado em julgado, baseando-se, apenas, na circunstância da recorrente ter chamado já naquela data a atenção dos órgãos jurisdicionais para a demora em ser proferida decisão sobre o processo. * O recorrido contra-alegou, concluindo assim: 1.ª – Na presente ação, a Recorrente pretendia obter uma indemnização por prejuízos que resultaram da alegada violação do seu direito a obter uma decisão em prazo razoável, tendo o Réu Estado Português sido absolvido do pedido por ter sido julgada procedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização; 2.ª – A questão a decidir no âmbito deste recurso é a de saber a partir de que momento se conta o prazo de prescrição numa ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na realização da justiça; 3.ª – O início do referido prazo não é o do trânsito em julgado da decisão proferida na ação atrasada. No caso de alegados atrasos na realização da justiça, o prazo de prescrição começa a correr quando o lesado tem consciência que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos; 4.ª – Com a apresentação do requerimento datado de 28 de Janeiro de 2011, é manifesto que a Recorrente tinha consciência que o processo estava a ter uma duração excessiva e que tal facto lhe estava a causar os danos que invoca, sendo certo que já em 30 de Janeiro de 2009 a Recorrente afirma que o processo estava parado e a que a não subida do recurso a estava a prejudicar gravemente; 5.ª – Pelo que, tendo a Recorrente consciência que o processo estava parado e com uma delonga que a estava a prejudicar gravemente, começou, nessa altura - pelo menos a 28 de janeiro de 2011, se não mesmo a 30 de janeiro de 2009 -, a correr o prazo de prescrição previsto no artigo 498º n º 1 do Código Civil; 6.ª – Assim, a 7 de janeiro de 2016, data em que o Réu Estado Português foi citado, ou mesmo a 5 de janeiro de 2016, data da entrada da petição inicial em juízo, o direito de indemnização que a Recorrente pretende exercer na presente ação já se encontrava prescrito; 7.ª – Ao julgar procedente invocada exceção perentória de prescrição e, em consequência, absolver o Réu Estado Português do pedido, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis, não merecendo a decisão proferida qualquer censura. * Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. * DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO: Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito. Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos. * II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:
* II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO São as seguintes as questões a resolver contra a decisão jurisdicional ora impugnada: - Erro de julgamento de direito a propósito da questão da prescrição do direito de pedir a cit. indemnização. * Temos presente tudo o que já expusemos, bem como que existe uma correta, objetiva e verificável metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais [cf. os essenciais artigos 9º a 11º do CC(1); e MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., AAFDL Editora, Lisboa, 2018, capítulo I, nº 3, e capítulo III], no âmbito de um Direito positivado em consequência de opções político-legislativas e de opções político-valorativas, ambas sem natureza objetiva ou absoluta.(2) Passemos, agora, à análise do recurso de apelação. * A presente ação entrou em 04-01-2016. A citação ocorreu em 07-01-2016. A ação onde a autora afirma que ocorreu morosidade processual entrou no TAF de Almada em 22-04-2005. Foi decidida no TAC em 27-09-2007 e 28-05-2008. Foi interposto em 2008 recurso para o TCA-Sul, que subiu em fevereiro-2009. Em 30-01-2009, a autora requerera ao TAC a subida do recurso, afirmando que a não subida está a causar “graves prejuízos para si” (facto CC)). Em 28-01-2011, a autora requereu ao TCA-Sul o julgamento recurso, afirmando “a duração do processo na 1ª instância e na 2ª instância”, bem como o “longo tempo já decorrido” (facto HH)). O TCA-Sul decidiu o recurso em 05-06-2014. Foi com base nos dados de tempo referidos e nos factos CC) e HH) que o TAC se baseou para concluir pela prescrição 3 anos depois de 28-01-2011. Os danos alegados pela autora foram: “As delongas da justiça causaram danos profissionais irreversíveis à Autora, a saber: -Nunca ter retomado o exercício das suas funções de chefia, que tinha no serviço de origem (Patologia Clínica), com a consequente perda remuneratória; -Ter sido integrada numa escala de funções de não coordenação, a par dos técnicos que durante anos tinham sido coordenados e avaliados pela Autora; -A necessidade que teve de optar pela aposentação antecipada em 29.07.2011 (com a consequente perda remuneratória) provocada pela falta de motivação profissional e desânimo contínuo, -Uma constante frustração, angústia, revolta, ansiedade e insegurança relativamente ao seu futuro profissional; -Nunca ter sido reposta a situação ilegal que decorreu de uma decisão abusiva e nula tomada pela Administração do IPO, quando decidiu, sem motivo, retirar a Autora das funções de chefia que há anos exercia naquele Instituto. Os atrasos processuais causaram ainda outros danos não patrimoniais e patrimoniais à autora, pois: -Não pôde prever a data em que a ação teria desfecho, nem se o réu seria condenado ou absolvido; -Manteve-se numa situação de incerteza durante vários anos nomeadamente na planificação das decisões a tomar; -Sofreu ansiedade, depressão, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, desde o início até ao termo do processo; -Sentiu vergonha e embaraço perante os seus, até então subordinados, pois a sua integração numa escala de funções a par dos técnicos anteriormente avaliados pela Autora colocou-a ao mesmo nível de trabalhadores que avaliara e supervisionara. -A Autora sentiu-se frustrada pela ineficácia do sistema judicial na defesa dos seus interesses. -Teve perda remuneratória do período de tempo em que foram retiradas à Autora as 42 horas semanais (37% do vencimento, que corresponde a €2062,67) conforme consta no processo supra identificado; De 01.06.2005 a 31.08.2005 (763,18€x3 meses =2289,56€) -A partir do ano 2009 o vencimento seria de 2281,71€ o que corresponderia: 37%= 844,23€x3 meses= 2532,69€ -A perda remuneratória relativa ao exercício de coordenação (10% do Índice 100), de 80,89€ mensais -A partir de 2009, índice 100=894,79€ (89,47€)”.
Está em causa saber se decorreu ou não o prazo de prescrição de 3 anos previsto nos artigos 5º do RRCEEP e 498º-1 do CC, que se conta nos termos do artigo 279º CC, ex vi artigo 296º. Ora, o direito a uma justiça com duração razoável está consagrado a nível interno, desde logo, no artigo 20.º [Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva], n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. Este direito está igualmente consagrado, no plano internacional, e para o que agora mais no interessa, no artigo 6.º (Direito a um processo equitativo), n.º 1, da CHDH – “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…)”. Em ambos os preceitos a exigência de um processo com uma duração razoável vem associada àquela outra exigência de equidade, indo o texto do segundo preceito mais longe, associando ainda a exigência da alguma celeridade a um processo justo ou, em termos amplos, à qualidade da justiça, referindo, v.g., os valores da independência e da imparcialidade, e a necessária proteção das garantias individuais. A doutrina e a jurisprudência têm extraído desta associação a ilação de que a não morosidade da justiça não é uma questão puramente quantitativa, no sentido de que basta, para atestar de um atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início [ou a data da prática dos factos] e fim de um processo. O mesmo decorre do artigo 2º-1 do CPTA e do artigo 12º do RRCEEP. Efetivamente, desde logo se reconhece que a necessidade de uma justiça justa, designadamente, de uma justiça que respeite a igualdade de armas, em especial o contraditório, significa que a questão do atraso tem que ser vista como uma questão igualmente qualitativa. A par desta questão, tem-se enfatizado uma outra que é a de que a lentidão ou morosidade de um processo judicial não é apenas ou nem sempre é imputável ao sistema judiciário, havendo vários fatores que a determinam, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva. Ora, como assinalou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Buchholz v. Alemanha, de 06.05.81, apenas a morosidade imputável ao Estado pode levar à sua condenação pela inobservância da exigência do “prazo razoável”. Quanto a este último aspeto [o da multiplicidade de causas para a lentidão dos processos], o TEDH possui já, e desde há muito, orientação firmada neste domínio, orientação essa, segundo a qual, a duração razoável de um processo deve ser apreciada casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata], e com a ajuda de vários critérios ou parâmetros, quais sejam: a complexidade da causa, o comportamento do requerente e das autoridades competentes e o objetivo do litígio para o interessado [pretende o requerente ser ressarcido por danos morais, patrimoniais ou ambos] – v. Decisões Pretto v. Itália, 08.12.83, e Pélissier e Sassi v. França, de 25.03.99. No que respeita à complexidade da causa, deverão ser apreciados aspetos como o dos factos a dar como provados [matéria de facto complexa], o dos problemas jurídicos a tratar e o do procedimento em causa [v.g., a pluralidade das partes; o número de testemunhas e a dificuldade para localizar/notificar e/ou ouvir testemunhas; a multiplicidade de incidentes; as mudanças de endereços; a mudança de mandatários judiciais; o adiamento de audiência ou de diligências; o tamanho do processo; a coordenação de ações interligadas; a propositura da ação em tribunal incompetente; na comparência na audiência; o falecimento do(s) requerente(s); a utilização de numerosos recursos; o esgotamento dos prazos existentes, v.g., para apresentar alegações; a tentativa infrutuosa de conciliação das partes]. Uma outra ideia a reter da jurisprudência do TEDH é a de que a apreciação deverá ser uma apreciação global, recaindo sobre todos os motivos que determinaram o atraso na decisão judicial, sem embargo de se dedicar mais atenção a determinados aspetos [vide Obermeier v. Áustria, de 28.06.90]. Finalmente, o TEDH tem sublinhado as dificuldades que sempre surgem quando o requerente pretende ver ressarcidos danos de natureza patrimonial, sendo quase sempre a prova do nexo de causalidade um obstáculo difícil de ultrapassar [cfr. Bayrak v. Alemanha, de 20.12.01, § 38]. Voltemos à prescrição, que o Estado fixa, na melhor das hipóteses para a A., 3 anos após o requerimento de 28-01-2011, tendo o Estado sido citado em 07-01-2016. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, nos termos do disposto no art. 498º, nº 1, do Código Civil. O conceito de “prazo razoável” inclui-se no super-conceito de “bom funcionamento da administrativo da justiça”. Assim, a “morosidade processual indevida” inclui-se no “mau funcionamento da administração da justiça” [cf. RICARDO PEDRO, anot. ao artigo 12º, in AAVV, O Regime da Responsabilidade Civil…, 2ª edição, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, p. 757 e pp. 762 ss]. Independentemente da querela – estranha para o Direito científico e não pretoriano – de nesta sede serem ou não “suficientes” os requisitos do “dano [aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito]” q.b. e do nexo de causalidade [causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição adequada do dano em termos de normalidade social] q.b., na sequência da jurisprudência do TEDH, e ainda independentemente da questão da eventual automaticidade do direito de indemnização [cf. Ac. STA de 17-01-2007, P., nº 1164/06; CARLOS CADILHA, RRCEEP Anotado, nota 6 ao artigo 12º; M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 52; Ac. do TCA-Sul de 19-12-2017, P. nº 2441/15.0BELRS(3)], o que aqui importa é saber se a autora tinha conhecimento em 28-01-2011 do direito indemnizatório aqui exercido. Como se sabe, tal conhecimento é um conhecimento empírico, é conhecimento da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto ou atuação danoso. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de responsabilidade – cf. Ac. do TCA-Sul de 07-03-2013, P. nº 08971/12; Ac. do STA de 21-11-2013, P. nº 0929/12; Ac. do TRL de 02-07-2009, P. nº 387/08-6; Ac. do STJ 07-05-74, P. nº 065121; Ac. do STA de 09-06-2011, P. nº 0410/11. E, por outro lado, facto danoso continuado equivale a mero agravamento de facto danoso – cf. Ac. do STA de 26-10-2011, P. nº 083/11. Portanto, como este TCA-Sul decidiu no Ac. de 23-10-2014, P. nº 08088/11, o cit. prazo de prescrição começa a correr quando ou no momento em que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva [e que tal facto lhe está a causar danos]. Cf. ainda o Ac. do STA de 25-11-2015, P. nº 0617/15. Aqui chegados, considerando, nomeadamente, (i) os factos CC) e HH) e (ii) os danos alegados, devemos concordar que o prazo começou a correr, seguramente, em 28-01-2011, (iii) momento em que a morosidade indevida já existia [6 anos sem decisão]. Essa (i) morosidade e (ii) o consequente prejuízo são expressamente afirmados, neste item “confessados”, pela própria lesada nos termos referidos em CC) e HH), maxime na data de 28-01-2011. É, pois, este o momento em que a autora teve conhecimento do direito indemnizatório ora exercitado. Assim, tendo esta ação entrado em em 04-01-2016 e que a citação ocorreu em 07-01-2016, contado nos termos referidos, é de concluir que o prazo previsto no artigo 498º-1 do CC não foi respeitado pela ora autora. Improcedem, assim, as, aliás pouco assertivas, conclusões nº 4, 5 e 7 da alegação deste recurso. * III - DECISÃO Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 07-02-2019
Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)
Catarina Jarmela
Alda Nunes (1) Sendo que as fontes imediatas do Direito português atual são as que decorrem dos artigos 8º e 112º da CRP, isto é, as leis no sentido do artigo 1º-2 do CC [todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais ou supra-estaduais competentes, onde se incluem os regulamentos de administração pública]. E, nem as decisões dos juizes, nem a “opinio iuris” ou dogmática jurídica, nem o costume “contra-legem”, são fontes de Direito na ordem jurídica portuguesa atual. (2)Isto, porém, num contexto (i) de uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria, cada vez mais frequente, e (ii) de uma CRP doutrinária e politicamente desfigurada para uma constituição “light” ou flexível, em detrimento da segurança jurídica e de uma liberdade confiável. (3)I - Na aplicação da Convenção Europeu dos Direitos do Homem e na densificação dos respetivos conceitos, como é o caso do conceito de danos morais indemnizáveis, tem, necessariamente, de atender-se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), a qual tem entendido que uma pessoa coletiva pode receber uma indemnização por tal tipo de danos. II – De acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais de uma sociedade comercial podem incluir a respetiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a rutura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão. III - Nos termos dessa mesma jurisprudência, os danos não patrimoniais que, segundo o conhecimento comum, sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na atuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou coletiva (incerteza no planeamento da decisão, rutura na gestão da empresa, etc., conforme explicitado em II). IV – A referida presunção de dano consubstancia-se numa presunção judicial e não num facto notório, razão pela qual o concreto dano em causa carece de ser alegado. |