Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1691/20.1BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/24/2022 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA PROVA SUA INTENSIDADE |
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Sumário: | I - Há lugar à avaliação indirecta da matéria tributável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no seu nº 4 – cfr. artigo 89.º-A, n.º 1 da LGT; II - Verificados os pressupostos legais de aplicação dos métodos indirectos previstos no n.º 1 artigo 89.º-A da LGT, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados – cfr. artigo 89.º-A, n.º 3; III – A prova que se exige, no caso dos autos, é a prova da veracidade dos rendimentos declarados e da efectiva proveniência das manifestações de fortuna, acréscimos patrimoniais ou despesa realizada, não se bastando com a mera dúvida fundada. IV - Quando o sujeito passivo não faça tal prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da referida tabela – cfr. artigo 89.º-A, n.º 4, do mesmo diploma legal. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório A FAZENDA PÚBLICA inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente o recurso judicial deduzido por J..., contra o despacho do Director de Finanças de Lisboa, datado de 29 de Outubro de 2020, mediante o qual foram fixados, em seu nome, rendimentos da categoria G, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com referência ao período de tributação de 2016, no valor de € 317 415,00, veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A. A questão que constitui o thema decidendum do presente recurso consiste em, conforme fixado na sentença recorrida, “Saber se estão reunidas todas as condições para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos, com fundamento em manifestações de fortuna”. B. Vem fixado na decisão sob recurso, “(...) atenta esta sucessão de factos, constata-se, desde logo, que os Serviços de Inspecção Tributária demonstraram que os rendimentos indicados por M..., na respectiva declaração modelo n.º 3 de IRS, do período de tributação de 2016, enquanto sujeito passivo de imposto a quem incumbe a direcção do agregado familiar ao qual pertence o Recorrente, afastaram-se, significativamente, para menos e sem razão justificada do padrão de rendimento que razoavelmente permite as manifestações de fortuna evidenciadas pelo mesmo, em cumprimento do disposto no art. 74.º, n.º 3, da LGT (fr. pontos n.ºs 1 a 40 do probatório). (...) § Pelo que, não tendo o Recorrente demonstrado, sem margem para dúvidas, que os rendimentos inscritos na referida declaração correspondem efectivamente à realidade e que é outra à fonte das manifestações de fortuna, ao abrigo do disposto no art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, constata-se que não só os Serviços de Inspecção Tributaram foram bem sucedidos a afastar a presunção de veracidade e de boa-fé de que gozava a declaração modelo n.º 3 de IRS, no seguimento do que vem previsto no art. 75.º, n.º 2, al. d), da LGT, como os mesmos passaram a estar legitimados a proceder à avaliação indirecta da matéria colectável do Recorrente, de harmonia com o estatuído no art. 87.°, n.° 1, al. d), do mesmo compêndio legal (cfr. pontos n.ºs 7 a 9, 12 a 14, 17 a 19, 22 a 24, 27, 30, 36, 39 e 40 do probatório). § Não obstante, sempre se impõe aqui fazer notar que, atendendo a toda a prova produzida pelo Recorrente, quer perante aos Serviços de Inspecção Tributária, quer perante este Tribunal, considera-se que o mesmo conseguiu, pelo menos, gerar uma fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, para efeitos de tributação, em sede de IRS, ao abrigo do disposto no art. 100.º, n.º 1, da LGT (cfr. pontos n.ºs 1 a 40 do probatório). ” - negrito e sublinhado nossos. C. Entende, o Tribunal a quo, em função “das regras gerais da experiência comum, que o A, logrou “gerar uma fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, para efeitos de tributação, em sede de IRS, ao abrigo do disposto no art. 100.º, n.º 1, da LGT (cfr. pontos n.ºs 1 a 40 do probatório). D. Sucede, porém, que a prova que impende sobre o A, não se basta com a capacidade em “gerar uma fundada dúvida”. E. A prova que importa produzir nos termos e para os efeitos do art. 89°-A da LGT é outra, e bem diversa. F. Fixado que está, em 1 a 40 do probatório, conforme se conclui na sentença, “que os Serviços de Inspecção Tributária demonstraram que os rendimentos indicados por M..., na respectiva declaração modelo n.º 3 de IRS, do período de tributação de 2016, enquanto sujeito passivo de imposto a quem incumbe a direcção do agregado familiar ao qual pertence o Recorrente, afastaram-se, significativamente, para menos e sem razão justificada do padrão de rendimento que razoavelmente permite as manifestações de fortuna evidenciadas pelo mesmo, em cumprimento do disposto no art. 74.º, n.º 3, da LGT LGT (cfr. pontos n.°s 1 a 40 do probatório). ” - sublinhado nosso, G. Ao A cabe produzir a prova a que se refere o n° 3 do art. 89° - A da LGT: “(...) cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.” - negrito e sublinhado nossos. H. O mesmo é dizer que, à Administração Fiscal, cabe provar os pressupostos da avaliação indirecta - o que, conforme fixado na sentença, a AT logrou realizar, I. mas é aos sujeitos passivos que cabe fazer a prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos acréscimos patrimoniais não é a obtenção de rendimentos sujeitos a tributação. J. À Administração Tributária cabe a prova dos factos que fazem deflagrar o procedimento de avaliação indirecta. K. Em face da divergência, opera de imediato a inversão do ónus da prova, que passa a recair sobre o sujeito passivo, por determinação expressa do n° 3 do art.° 89°-A da LGT - é ao contribuinte que cabe fazer toda a prova destinada a demonstrar “que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna” L. Donde, nunca a sentença poderia ter afastado a aplicação do art. 89° A da LGT com base numa “fundada dúvida” extraída “das regras gerais da experiência comum”. M. Resultando ter o tribunal a quo violado a lei e incorrido em erro de julgamento. N. Porquanto se mostra provado que 1) o A adquiriu os identificados imóveis, 2) que o fez por via de compra e venda, 3) que na mesma compra e venda foi estabelecido um preço, 4) que a alienante declarou, perante o notário, ter recebido o valor correspondente ao preço acordado, declaração que ficou exarada em documento autêntico, e 5) que a alienante deu quitação do respectivo recebimento; 6) que o A nada fez para enjeitar a propriedade dos bens, que de resto se mantêm na sua esfera patrimonial, 7) nem corrigiu as escrituras, no sentido da tese que sustenta O. Não tendo, portanto, o A cumprido o ónus probatório do n° 3 do art. 89°-A da LGT. P. Donde se impõe a revogação da sentença em apreço, proferindo-se decisão de mérito que a substitua. Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente procedente, com todas as devidas e legais consequências.» Notificada da admissão do recurso jurisdicional, o recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «A. As presentes contra-alegações de recurso são apresentadas pelo Recorrido na sequência do recurso interposto pela Recorrente da Decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que declarou ilegal e ordenou a anulação da decisão, proferida pelo Diretor de Finanças de Lisboa, de fixação da matéria coletável de IRS do ano de 2016 com recurso a métodos indiretos de tributação, nos termos da qual foram presumidos rendimentos do Recorrido no valor de € 317 415, por não se mostrarem verificados todos os pressupostos ou condições de que depende o recurso ao instituto das manifestações de fortuna; B. Na Decisão recorrida, o Tribunal a quo concluiu pela não verificação dos referidos pressupostos ou condições de aplicação do instituto das manifestações de fortuna e, em consequência, julgou integralmente procedente o recurso apresentado pelo Recorrido e ordenou a anulação da decisão de fixação da matéria coletável do Recorrido por métodos indiretos (com fundamento em manifestações de fortuna), com todas as consequências legais; C. E fê-lo porque entendeu que não ficou demonstrado o pagamento dos preços dos imóveis adquiridos pelo Recorrido. D. Bem pelo contrário: A convicção do Tribunal a quo foi outrossim que os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos pelo Recorrido, tendo sustentado a sua posição nos seguintes termos: "(...) não se pode ignorar toda a envolvência em que o Recorrente adquiriu os referidos imóveis, mormente, que os mesmos foram comprados à sua mãe, M..., a qual agia em nome e em representação de H..., na sequência de uma procuração irrevogável que esta lhe outorgou” na medida em que: a) a referida “(...) procuração, conjugada com a procuração de cuidados de saúde, faz presumir uma relação de grande proximidade e confiança entre H..., proprietária dos imóveis, e a mãe do Recorrente, M..., não tendo sido essa relação posta em causa pelo Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Lisboa, que acabou por decidir arquivar o processo de inquérito n.° 297/17.0T9LSB, instaurado em nome da mãe do Recorrente (...)"; b) “(...) em face do conteúdo da (...) procuração irrevogável, a mãe do Recorrente (...) ficou, praticamente, com todos os poderes materiais que integram o exercício do direito de propriedade sobre os bens imóveis em questão, muito embora a mesma não fosse titular desse direito e exercesse esses poderes em nome e em representação de H..., podendo afirmar-se que a procuração foi outorgada no interesse exclusivo da mãe do Recorrente, de tal forma que esse instrumento jurídico passou a ser apenas útil para prosseguir os seus próprios interesses e não os interesses de H... (...) - cf. págs. 44 e 45 da Decisão recorrida; c) "(...) muito se estranharia se a mãe do Recorrente (...) efectivamente vendesse ao Recorrente a nua propriedade dos referidos imóveis, por tão avultados montantes, pois que, conforme decorre das regras gerais da experiência comum, os progenitores preferem doar os seus bens aos filhos, ao invés de os venderem, como fariam com qualquer outro terceiro (...)” - cf. pág. 45 da Decisão recorrida; d) "(...) a confirmar esta ideia estão, precisamente, os factos de os Serviços de Inspecção Tributária não terem identificado rendimentos na esfera jurídica do agregado familiar do Recorrente, suscetíveis de suportar o preço das aquisições em apreciação, e, sobretudo, de esses serviços não terem detectado quaisquer meios financeiros nas contas bancárias do Recorrente, que permitissem efectuar essas aquisições.”, sendo certo que“(...) habitualmente, não se guarda em casa, “debaixo do colchão, valores que ascendem a € 1.702.464,00 mas, outrossim, junto de instituições bancárias (...).” - cf. págs. 45 e 46 da Decisão recorrida. E. Na Decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou que tendo ficado demonstrado e tendo sido confirmado pela própria Recorrente que o Recorrido não dispunha de meios financeiros para proceder ao pagamento dos preços de aquisição e sendo inverosímil que o pagamento dos valores em causa fosse efetuado fora do sistema financeiro, não pode senão concluir-se que o preço de aquisição dos imóveis não foi pago; F. O Tribunal a quo acrescentou ainda, na Decisão recorrida, que “(...) tudo aponta para que tenha havido (...) uma simulação de negócio jurídico, na modalidade de simulação relativa, nos termos dos arts. 240.°, n.° 1, e 241.°, n.° 1, do CC, ou seja, uma divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real, por acordo entre ambas as partes, no intuito de enganar terceiros" e, em concreto, “(...) a mãe do Recorrente [ora Recorrido] (...) e o Recorrente [ora Recorrido] terão intencionalmente acordado, entre si, que a primeira doaria os imóveis ao Recorrente, ficando, por isso, o mesmo dispensado de pagar qualquer preço pela aquisição dos preditos imóveis, como é próprio das doações, nos termos do art. 940.°, n.° 1, do CC, não obstante ambos terem celebrado, entre si, vários contratos de compra e venda (...)” - cf. pág. 46 da Decisão recorrida - sendo que, no entendimento do Tribunal a quo, o terceiro que a mãe do Recorrido e o Recorrido pretenderam enganar “(...) terá sido, antes de mais, o Estado" na medida em que o valor do Imposto do Selo que deveria ter sido pago na sequência da outorga de escrituras de doação é superior ao valor do IMT que foi efetivamente pago - cf. págs. 46 e 47 da Decisão recorrida. G. Concluiu, assim, o Tribunal que a AT devia “(...) ter procedido à tributação do negócio jurídico real e não do negócio jurídico simulado, nos termos do artigo 39.°, n.° 1, da LGT, abstendo-se assim de recorrer à avaliação indirecta dos rendimentos, em cumprimento do disposto no art.° 85.°, n.° 1, da LGT, ainda que esta se revelasse, afinal, mais redictícia para os cofres do erário público, sendo certo que tanto o Recorrente, como o Director de Finanças de Lisboa ensaiaram esta solução nas respectivas alegações, muito embora não tivessem extraído daí as devidas ilacções" - cf. pág. 47 da Decisão recorrida. H. O Tribunal a quo salientou ainda que, ao contrário do que parece entender a AT, o facto “(...) dos contratos de compra e venda e, por inerência, das declarações da mãe do Recorrente [ora Recorrido] (...) e do Recorrente [ora Recorrido], anteriormente enunciadas, constarem de documentos autênticos" não é suscetível de afastar a conclusão a que chegou o douto Tribunal na medida em que, por um lado, “(...) os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem ter sido praticados pela autoridade ou oficial público que os realiza ou daqueles que são directamente percepcionados pela referida entidade, não garantindo assim a veracidade intrínseca das declarações feitas pelos outorgantes do documento, mas tão-somente que os mesmos fizeram essas declarações, nos termos do art. 371.°, n.°1, do CC, o que se aplica inteiramente ao caso in judicio (vide acórdão do TCAS, de 09.06.2016, processo n.° 09600/16).” e, por outro lado, “(...) o artigo 39.°, n.° 2, da LGT, que estipulava que, sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade, foi, entretanto, revogado pela Lei n.° 83-C/2013, de 31.12, pelo que não se colocam quaisquer dúvidas sobre a legitimidade da administração tributária em proceder directamente á tributação dos negócios jurídicos reais que sobressarem nos presentes autos (...)” - cf. pág. 47 da Decisão recorrida; I. De facto, da jurisprudência constante do Acórdão do TCA Sul, de 9 de junho de 2016, proferido no processo n.° 09600/16, que o douto Tribunal a quo chamou à colação, resulta, além do mais, o seguinte: "(...) se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr.art°.371, n°.1, do C.Civil; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 3a. Edição, 1982, pág.325 e seg.; Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Almedina, 2015, pág.80 e seg.).”, sendo certo que, sobre a referida posição do douto Tribunal a quo e sobre a jurisprudência do TCA Sul que o Tribunal a quo chamou à colação não teceu a Recorrente um único comentário nas suas alegações de Recurso; J. Em face de todo o exposto, decidiu o douto Tribunal a quo que “(...) não estão reunidas todas as condições para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos, com fundamento em manifestações de fortuna” e, em consequência, ordenou a anulação do despacho do Director de Finanças de Lisboa, de 29 de outubro de 2020, mediante o qual foram fixados ao Recorrido rendimentos da categoria G de IRS, com referência ao período de tributação de 2016, no valor de € 317.415 - cf. pág. 48 da Decisão recorrida. K. É firme entendimento do Recorrido que o Tribunal a quo decidiu - e bem! - pela ilegalidade da decisão de fixação da matéria coletável do Recorrido por métodos indiretos por ser manifesto (e reconhecido pela própria AT no contexto do processo de recurso) que o Recorrido não pagou o preço de aquisição dos imóveis, precisamente por não ter rendimentos ou fortuna para proceder a tal pagamento. L. Pois se, como a própria AT reconheceu, quer no contexto do procedimento inspetivo quer no contexto do processo judicial quer ainda no recurso interposto da Decisão recorrida, que não foram detetados quaisquer meios financeiros do Recorrido que permitissem o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis (sendo totalmente inverosímil que os pagamentos de tão elevados montantes fossem feitos fora do sistema bancário) e que aquilo que a mãe do Recorrido pretendeu foi doar os imóveis ao Recorrido, não se compreende como pode pretender mobilizar o instituto das manifestações de fortuna com vista a presumir e, com isso, tributar, rendimentos do Recorrido que manifestamente não existem. M. Bem andou, pois, o Tribunal a quo quando decidiu que não se mostravam, no caso em análise, preenchidas todas as condições de que depende a fixação da matéria coletável do Recorrido com recurso a métodos indiretos de tributação e com fundamento em manifestações de fortuna. N. É com esta Decisão - que, conforme mencionado, não merece qualquer censura, pois decide com base na factualidade amplamente provada, demonstrada e dada por assente (que a Recorrente não pode em recurso para este douto STA aquilatar) e em total consonância com as melhores regras de direito aplicáveis in casu e com o entendimento da mais avisada jurisprudência e doutrina -, que a Recorrente não se conforma, interpondo o presente recurso ao qual vem o Recorrido pelas presentes contra-alegações dar resposta; O. É alegadamente com recurso a dois fundamentos que a Recorrente constrói as suas alegações de Recurso. P. Por um lado, invoca a Recorrente, sem contudo demonstrar, que a Decisão recorrida assenta em errónea interpretação e aplicação do direito e, por outro lado, que tal decisão assenta em erro de julgamento. Q. Com efeito, nas alegações do recurso apresentado, a Recorrente alega, em resumo útil e por referência às conclusões do Recurso apresentado, que delimitam o seu objeto, que o Tribunal a quo violou a lei e incorreu em erro de julgamento. (cf. conclusão M do Recurso) na medida em que, no seu entendimento: “(...) nunca a sentença poderia ter afastado a aplicação do art. 89.° A da LGT com base numa “fundada dúvida” extraída “das regras gerais da experiência comum' - cf. conclusão L do Recurso, e bem assim, que o Recorrido não cumpriu o ónus que sobre si impendia ao abrigo do n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT, pugnando, em consequência de tal entendimento, pela reversão da Decisão proferida pelo Tribunal a quo. R. Conforme procurou demonstrar o Recorrido nas presentes contra-alegações de recurso, no Recurso apresentado, a Recorrente não só não cumpriu o seu ónus de alegação, quer de facto quer de direito, o que deverá conduzir, nos termos conjugados dos artigos 640° e 639° do CPC, ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, à rejeição e à improcedência do recurso apresentado, como ignorou (convenientemente) o pressuposto de que parte a Decisão recorrida: os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos pelo Recorrido, o que é manifestamente suficiente para se concluir (como fez a Decisão recorrida), pela ilegalidade do recurso ao regime das manifestações de fortuna constante do artigo 89.°-A da LGT; S. Com efeito, estando cabalmente demonstrado e existindo indícios mais do que suficientes de que os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos pelo Recorrido, não poderia o Tribunal a quo extrair uma conclusão diferente daquela que extraiu, de forma fundada e justificada, na Decisão recorrida; T. Assim, conforme igualmente demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso, a Decisão recorrida não merece qualquer censura, motivo pelo qual o Recurso em apreço sempre deverá ser julgado manifestamente improcedente, devendo, em consequência, tal decisão manter-se na ordem jurídica; U. De facto, a argumentação expendida pela Recorrente em sede de Recurso desta decisão - de forma errática e incongruente - é inepta para produzir as consequências que dela pretende retirar - a revogação da decisão recorrida - desde logo porque é incompreensível quanto aos vícios que imputa a tal decisão (que não formula adequadamente), sendo certo que o que contesta em maior medida é (de forma encapotada) a matéria de facto e a apreciação da prova - o que faz em incumprimento dos ónus de alegação e demonstração que sobre a Recorrente impendiam e levará por isso à necessária rejeição do recurso, que desde já se requer - não deixando porém de fazer igualmente referência a alegado erro de julgamento e de aplicação e interpretação do direito (que mais uma vez não formula sob a forma de qualquer vício e não cumpre o ónus de alegação) o que acarreta, igualmente, a improcedência do Recurso apresentado; V. Acresce que, ainda que assim não fosse, e que os alegados vícios que imputa à decisão recorrida viessem adequadamente invocados e que tivesse sido cumprido o ónus de alegação quanto à matéria de facto e de direito - o que não é o caso - ainda nesta circunstância o mesmo estaria votado à improcedência, por desrazão da Recorrente nas afirmações que faz e por total acerto da Decisão recorrida que não merece qualquer censura e que deverá, por esse motivo, manter- se na ordem jurídica; W. Em primeiro lugar, a fundada dúvida a que o Tribunal a quo se refere não é, ao contrário do que parece entender a Recorrente, a dúvida quanto à demonstração da origem dos rendimentos alegadamente utilizados para pagamento do preço de aquisição dos imóveis na medida em que convicção do douto Tribunal no sentido de que os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos pelo Recorrido impede, por natureza, tal demonstração (não se pode demonstrar a origem de algo que não ocorreu ou que não existe); X. A fundada dúvida que o douto Tribunal a quo entende que se verifica no caso em análise prende-se com a própria determinação dos negócios jurídicos subjacentes à aquisição dos imóveis pelo Recorrido que aquele tribunal entende que terão sido doações e não compras e vendas de imóveis e, bem assim, com o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis pelo Recorrido que aquele tribunal entendeu que não ocorreu; Y. E, tendo ficado demonstrado que os preços de aquisição dos imóveis em análise não foram pagos e que o Recorrido não tinha fortuna ou rendimentos para proceder a tais pagamentos, então entendeu (e bem!) aquele Tribunal a quo que a AT podia tributar o negócio real (no caso, as doações de bens imóveis) mas não estava, nos termos legais, autorizada a recorrer ao mecanismo das manifestações de fortuna e a presumir rendimentos que manifestamente não existem, ainda que o recurso ao método subsidiário dos métodos indiretos de tributação implicasse a arrecadação de maior receita tributária para o erário público; Z. De facto, a decisão de fixação da matéria coletável do Recorrido com recurso a métodos indiretos de tributação e com fundamento em manifestações de fortuna assentou no pressuposto errado de que o Recorrente pagou, em 2015 e 2016, o preço de aquisição dos imóveis, mesmo perante os indícios irrefutáveis (através, designadamente, da informação bancária obtida pela AT na sequência da autorização concedida pelo Recorrido de derrogação do sigilo bancário), de que tal factualidade (i.e., o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis pelo Recorrido) não tem qualquer aderência ou correspondência à realidade; AA. Por outras palavras, o Recorrido logrou demonstrar (com as dificuldades inerentes à prova de facto negativo que é, por definição, uma prova diabólica) que não pagou os preços em causa, desde logo porque não teve, nos anos em causa e em anos anteriores, rendimentos que lhe permitissem fazer face a tais pagamentos, o que é claramente evidenciado desde logo pela informação bancária recolhida pela AT que demonstra que não existiram quaisquer fluxos financeiros compatíveis com tais pagamentos, ou, por outras palavras, alegou e demonstrou o Recorrido que os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos; BB. E o Recorrido não se limitou a alegar o não pagamento dos preços de aquisição dos imóveis, tendo inclusivamente autorizado a derrogação do sigilo bancário para que a AT pudesse confirmar a veracidade das suas alegações, sendo certo que a própria AT reconheceu, no Relatório Final de Inspeção, que “Da análise aos elementos remetidos pelas entidades bancárias verifica-se que efetivamente não existem meios financeiros que permitam, ao sujeito passivo, efetuar as aquisições dos referidos imóveis (...)” - cf. pág. 10/83 do Relatório Final de Inspeção junto como Doc. 1 ao recurso apresentado pelo ora Recorrido - embora não tenha retirado daí as devidas ilações (talvez porque, como assinalou o Tribunal a quo, tais ilações sejam favoráveis ao objetivo da Recorrente de arrecadação de receita tributária a qualquer custo); CC. Acresce que não existe (nem poderia existir, por não ser verdade) qualquer evidência de pagamento dos preços de aquisição dos imóveis fora do contexto do sistema bancário, nem a AT alegou e muito menos juntou qualquer elemento de prova que sequer indicie que tal possa ter ocorrido (até porque, como o Tribunal a quo afirma na Decisão recorrida, seria, no mínimo, inverosímil o pagamento de um valor tão avultado fora do sistema bancário); DD. Assim, se não existem quaisquer fluxos financeiros compatíveis com o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis nem é alegado que tais pagamentos foram realizados fora do sistema bancário, só poderá concluir-se que, tal como repetidamente afirmou e demonstrou o Recorrido e foi confirmado pelo douto Tribunal a quo na Decisão recorrida que não merece qualquer censura, os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos e, por conseguinte, não existem quaisquer rendimentos tributáveis em IRS que tenham sido omitidos e cuja omissão pudesse eventualmente justificar a fixação da matéria coletável em IRS através de métodos indiretos com fundamento em manifestações de fortuna. EE. Como é evidente, se a AT conclui e tem evidências de que que o Recorrido não dispunha de meios financeiros suficientes para aquisição dos imóveis (i.e., para pagamento dos preços), não pode depois questionar o Recorrido sobre a origem dos meios financeiros que, segundo a mesma apurou, não existem; FF. Acresce que a conclusão de que o Recorrido não dispunha de meios financeiros para proceder ao pagamento dos preços não só confirma a posição que foi sempre adotada pelo Recorrido e que foi confirmada pelo Tribunal a quo na Decisão recorrida de que os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos como implica que se conclua que não existem quaisquer rendimentos omitidos pelo Recorrido e que, por conseguinte e mais uma vez, não estão verificadas todas as condições de que depende o recurso ao instituto das manifestações de fortuna como, de resto, decidiu o douto Tribunal a quo na Decisão recorrida que não merece, por isso, qualquer censura. GG. Bem andou, pois, o douto Tribunal a quo quando decidiu que: “(...) não estão reunidas todas as condições para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos, com fundamento em manifestações de fortuna" - cf. pág. 48 da Decisão recorrida. HH. De facto, na medida em que não existe qualquer evidência ou sequer indício de tais rendimentos (o que leva a concluir que não foi omitido o que quer que seja pelo Recorrido), não se vê como possa presumir-se que estes existiram e menos ainda pretender tributá-los. II. E se é assim - como é - resulta patente que, tal como decidido pelo douto Tribunal a quo, não se mostram verificados os pressupostos legais de que depende o recurso ao instituto das manifestações de fortuna constante do artigo 89.°-A da LGT e, por conseguinte, é ilegal a decisão proferida pelo Diretor de Finanças que fixou a matéria coletável do Recorrido com recurso a métodos indiretos e com fundamento em manifestações de fortuna. JJ. Assim, conforme demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso, o Recurso que vem interposto da Decisão recorrida deverá ser: a) Rejeitado na medida em que a Recorrente não cumpriu o seu ónus de alegação quanto à matéria de facto; e, sem conceder, b) Deverá ser julgado totalmente improcedente na medida em que, por um lado, a Recorrente não cumpriu, igualmente, o seu ónus de alegação quanto à matéria de direito, e, por outro lado, a Decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento ou na aplicação e interpretação do direito e, por conseguinte, não merece qualquer censura, não devendo este douto Tribunal aceder na pretensão da Recorrente de anular a Decisão recorrida. KK. Termos em que deve o presente Recurso ser rejeitado ou, ainda que assim não se entenda - o que apenas se admite por dever de patrocínio sem, contudo, conceder - deverá ser julgado manifestamente improcedente e a Decisão recorrida ser integralmente mantida, pois não merece qualquer censura; LL. Ainda que o presente Tribunal ad quem considere cumprido o ónus de alegação quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito e julgue procedente o recurso apresentado pela Recorrente - o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio -, o Recorrido sempre terá de ser notificado da intenção deste douto Tribunal de julgar procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública para, nos termos e para os efeitos do artigo 665.°, n.°s 2 e 3, do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, produzir alegações complementares a respeito dos demais vícios do ato contestado alegados em primeira instância pelo Recorrido e cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio naquela sede (cf. pontos 3.2.3 a 3.2.6 correspondentes aos artigos 188.° a 339.° recurso apresentado contra a decisão de fixação da matéria coletável do Recorrido com recurso a métodos indiretos de tributação e com fundamento em manifestações de fortuna). Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser considerado integralmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, o Recurso interposto pela FP. Mais se requer que, à semelhança do requerido pela Recorrente, sejam as partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça devida a final, nos termos do artigo 6.°, n.° 7, do Regulamento das Custas Processuais.» O recurso foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo. Por decisão datada de 30 de Setembro de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo julgou procedente a excepção de incompetência em razão da hierarquia, sendo competente este Tribunal Central Administrativo Sul. Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3, do CPC. Apenas o Recorrido apresentou alegações complementares que rematou com as seguintes conclusões: «A. Vêm as presentes alegações apresentadas na sequência do despacho proferido pelo douto Tribunal ad quem, que, antecipando aplicar o disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, convidou a Recorrente e o Recorrido a apresentarem, querendo, as suas alegações complementares sobre os fundamentos que não foram objeto de apreciação pelo douto Tribunal a quo na Sentença Recorrida; B. Conforme ficou demonstrado em todas as intervenções do ora Recorrido nos autos de primeira instância e nos presentes autos de recurso, a Decisão Contestada assenta em diversos erros (sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito) que inquinam de ilegalidade e determinam a anulabilidade da mesma, a saber: a. Erro sobre os pressupostos de facto, nomeadamente por tal decisão assentar no pressuposto errado (e presumido) de que o Recorrido pagou, em 2015 e 2016, os preços de aquisição dos imóveis, mesmo perante os indícios irrefutáveis (constantes da informação obtida pela AT na sequência da autorização concedida pelo Recorrido de derrogação do sigilo bancário e do despacho de arquivamento emitido pelo Ministério Público e junto ao recurso apresentado pelo ora Recorrido como Doc. 6), de que tal não corresponde à realidade na medida em que o Recorrido não pagou os preços de aquisição dos imóveis; b. Erro na aplicação do direito resultante da violação dos artigos 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT na medida em que, inexistindo quaisquer fluxos financeiros compatíveis com o pagamento dos preços de aquisição e não tendo sido alegado (e muito menos demonstrado), pela AT, que o alegado (mas não demonstrado) pagamento dos preços de aquisição foi feito fora do sistema bancário, só poderia concluir-se que, tal como repetidamente afirmou e demonstrou o Recorrido, os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos e que, por conseguinte, não existiam quaisquer rendimentos tributáveis em IRS omitidos e cuja omissão pudesse eventualmente justificar a fixação da matéria coletável em IRS através de métodos indiretos com fundamento em manifestações de fortuna; c. Erro na aplicação do direito em virtude de a Decisão Contestada resultar de uma interpretação dos artigos 87.º, alínea d) e 89º-A da LGT desconforme ao princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, nos termos conjugados dos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 da CRP; d. Erros na aplicação do direito resultantes da violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público, da descoberta da verdade material, da justiça e da boa-fé , que estão consagrados nos artigos 266.º da CRP, 6.º do RCPITA, 13.º, n.º 1 do CPPT, 55.º, 59.º, 63.º, n.º 1 e 99.º, n.º 1 da LGT e 58.º e 115.º e seguintes do CPA; e. Erro na aplicação do direito resultante da verificação de vício de falta de fundamentação substancial e do incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar com recurso ao instituto das manifestações de fortuna; e, f. Erro na aplicação do direito resultante do excesso de quantificação da matéria coletável, por terem sido consideradas aquisições de imóveis que ocorreram no exercício de 2015 e por ter sido adotada uma interpretação do artigo 89-º-A, n.º 2, alínea a), da LGT desconforme aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados no artigo 2.º da CRP; C. O Tribunal a quo teve oportunidade de se pronunciar sobre os vícios de ilegalidade da Decisão Contestada enunciados supra em a) e b), tendo concluído - e bem, no entendimento do Recorrido - pela ilegalidade da Decisão Contestada e tendo, consequentemente, ordenado a sua anulação; D. Em face da solução dada ao litígio por aquele Tribunal a quo, o conhecimento dos restantes vícios de ilegalidade da Decisão Contestada ficou prejudicado; E. Assim, as presentes alegações complementares, apresentadas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, estão circunscritas às questões que ficaram prejudicadas, nomeadamente as indicadas nos pontos c) a f) supra; F. Ainda que seja firme entendimento do Recorrido que a ilegalidade da Decisão Contestada resultaria desde logo dos fundamentos invocados nas alíneas a) e b), procedeu, ainda assim e por mero dever de patrocínio, à análise dos restantes vícios de ilegalidade, cujo conhecimento o douto Tribunal a quo considerou prejudicado; G. Ora, em primeiro lugar, a Decisão Contestada é ilegal por resultar de uma interpretação dos artigos 87.º, alínea d) e 89º-A da LGT desconforme ao princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária; H. Na Decisão Contestada, a AT fixou, através de métodos indiretos e com fundamento em manifestações de fortuna, a matéria coletável do Recorrido, no ano de imposto de 2016, com base nos preços de aquisição dos imóveis mesmo após ter verificado as contas bancárias do Recorrido e ter concluído que não só não existiram quaisquer fluxos financeiros que suportassem o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis pelo Recorrido como o Recorrido não tinha meios financeiros para o fazer; I. Ao fixar a matéria tributável do Recorrido naquelas circunstâncias em € 317.415, a AT desconsiderou totalmente o princípio da capacidade contributiva, pretendendo tributar o Recorrido por rendimentos que verificou diretamente – após derrogação do sigilo bancário – não terem existido; J. Em segundo lugar, a Decisão Contestada é também ilegal por violar os princípios da proporcionalidade, do inquisitório, da prossecução do interesse público, da descoberta da verdade material, da justiça e da boa-fé, consagrados no artigo 266.º da CRP e que impõem deveres de atuação à AT; K. O Recorrido disponibilizou o único meio que estava ao seu alcance para demonstrar a ausência do pagamento dos preços de aquisição dos imóveis: a derrogação do sigilo bancário que a AT efetivamente utilizou, não tendo contudo retirado daí as devidas consequências legais perante as evidências de ausência de quaisquer pagamentos realizados pelo Recorrido (evidência esta que, se dúvidas restassem, foi confirmada no despacho de arquivamento do Ministério Público junto ao recurso como Doc. 6); L. Se a informação bancária do Recorrido oferecesse dúvidas à AT - no que não se concede na medida em que a AT não suscita quaisquer dúvidas relativamente à informação veiculada pelas instituições de crédito -, sempre impenderia sobre a AT o dever de promover todas as diligências adicionais e complementares que considerasse necessárias ao apuramento da verdade material, por forma a dissipar tais dúvidas, em respeito pelo princípio do inquisitório ao qual a AT está vinculada; M. Ora, perante a irrepreensível colaboração do Recorrido, adotou ainda a AT uma postura de desconsideração dos elementos carreados para o procedimento tributário por aquele, privilegiando a arrecadação de receita tributária sobre o princípio da prossecução do interesse público e, desse modo, violando o princípio da boa fé a que a AT está vinculada na sua relação com os contribuintes. N. Em terceiro lugar, a ilegalidade da Decisão Contestada advém ainda da verificação de vício de falta de fundamentação substancial e do incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar. O. Com efeito, em momento algum fundamentou a AT como entende que os imóveis adquiridos pelo Recorrido foram pagos por este (fundamento essencial do seu direito a tributar), sendo tal ilegalidade tão flagrante quanto é o próprio legislador que reconhece que a tributação por métodos indiretos com fundamento em manifestações de fortuna se reveste de especiais exigências de fundamentação e de prova, uma vez que aquele procedimento se afasta do princípio constitucional da capacidade contributiva; P. Ora, perante tais exigências e sendo inclusivamente a fundamentação reconhecida como um elemento essencial dos atos em matéria tributária, que funciona como condição sine qua non do exercício completo do direito de defesa dos contribuintes, a falta de fundamentação da Decisão Contestada importa um vício material e, consequentemente, a sua ilegalidade e anulabilidade; Q. O mesmo sucede com o ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar que, não sendo cumprido (como sucede no caso em análise), acarreta necessariamente consequências desfavoráveis na esfera da AT: no caso, a ilegalidade e anulabilidade da Decisão Contestadas; R. Finalmente, em quarto lugar e a título subsidiário, sempre se dirá que a Decisão Contestada é ilegal por excesso de quantificação, na medida em que considera, para efeitos da fixação da matéria coletável de IRS relativa ao ano de imposto de 2016, os preços de aquisição dos imóveis adquiridos não só naquele ano mas também no ano de 2015, circunstância que nunca poderia acontecer, uma vez que tal viola o princípio da especialização dos exercícios e, bem assim, porque o direito da AT liquidar impostos relativos ao ano de 2015 já tinha caducado no dia 31.12.2019, nos termos do artigo 45.º da LGT. Ora, o prazo de caducidade do direito à liquidação nunca poderia ser violado sob pena de violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da proteção da confiança constitucionalmente consagrados no artigo 2.º da CRP. S. Face ao exposto, dúvidas não restam que a Decisão Contestada é ilegal, devendo a mesma ser anulada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 163.º do CPA aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT. T. Anulação que desde já se requer que seja ordenada por este douto Tribunal ad quem, com todas as consequências legais. 4. PEDIDO Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o Recurso interposto pela FP ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamento. Mais se requer, à semelhança do requerido pela Recorrente, sejam as partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça devida a final, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.» Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos (cf. artigo 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT), vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.
II – Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir: i) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto por errada valoração da prova, por erro nas ilações que extraiu dos factos provados com base nas regras da experiência comum que conduziram à conclusão sobre a existência de fundada dúvida sobre o facto tributário; ii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que não estão reunidos os pressupostos para a aplicação do artigo 89.°-A da LGT, com base na “fundada dúvida” extraída “das regras gerais da experiência comum”; iii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do n.º 3 do artigo 89.º - A da LGT; iv) em caso de procedência de alguma das questões indicadas, importa decidir se a decisão administrativa recorrida é ilegal por: iv.1) violação da interpretação dos artigos 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT conforme à Constituição da República Portuguesa, em concreto ao princípio da capacidade contributiva enquanto princípio da igualdade tributária; iv.2) violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade, da prossecução do interesse publico, da descoberta da verdade material, da justiça e da boa fé; iv.3) vício de falta de fundamentação substancial e por incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar; iv.4)a título subsidiário, por excesso de quantificação da matéria tributável e da exigência da interpretação do artigo 89.º-A n.º 2 alínea a) da LGT conforme à Constituição da República Portuguesa. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. O Recorrente nasceu, em 14 de Maio de 1992 (cfr. cartão de cidadão, de fls. 800 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 2. Recorrente é filho de M... (cfr. cartão de cidadão, de fls. 800 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 3. No dia 14 de Setembro de 2015, H... outorgou uma «PROCURAÇÃO», sob a forma de escritura pública, a favor de M... (cfr. procuração, de fls. 786 a 790 dos autos - numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 4. Na procuração identificada no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(...) E PELA OUTORGANTE, FOI DITO: Que, pelo presente instrumento constitui sua bastante procuradora M..., casada, natural da freguesia de Santo Condestável, concelho de Lisboa, residente na …. Lisboa, portadora do cartão de cidadão …. válido até 16/03/2020, emitido pela República Portuguesa, a quem confere poderes necessários para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os seus bens mobiliários e imobiliários, e designadamente, mas sem limitar: Dar ou tomar de arrendamento quaisquer prédios de qualquer natureza, no todo ou em parte, pelos prazos, rendas e condições que entender convenientes, pagar ou receber rendas, passar e assinar recibos, despedir inquilinos, renovar, prorrogar ou rescindir os respectivos contratos. Para receber quaisquer importâncias em dinheiro, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou vincendos, que pertençam ou venham a pertencer à outorgante por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitações; Depositar e levantar capitais ou quaisquer títulos em quaisquer instituições bancárias ou outros cuja sede se mantenha em território português ou em qualquer outro país, abrindo e movimentando, a crédito e a débito as respectivas contas, assinando recibos ou cheques, solicitar saldos e extractos de contas, ordenar transferências bancárias, requisitar cadernetas de cheques, requerer a cancelar garantias bancárias e assinando quaisquer documentos. Usar ou desistir do direito de preferência que assista à outorgante em qualquer acto ou contrato; Representá-la em todas e quaisquer Assembleias de Condomínio, podendo aí deliberar tudo quanto se torne necessário, assinando e praticando tudo quanto tiver por conveniente; Contratar com quaisquer empresas privadas ou públicas; Representá-la junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, nomeadamente nas repartições de finanças, podendo aqui, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, recebendo títulos de anulação e suas correspondentes importâncias, requerer avaliações fiscais e inscrições matriciais, fazer manifestos, alterá-los ou cancelá-los; apresentar relações de bens, podendo ainda prestar quaisquer declarações complementares; Receber citações; Representá-la perante quaisquer companhia de seguros, podendo apresentar declarações, receber quaisquer quantias, prestando todas e quaisquer declarações que se mostrem necessárias ou convenientes; Com a faculdade de substabelecer, representá-la em juizo, usando para o efeito, de todos os poderes forenses em direito permitidos, incluindo os especiais para confessar, desistir ou transigir. Em geral, assinar, requerer e praticar tudo quanto se torne necessário aos poderes aqui transcritos. Mais lhe confere os necessários poderes para prometer vender ou doar, vender pelo preço e condições que entender, a quem quiser, qualquer imóvel de sua propriedade, podendo para efeito celebrar contratos promessa de compra e venda, outorgar as respectivas escrituras de venda, receber os preços e dar quitações, requerer registos prediais provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos e o mais que for preciso junto de quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente repartições de finanças, Câmaras Municipais e conservatórias do registo predial. A presente procuração é irrevogável, por ser também conferida no interesse da mandatária, a qual poderá usá-la para a prática de negócios consigo mesmo e não caduca em caso de morte, interdição ou inabilitação da mandante, tudo conforme o n° 3 do artigo 265°, n° 2 do artigo 1.170° e artigo 1.175°, todos do Código Civil. Assim o disse e outorgou por minuta. (...)” (cfr. procuração, de fls. 786 a 790 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 5. Na mesma data, H... outorgou uma «PROCURAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE», sob a forma de escritura pública, a favor de M... (cfr. procuração de cuidados de saúde, de fls. 336 a 339 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 6. Na procuração identificada no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(…) «Imagem no original» (...)’ (cfr. procuração, de fls. 336 a 339 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 7. No dia 15 de Dezembro de 2015, M..., enquanto procuradora de H..., na qualidade de primeira outorgante, e o Recorrente, na qualidade de segundo outorgante, celebraram, entre si, um contrato de «COMPRA E VENDA», sob a forma de escritura pública, mediante o qual a primeira, em representação da vendedora, vendeu ao segundo a nua propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras “F” e “G”, correspondentes ao primeiro andar B e ao primeiro andar C, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no …, lugar da Parede, na …., na União de freguesias de Carcavelos e Parede, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.° …, cada uma com o valor patrimonial de € 41.340,00, assim como a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, na união de freguesias de Cascais e Estoril, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.° …., correspondente ao anterior artigo n.° … da freguesia de Cascais, com o valor patrimonial de € 41.830,00, pelo preço global de € 112.059,00 (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 159 a 165 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 8. No contrato identificado no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(...) (…)” (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 159 a 165 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 9. O contrato descrito nos pontos antecedentes encontra-se subscrito por M... e pelo Recorrente (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 159 a 165 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 10. Sobre o contrato descrito nos pontos antecedentes, o Recorrente pagou Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 1.120,59 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 159 a 166 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 11. E pagou IS, no valor de € 896,48 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 159 a 165 e 167 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 12. No dia 30 de Dezembro de 2015, M..., enquanto procuradora de H..., na qualidade de primeira outorgante, e o Recorrente, na qualidade de segundo outorgante, celebraram, entre si, um contrato de «COMPRA E VENDA», sob a forma de escritura pública, mediante o qual a primeira, em representação da vendedora, vendeu ao segundo a nua propriedade do prédio urbano sito na …, na união das freguesias Cascais e Estoril, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.° … correspondente ao anterior artigo …, da freguesia de Cascais, com o valor patrimonial total de € 455.640,00, pelo preço de € 410.076,00 (cfr. escritura de compra e venda, de fls. 149 a 153 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 13. No contrato identificado no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(...) Que, em nome e representação da vendedora, pela presente escritura vende a nua propriedade do referido prédio acima identificado, ao segundo outorgante, reservando para a sua representada, ela própria titular, o respetivo usufruto, livre de ónus e encargos, pelo preço de quatrocentos e dez mil e setenta e seis euros, que declara já ter recebido, valor do qual já recebeu e dá a devida quitação. PELO SEGUNDO OUTORGANTE, FOI DITO: Que aceita a presente venda nos termos exarados. (...)” (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 149 a 153 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 14. O contrato descrito nos pontos antecedentes encontra-se subscrito por M... e pelo Recorrente (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 149 a 153 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 15. Sobre o contrato descrito nos pontos antecedentes, o Recorrente pagou IMT, no valor de € 21.770,83 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e documento de cobrança, de fls. 149 a 153, 155 e 156 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 16. E pagou IS, no valor de € 3.280,61 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 149 a 154 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 17. No dia 19 de Fevereiro de 2016, M..., enquanto procuradora de H..., na qualidade de primeira outorgante, e o Recorrente, na qualidade de segundo outorgante, celebraram, entre si, um contrato de «COMPRA E VENDA», sob a forma de escritura pública, mediante o qual a primeira, em representação da vendedora, vendeu ao segundo a nua propriedade do prédio urbano sito na Rua …., na freguesia da Estrela, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.° …, correspondente ao anterior artigo n.° …, da freguesia da Lapa, com o valor patrimonial total de € 945.010,00 e o valor patrimonial correspondente ao direito transmitido de € 850.509,00, pelo preço de € 850.509,00 (cfr. escritura de compra e venda, de fls. 125 a 130 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 18. No contrato identificado no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(...) (...)” (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 125 a 130 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 19. O contrato descrito nos pontos antecedentes encontra-se subscrito por M... e pelo Recorrente (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 125 a 130 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 20. Sobre o contrato descrito nos pontos antecedentes, o Recorrente pagou IMT, no valor de € 51.030,54 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 125 a 131 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 21. E pagou IS, no valor de € 6.804,07 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 125 a 130 e 132 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 22. No dia 04 de Julho de 2016, M..., enquanto procuradora de H..., na qualidade de primeira outorgante, e o Recorrente, na qualidade de segundo outorgante, celebraram, entre si, um contrato de «COMPRA E VENDA», sob a forma de escritura pública, mediante o qual a primeira, em representação da vendedora, vendeu ao segundo a nua propriedade do prédio urbano sito na Rua de …., na freguesia da Estrela, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.° …. com o valor patrimonial total de € 326.490,00, e uma parcela de terreno sita na Rua d…., na freguesia da Estrela, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.° …., sem valor patrimonial atribuído, pelo preço global de € 329.820,00 (cfr. escritura de compra e venda, de fls. 138 a 142 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 23. No contrato identificado no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(...) (...)” (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 138 a 142 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 24. O contrato descrito nos pontos antecedentes encontra-se subscrito por M... e pelo Recorrente (cfr. contrato de compra e venda, de fls. 138 a 142 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 25. Sobre o contrato descrito nos pontos antecedentes, o Recorrente pagou IMT, no valor de € 15.300,40 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 138 a 143 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 26. E pagou IS, no valor de € 2.638,56 (cfr. anotação do documento de cobrança constante da escritura de compra e venda e print do sistema informático da administração tributária, de fls. 138 a 142 e 144 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 27. No dia 10 de Abril de 2017, M... entregou uma declaração modelo n.° 3 de IRS, relativa ao período de tributação de 2016, onde indicou, designadamente, que “(...) «Imagem no original» 28. Em data que se desconhece, mas certamente, no ano de 2017, o Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Lisboa instaurou o processo de inquérito n.° 297/17.0T9LSB, em nome de M..., por suspeita da prática dos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação e ofensas à integridade física simples contra H... (cfr. ofício e despacho de arquivamento, de fls. 362 a 379 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 29. Por despacho, datado de 09 de Março de 2018, o processo de inquérito identificado no ponto antecedente foi arquivado (cfr. despacho de arquivamento, de fls. 363 a 379 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 30. A coberto da ordem de serviço n.° OI201905867, dos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, o Recorrente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária, relativamente ao IRS, do ano de 2016 (cfr. relatório final do procedimento de inspecção tributária, de fls. 98 a 111 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 31. Através do ofício n.° 3005, de 04 de Fevereiro de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram ao Recorrente, designadamente, que “(…) «Imagem no original» (...)” (cfr. ofício, de fls. 113 e 114 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 32. No dia 24 de Fevereiro de 2020, deu entrada, na Direcção de Finanças de Lisboa, a resposta do Recorrente ao ofício descrito no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(...) 1. Desde logo, é necessário referir que os rendimentos declarados pelo agregado familiar de que o Requerente fez parte nos anos de 2013 a 2016 e que vêm mencionados no ofício a que se responde correspondem à totalidade dos rendimentos auferidos, não existindo quaisquer outros rendimentos nesses anos. 2. Em qualquer caso, tais rendimentos pertencem em exclusivo à mãe do Requerente (como aliás resulta das declarações apresentadas). 3. Naqueles anos (2013 a 2016) o Requerente era estudante, pese embora tenha interrompido os seus estudos temporariamente no referido lapso temporal, e integrava o agregado familiar da sua mãe como dependente - cf. resulta das declarações Modelo 3 de IRS apresentadas e, em concreto, das deduções relacionadas com despesas de educação. 4. O Requerente não teve (e por isso não declarou) quaisquer rendimentos naqueles anos. 5. Aquilo que sucedeu foi que o preço de aquisição dos imóveis identificados no oficio a que se responde não foi pago pelo Requerente, precisamente porque não tinha rendimentos ou fortuna para o fazer, 6. Não há pois qualquer rendimento omitido ou qualquer rendimentos a presumir (como se indica no ofício em causa), porque na realidade o Requerente não pagou o preço de aquisição dos imóveis. 7. Para demonstrar o não pagamento do preço e a ausência de fundes (para além daqueles que foram declarados e correspondem aos rendimentos efetivamente auferidos peio agregado nos exercícios em causa) que permitissem a aquisição dos imóveis em análise, o Requerente remete o formulário de derrogação do sigilo bancário devidamente assinado, por forma a autorizar a Autoridade Tributária e Aduaneira a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira toda a documentação bancária relativa àqueles anos, na certeza de que a informação que venha a ser recolhida confirmará, sem margem para quaisquer dúvidas, as afirmações do Requerente (de que não existem quaisquer rendimentos não declarados do Requerente nos anos em análise). 8. Em face do exposto, requer-se a V. Exa. que se digne a arquivar o procedimento de manifestações de fortuna por ter ficado cabalmente demonstrado “(...) que correspondem à verdade os rendimentos declarados” nos termos e para os efeitos do n.° 3 do artigo 89.°-A da Lei Geral Tributária ou, caso subsistam dúvidas, determine novo direito de audição em face da prova apresentada e do acesso facultado aos documentos e informações bancárias. (...)” (cfr. resposta, de fls. 117 a 118 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 33. Em anexo à resposta descrita no ponto antecedente, consta uma declaração, mediante a qual o Recorrente autorizou aos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, o acesso aos seus documentos bancários (cfr. autorização, de fls. 120 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 34. Através de e-mail, datado de 05 de Agosto de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram ao Recorrente, designadamente, que “(…) (...)” (cfr. e-mail, de fls. 405 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 35. No dia 18 de Agosto de 2020, o Recorrente enviou um e-mail aos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, onde se pode ler, designadamente, que “(...)
(...)” (cfr. e-mail, de fls. 122 e 123 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 36. No dia 10 de Setembro de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Lisboa, elaboraram o projecto de relatório do procedimento de inspecção tributária, onde se pode ler, designadamente, que “(...) «Imagem no original»
«Imagem no original»
(...)” (cfr. projecto de relatório do procedimento de inspecção tributária, de fls. 465 a 477 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 37. Através do ofício n.° 17344, de 17 de Setembro de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram ao Recorrente o projecto de relatório do procedimento de inspecção tributária, para efeitos de audição prévia (cfr. ofício, de fls. 464 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 38. No dia 05 de Outubro de 2020, o Recorrente remeteu à Direcção de Finanças de Lisboa a resposta ao ofício identificado no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
«Imagem no original» (...)” (cfr. resposta e data indicada no selo dos CTT aposto no envelope, de fls. 175 a 177 e 179 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 39. No dia 26 de Outubro de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, elaboraram o relatório final do procedimento de inspecção tributária, onde acrescentaram, designadamente, que “(…) (...)” (cfr. relatório final do procedimento de inspecção tributária, de fls. 98 a 111 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 40. Sobre o relatório descrito no ponto antecedente recaiu um despacho do Director de Finanças de Lisboa, em substituição, datado de 29 de Outubro de 2020, no sentido de “ (...)” (cfr. despacho, de fls. 98 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 41. Através de ofício, datado de 02 de Novembro de 2020, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram ao Recorrente a decisão descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 96 e 97 dos autos - numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 42. O Recorrente recebeu o ofício identificado no ponto antecedente, em 04 de Novembro de 2020 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 552 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 43. No dia 16 de Novembro de 2020, deu entrada, junto deste Tribunal, o presente recurso (cfr. comprovativo de entrega de documentos, de fls. 01 a 03 dos autos — numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). Consta ainda da mesma sentença o seguinte: «Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, considerando o pedido e a causa de pedir.» Quanto à motivação da decisão de facto fez-se constar o seguinte: «A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados assentou na análise critica dos documentos juntos aos autos, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos dos arts. 444.° e 446.° do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.°, al. e), do CPPT. Mais especificamente, no que diz respeito ao processo de inquérito n.° 297/17.0T9LSB, que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Lisboa, é de salientar que apenas foi valorada a circunstância de o mesmo ter sido arquivado, mediante despacho, datado de 09 de Março de 2018, conforme se extrai dos pontos n.°s 28 e 29 do probatório. Com efeito, não foi dada qualquer relevância aos depoimentos ali prestados, porquanto, como bem refere o Director de Finanças de Lisboa, os mesmos não possuem qualquer valor extraprocessual para os efeitos que aqui se pretendem. Isto porque, não sendo o Director de Finanças de Lisboa parte daquele processo, não houve lugar a qualquer audiência contraditória do mesmo em relação aos referidos depoimentos, susceptível de assegurar os seus direitos de defesa, em conformidade com o que é exigido no art. 421.°, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.°, al. e), do CPPT.»
III. 2 – Apreciação do recurso
Como questão prévia importa apreciar se tem fundamento o pedido de rejeição do recurso formulado pelo recorrido nas suas contra-alegações nos seguintes termos: «no recurso apresentado, a Recorrente não só, não cumpriu o seu ónus de alegação, quer de facto quer de direito, o que deverá conduzir, nos termos conjugados dos artigos 640° e 639° do CPC, ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, à rejeição e à improcedência do recurso apresentado, como ignorou (convenientemente) o pressuposto de que parte a decisão recorrida: os preços de aquisição dos imóveis não foram pagos pelo Recorrido, o que é manifestamente suficiente para se concluir (como fez a decisão recorrida), pela ilegalidade do recurso ao regime das manifestações de fortuna constante do artigo 89.°-A da LGT.» Desde já se adianta que não acompanhamos o raciocínio expendido pelo Recorrido. Na verdade, não está em causa a violação dos artigos dos artigos 640.° e 639.° do CPC, porquanto a recorrente não impugna a matéria de facto em si, mas antes a valoração que o Tribunal recorrido faz dos factos provados, bem como as ilações que retira dos factos provados. Isso mesmo revela o próprio recorrente, conforme decorre claramente das conclusões O a Q e W a Y. Ainda assim, sempre se dirá que a violação do ónus consagrado no artigo 640.º relativo à impugnação da matéria de facto, caso se verificasse neste recurso, apenas poderia conduzir à rejeição das conclusões de recurso circunscritas àquela impugnação e não à rejeição de todo o recurso, como pretende o recorrido, pelo que improcede o pedido. * Vejamos então o recurso apresentado pela Fazenda Pública. A recorrente alega que se impõe a revogação da sentença, invocando a existência de erro de julgamento na apreciação da prova. Alega para o efeito que, com base na prova adquirida pela AT, não tendo o recorrido cumprido o ónus probatório constante do n.º 3 do artigo 89.º-A, da LGT, não podia o Tribunal a quo decidir como decidiu, julgando procedente o recurso do acto por ter o Autor logrado «gerar uma fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, para efeitos de tributação, em sede de IRS». Alega que se impunha efectuar a prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º-A n.º 3 da LGT, não podendo esta norma ser afastada com base numa «fundada dúvida» extraída «das regras gerais da experiência comum». Considera ainda que, atento o probatório (pontos 1 a 40), a prova que impende sobre o ora recorrido (cf. art. 89°-A n° 3 da LGT), não se basta com a capacidade em «gerar uma fundada dúvida», impondo-se-lhe fazer a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos acréscimos patrimoniais não é a obtenção de rendimentos sujeitos a tributação, concluindo assim, que a sentença em apreço não se pode manter. A recorrente insurge-se assim, contra as ilações retiradas pelo Tribunal a quo, dos factos provados, imputando à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento de facto por errada valoração da prova e errada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT. A questão do erro de julgamento, por errada valoração da prova, está intrinsecamente correlacionada com o erro de julgamento quando à intensidade do ónus probatório que recai sobre o autor, ora recorrido, pelo que as questões serão tratadas conjuntamente. Vejamos então. Antes de mais importa referir que resulta da motivação da matéria de facto que apenas foi concedida relevância ao facto de o processo de inquérito ter sido objecto de arquivamento não relevando as declarações ali prestadas no âmbito. Contudo, o processo de inquérito e o processo crime visam fins diferentes dos procedimentos tributários. Os primeiros têm em vista a investigação de factos que indiciem a prática de crimes, o procedimento de manifestações de fortuna tem em vista o combate à fraude e à evasão fiscal, independentemente da verificação ou não dos elementos tipificados na norma penal. Os seus pressupostos também são diferentes. Enquanto o processo crime não prescinde da verificação dos elementos que integram o tipo do crime, entre os quais se destaca a ilicitude da conduta do agente, o procedimento de manifestações de fortuna, pressupõe a existência de uma manifestação de fortuna, acréscimo patrimonial ou despesa realizada em desconformidade com o rendimento declarado sem justificação para tal discrepância, independentemente da sua ilicitude. Dito isto, vejamos o enquadramento legal. O recurso a métodos indirectos teve lugar, no caso dos autos, com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT. Dispõe o artigo 87.º, n.º 1 alínea d) da LGT que a avaliação indirecta só pode efectuar-se, além de outros, em caso de «os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A» Importa salientar que os Acórdãos citados na sentença, pretendendo sustentar a aplicação do instituto da dúvida fundada ao caso dos autos, não obstante se refiram à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável, referem-se a outra realidade. Estão ali em causa situações verificadas no âmbito de acções de inspecção em sede de IRC, que não têm aplicação ao caso dos autos, por não terem subjacente situações de manifestações de fortuna, ou acréscimos patrimoniais tributados em sede de IRS, ainda que através da avaliação indirecta. Com efeito, as manifestações de fortuna estão sujeitas a um regime especial. Estão em causa normas especiais que, atenta a especificidade do seu objecto e dos fins que visam prosseguir, determinaram o legislador a estabelecer um regime especial derrogatório das regras comuns. Assim sendo, é por se verificar a referida especificidade que a regra constante do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, relativa à fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, não tem aplicação ao caso dos autos, na medida em que sobre a matéria das manifestações de fortuna, rege o artigo 89.º-A n.ºs 1 e 3 da LGT, que constitui norma especial, aplicável apenas em sede de IRS, no âmbito do regime especial da avaliação indirecta. Neste sentido já se pronunciou o STA em acórdão proferido no processo n.º 050/14 de 26 de fevereiro de 2014: a «alegada violação do artigo 100.º do CPPT, que igualmente não se verifica, porquanto existindo normas específicas para as situações de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – o n.º 3 do artigo 74.º e o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT – é por aplicação destas, e não da norma geral do artigo 100.º do CPPT, que deve resolver-se os casos de persistência de dúvida fundada quanto aos pressupostos ou à justificação para o recurso a tais métodos.» Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os elementos de prova, demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é tributável, nem constituída por rendimentos indevidamente não declarados. Como se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 23/02/2017 proferido no processo n.º 1030/16.6BESNT «(…) 6. Para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta forma de avaliação indirecta, é necessário, antes de mais, que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna: - aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00; (…). 7. Para além do requisito do valor de aquisição, é ainda necessário, para se aplicar o artº. 89-A, da L. G. Tributária, que se verifiquem, em alternativa, alguma das seguintes condições: -Falta de entrega da declaração de rendimentos; -O rendimento líquido declarado em sede de I.R.S., no ano em causa, mostre uma desproporção superior a (…) para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no nº.4, do mesmo normativo. 8. Mais se dirá que é à A. Fiscal que compete comprovar a existência de aquisições de valor superior ao definido na tabela do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária, em cada ano, para que possa fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta. Por sua vez, ao contribuinte compete demonstrar perante a Administração Tributária, ou perante o Tribunal, quais as fontes de rendimento que lhe permitiram efectuar as aquisições de bens referidas no artº.89-A, da L. G. Tributária. Mais concretamente, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de I.R.S. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão da declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável. Já se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade.» Se a legitimação da actuação da AT, no recurso à avaliação indirecta, se basta com a demonstração da existência de factos que integram a previsão do artigo 89.º-A da LGT, sendo suficiente para o efeito, a indicação dos bens cuja propriedade ali são qualificados como evidências de manifestações de fortuna ou acréscimos patrimoniais não justificados, atento o seu valor e sua incompatibilidade com os rendimentos declarados, sem justificação para tal, ao contribuinte cabe demonstrar a realidade dos rendimentos declarados e que é outra a sua fonte, não se bastando a prova com a mera dúvida fundada. Recorde-se que a recorrente se insurge contra as ilações retiradas pelo Tribunal a quo, dos factos provados, imputando à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento de facto por errada valoração da prova e errada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT. O segmento da sentença em causa é o seguinte: «os Serviços de Inspecção Tributaria foram bem sucedidos a afastar a presunção de veracidade e de boa-fé de que gozava a declaração modelo n.º 3 de IRS, no seguimento do que vem previsto no art. 75.º, n.º 2, al. d), da LGT, como os mesmos passaram a estar legitimados a proceder à avaliação indirecta da matéria colectável do Recorrente, de harmonia com o estatuído no art. 87.°, n.° 1, al. d), do mesmo compêndio legal (cfr. pontos n.ºs 7 a 9, 12 a 14, 17 a 19, 22 a 24, 27, 30, 36, 39 e 40 do probatório). Não obstante, sempre se impõe aqui fazer notar que, atendendo a toda a prova produzida pelo Recorrente, quer perante aos Serviços de Inspecção Tributária, quer perante este Tribunal, considera-se que o mesmo conseguiu, pelo menos, gerar uma fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, para efeitos de tributação, em sede de IRS, ao abrigo do disposto no art. 100.º, n.º 1, da LGT (cfr. pontos n.ºs 1 a 40 do probatório).» Tendo em conta o que supra se deixou dito sobre a interpretação das normas, impõe-se concluir que assiste razão à recorrente. Como já adiantámos, impõe-se ao ora recorrido a prova da veracidade da declaração de rendimentos e de que é outra a fonte de rendimento justificativa da manifestação de fortuna revelada, ou que a manifestação evidenciada não se consubstancia em rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS. Não se bastando tal prova com a dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, não podia o Tribunal a quo julgar a reclamação procedente com base em tal asserção, pelo que, ocorre o invocado erro de julgamento na valoração da prova e na interpretação e aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT. A recorrente coloca ainda em causa o juízo de confirmação das regras da experiência comum em que se fundou a sentença (cf. conclusões L, N e O). Atenta a motivação da decisão de facto, constante, em concreto dos parágrafos 2º a 3º e os factos alegados na petição inicial, não podia sustentar-se que o que estava em causa era uma simulação, pretendendo as partes, na realidade, celebrar um negócio de doação. O ora recorrido sempre sustentou que adquiriu os aludidos imóveis que constituem as manifestações de fortuna em causa nos autos, que celebrou contratos de compra e venda. Se há alguma ilação a retirar das regras da experiência comum é a de que se alguém, enquanto outorgante declara na escritura pública que pagou o preço, enquanto comprador, e que o recebeu enquanto vendedor, dando a devida quitação, a probabilidade séria e elevada de que tais factos ocorreram resulta da experiência comum. A Recorrente alega que a sentença recorrida fez errada apreciação da prova, na medida em que, na sua óptica, o Recorrido não efectuou tal prova. Alega ainda que, o que resulta provado dos autos é que não efectuou o referido pagamento com depósitos bancários ou aplicações financeiras, o que não significa que não tenha pago o preço. Pelo que, também quanto a este segmento do recurso merece provimento por se mostrar errada a valoração efectuada pelo tribunal recorrido. Nas suas contra-alegações o recorrido alega que a fundada dúvida que o douto Tribunal a quo entende que se verifica no caso em análise prende-se com a própria determinação dos negócios jurídicos subjacentes à aquisição dos imóveis pelo Recorrido que aquele tribunal entendeu que terão sido doações e não compras e vendas de imóveis e, bem assim, com o pagamento dos preços de aquisição dos imóveis pelo Recorrido que aquele tribunal entendeu que não ocorreu. O que resulta da decisão administrativa recorrida, como se retira do ponto 36 da matéria de facto, é que, da análise dos elementos remetidos pelas entidades bancárias, verificou a AT que efectivamente não existem meios financeiros que permitam ao sujeito passivo efectuar as aquisições dos referidos imóveis. Ora, tal não equivale a dar como provado que o Recorrido não efectuou o pagamento do preço, nos termos declarados nas escrituras. Isto mesmo resulta do relatório de inspecção quando ali se afirma o seguinte: «sucede que o sujeito passivo não comprovou a realidade dos rendimentos declarados, nem remeteu quaisquer elementos que comprovem que é outra a fonte da manifestação de fortuna, pelo que, nos termos do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT “(…) quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes (…)” uma vez que consta como dependente (…) sem que tenham sido declarados rendimentos (…) nos anos de 2015 e 2016 foram adquiridos imóveis em valor superior a 250.000,00 € (…) estão reunidos os pressupostos para a aplicação da avaliação por métodos indirectos (cf. art.º 36.º do Código do IRS, alínea d) do n.º 1 do art.87.º e art.º 89.º-A da LGT (…)». Na petição de reclamação e nas contra-alegações, o recorrido invoca que, apesar da declaração constante das escrituras de compra e venda no sentido de que efectuou o pagamento do preço, não procedeu a tal pagamento. Por se tratar de um facto negativo consubstanciado na inexistência do facto tributário, fez a prova que estava ao seu alcance, nada mais lhe podendo ser exigido, defendendo que era à AT que incumbia a prova de que foi efectuado o pagamento do preço, por ser seu o ónus da prova. Mais invocando que a AT poderia ter tido acesso à informação bancária da vendedora. Dito isto, é inelutável concluir pela verificação de erro de julgamento de facto, por errada valoração da prova, já que, atenta a repartição do ónus da prova previsto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, o non liquet impunha que a acção fosse julgada contra quem estava onerado com o dever de comprovar os factos justificativos da manifestação de fortuna, ou seja, contra o recorrido, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida. * Aqui chegados importa apreciar as questões que na sentença foram consideradas prejudicadas. Foi facultado às partes o exercício do contraditório, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, pelo que se impõe decidir em substituição. Na petição inicial invocou o ora recorrido que se impõe a interpretação dos artigos 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT conforme à constituição e, em concreto, ao princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade tributária. Sustenta que evidenciou «a similitude das situações em que são realizadas doações de bens imóveis com valores patrimoniais tributários superiores a € 250.000 daqueloutras em que são outorgadas escrituras de compra e venda de imóveis com preços superiores a € 250.000 e com diferimento do pagamento dos preços ou com perdão, a posteriori, do pagamento dos preços, cumpre desde logo salientar que é firme entendimento do Recorrente que uma interpretação do artigo 89.º-A da LGT conforme ao princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, implica que não deva ser dispensado um tratamento distinto às referidas situações (substancialmente idênticas)» concluindo que mal se compreende um tratamento fiscal distinto no contexto da aplicação do instituto das manifestações de fortuna. Desde já se adianta que a alegação do recorrido não tem sustentação, porquanto, a situação dos autos não se subsume na situação enunciada pelo recorrente, na medida em que não se provou nos autos que tenha existido um diferimento do pagamento dos preços, nem o seu perdão a posteriori, razão pela qual não se coloca a questão da igualdade de situações com distintas situações. Contudo sempre se dirá que a constituem um instituto excepcional cabendo no âmbito da liberdade de conformação do legislador a determinação de quais as situações e limites quantitativos que integram o regime, desde que não arbitrário e desde que admita prova em contrário. Como salientou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 43/14, a propósito da questão de saber se a aplicação do artigo 89.º-A n.º 2, alínea a) conjugado com n.º 4 do mesmo preceito, quando interpretado no sentido de que a manifestação de fortuna evidenciada num ano permite a aplicação do rendimento padrão apurado aos três anos posteriores, é violadora do principio da capacidade contributiva, no processo n.º 186/13 datado de 09/01/2014, ao efectuar o enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial refere o seguinte: «a alínea d) do artigo 75.º da LGT passou a afastar a presunção de veracidade e de boa fé incidente sobre a declaração do contribuinte sempre que os rendimentos declarados em sede de IRS se afastem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo, enquanto a alínea d) do artigo 87.º inscreveu nos pressupostos de admissibilidade da avaliação indireta o afastamento significativo entre os rendimentos declarados e o rendimento padrão consentâneo com a manifestação de fortuna evidenciada. O preceito que concretiza os critérios e padrões de avaliação indireta, encontra-se no artigo 89.ºA da LGT. Determina a avaliação indireta de matéria coletável quando falte a declaração e o contribuinte evidencie alguma das manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no preceito – onde se contempla a aquisição, entre outros, de imóveis de valor igual ou superior a €250 000 – ou quando o rendimento declarado seja metade ou menos do rendimento padrão resultante daquela tabela. Nos termos do n.º 2 do preceito, o momento de produção do facto qualificado pelo legislador como manifestação de fortuna foi estipulado como correspondendo ao ano a que respeita a fixação da matéria coletável e também aos dois anos anteriores. Compete à administração tributária a demonstração dos pressupostos legais da aplicação da avaliação indireta, ou seja, a verificação da existência de uma determinada manifestação de fortuna com as precisas características indicadas na tabela do mencionado preceito e a desproporção evidenciada entre o rendimento padrão presumido e os rendimentos declarados (ou a falta deles) pelo contribuinte. Verificados tais pressupostos, cessa a presunção de veracidade e de boa fé das declarações do contribuinte (artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT), e, invertendo-se o ónus da prova, passa a recair sobre o sujeito passivo, no âmbito do direito de audição previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea d), da LGT, o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra – diversa de rendimentos ocultados – a fonte dos meios financeiros aplicados no facto qualificado como manifestação de fortuna (artigo 89.ºA, n.º 3, da LGT). Note-se que, na redação original do preceito, o legislador indicava, de forma não taxativa, como factos justificativos da desconformidade evidenciada, a perceção de herança ou doação, a obtenção de rendimentos não sujeitos a obrigação declarativa, a utilização de capital acumulado ou o recurso ao crédito. Se o sujeito passivo não lograr essa comprovação, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G – incrementos patrimoniais -, o rendimento padrão, apurado pela aplicação do rácio fixado na tabela do n.º 4 do artigo 89.ºA da LGT - no caso da aquisição de imóveis, 20% do valor de aquisição -, a não ser que se verifiquem “indícios fundados”, que permitam à administração tributária a fixação de um valor superior, por aplicação dos critérios previstos no artigo 90.º da LGT. O rendimento padrão constante da tabela do n.º 4 do artigo 89.ºA da LGT assume, nestes termos, uma dupla finalidade: num primeiro momento, fornece a medida do cálculo da desproporção, servindo para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indiretos de determinação do rendimento tributável fundada em manifestações de riqueza; num segundo momento, ultrapassada a fase contraditória, opera a fixação da matéria coletável do imposto, assumindo, nessa dimensão, a natureza de norma de incidência objetiva de IRS (cfr. Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, 2007, págs. 368 e 369). Temos, assim, que com a referida normação, o legislador consagrou sistema de fixação presuntiva de rendimentos, com vista à sua tributação e consequente redução da margem de evasão fiscal: perante aquisições onerosas de bens ou consumos e na falta de declaração de rendimentos ou na sua desproporção face ao rendimento declarado (facto base de presunção), a lei presume um determinado rendimento não declarado ou oculto, tido por necessário à expressão da riqueza que revelam as manifestações de fortuna (facto presumido), em ordem à sua tributação (João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento – Um contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Colectável, 2010, págs. 278 a 282). Trata-se inequivocamente de uma presunção iuris tantum, admitindo a lei, no n.º 3 do artigo 89.ºA da LGT, que o sujeito passivo faça “a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna”, o que, aliás, enquanto norma de incidência tributária, sempre resultaria do disposto no artigo 73.º da LGT. 9. O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria coletável, face ao princípio da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio fiscal ou tributário, concluindo pela solvabilidade constitucional de tal normação, desde que o sujeito passivo disponha de efetiva possibilidade de ilidir a presunção (cfr., entre outros, os Acórdãos 26/92, 348/97, 84/2003, 211/2003 e 452/2003, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Destaca-se, a este propósito, o que se diz no Acórdão n.º 84/2003: «O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa). Autores há, porém, que contestam a operatividade jurídica prática ao princípio da capacidade contributiva, em razão, nomeadamente, da sua acentuada e indiscutível indeterminabilidade, não se estando aí senão perante uma “fórmula passe-partout” imprestável para um teste juridico-constitucional dos impostos, quer porque se limitaria a “estabelecer que “deve pagar-se o que se pode pagar” sem definir o “poder pagar”, quer porque “não forneceria nenhum critério concreto para a repartição justa dos encargos fiscais por todos os contribuintes”, quer ainda porque “diria muito pouco sobre as taxas a considerar correctas dos impostos ou sobre a sua exacta progressão, caso esta, em alguma medida possa resultar de um tal princípio” (cfr. Casalta Nabais ob. cit. págs. 459 e 461). Diferentemente, outros autores, como é o caso do próprio Casalta Nabais reconhecem ainda “importantes préstimos” ao princípio, o qual “afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto” e tem “especial densidade no concernente ao(s) imposto(s) sobre o rendimento” exigindo “um conceito de rendimento mais amplo do que o rendimento-produto” e implicando “quer o princípio do rendimento líquido (...) quer o princípio do rendimento disponível (...)” (“Direito Fiscal”, págs. 157/168). De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal. (…) Objectar-se-á que certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (“O dever fundamental...”págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto” e, mais adiante, aludindo ao “rendimento normal”, quando sustenta que ele “apenas poderá ser contestado nos casos em que a tributação conduza a situações de intolerável iniquidade”. (...) [N]ão pode deixar de se concluir que a solução em causa se compatibiliza com o princípio da capacidade contributiva. É que, a admitir-se que na hipótese em apreço se está perante uma “presunção”, ela admite prova em contrário e, a considerar-se que se trata de um tributação pelo “rendimento normal”, não pode dizer-se que ela necessariamente conduza a “situações de intolerável iniquidade”.» E, na mesma linha, refere o Acórdão n.º 211/2003: « 2.- O legislador fiscal recorre com frequência à técnica das presunções, inspiradas em regras da experiência comum, de ciência e outras para, desse modo, garantir mais eficientemente a regular e pronta percepção dos impostos, e, ao mesmo tempo, minorar a evasão e a fraude fiscais, assim conferindo “certeza e simplicidade às relações fiscais” [José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, pág. 279]. O Tribunal Constitucional, por sua vez, sem embargo de considerar a fixação da matéria colectável “um elemento estruturante da obrigação tributária, integrando, nessa medida, o núcleo fundamental do conjunto de matérias cobertas pelas normas constitucionais de âmbito fiscal”, vem considerando não estar constitucionalmente vedado tributar rendimentos presumidos (assim, e por exemplo, o acórdão nº 26/92, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992, e, no concreto domínio da determinação da base tributável, os acórdãos nºs. 620/99 e 621/99, este publicado no Diário citado, II Série, de 23 de Fevereiro de 2000). Nesta última perspectiva, o acórdão nº 348/97 (jornal oficial referido, II Série, de 25 de Julho de 1997) admitiu a técnica da presunção desde que permitida a ilisão, situando-se em parâmetros moldados pelo princípio constitucional da igualdade – ou seja, colocando a questão da conformidade jurídico-constitucional da tributação de rendimentos presumidos por forma a confrontá-la com outras situações de tributação, assim ponderando que “a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório) e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos”. Uma presunção juris et de jure, escreveu-se então, “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio tributário”. O aresto revelaria, aliás, segundo já se observou, o germe de um entendimento segundo o qual o princípio da tributação do rendimento real exprime uma exigência constitucional mais vasta que se alarga a toda a tributação do rendimento que, no entanto, exclui o recurso à técnica das presunções absolutas para a definição da incidência ou a determinação da matéria colectável do imposto (cfr. J.M. Cardoso da Costa, “O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Perspectivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, pág. 425, nota 19). A entender-se diferentemente, surpreender-se-ia desigualdade de regimes para situações análogas, quanto à questão da tributação em si mesma considerada, sujeitando a critérios não idênticos a articulação entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado pelo legislador para objecto do imposto, o que tem a ver com o conceito de capacidade contributiva que, não obstante a sua não consagração constitucional, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto” (José Casalta Nabais, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em Matéria Fiscal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, 1993, pág. 417. Cfr., igualmente, a anotação do mesmo autor no mencionado acórdão nº 348/97 na revista Fisco, ano IX, nºs. 84/85, págs. 93 e segs. E Clotilde Celorico Palma, “Da Evolução do Conceito de Capacidade Contributiva“ in Ciência e Técnica Fiscal, nº 402, pág. 134, nota 34).» Prossegue o mesmo aresto, sublinhando que o recurso a técnica de fixação presuntiva de rendimentos deve assegurar o respeito pelo princípio da igualdade, congregado com o princípio da capacidade tributária, de acordo com padrões de normalidade: «3. - A violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante. A fixação da matéria colectável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes. No desempenho desta tarefa, o legislador, em nome de razões de eficiência da Administração Fiscal e do combate à evasão e à fraude neste domínio, apela a presunções, como técnica de melhor surpreender a realidade fáctica decorrente das diversas situações da vida, avalizadas por critérios de normalidade, socorrendo-se, desse modo, “de factos conhecidos para afirmar outros que desconhece”, e assim ultrapassar as dificuldades probatórias que a determinação da matéria colectável inevitavelmente levanta (cfr. Jorge Bacelar Gouveia, “A Evasão Fiscal na Determinação e Integração da Lei Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 373 [1994], pág. 28).» No entanto, esse processo técnico há-de compaginar-se com o respeito pelo princípio da igualdade, por seu turno a congraçar-se com o princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um, o que não é já de admitir quando – voltando ao caso sub judice – se aceite que, nos valores do acervo hereditário, uma quota de bens de determinada natureza aí esteja representada, absoluta e inilidivelmente. Ou seja, já não é de admitir, em nome daqueles princípios, uma tal mecânica apoiada em semelhante desrazoabilidade, alheia às decorrências da capacidade contributiva dos contribuintes, nos parâmetros constitucionais da igualdade e, em última análise, da “repartição justa de rendimentos e riqueza”, a que alude o nº 1 do artigo 103º da Constituição – entenda-se esse expediente técnico como ficção da existência de bens de uma dada natureza, ou uma presunção radicada em juízos de “normalidade” de certas situações de vida, uma incidindo mais significativamente no âmbito da formulação, outra mais ligada à prova (cfr. Francisco Rodrigues Pardal, “O Uso das Presunções no Direito Tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº. 325/327 [1986], pág. 20).» Não constitui objecto de controvérsia que o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária, na medida em que espelha o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério de tributação. Ora, o regime jurídico das manifestações de fortuna surge com o objectivo de luta contra a fraude e a evasão fiscal. Nesse contexto, o regime consagrado nos artigos 87.º, n.º 1 alínea d) e 89.º-A da LGT constitui precisamente uma forma de concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade quando os rendimentos declarados não correspondam às manifestações de fortuna evidenciadas sem justificação para tal, que de outro modo ficariam sem serem tributados. Na verdade, verificando-se as situações previstas nas aludidas normas, estamos em presença de manifestações de fortuna, sem que seja conhecida a sua fonte. Entendeu o legislador que nestes casos, por se desconhecer a proveniência, ou fonte da manifestação de capacidade contributiva, sem que o contribuinte justifique a sua proveniência, presume-se que constituem rendimentos, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT. A aquisição de bens imóveis de valor superior ao montante tipificado pelo legislador, sem que seja conhecida a sua fonte, constitui, assim, uma manifestação de capacidade contributiva. A violação dos princípios invocados pelo recorrido surgem muitas vezes na doutrina e na jurisprudência associados à previsão de presunções inilidíveis, o que não sucede no caso dos autos, pois, ao ora recorrido foi concedida a oportunidade para ilidir aquela presunção, reafirmando a veracidade da declaração de rendimentos apresentada, informando e fazendo prova de que é outra a fonte do acréscimo de património (cf. n.º 3 do artigo 89.º-A). Nesse sentido, v.g. o Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0179/12 datado de 07/03/2012: «I - O art. 89-A da LGT não pode ser interpretado de forma isolada devendo chamar-se à colação, desde logo, outras normas legais que estabelecem regras informadoras de todo o sistema fiscal, designadamente o art. 73º da LGT, segundo o qual «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» e, bem assim, os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais; II - Evidenciada a aquisição pelo recorrente de um imóvel com valor de aquisição superior a € 250.000,00, quando declara rendimentos líquidos que mostram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição, em conformidade com a tabela constante do nº 4 do art. 89º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável;» Ainda assim, sempre se dirá que Como refere SANCHES, J. L. SALDANHA, Manual p. 212 que: «Da escolha de certos objectos como factos tributários pode resultar o arbítrio fiscal. Isto porque esta escolha pode implicar a oneração excessiva de um determinado grupo de contribuintes ou o privilégio fiscal com a desoneração efectiva de outros grupos – tudo como resultado directo da previsão legal ou, então, como resultado prático da sua aplicação. Não significa isto que a lei deve garantir, na sua aplicação, um resultado igual para cada um dos destinatários: significa antes que a diferenciação dos resultados deve corresponder à efectiva diferença existente entre os destinatários. A diferenciação dos resultados deve ser uma função da situação concreta de cada contribuinte e constituir, deste modo, uma diferenciação que é objecto de tutela específica pela ordem jurídica.» Indiciando-se a existência de rendimentos não declarados, na medida em que ocorreu a aquisição de imóveis no valor de € 1 702 484,00 demonstram uma capacidade contributiva que vai para além da declarada pelo contribuinte e avaliação indirecta não contende como o princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade. Como refere a ora recorrente na sua contestação, a manifestação de fortuna em si é o revelador da capacidade contributiva oculta. Ao evidenciar as manifestações de fortuna tipificadas no 89.º-A da LGT em discrepância com o rendimento declarado sem que haja justificação relativamente à fonte de tais manifestações de fortuna está a revelar capacidade contributiva que é objecto de tributação nos termos do artigo 89.º-A n.º 4 da LGT, independentemente de não ter indicado a fonte, da mesma forma que um outro cidadão, nas mesmas circunstâncias seria tributado nos termos da mesma norma. Improcede assim, o invocado vício. * Vem invocada a violação dos princípios do inquisitório, da prossecução do interesse publico, da descoberta da verdade material, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé. Para além do que supra já se expendeu acerca do princípio do inquisitório, o raciocínio do ora recorrente parte de um vício que inquina toda a sua estrutura argumentativa. Alega que a AT partiu de uma presunção de que foram auferidos rendimentos e o recorrido abalou tal presunção com indícios sólidos de que é outra a realidade. Ora, o que a AT fez foi o que lhe competia: constatada a aquisição de imóveis no valor em causa nos autos que se subsume no estatuído do artigo 89.º-A n.º 1, 3 e 4 da LGT, verificou se os rendimentos declarados eram consentâneos com tal manifestação aquisitiva. Concluindo pela discrepância do rendimento relativamente à manifestação de fortuna evidenciada, notificou o recorrido para comprovar a fonte da manifestação de fortuna e a veracidade da declaração de rendimentos, o que o recorrido não logrou efectuar. Se pretendia que a AT levasse a cabo diligências de prova tendentes a provar os factos que invocava nada o impedia de as requerer. Contudo, a verdade é que não as requereu, pelo que não se pode considerar que foram violados os princípios do inquisitório, da descoberta da verdade material e da prossecução do interesse público, quando a AT praticou os actos que se lhe impunha relativos aos pressupostos que lhe cumpria comprovar tendo notificado o recorrido para efectuar a prova dos factos que lhe incumbia provar. Ora, estando em causa um regime que se aplica a situações que estão associadas à evasão fiscal, considerando indicadores de manifestação de fortuna, associados a um grau de afastamento do rendimento declarado, de aplicação exceptional, isto é, aplicável apenas aos casos estritamente tipificados nas normas supra indicadas, sem qualquer margem para actuação discricionária ou margem de livre apreciação por parte da AT, concluímos que estão em causa situações anómalas ou excepcionais. Acresce que a determinação da matéria tributável de acordo com o que dispõe o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, constitui a conclusão de um procedimento enformado pelos princípios da prossecução do interesse público e da descoberta da verdade material, que passa pela injustificação, por parte do contribuinte, do referido afastamento e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna reveladas, pois o contribuinte tem a possibilidade de participar no procedimento justificando o afastamento da sua matéria tributável. Só se o não fizer é que a tributação é operada de acordo com o citado preceito legal, daí as normas especiais sobre repartição do ónus da prova, em função dos fins que o regime jurídico em causa visa atingir, e em função do conhecimento directo e pessoal dos factos subjacentes. Donde se conclui que não se mostram postergados os princípios da descoberta da verdade material e da prossecução do interesse público. Quanto à repartição do ónus da prova, à aplicabilidade do princípio do inquisitório e à relevância do processo crime, remete-se para o que supra se deixou dito, assim se concluindo pela improcedência da invocada violação dos aludidos princípios. * Invoca ainda o ora recorrido a ilegalidade do acto impugnado por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. Citando doutrina, sustenta tal invocação, na consideração de que, a decisão impugnada foi proferida sem que tenha sido realizada qualquer diligência adicional de prova e que a AT deveria abster-se de qualquer actuação que lese os interesses dos particulares numa medida superior ao benefício que tal actuação possa acarretar para o interesse público. Em abono da sua tese, o recorrido cita jurisprudência em que foi aplicado o princípio da justiça em casos em que se verificou o incumprimento do princípio da especialização em sede de IRC. Como supra aludimos, a argumentação do recorrente sustenta-se na asserção de que o acto foi praticado erros na aplicação do direito por considerar que resulta patente dos autos a inexistência de qualquer rendimento ou qualquer ocultação de rendimentos tributáveis, que, como se viu, não decorre da matéria de facto apurada, pelo que cai, por insustentável, a sua tese. * Prossegue o recorrente imputando ao acto a verificação da sua ilegalidade por violação do princípio da boa fé. Para o efeito, sustenta que colaborou, desenvolvendo um considerável esforço no tratamento da questão com a maior seriedade e boa fé, tendo inclusivamente concedido à AT autorização para a derrogação do sigilo bancário. Que a actuação da AT constitui violação autónoma do princípio da boa fé, ao ter insistido e persistido na fixação da matéria tributável do ora recorrido através de métodos indirectos, mesmo depois do recorrido ter assumido que não dispunha de meios financeiros para pagar o preço dos imóveis adquiridos Desde já se adianta que, também quanto a este vício não lhe assiste razão. Ora, a actuação da AT decorreu do regime jurídico previsto nos artigos 87.º, n.º 1, alínea d) e 89º-A da LGT, numa actuação vinculada, não poderia suscitar no recorrido a confiança de que, em face da falta de prova dos factos que lhe incumbia, não actuaria em cumprimento do aludido regime. O facto de ter anuído no acesso à sua informação bancária, não lhe permitiria formar a crença de que a AT não concluiria o procedimento e que estaria obrigada a considerar justificada a aquisição dos meios de fortuna adquiridos em face do que supra se referiu relativamente às declarações prestadas nas escrituras públicas e da sua valoração em contraponto com a invocação no procedimento e nestes autos de que não efectuou o pagamento do preço nas respectivas aquisições, ou a reconhecer que o recorrido não dispunha de meios financeiros para proceder a tais pagamentos, pelo que não se mostra violado o princípio da boa fé. * Invoca o ora recorrido que o acto padece do vício de falta de fundamentação substancial e por incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar. Sobre estas questões já nos pronunciámos supra, julgando inaplicáveis ao caso as normas invocadas pelo recorrido. Em concreto, o disposto no artigo 74.º, n.º 3 da LGT sobre a repartição do ónus da prova é inaplicável ao caso, porquanto o regime das manifestações de fortuna tem regras próprias constantes do n.º 3 do artigo 89.º-A, que numa relação de especialidade constituem norma especiais que derrogam as normas previstas no citado preceito legal, em termos tais que cabe à AT a prova da existência de meios de fortuna e da discrepância dos rendimentos declarados, cabendo ao contribuinte a prova de que os mesmos correspondem à realidade e (disjuntiva que indica que a prova a realizar incide sobre os dois) de que é outra a fonte das manifestações evidenciadas. Quanto à inaplicabilidade ao caso do artigo 77.º, n.º 4 da LGT relativo à fundamentação quanto à impossibilidade de avaliação directa, ela decorre da especificidade do regime e das suas normas especiais que determinam que à AT cabe indicar as manifestações de fortuna que se subsumem à previsão dos artigos 87.º, n.º 1, alínea d) e 89º-A da LGT, e a verificação da discrepância respeitante ao rendimento declarado resultando a decisão da falta de prova que incumbia ao recorrido que dá lugar à presunção estabelecida no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT e não da impossibilidade de avaliação directa. Quanto à imputação de falta de fundamentação substancial do acto em causa, também não lhe assiste razão. A fundamentação substancial refere-se à valia da fundamentação para produzir a decisão corporizada no acto reconduzindo-se aos pressupostos de facto e de direito do acto, cujo tratamento foi efectuado supra. Com efeito, em particular quanto à conclusão retirada do acesso à informação bancária, como já se deixou dito, da inexistência de meios financeiros que resultou do referido acesso, não resulta a prova de que o preço declarado nas escrituras, como tendo sido pago pelo recorrido e recebido pela vendedora não foi pago. Ora, a fundamentação do acto é a que consta do relatório de inspecção plasmado no ponto 39 da matéria de facto, resultando do ponto IV que se mostra de forma a indicar os factos e as normas aplicadas, num silogismo que se mostra correcto. Indica ainda a razão pela qual os factos se subsumem àquelas normas de forma adequada que o recorrido revelou compreender na integra rebatendo-a quer na petição inicial quer em sede de contra-alegações, embora não se conforme com o sentido da decisão. No que se refere ao invocado incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito da AT a tributar, atento o que já se deixou dito e reiterado, acerca do regime aplicável às manifestações de fortuna, à AT cabia apenas verificar a existência de aquisições que se subsumem no disposto no artigo 89.º-A da LGT e da sua incompatibilidade com o rendimento declarado, e atenta a falta de prova de que era outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, à AT não restava outra solução para além da aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT pelo que, não ocorre o invocado incumprimento. * A título subsidiário, invocou o ora recorrido que o acto é ilegal por excesso de quantificação da matéria colectável invocando ainda a exigência da interpretação do artigo 89.º-A n.º 2 alínea a) da LGT conforme à Constituição da República Portuguesa, em concreto, aos princípios da segurança jurídica e da protecção a confiança. O excesso de quantificação da matéria tributável invocado, sustenta-o o recorrido, na alegação de que já caducou o direito à liquidação de IRS por referência a rendimentos respeitantes ao ano de 2015, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, tendo sido, em consequência, considerado indevidamente o valor da aquisição dos imóveis adquiridos pelo ora recorrido em 2015. * Quanto às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual as custas são pagas pela parte que lhes deu causa. Vencido na presente causa o recorrido, entende-se que foi este que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2) devendo assim, ser condenado nas respetivas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte). Por fim, vem requerida pelas partes a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos previstos na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupondo uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes (Acórdão do STA de 19/11/2014, processo n.º 0779/12). No caso dos autos foi concedido provimento ao recurso da Fazenda Pública, com a revogação da sentença, implicando o conhecimento em substituição do recurso de impugnação da matéria tributável por verificação dos requisitos de avaliação indirecta dada a falta de prova da origem das manifestações de fortuna. A questão decidenda não se afigurou de complexidade inferior à comum, tratando-se, antes, de questão complexa, dado o volume de informação a apreciar pelo número de peças processuais e alegações de dimensão elevada, bem como a quantidade de questões suscitadas, impondo análise aprofundada de questões de âmbito muito diverso (cf. artigo 530.º, n.º 7 alíneas a) e b) do CPC), pelo que, não se vislumbra motivo para a dispensa do remanescente da taxa de justiça. Não obstante, milita a favor da pretensão formulada, o princípio da proporcionalidade, nos termos do qual, em face do concreto serviço público prestado e o valor da taxa de justiça em causa, pelo que, se defere parcialmente o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça na proporção de 40% do valor do remanescente da taxa de justiça devida no valor superior a € 275 000.
IV – CONCLUSÕES I - Há lugar à avaliação indirecta da matéria tributável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no seu nº 4 – cfr. artigo 89.º-A, n.º 1 da LGT; II - Verificados os pressupostos legais de aplicação dos métodos indirectos previstos no n.º 1 artigo 89.º-A da LGT, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados – cfr. artigo 89.º-A, n.º 3; III – A prova que se exige, no caso dos autos, é a prova da veracidade dos rendimentos declarados e da efectiva proveniência das manifestações de fortuna, acréscimos patrimoniais ou despesa realizada, não se bastando com a mera dúvida fundada. IV - Quando o sujeito passivo não faça tal prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da referida tabela – cfr. artigo 89.º-A, n.º 4, do mesmo diploma legal;
V – DECISÃO Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgando em substituição, julgar improcedente o recurso de impugnação da decisão de fixação do rendimento tributável por métodos indirectos. Custas pelo recorrido em ambas as instâncias. Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022. Ana Cristina Carvalho – Relatora Lurdes Toscano – 1ª Adjunta Maria Cardoso – 2ª Adjunta |