Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2157/17.2BELSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:08/13/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores: PROCESSO DE CONTENCIOSO DE PROCEDIMENTOS DE MASSA
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA
SUSPENSÃO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I – O processo de contencioso de procedimentos de massa (atualmente previsto no artigo 99º do CPTA, na versão resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) constitui uma nova de uma nova forma de processo urgente (cfr. artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA revisto) respeitante à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, de procedimentos de realização de provas e de recrutamento (cfr. artigo 99º nº 1 do CPTA revisto), com a qual se visa dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes, tendo em vista assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.
II – O processo de contencioso de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos (cfr. nº 1 do artigo 99º do CPTA), podendo assim nele ser formuladas quer pretensões impugnatórias, tendo em vista designadamente a declaração de nulidade ou a anulação de atos administrativos, quer pretensões condenatórias, visando nomeadamente obter a condenação das entidades administrativas na prática de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados.
III – Atento o seu objeto e natureza, este processo encontra-se sujeito a um prazo de instauração mais curto do que os estabelecidos para idênticas pretensões quando formuladas no âmbito da ação administrativa, estabelecendo o nº 2 do artigo 99º do CPTA revisto, que salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura dos processos de contencioso de procedimentos de massa é de um mês.
IV – Não prevendo o artigo 99º do CPTA revisto nenhuma outra norma especial, para além da fixação do prazo de 1 mês como prazo de caducidade do direito de ação, a questão de saber como se haverá de proceder à contagem daquele prazo haverá de encontrar resposta nas normas contidas no CPTA referentes às ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos, por força da remissão contida no artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA.
V - Por efeito do disposto no artigo 59º nº 4 do CPTA, aplicável ex vi do artigo 97º nº 1 alínea b) do mesmo Código, o prazo de um mês para a instauração de ação de contencioso de massas previsto no artigo 99º nº 2 suspende-se quando o autor fizer uso de meios de impugnação administrativa, prazo que retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 2157/17.2BELSB


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
J…… (devidamente identificado nos autos), autor no processo de contencioso de procedimento de massa (previsto no artigo 99º do CPTA) que instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO na qual, por referência ao concurso externo para o ano escolar de 2017/2018, impugnou o ato de homologação das listas definitivas de ordenação, colocação, não colocação e exclusão dos Grupos de Recrutamento 110 – 1º Ciclo de Ensino Básico e 260 – Educação Física publicadas a 18 de Julho, peticionando a sua anulação na parte em que graduou o autor na 3ª prioridade daqueles grupos de recrutamento, e bem assim a condenação do réu a integrar o autor na 2ª prioridade, praticando os atos necessários à reconstituição da situação conforme a legalidade – inconformado com a sentença do Tribunal a quo pela qual foi o réu absolvido da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de intempestividade da ação, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. Não pretende o recorrente, nas conclusões que se seguem reduzir o objecto do recurso.

2. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente a exceção dilatória de caducidade invocada pelo recorrido.

3. O recorrente não pode conformar-se com a sentença ora em crise, pois entende que a mesma não fez uma correta aplicação do direito aos factos.

4. Com relevância para uma apreciação deste recurso, julgamos relevante a seguinte matéria:

a) O A. foi opositor ao concurso externo, contratação inicial e reserva de recrutamento para selecção e recrutamento de pessoal docente para o ano escolar de 2017/2018, aberto pelo Aviso nº 3887- 8/2017, publicado no Diário da República, II Série, 1.º Suplemento, n.º 72, de 11/04/2017, ao grupo de recrutamento 110 - 1.º ciclo do ensino básico e ao grupo 260 - Educação Física;

b) Em 18/07/2017, foram publicadas pela DGAE, na sua página electrónica, as listas definitivas de ordenação;

c) Em 20.07.2017, o A. apresentou recurso hierárquico.

d) Em 27.09.2017, foi interposta a presente acção administrativa de procedimentos de massa.

5. O contencioso dos procedimentos em massa, previsto no artigo 99.º do CPTA, é um processo urgente, nos termos do artigo 97.º do mesmo código que remete para os capítulos I e II do título II do mesmo código.

6. O que se encontra aqui em discussão é saber-se se a utilização de impugnação administrativa suspende ou não o prazo para a propositura da presente acção.

7. O tribunal a quo entendeu que a utilização dos meios administrativos de impugnação não suspende os prazos para a propositura dos procedimentos de massa, com o que o recorrente discorda.

8. O legislador, nos procedimentos de massa, apenas quis reduzir os prazos que, expressamente, vêm referidos, no art.º 99.0 do CPTA, e ainda aqueles que são consequência direta de o procedimento de massas ser considerado um processo urgente.

9. Jamais o legislador quis, por qualquer forma ou modo, impedir que os professores pudessem utilizar os meios graciosos de impugnação que, no presente caso até se encontra previsto no art.º 15, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 132/2012 de 27 de junho (recurso hierárquico)

10. Assim, entendemos que a qualificação dos procedimentos de massas, como processo urgente, não afasta a previsão consagrada no n.º 3, do artigo 190.0 do CPA que, expressamente, refere "A utilização de meios de impugnação administrativa facultativos suspende os prazos de propositura de acções nos tribunais administrativos ..." (o sublinhado é nosso).

11. Esta mesma previsão encontra-se no art.º 59.º, n.º 4 do CPTA que se aplica por força do estatuído no artigo 97.º do mesmo código que manda aplicar os capítulos Ie II, do título II: "A utilização dos meios administrativos de impugnação suspende os prazos de impugnação contenciosa ..."

12. Acresce ainda que se não pode menosprezar o facto de o recurso hierárquico se encontrar, expressamente, previsto no art.º 15, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 132/ 2012 de 27 de junho, que dispõe: "das listas definitivas ... pode ser interposto recurso hierárquico ..."

13. Entendemos que, se tal recurso se encontra, expressamente, previsto na Lei, sempre poderá ser utilizado pelos professores, com vista a ver a sua situação resolvida, sem recurso à via judicial.

14. É nosso entendimento que o legislador, não só neste caso, mas sempre pretende que os litígios sejam resolvidos sem recurso à via judicial.

15. A tese defendida pelo tribunal a quo de que os prazos de recurso hierárquico e o prazo de impugnação contenciosa se sobrepõem, implicaria que o A. estivesse impedido de utilizar o recurso hierárquico, pois, como é sabido, o prazo para decisão de recurso hierárquico é de 30 dias úteis e o prazo de impugnação contenciosa é de 30 dias seguidos, ou seja, o prazo de propositura da acção ocorreria, em data anterior, àquele em que a Administração tinha para decidir o recurso hierárquico.

16. Assim, caso fosse sufragada a tese do tribunal a quo, o recurso hierárquico previsto, expressamente, no art.º 15, n.º 4, do Decreto­ Lei n.º 132/2012 de 27 de junho, perderia todo o seu efeito útil ou, utilizando, estaria o recorrente impedido de recorrer aos tribunais.

17. A interpretação que o tribunal a quo dá ao n.º 2 do art.º 99 do CPTA não poderá ser aceite, pois, impedindo o recorrente de utilizar os meios de impugnação graciosa, expressamente previstos, no presente caso, viola, de forma grave, o artigo 20.º da República Portuguesa (CRP), já que, utilizando os meios de impugnação administrativa, ficaria o recorrente impedido de aceder aos tribunais.

18. Estamos de acordo que, com este novo procedimento de massas, o legislador pretendeu (além do mais) uma aceleração dos processos, pois encurtou o prazo de 3 meses (prazo geral) e o prazo de um (Ministério Público) para um mês, mas, com toda a certeza, que não pretendeu um atropelo aos direitos dos cidadãos sob pena de estar a violar a Constituição.

19. A aceleração processual não justifica que sejam atropelados princípios consagrados na Lei, inclusive na Lei Constitucional e os direitos do recorrente também consagrados na Lei.

20. Também não colhe a argumentação de que, com a utilização dos meios de impugnação graciosa, haveria uma dilação de respostas da entidade reclamada/recorrida, pois, nesta fase do concurso, apenas já só é possível o recurso hierárquico - a fase da reclamação já passou - e o prazo apenas se suspende (como é sabido) durante trinta dias úteis, ou seja, durante o prazo de resposta da Autoridade Administrativa.

21. A utilização dos meios de impugnação administrativa - que no presente caso já só é possível o recurso hierárquico - não contende com a "concentração num único processo de todas a pretensões deduzidas pelos participantes".

22. A utilização do recurso hierárquico poderá até ser muito vantajosa, pois dá a oportunidade de a Administração corrigir situações que venha a considerar ilegais e/ou esclarecer o administrando do sentido e fundamentação da sua decisão, o que, em qualquer dos casos, poderão evitar-se imensos procedimentos de massa, o que será benéfico para todos.

23. Na nossa modesta opinião e mais uma vez se repete, o legislador sempre pretendeu que a solução dos conflitos ocorresse em fase graciosa, pois o recurso à via judicial acarreta prejuízos e demoras para todos.

24. Este novo procedimento de massas visa uma aceleração dos processos, impondo o legislador que sejam todos reunidos num só processo, no mesmo tribunal, mas isto em nada colide com a utilização dos meios de impugnação administrativa e com a consequente suspensão dos prazos, durante o prazo de decisão.

25. Após o cumprimento do despacho com o registo 51…….. e não existindo outra ação de procedimentos em massa a que esta pudesse ser apensada e sendo a PI perfeitamente idêntica a de qualquer ação administrativa (comum), deveria ter convolado a presente ação em ação administrativa.

26. Um dos fatores que mais iria contribuir para a aceleração dos processos de massa seria a publicação da Portaria, já que iria ordenar e até limitar o que as partes poderiam carrear para os autos o que, como é sabido, ainda não aconteceu.

27. Ainda, no sentido de se considerar a suspensão dos prazos, por força da utilização dos meios de impugnação graciosa, invocamos o que, quer a jurisprudência quer a doutrina diziam acerca do contencioso pré-contatual, nos termos do disposto no art.º 100.º n.º 1 que, na sua anterior redação, mandava aplicar subsidiariamente, à impugnação dos atos administrativos, relativos à formação de contratos, abrangidos pelo contencioso pré-contratual urgente, os artigos 50.º a 65.º do CPTA, sendo que a atual a redação do art.º 99.º do CPTA é idêntica.

28. Assim, tendo o recorrente sido notificado das listas definitivas em 18.07.2017, tendo no dia 20.06.2017 interposto recurso hierárquico e tendo ainda intentado a presente ação no dia 27.09.2017, atendendo a que o prazo para a propositura da presente ação ficou suspenso durante o prazo decisão, foi a mesma intentada tempestivamente, pelo que deverá improceder a exceção dilatória de caducidade invocada pelo recorrido.

29. Encontram-se violadas, entre outas, as normas constantes dos artigos 59°, n.º 4, 97.º, 99.º do CPTA, n.º 3, do art.º 190 do CPA e art.º 20 da CRP.

Contra-alegou o Recorrido MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO pugnando pela improcedência do recurso com manutenção da decisão recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
I. Não existe censura a respeito da douta Sentença proferida que acompanha o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 15.12.2017, proferido no processo n.º 325/ 176BEMDL no qual se acolheu por inteiro os termos em que a doutrina vem explicitando a natureza especial e imperativa do regime jurídico processual previsto no art.º 99.º do CPTA.

II. A ação do contencioso dos procedimentos de massa, introduzida na reforma de 2015 do CPTA, tem por desígnios fundamentais os da concentração de pretensões, estabilidade e celeridade processual.

III. A concentração de pretensões avulta, quer na vertente espacial - com a regra de competência do Tribunal da sede da entidade demandada, que é especial, e mesmo inversa à regra geral plasmada no art. 16.º, n.º 1 do CPTA -, quer na vertente temporal - com um prazo unitário de um mês, mesmo em casos de vício cominado com nulidade.

IV. A concentração temporal serve objetivos de salvaguarda da segurança jurídica dos milhares de participantes no procedimento de massas, que não devem ver a sua situação jurídico-profissional discutida muito para além da data da homologação das listas definitivas do concurso, que para todos os efeitos condensou e definiu a sua posição jurídica perante a Administração.

V. No mais, e reflexamente, os não menos precípuos interesses dos alunos e população escolar não se compadecem com uma dúvida prolongada sobre a efetividade da colocação dos seus professores.

VI. O A. não foi impedido de utilizar o recurso hierárquico, pois o prazo de dedução deste conta-se em 5 dias úteis (cf n.° 4 do art.° 15.º do DL 132/2012), não relevando que o prazo para pedir a tutela jurisdicional seja de um mês e que termine ainda antes de a Administração ter proferido a sua pronúncia em 30 dias úteis, encontrando-se as modificações objetivas da instância expressamente acauteladas no CPTA.

VII. A interpretação dada pelo Tribunal ao art. 9.º, n.º 2 do CPTA não viola de forma alguma o art. 20.º da Constituição (CRP), pois a utilização do meio de impugnação administrativa previsto no n.º 4 do art.º 15 do Decreto-Lei n.º 132/2012, não impede qualquer acesso aos Tribunais, até porque é facultativo;

VIII. O contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, com o âmbito estabelecido na secção II do Capítulo 1 do Titulo III do CPTA rege-se pelo disposto neste capítulo e, no que com ele não contenda, pelo disposto nos capítulos II e III do Título II, conforme previsto no artigo 97.º do CPTA.

IX. O regime processual previsto no artigo 99.º do CPTA é imperativamente aplicável, corresponde a um meio processual de utilização necessária, não podendo as partes renunciar à sua utilização para o efeito de optarem pelo processo declarativo comum, a que correspondem prazos processuais e de propositura da ação mais amplos.

X. O prazo de propositura das ações a que se refere o artigo 99.º do CPTA é de um mês, e não se suspende nos termos do n .º 4 do artigo 59.0 do CPTA e do n.º 3 do artigo 190.º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi n .º 1 do artigo 97.º do CPTA.

XI. O n .º 4 do art.º 59 do CPTA determina que "a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar".

XII. Diversamente do que sucede no art. 101.º do CPTA, no artigo 99.º o legislador intencionalmente não verteu para a forma de processo especial ali prevista a aplicabilidade do disposto nos artigos 58.º, n .º 3, 59.º e 60.º à contagem do prazo nos processos do contencioso de procedimentos de massa, pelos que aqueles artigos apenas serão aplicáveis, nos termos previstos no artigo 97.º, ou seja, no que não contenda com o regime especial ali desenhado.

XIII. O regime jurídico processual previsto no artigo 99.º do CPTA, tem natureza especial e imperativa conduzindo à sua obrigatoriedade para o Tribunal quanto à concentração processual e apensação ali previstas.

XIV. O efeito suspensivo previsto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA e no n .º 3 do artigo 190.º do Código do Procedimento Administrativo de que o recorrente pretende prevalecer-se contende com "a concentração, num único processo de todas as pretensões deduzidas pelos participantes" desde logo porque dentro dos prazos previstos no art.º 99.º, só seria possível conhecer o processo que foi intentado em primeiro lugar, mas já não seria possível conhecer o último processo que poderia ser proposto se o prazo ad quem não for comum, predeterminado e conhecido por todos os intervenientes processuais: partes, contrainteressados e tribunal.

XV. O efeito suspensivo previsto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA e no n.º 3 do artigo 190.º do Código do Procedimento Administrativo que o recorrente pretende atribuir à impugnação administrativa facultativa obrigaria o Tribunal a aguardar pelo último dia em tese legalmente possível para a propositura de ações nos concursos de massas.

XVI. O último dia em tese legalmente possível para a propositura de ações sobre os atos praticados nos procedimentos de massa em causa nos autos poderia ocorrer até um mês após o decurso de mais de 150 dias úteis (cf. artigos 195.º, n.º 2 e 198.º, n.º 1, e n.º 2 do CPA), isto é, mais de sete meses após a prática do ato em crise, o que indiscutivelmente contenderia com a natureza urgente da forma processual especial prevista no art.º 99.º do CPTA.

XVII. A suspensão prevista no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA e no n.º 3 do artigo 190.º do Código do Procedimento Administrativo contende com a natureza urgente da forma processual prevista no artigo 99.º do CPTA ao impedir a apensação obrigatória em tempo útil.

XVIII. Porque é de interesse público e de todos os opositores obter uma composição definitiva dos litígios em tempo razoável, de modo a satisfazer as necessidades de recrutamento de pessoal para o exercício de funções públicas docentes e estabilizar os resultados dos procedimentos de massa que podem repercutir-se de forma muito significativa na esfera jurídica dos docentes interessados e de toda a comunidade escolar, deve manter-se a sentença judicial proferida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificado o Digno Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com confirmação da decisão recorrida, nos seguintes termos:
«(…)
Dispõe o artigo 99º, n° 2, do CPTA, sob a epígrafe "Contencioso dos procedimentos de massa", que «Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês e as ações devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada.»
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, o art. 99º, nº 2 afasta o regime geral em matéria de prazos estabelecida no art. 58º, para a impugnação dos actos administrativos, sobrepondo-se igualmente aos prazos previstos nos nºs 1 e 3 (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, Almedina, pág. 790).
E como se sublinha e bem, na douta sentença, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10, pode ler-se «...nos artigos 97º e 99º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes. O novo regime dos procedimentos de massa visa assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.»
Finalmente, com o devido respeito adere-se ao teor das contra-alegações do Ministério da Educação, permitindo-nos aqui reproduzir o seguinte excerto:
«As razões que presidiram à extensão do regime suspensivo aos processos précontratuais não são subsumíveis aos procedimentos de massa, pela simples razão de que nesta não estamos perante uma relação jurídica entre um número relativamente restrito de sujeitos (uma entidade adjudicante e os concorrentes) mas entre um número alargado, verdadeiramente massificado de sujeitos (no caso, milhares de opositores ao concurso docente), cuja segurança jurídica fica irremediavelmente torpedeada com a precarização da eficácia jurídica do ato de homologação das listas finais.»
Assim, a conclusão será que nos termos do n.º 2 do art.° 99º do CPTA, as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos nos "procedimentos de massa", devem ser instaurados no prazo de um mês, contado nos termos do art.º 279º do CC, por força do disposto no art.º 58º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 97º, n.º 1, al. b), do CPTA, tratando-se de um prazo contínuo e de caducidade, não tendo a eventual reclamação graciosa facultativa a virtualidade de suspender o início do prazo de caducidade do direito da acção.
Neste contexto, resultando do probatório que o prazo de impugnação contenciosa se iniciou em 19/07/2017 (art. 279º/b CC), terminou em 19/08/2017, sábado (279º/c), e transferiu-se para dia 21/08/2017, segunda-feira (279º/e) primeiro dia útil imediato (cfr. Ac. STA (ST) de 08-10-2014, P. n.º 0548/14: «A disposição da primeira parte da alínea e) do artigo 279° do Código Civil deve ser interpretada de forma actualista, no sentido de que, também quando o último dia do prazo caia num sábado transfere-se para o primeiro dia útil.»)
Quando a acção entrou em 27/09/2017, via CTT, (facto D do probatório), já havia caducado o direito de acção do recorrente. (…)»

Sendo que dele notificadas as partes, apresentou-se a responder o recorrente reiterando a sua posição, no sentido da suspensão do prazo para instauração da ação por efeito da dedução de recurso hierárquico, pelos argumentos que ali renovou.

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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo (correspondente aos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial colocada a este Tribunal reconduz-se a saber se o Tribunal a quo ao julgar intempestiva a instauração da ação, por errada interpretação e aplicação das normas processuais.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
A) O A. foi opositor ao concurso externo, contratação inicial e reserva de recrutamento para a seleção e recrutamento de pessoal docente 2017/2018, aberto pelo Aviso nº 3887-B/2017, publicado no Diário da República, II série, 1º Suplemento, nº 72, de 11/04/2017, ao grupo de recrutamento 110 - 1º ciclo do ensino básico e ao grupo 260 - educação física (cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial).

B) Em 18/07/2017 foram publicadas pela DGAE, na sua página eletrónica, as listas definitivas de ordenação (cfr. documentos nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial).

C) Em 20/07/2017 o A. apresentou recurso hierárquico (cfr. documento 8 junto com a petição inicial).

D) Em 29/09/2017 - via SITAF e em 27/09/2017 – via CTT, através de carta registada, foi interposta a presente ação administrativa urgente de contencioso de procedimentos de massa (cfr. consta dos autos).


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B – De direito

1. Da decisão recorrida
A ora recorrente J……. instaurou o presente processo de contencioso de procedimento de massa (previsto no artigo 99º do CPTA, na sua versão atual, resultante do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, no qual, por referência ao concurso externo para o ano escolar de 2017/2018, impugnou o ato de homologação das listas definitivas de ordenação, colocação, não colocação e exclusão dos Grupos de Recrutamento 110 – 1º Ciclo de Ensino Básico e 260 – Educação Física, publicadas a 18 de Julho, peticionando a sua anulação na parte em que graduou o autor na 3ª prioridade daqueles grupos de recrutamento, e bem assim a condenação do réu a integrar o autor na 2ª prioridade, praticando os atos necessários à reconstituição da situação conforme a legalidade.
Na contestação apresentada pelo réu MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO foi suscitada a exceção dilatória da intempestividade da ação (intempestividade da prática de ato processual) (vide artigos 2º a 12º daquele seu articulado).
Após resposta do autor, a Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu o despacho-saneador de 14-12-2017, no qual julgou procedente a suscitada exceção, e em consequência absolveu o réu da instância ao abrigo do artigo 89º, nºs 2 e 4, alínea k) do CPTA. Decisão que tendo por base a matéria de facto que ali deu como provada (vertida supra), a qual não vem impugnada no presente recurso, assentou na seguinte fundamentação, que passa a transcrever:
«O presente processo tem caráter urgente (cfr. artigo 36º, nº 1, alínea b), do CPTA) e o seu âmbito encontra-se definido nos artigos 97º, nº 1, alínea b), e 99º do CPTA.
O prazo de propositura da ação está regulado no artigo 99º, nº 2, do CPTA, constituindo um pressuposto processual específico e é um prazo de natureza substantiva.
Dispõe o artigo 99º, nº 2, do CPTA, sob a epígrafe “Contencioso dos procedimentos de massa”, que «Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês e as ações devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada.» (itálico da signatária).
«O nº 2 afasta o regime geral em matéria de prazos que resulta do disposto no artigo 58º, para a impugnação de atos administrativos, e no artigo 69º, para a condenação à prática de ato devido, reduzindo o prazo de propositura da ação para um mês, à semelhança do que sucede com os processos de contencioso pré-contratual (artigo 101º), mas ressalva, no segmento inicial do preceito, a existência de “disposição legal em contrário”. A lei pretende, deste modo, excepcionar ao regime-regra os prazos de caducidade estabelecidos em diplomas legais que regulem especialmente os procedimentos de recrutamento ou concurso de pessoal e de realização de provas, que integram o âmbito aplicativo do contencioso dos procedimentos de massa e que, segundo o princípio da especialidade, prevalecem sobre o direito geral.
Tratando-se de um prazo único, o prazo do nº 2 deve ser aplicado independentemente do vício que afete o ato e da qualidade em que intervém o demandante. O nº 2, ao fixar o prazo de um mês, sobrepõe-se a qualquer das regras do nº 1 do artigo 58º, não se podendo distinguir entre a impugnação de atos nulos ou de atos anuláveis, ou entre a impugnação promovida pelo MP, no exercício da ação pública, e a impugnação a cargo de quaisquer outros interessados.
No silêncio da lei, deve, entretanto, considerar-se afastada a aplicabilidade neste domínio do regime de flexibilização do prazo de impugnação a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 58º. Com efeito, essas disposições asseguram a possibilidade de a petição ser apresentada fora do prazo geral de impugnação. Ora, a possibilidade de o ato ser impugnado para além do prazo de impugnação é, em si, incompatível com a própria lógica que está subjacente à autonomização do meio processual previsto no artigo 99º, dirigida a obter a redução dos prazos e a concentração dos litígios num único processo, de modo a gerar uma situação de estabilidade jurídica quanto ao resultado do procedimento. De facto, a apensação dos diversos processos que tenham sido intentados, sendo um mecanismo essencial para assegurar a uniformidade de julgamento, pressupõe que os processos sejam instaurados contemporaneamente….
Ao autonomizar o contencioso dos procedimentos de massa, enquadrado na ação administrativa urgente e sujeito a um prazo de caducidade específico do direito de ação e a uma tramitação processual própria, o legislador fornece uma indicação segura de que pretende instituir um regime processual imperativamente aplicável, a cuja utilização as partes não podem renunciar para o efeito de optarem pelo processo declarativo comum, a que correspondem prazos processuais e de propositura da ação mais amplos. Deve entender-se, assim, que estamos perante um meio processual de utilização necessária, …» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Fernandes Cadilha – 2017, 4ª Edição, Almedina, páginas 789/791).
Inexistindo disposição legal em contrário, atento o regime constante do Decreto-Lei nº 132/2012, de 27/06, o prazo de propositura da presente ação é de um mês, todavia, o artigo 99º, nº 2, do CPTA, não indica o termo a quo da contagem do referido prazo.
Dispõe o artigo 97º, nº 1, alínea b) do CPTA, sob a epígrafe “1 – Regem-se pelo disposto no presente capítulo e, no que com ele não contenda, pelo disposto nos capítulos II e III do Título II: b) O contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, com o âmbito estabelecido na secção II;» (sublinhado da signatária).
O Título II intitula-se “Da ação administrativa”, que integra o Capítulo II relativo às “Disposições particulares” [artigos 50º a 77º-B] e o Capítulo III relativo à “Marcha do processo” [artigos 78º a 96º].
O ato impugnado foi publicado na página eletrónica da DGAE (alínea B) do probatório) e o critério de contagem previsto no artigo 59º, nº 3, do CPTA apenas se reporta «…a quaisquer outros interessados, isto é, a quaisquer particulares, associações cívicas ou sindicais e entidades públicas que possam ser afetados pelo ato administrativo, mas que não devem ser qualificados como seus destinatários, ….» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Fernandes Cadilha – 2017, 4ª Edição, Almedina, páginas 410).
Atenta a forma das notificações prevista no artigo 112º, do Código do Procedimento Administrativo, o disposto no artigo 59º, nº 2, do CPTA, aplicável “ex vi” artigo 97º, nº 1, do CPTA, que não contende com o regime estabelecido no artigo 99º do CPTA, e o preceituado no artigo 15º, nº 3, do Decreto-Lei nº 132/2012, de 27/06, o Autor foi notificado do ato impugnado em 18/07/2017 (alínea B) do probatório), cujo recurso hierárquico por si interposto (alínea C) do probatório) não teve a virtualidade de suspender os seus efeitos.
O prazo de impugnação começou a correr em 19/07/2017, por força do estatuído no artigo 279º, alínea b) do Código Civil [cfr. artigos 296º e 392º do Código Civil], porém, o mesmo não se suspendeu, nos termos do artigo 59º, nº 4, do CPTA, por tal regime contender com o previsto no artigo 99º do CPTA.
Para a Prof. Carla Amado Gomes «A criação do artigo 99º do CPTA, com o seu intuito de estabilização rápida dos procedimentos concursais nos âmbitos materiais indicados no nº 1, vem colocar a questão sobre a manutenção do acesso às vias de sindicância graciosa. Isto porque, nos termos do artigo 59º/4 do CPTA (secundado pelo artigo 190º/3 do Código do Procedimento Administrativo = CPA), a utilização de meios graciosos, como a reclamação, o recurso hierárquico, ou qualquer recurso especial (cfr. o artigo 199º/5 do CPA), suspende os prazos de impugnação contenciosa. Ora, se o propósito é acelerar a estabilização e concentrar a apresentação no prazo de um mês após a publicação dos resultados, a pulverização de pedidos graciosos, com a inerente dilação de resposta da entidade reclamada/recorrida, a lógica de estabilização perder-se-ia.
A resposta passa, em nossa opinião e na esteira do disposto no artigo 97º/1 do CPTA, que remete a tramitação das acções urgentes para o Capítulo I do Título III, aplicando-se o disposto nos Capítulos II e III do Título II “no que com ele não contenda”, pela derrogação da regra de suspensão do prazo de impugnação contenciosa em virtude de utilização da via graciosa, devendo o reclamante/recorrente utilizar ambos os meios em simultaneidade – valendo aqui a previsão do nº 5 do artigo 59º do CPTA como um ónus e não como uma faculdade. Ou seja, e porque não é admissível negar o acesso à via graciosa, a sua utilização deve ser compatível com o desígnio do artigo 99º.» (Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão – Coordenadores - COMENTÁRIOS À REVISÃO DO ETAF E DO CPTA, 2017, 3ª Edição, AAFDL, página 884).
Com a revisão do CPTA de 2015, o legislador autonomizou o contencioso dos procedimentos de massa, com um regime processual imperativo, e apenas quis aplicar o regime de suspensão do prazo de impugnação contenciosa, no âmbito da ação administrativa urgente, ao contencioso pré-contratual, conforme resulta expressamente do artigo 101º do CPTA.
Foi intenção do legislador, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10, introduzir «…nos artigos 97.º e 99.º a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes. O novo regime dos procedimentos de massa visa assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.» (itálico da signatária).
Estamos perante um contencioso que visa a concentração num único processo de todas as pretensões deduzidas pelos participantes nos procedimentos que abrange e o prazo de interposição de um mês constitui uma condição prévia desse objetivo.
A concentração de pretensões, estabilidade e celeridade nos procedimentos de massa é incompatível com o regime de suspensão do decurso do prazo de impugnação contenciosa pelo recurso à via graciosa e cujo prazo de decisão é fixado em dias úteis. Um processo que se quer urgente, face ao número elevado de participantes, transformar-se-ia num processo mais demorado do que uma simples ação administrativa não urgente.
O legislador apenas permite a propositura da ação para além do prazo legalmente fixado nas situações em que ocorra justo impedimento, mas tal situação não foi alegada pelo Autor.
Diga-se, por fim, que a revisão do CPTA, operada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10, não fez depender o início de vigência da ação administrativa urgente, de contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, da publicação da portaria a que se refere o artigo 99º, nº 3, do CPTA (artigo 15º do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10), pois «…Enquanto não for publicada a portaria, os articulados obedecem aos critérios gerais dos artigos 78º e 83º». (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Fernandes Cadilha – 2017, 4ª Edição, Almedina, páginas 792).
Assim e em concreto, o prazo de impugnação contenciosa começou o seu curso em 19/07/2017 (artigo 279º, alínea b) do CC) e terminou em 19/08/2017 (artigo 279º, alínea c) do CC), mas por ser um sábado, e o disposto no artigo 279º, alínea e), do CC apenas se referir aos domingos e dias feriados, considero aplicável o regime de diferimento do prazo para o primeiro dia útil imediato, ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável supletivamente (artigo 1º do CPTA), pelo que terminou dia 21/08/2017.
Como o Autor apenas deu entrada da presente ação no dia 27/09/2017, via CTT (alínea D) do probatório), nesse data, já se encontrava caducado o direito de a intentar, o que constitui uma exceção dilatória insuprível, que obsta ao conhecimento do mérito do presente processo e conduz à absolvição da instância da Entidade Demandada.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção invocada e absolvo da instância o Ministério da Educação, ao abrigo do disposto no artigo 89º, nºs 2 e 4, alínea k), do CPTA.»

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2. Da tese da recorrente
Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo ao considerar que a utilização de impugnação administrativa (recurso hierárquico) não suspendeu o prazo para a propositura da presente ação, julgando consequentemente verificada a exceção de intempestividade da ação, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação das normas processuais, com violação dos artigos 59°, n.º 4, 97.º e 99.º do CPTA, do art.º 190 nº 3 do CPA e do art.º 20 da CRP.
Argumenta para tanto que que o legislador, nos procedimentos de massa, apenas quis reduzir os prazos que, expressamente, vêm referidos, no art.º 99.º do CPTA, e ainda aqueles que são consequência direta de o procedimento de massas ser considerado um processo urgente; que jamais o legislador quis impedir que os professores pudessem utilizar os meios graciosos de impugnação, que no presente caso até se encontra previsto no art.º 15, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 132/2012 de 27 de junho (recurso hierárquico); que a qualificação dos procedimentos de massas como processo urgente não afasta a previsão consagrada no n.º 3, do artigo 190.º do CPA que, expressamente, refere “A utilização de meios de impugnação administrativa facultativos suspende os prazos de propositura de ações nos tribunais administrativos”; que esta mesma previsão se encontra também no art.º 59.º, n.º 4 do CPTA que se aplica por força do estatuído no artigo 97.º do mesmo código que manda aplicar os capítulos I e II, do título II: “A utilização dos meios administrativos de impugnação suspende os prazos de impugnação contenciosa ...”; que através da previsão do recurso hierárquico o legislador pretende que os litígios sejam resolvidos sem recurso à via judicial; que a tese defendida pelo tribunal a quo de que os prazos de recurso hierárquico e o prazo de impugnação contenciosa se sobrepõem, implicaria que o autor estivesse impedido de utilizar o recurso hierárquico, por o prazo para decisão de recurso hierárquico ser de 30 dias úteis e o prazo de impugnação contenciosa ser de 30 dias seguidos, em termos que o prazo de propositura da acção ocorreria em data anterior àquele em que a Administração tinha para decidir o recurso hierárquico; que caso fosse sufragada a tese do tribunal a quo, o recurso hierárquico, expressamente previsto no art.º 15, n.º 4, do Decreto­ Lei n.º 132/2012 de 27 de junho, perderia todo o seu efeito útil ou, utilizando, estaria o recorrente impedido de recorrer aos tribunais; que a interpretação que o tribunal a quo dá ao n.º 2 do art.º 99 do CPTA não poderá ser aceite por impedir o recorrente de utilizar os meios de impugnação graciosa, expressamente previstos no caso dos autos, violando assim, de forma grave, o artigo 20.º da República Portuguesa (CRP), já que, utilizando os meios de impugnação administrativa, ficaria o recorrente impedido de aceder aos tribunais; que se bem que com este novo procedimento de massas o legislador pretendeu (além do mais) uma aceleração dos processos, por encurtar o prazo de 3 meses (prazo geral) e o prazo de um (Ministério Público) para um mês, mas, com certeza que não pretendeu um atropelo aos direitos dos cidadãos sob pena de estar a violar a Constituição; que a aceleração processual não justifica que sejam atropelados princípios consagrados na Lei, inclusive na Lei Constitucional e os direitos do recorrente também consagrados na Lei; que também não colhe a argumentação de que, com a utilização dos meios de impugnação graciosa, haveria uma dilação de respostas da entidade reclamada/recorrida, pois, nesta fase do concurso, apenas já só é possível o recurso hierárquico - a fase da reclamação já passou - e o prazo apenas se suspende (como é sabido) durante trinta dias úteis, ou seja, durante o prazo de resposta da Autoridade Administrativa; que a utilização dos meios de impugnação administrativa não contende com a “concentração num único processo de todas a pretensões deduzidas pelos participantes”; que a utilização do recurso hierárquico poderá até ser muito vantajosa, pois dá a oportunidade de a Administração corrigir situações que venha a considerar ilegais e/ou esclarecer o administrando do sentido e fundamentação da sua decisão, o que, em qualquer dos casos, poderão evitar-se imensos procedimentos de massa, o que será benéfico para todos; que este novo procedimento de massas visa uma aceleração dos processos, impondo o legislador que sejam todos reunidos num só processo, no mesmo tribunal, mas isto em nada colide com a utilização dos meios de impugnação administrativa e com a consequente suspensão dos prazos, durante o prazo de decisão; que após o cumprimento do despacho com o registo 51….. e não existindo outra ação de procedimentos em massa a que esta pudesse ser apensada e sendo a PI perfeitamente idêntica a de qualquer ação administrativa (comum), deveria ter convolado a presente ação em ação administrativa; que um dos fatores que mais iria contribuir para a aceleração dos processos de massa seria a publicação da Portaria, já que iria ordenar e até limitar o que as partes poderiam carrear para os autos o que, como é sabido, ainda não aconteceu; que também no sentido de se considerar a suspensão dos prazos por força da utilização dos meios de impugnação graciosa, vale o que a jurisprudência e a doutrina diziam acerca do contencioso pré-contatual, nos termos do disposto no art.º 100.º n.º 1 que, na sua anterior redação, que mandava aplicar subsidiariamente à impugnação dos atos administrativos relativos à formação de contratos, abrangidos pelo contencioso pré-contratual urgente, os artigos 50.º a 65.º do CPTA, sendo que a atual a redação do art.º 99.º do CPTA é idêntica concluindo que tendo o recorrente sido notificado das listas definitivas em 18.07.2017, e interposto recurso hierárquico no dia 20.06.2017, a presente ação, instaurada no dia 27.09.2017, é tempestiva por o prazo para a propositura da presente ação ter ficado ficou suspenso durante o prazo decisão do recurso hierárquico.
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3. Da análise e apreciação da questão
3.1 O processo de contencioso de procedimentos de massa encontra-se previsto no artigo 99º do CPTA, na sua versão resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, nos seguintes termos:
“Artigo 99.º
Contencioso dos procedimentos de massa
1 — Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios:
a) Concursos de pessoal;
b) Procedimentos de realização de provas;
c) Procedimentos de recrutamento.
2 — Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês e as ações devem ser propostas no tribunal da
sede da entidade demandada.
3 — O modelo a que devem obedecer os articulados é estabelecido por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 — Quando, por referência ao mesmo procedimento, sejam propostas diferentes ações em relação às quais se preencham os pressupostos de admissibilidade previstos para a coligação e a cumulação de pedidos, os respetivos processos são objeto de apensação obrigatória àquele que tiver sido intentado em primeiro lugar, segundo o disposto no artigo 28.º.
5 — Os prazos a observar durante a tramitação do processo são os seguintes:
a) 20 dias para a contestação;
b) 30 dias para a decisão do juiz ou do relator, ou para o despacho deste a submeter o processo a julgamento;
c) 10 dias para os restantes casos.
6 — Nos processos da competência de tribunal superior, quando não seja decidido pelo relator, o processo é julgado, independentemente de vistos, na primeira sessão que tenha lugar após o despacho referido na alínea b) do número anterior.”

3.2 Trata-se de uma nova de uma nova forma de processo urgente (cfr. artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA revisto) respeitante à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, de procedimentos de realização de provas e de recrutamento (cfr. artigo 99º nº 1 do CPTA revisto), com a qual se visa, como é dito no preâmbulo do DL. n.º 214-G/2015, “…dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes” , tendo em vista “…assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo” – sobre este novo meio processual urgente veja-se Carla Amado Gomes, in “Processos em massa e contencioso dos procedimentos em massa: o que os une e o que os separa” - Comentários à Revisão do CPTA e ETAF, AAFDL Editora, 2016, 2ª Edição, Pág. 629 ss.; Esperança Mealha, in “Contencioso (urgente) dos processos em massa” – CJA nº 106, 2014, pág. 79 ss.; e João Raposo, inO novo contencioso urgente dos processo em massa” – CJA nº 106, 2014, pág. 88 ss..
3.3 O processo de contencioso de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos (cfr. nº 1 do artigo 99º do CPTA), podendo assim nele ser formuladas quer pretensões impugnatórias, tendo em vista designadamente a declaração de nulidade ou a anulação de atos administrativos, quer pretensões condenatórias, visando nomeadamente obter a condenação das entidades administrativas na prática de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados.
3.4 Atento o seu objeto e natureza, este processo encontra-se sujeito a um prazo de instauração mais curto do que os estabelecidos para idênticas pretensões quando formuladas no âmbito da ação administrativa, estabelecendo o nº 2 do artigo 99º do CPTA revisto, que salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura dos processos de contencioso de procedimentos de massa é de um mês.
3.5 A questão que aqui se coloca é a de saber se tem aplicação no âmbito dos processos de contencioso de procedimentos de massa previstos no artigo 99º do CPTA o normativo do artigo 59º nº 4 do mesmo código de acordo com o qual “…a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.
3.6 Entendeu a sentença recorrida que não, apoiando-se na tese, que seguiu, de que as finalidades do processo de contencioso de procedimentos de massa é incompatível com a suspensão do prazo de impugnação judicial decorrente da utilização de meios de impugnação graciosa por, nas suas palavras, “…a concentração de pretensões, estabilidade e celeridade nos procedimentos de massa é incompatível com o regime de suspensão do decurso do prazo de impugnação contenciosa pelo recurso à via graciosa e cujo prazo de decisão é fixado em dias úteis. Um processo que se quer urgente, face ao número elevado de participantes, transformar-se-ia num processo mais demorado do que uma simples ação administrativa não urgente.”.
3.6 Não sufragamos, todavia, tal entendimento. Vejamos porquê.
3.7 O processo de contencioso dos procedimentos de massa previsto no artigo 99º do CPTA revisto pelo DL. n.º 214-G/2015, constitui uma forma de processo especial, de natureza urgente, regendo-se pelo que dele consta.
Mas resulta do expressamente disposto no artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA que para além das normas próprias constantes do artigo 99º, o processo de contencioso dos procedimentos de massas se rege “… no que com ele não contenda”, pelo disposto nos capítulos II e III do Título II do Código, ou seja, pelas normas atinentes à ação administrativa contidas nos artigos 50º a 94º.
Da expressão «no que com ele não contenda» usada no artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA pelo legislador do DL. n.º 214-G/2015, na revisão que fez operar ao CPTA e da qual resultaram as normas dos artigos 97º e 99º, haverá que entender-se que os referidos normativos atinentes à ação administrativa (forma de ação comum, de caracter não urgente, no novo figurino processual do CPTA) são de aplicação supletiva ao processo de contencioso dos procedimentos de massa (de natureza especial e urgente). Significando que neles se haverá de buscar a regulação de situações para as quais não exista no Código norma especial de aplicação a esta forma de processo.
3.8 O nº 2 do artigo 99º do CPTA prevê expressamente que os processos de contencioso de massas devem ser instaurados no prazo de um mês. Esse é, pois, o prazo legal para a sua instauração.
Mas nada mais dispõe o artigo 99º do CPTA quanto a quaisquer outros aspetos respeitantes à contagem desse prazo, seja quanto ao respetivo termo inicial, seja quanto a eventuais causas de suspensão ou interrupção.
3.9 Ora, se o Código nada contempla entre os normativos especiais que regulam a forma de processo, especial e urgente, que constitui o processo de contencioso de procedimentos de massa previsto no seu artigo 99º, quanto aos aspetos respeitantes à contagem do prazo de instauração de um mês a que se encontra sujeito, nomeadamente quanto ao respetivo termo inicial e quanto a eventuais causas de suspensão ou interrupção, é nos artigos 50º a 94º do Código que haverá de encontrar-se a respetiva resposta, por força da remissão contida no artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA.
3.10 O que significa que o normativo do artigo 59º nº 4 do CPTA de acordo com o qual “…a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”, tem aplicação (subsidiária) no âmbito dos processos de contencioso dos procedimentos de massa previstos no artigo 99º do CPTA.
3.11 Isso mesmo já foi, aliás, considerado no acórdão deste TCA Sul de 05/07/2017, Proc. nº 2823/16.0BELSB, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos relatores (em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «I – O processo de contencioso de procedimentos de massa (atualmente previsto no artigo 99º do CPTA, na versão resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) constitui uma nova de uma nova forma de processo urgente (cfr. artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA revisto) respeitante à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, de procedimentos de realização de provas e de recrutamento (cfr. artigo 99º nº 1 do CPTA revisto), com a qual se visa dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes, tendo em vista assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo. II – O processo de contencioso de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos (cfr. nº 1 do artigo 99º do CPTA), podendo assim nele ser formuladas quer pretensões impugnatórias, tendo em vista designadamente a declaração de nulidade ou a anulação de atos administrativos, quer pretensões condenatórias, visando nomeadamente obter a condenação das entidades administrativas na prática de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados. III – Atento o seu objeto e natureza, este processo encontra-se sujeito a um prazo de instauração mais curto do que os estabelecidos para idênticas pretensões quando formuladas no âmbito da ação administrativa, estabelecendo o nº 2 do artigo 99º do CPTA revisto, que salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura dos processos de contencioso de procedimentos de massa é de um mês. IV – Não prevendo o artigo 99º do CPTA revisto nenhuma outra norma especial, para além da fixação do prazo de 1 mês como prazo de caducidade do direito de ação, a questão de saber como se haverá de proceder à contagem daquele prazo haverá de encontrar resposta nas normas contidas no CPTA referentes às ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos (cfr. nº 1 do artigo 97º). (…)»), bem como no acórdão de 19/04/2018, Proc. nº 1549/17.1BELSB, também deste TCA Sul, em que fomos adjuntas.
3.12 Assim, por efeito do disposto no artigo 59º nº 4 do CPTA, aplicável ex vi do artigo 97º nº 1 alínea b) do mesmo Código, o prazo de um mês para a instauração de ação de contencioso de massas previsto no artigo 99º nº 2 suspende-se quando o autor fizer uso de meios de impugnação administrativa, prazo que retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.
3.13 Pelo que vale, assim também, no âmbito dos processos de contencioso de massas a regra que igualmente já resulta do expressamente disposto no artigo 190º nº 3 do CPA novo (aprovado pelo DL. nº 4/2015, de 7 de janeiro), nos termos do qual “…a utilização de meios de impugnação administrativa facultativos contra atos administrativos suspende o prazo da propositura de ações nos tribunais administrativos, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal”.
3.14 Não se afigurando ter sido a vontade do legislador do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, proceder ao seu afastamento, já que não desconhecendo a regra resultante daqueles normativos (do artigo 59º nº 4 do CPTA e do artigo 190º nº 3 do CPA), não só consentiu na sua aplicação, através da remissão constante do artigo 97º nº 1 alínea b), como não contemplou, no regime que ali especificamente criou no seu artigo 99º, qualquer norma excludente ou conflituante.
3.15 Os elementos interpretativos (cfr. artigo 9º do Código Civil), incluindo a unidade do sistema jurídico e o contexto temporal e histórico dos artigos 97º nº 1 alínea b) e 99º do CPTA, apontam, pois, no sentido de que o legislador não considerou incompatível com o desiderato visado com a criação do meio processual especial, de contencioso dos procedimentos de massa, a regra da suspensão do prazo de instauração da ação por efeito da utilização dos meios de impugnação administrativa, já que se assim não fosse o teria afastado. O que não sucedeu.
Nem se podendo concluir, concomitantemente, que o artigo 99º do CPTA contenha qualquer derrogação da regra (geral) de suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente da utilização das impugnações administrativas, ou que essa tenha sido a intenção do legislador, ainda que imperfeitamente expressa.
3.16 Nem essa é, aliás, a posição sufragada por Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª Edição, na anotação ao artigo 99º do Código, que a citação feita na sentença proferida pelo Tribunal a quo parece querer indiciar.
3.17 Importando relembrar, o que não é de somenos, que o juiz, enquanto interprete e aplicador da lei, não pode sobrepor, em obediência ao princípio constitucional da separação e interdependência dos poderes (cfr. artigo 2º da RCP e artigo 3º nº 1 do CPTA), à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa, (vide, Acórdão do Pleno do STA de 13/11/2007, Procº nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta). Sendo, por conseguinte, absolutamente irrelevante o que possa ser defendido, de jure constituendo, a este respeito.
3.18 Ora, como se disse, os elementos interpretativos (cfr. artigo 9º do Código Civil) apontam todos no sentido da aplicação (supletiva), ex vi do artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA, do regime consagrado no artigo 59º nº 4 aos processos de contencioso dos procedimentos de massa. Com efeito, é a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação jurídica a efetuar pelo intérprete e aplicador da lei nos termos do disposto nos artigos 9.º e 10° n.º 2 do Código Civil, que, entre o demais, determina na tarefa de interpretação da lei se elimine aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência, e que, no caso de a lei comportar apenas um sentido seja esse o sentido da norma. Noutra formulação, e à luz do disposto no artigo 9º do Código Civil o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada. E na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais, o intérprete tem que utilizar sempre conjuntamente o elemento gramatical (a letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei), neste se incluindo o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico (cfr. Batista Machado in, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1985, pág. 181).
3.19 O Tribunal a quo ao considerar não aplicável aos processos de contencioso dos procedimentos de massa a regra da suspensão dos prazos de impugnação por efeito da utilização de impugnação administrativa (recurso hierárquico facultativo) decorrente do artigo 59º nº 4 do CPTA, fez, pois, incorreta interpretação e aplicação da lei, assistindo, pois, neste aspeto, razão ao recorrente.
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3.19 Feita esta primeira conclusão, cabe agora, por conseguinte, averiguar se na situação dos autos, e em aplicação daquela regra, a instauração da presente ação foi tempestiva por efeito da interposição de recurso hierárquico facultativo.
3.20 Resulta do probatório que o autor foi opositor ao concurso externo, contratação inicial e reserva de recrutamento para a seleção e recrutamento de pessoal docente 2017/2018, aberto pelo Aviso nº 3887-B/2017, publicado no Diário da República, II série, 1º Suplemento, nº 72, de 11/04/2017, ao grupo de recrutamento 110 - 1º ciclo do ensino básico e ao grupo 260 - educação física; que em 18/07/2017 foram publicadas pela DGAE, na sua página eletrónica, as listas definitivas de ordenação e que o autor apresentou recurso hierárquico em 20/07/2017. Sendo que, não tendo o mesmo merecido qualquer decisão expressa o autor instaurou, então, a presente ação, através da respetiva petição inicial que remeteu ao Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa por correio registado em 27/09/2017, recebido e incorporado no SITAF em 29/09/2017.
3.21 O concurso a que o autor foi opositor encontra-se regulado pelo DL. nº 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados, cuja respetiva tramitação procedimental é efetuada eletronicamente através do sítio na internet da Direção-Geral da Administração Escolar, incluindo quanto às respetivas candidaturas, sendo as respetivas listas de admissão, exclusão, graduação e colocação, provisórias ou definitivas, as quais são ali publicadas (cfr., designadamente, artigos 5º, 6º, 7º, 13º, 14º, 15º e 16º do DL. nº 132/2012).
3.22 Na presente ação o autor insurge-se contra o seu posicionamento nas listas de ordenação final, publicadas no sítio da internet da DGAE em 18/07/2017, na 3ª prioridade, defendendo que deveria estar incluído na 2ª prioridade, pelas razões que expõe na petição inicial (vide, designadamente, artigos 31º a 53º da PI). Igual posição havia defendido no procedimento, em sede de reclamação das listas provisórias (cfr. artigo 14º nº 3 do DL. nº 132/2012, ou seja, em sede de audiência prévia). E que também renovou no recurso hierárquico que interpôs das listas definitivas (cfr. artigo 15º nº 4 do DL. nº 132/2012). A tudo aludindo na petição inicial da ação (vide, designadamente, artigo 1º a 8º da PI).
3.23 O artigo 15º do DL. nº 132/2012, sob a epígrafe “Listas Definitivas”, dispõe o seguinte (versão já em vigor à data):
“Artigo 15.º
Listas definitivas
1 - Esgotado o prazo de notificação referido no n.º 5 do artigo anterior, as listas provisórias convertem-se em definitivas, contendo as alterações decorrentes das reclamações julgadas procedentes e as provenientes das desistências.
2 - O preenchimento dos lugares respeita as preferências identificadas no presente diploma e materializa-se nas listas de colocações, as quais dão origem igualmente a listas graduadas de candidatos não colocados, publicitadas nos termos do aviso de abertura do concurso.
3 - As listas definitivas de ordenação, de exclusão, de colocação e de candidatos não colocados são homologadas pelo diretor-geral da Administração Escolar, sendo publicitadas pela Direção-Geral da Administração Escolar na respetiva página da Internet.
4 - Das listas definitivas de colocação, de ordenação e de exclusão pode ser interposto recurso hierárquico, elaborado em formulário eletrónico, sem efeito suspensivo, a apresentar no prazo de cinco dias úteis.”

3.24 O recurso hierárquico previsto no nº 4 deste artigo 15º deve ser configurado, sem margem para dúvida ou incerteza, como recurso hierárquico de caracter facultativo, como aliás é a regra (cfr. artigo 185º nº 2 do CPA novo).
3.25 Das listas em causa, publicadas em 18/07/2017 (uma terça-feira), o autor interpôs recurso hierárquico em 20/07/2017 (a quinta-feira imediatamente seguinte), pelo que o recurso hierárquico facultativo foi apresentado em tempo, porque dentro dos cinco dias úteis seguintes à publicação das listas, nos termos estatuídos no artigo 15º nº 4 do DL. nº 132/2012.
3.26 Não existido norma especial quanto ao prazo para decisão daquele recurso hierárquico, haverá que aplicar a norma geral que consta do artigo 198º do CPA novo que dispõe o seguinte:
“Artigo 198º
Prazo para a decisão
1 - Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias, a contar da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer.
2 - O prazo referido no número anterior é elevado até ao máximo de 90 dias, quando haja lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares.
3 - No âmbito do recurso hierárquico necessário, o superior hierárquico deve apreciar todas as questões suscitadas pelo recorrente, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
4 - O indeferimento do recurso hierárquico necessário ou o decurso dos prazos referidos nos n.ºs 1 e 2, sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão.”

O que significa que o prazo de decisão do recurso hierárquico facultativo previsto no artigo 15º nº 4 do DL. nº 132/2012 é de 30 dias (úteis, por se tratar de prazo procedimental – cfr. artigo 87º alínea c) do CPA novo), a contar da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer (cfr. artigo 198º nº 1 do CPA novo). A não ser que tenha havido lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares, caso em que o prazo de decisão é elevado até ao máximo de 90 dias (cfr. artigo 198º nº 2 do CPA novo).
3.27 Ora, na situação presente, mesmo desconhecendo a data da remessa do processo administrativo ao órgão competente para decidir o recurso hierárquico (que possibilitaria a dilação do termo inicial da contagem do respetivo prazo de decisão), há que concluir que instaurada a ação em 27/09/2017 (data em que foi enviada a respetiva petição inicial através de correio registado – cfr. artigo 24º nº 5 alínea b) do CPTA) o foi tempestivamente.
Com efeito, publicadas as listas definitivas em 18/07/2017 (uma terça-feira), o prazo de um mês para a propositura da ação iniciou-se no dia seguinte, ou seja, 19/07/2017 (cfr. artigo 279º alínea b) do Código Civil). Tendo o recurso hierárquico facultativo sido interposto em 20/07/2017 (uma quinta-feira), suspendeu-se nessa ocasião a respetiva contagem, por efeito do disposto no artigo 59º nº 4 do CPTA, ex vi do artigo 97º nº 1 alínea b) do mesmo Código. Prazo que só haveria de retomar com a notificação da decisão que haveria de recair sobre o mesmo ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão, consoante o que ocorresse em primeiro lugar. Sendo que no caso não foi proferida decisão expressa sobre o recurso hierárquico.
Contando o prazo legal (prazo procedimental) para a decisão do recurso hierárquico, de 30 dias úteis (cfr. artigos 198º e 87º alínea c) do CPA) a partir da sua interposição (desconsiderando, portanto, a concreta data da remessa do processo administrativo ao órgão competente para o decidir, o que sempre conduziria à dilação do termo inicial da contagem do respetivo prazo de decisão e, por conseguinte, ao alargamento do período de suspensão do prazo de instauração da ação – cfr. artigo 198º nº 1 do CPA), temos que o respetivo termo ocorreria em 01/09/2017 (uma segunda-feira). Cessando, portando, nessa ocasião, a suspensão do prazo para a instauração da ação, que haveria de ser retomado a partir do dia seguinte (02/09/2017) e cujo terminus se verificaria em 30/09/2017, que, por ser um sábado, haveria de transitar para 02/10/2017, primeiro dia útil seguinte (cfr. artigo 138º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 23º do CPTA).
3.28 Tem, pois, que concluir-se ter, no presente caso, sido tempestivamente instaurada a ação, por efeito da suspensão do respetivo prazo de instauração decorrente da interposição de recurso hierárquico facultativo.
Assistindo, também neste aspeto, razão ao recorrente.
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3.29 Deve, pois, ser revogada a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
O que se decide.

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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância para que prossigam os seus subsequentes termos, se a tanto nada mais obstar.
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Custas nesta instância pelo recorrido – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.

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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 13 de Agosto de 2018

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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Nuno Maria e Sousa Coutinho



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Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês