Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1354/17.5BESNT-A-S1
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:INSTRUÇÃO DO PROCESSO
Sumário:O Tribunal, no âmbito da presente acção de execução para pagamento de quantia certa, goza de amplos poderes, podendo ordenar “as diligências instrutórias que considere necessárias” para a boa decisão da causa, conforme resulta do n.º 3 do art.º 171.º do CPTA.
Pode pedir informações e documentos que estejam na posse de terceiros, desde que os mesmos digam respeito ao objecto da acção e relevem para a descoberta da verdade material - artigos 411.º e 432.º do CPC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
Acordam, em conferência, na subsecção de contratos públicos do Tribunal Central Administrativo Sul.

A sociedade .... , Unipessoal, Ldª, vem, no âmbito da presente acção para execução de quantia certa que corre contra o Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E., interpor recurso do despacho proferido a 16/02/2023, com a fundamentação que lhe foi atribuída pelo despacho de 13/03/2024, que deferiu o requerimento apresentado pelo Executado em que é pedido que se notifique a sociedade credora originária dos créditos exequendos, que os cedeu à ora Exequente, a fim de informar se recebeu o pagamento de tais créditos e proceder à junção dos documentos demonstrativos de tal pagamento.
A Recorrente formulou as seguintes conclusões com as alegações de recurso:
A. Por intermédio de Despacho proferido em 13.03.2024, veio o douto Tribunal a quo sanar a invocada arguição de nulidade do Despacho recorrido datado de 16.02.2023, concluindo pela improcedência da tese da Recorrente, e determinando a manutenção do decidido no Despacho recorrido.

B. Face à nova fundamentação do Despacho recorrido, a Recorrente mantém o interesse no seu Recurso, ainda que ampliado e restringido no seu objeto por relação à nova fundamentação do Despacho recorrido, nos termos e segundo os fundamentos supra elencados nas presentes alegações que se prendem com o erro de julgamento de/na interpretação do segmento decisório relativo à condenação no pagamento do capital.
C. Com efeito, o Tribunal a quo não coloca em causa ser certo que o n.º 1, do artigo 171.º, do CPC apenas admite a invocação e respetiva prova de factos supervenientes modificativos ou extintivos da obrigação posteriores ao transito em julgado da decisão exequenda (cf. facto elencado na alínea c) do Despacho).
D. Mas vem interpretar o segmento decisório do Despacho Saneador-Sentença exequendo relativo à condenação no pagamento do capital como reconhecendo a existência de uma “conta corrente entre as Partes nem sempre actualizada nos seus exactos valores”, sendo que expressão “entretanto” utlizada quereria significar que todas e quaisquer quantias eventualmente liquidadas, mas não invocadas ou sequer provadas, antes da prolação da decisão exequenda estariam abarcadas pela condenação (cf. facto elencado na alínea g), do Despacho).
E. Tal interpretação não encontra qualquer eco na factualidade dada como provada, ou na fundamentação de facto e de direito do Despacho Saneador-Sentença exequendo, e só poderia fazer sentido se tivesse sido proferida decisão de condenação genérica a remeter a liquidação do valor (atual) em dívida para o respetivo incidente de liquidação (cf. artigos 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2, do CPC), o que não aconteceu.
F. A decisão exequenda é clara no sentido da total procedência da ação com a condenação do Executado Recorrido no pagamento do valor peticionado (€558.680,33), descontado o valor, “entretanto”, já pago (€5.140,94).
G. Nestes termos, só o alegado pagamento realizado em 29.02.2021 poderá ser invocado em sede de Oposição e objeto de prova nesta instância executiva (cf. n.º 1, do artigo 171.º CPTA), porquanto só este facto é superveniente à prolação e trânsito em julgado do segmento decisório relativo à condenação no pagamento do capital (09.07.2018).
H. Em face do exposto, deve o Despacho recorrido ser parcialmente revogado, atendendo à sua nova fundamentação, determinando-se apenas o deferimento da notificação da credora originária para informar se recebeu qualquer valor correspondente à transferência bancária de 29/03/2021, efetuadas pelo Executado Recorrido, e se após tal recebimento encaminhou os respetivos valores para a ora Recorrente Exequente, como requerido pelo Executado Recorrido em sede de resposta à Réplica (cf. fls. 203 e 204 dos autos), devendo ainda juntar o(s) respetivo(s) elemento(s) documental(ais) comprovativo(s).
Termos em que, Deve a presente Ampliação e Restrição do objeto do Recurso ser admitida e julgada procedente, por provada, determinando-se a subida dos autos recursivos ao Tribunal Central Administrativo Sul após notificação e decurso do prazo de eventual contraditório do Executado.

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O Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. apresentou contra-alegações, que concluiu dizendo:
a) No que toca ao incidente de nulidade/revogação do Despacho de 16/02/2023, no Despacho do Douto Tribunal datado de 16.02.2024, não foi dada razão à Autora, sanando-se a nulidade e notificando-se a Autora para se pronunciar acerca da intenção de manutenção do recurso interposto (artigo 617.º, n.º3 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).
b) A Autora respondeu afirmativamente, através de articulado de ampliação e restrição do objeto do recurso (artigo 617.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).
c) Nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 2 do CPC (ex vi artigo 1.º do CPTA), cabe ao CHS oferecer contraditório, a título de contra-alegações, bem sabendo que o objeto do recurso passa a ser a nova decisão (artigo 617.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).
d) O âmago do litígio prende-se com a interpretação adotada pelo Douto Tribunal de que existiria “(…) uma conta corrente entre as partes, nem sempre actualizada nos seus exactos valores -, valendo a expressão “entretanto” como referindo-se a momento anterior ao da prolação da própria sentença; “.
e) Pelo que deveriam ser descontados todos os pagamentos efetuados pelo Réu à Autora antes da prolação da sentença. A Autora veio contraditar esta leitura, com os seguintes argumentos:
f) Em primeiro lugar, alega a falta de pronúncia do Réu, no sentido de pagamento à credora originária de quantias que não as realizadas em 11.10.2017, o que não corresponde à verdade. De facto, na oposição à execução oferecida pelo Réu, escreveu-se: “Por transferências bancárias de 16/3/2018, 27/5/2018 e 29/3/2017 (docs. 2 a 7) o ora executado procedeu ao pagamento de todas as faturas vencidas e elencadas na sentença exequenda.” (destaque e sublinhado nosso). Também na resposta à Réplica, o CHS reiterou expressamente que pagou à credora originária, requerendo ao Douto Tribunal, à luz do princípio da colaboração (artigo 8.º do CPTA, artigos 7.º, 417.º, 429.º, n.º 2 e 432.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA), que a credora originária fosse notificada para informar se recebeu os pagamentos em causa e se informou a atual Autora. Nas ContraAlegações de Recurso apresentadas pelo CHS, salientou-se o pagamento das quantias executadas nestes autos, reforçando o cumprimento da sentença condenatória, o que se infere, nomeadamente, dos artigos 4.º a 6.º, 17.º a 20.º e 29.º e 30.º.
g) Aliás, sempre que a Autora protesta, sem razão, da notificação da credora originária para vir aos autos esclarecer se recebeu os valores que constituem a quantia em execução e se transmitiu essa informação à cessionária, alegando a superveniência face ao proferimento do Despacho Saneador-Sentença que titula a execução, assume que o Réu invoca pagamentos que não apenas os entregues no dia 11.10.2017. Se assim não fosse, bastaria aguardar pelas informações da credora originária que sempre confirmariam, por hipótese, que o CHS não teria pago a totalidade da dívida.

h) Em segundo lugar, a Autora defende a inadmissibilidade da interpretação por ausência de condenação em termos genéricos e contrariedade aos factos dados como provados. O Réu reforça que o requerimento executivo não é ilíquido, sendo que a última leitura avançada pelo Douto Tribunal nenhum problema coloca, visto que a expressão “conta-corrente” deve ser lida como conta corrente contabilística, “(…) que é tão-só o processo de registo de operações efectuadas a crédito e débito (…)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 1997, Processo n.º 96P916, Relator Sousa Guedes).
i) O Douto Tribunal esclareceu, no considerando g) do Despacho de 13.03.2024, que era mantida entre as partes um registo contabilístico das faturas e dos fornecimentos, controlado pelo primeiro e nem sempre atualizado, estando todas as quantias determinadas, sem necessidade de qualquer incidente de liquidação, mas apenas de dedução de todos os valores já pagos.
j) O único problema que se levanta prende-se com a falta de acesso a essa conta corrente, que está no poder da credora originária, bem como na sua desatualização, que levou o Douto Tribunal a ordenar a dedução dos valores já pagos.
k) Porém, pode o próprio exequente, no requerimento executivo, determinar qual a quantia em causa (artigo 716.º, n.º 1 e 724.º, n.º 1, alínea h) do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA), o que foi feito pela Autora, conforme se demonstrou. Trata-se, portanto, de um caso de liquidação por mero cálculo aritmético, cujos pressupostos legais estão respeitados, uma vez que, à luz do princípio do inquisitório e do dever de cooperação para a descoberta da verdade (artigos 411.º e 417.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA), os factos traduzidos na conta corrente da Autora estavam na disposição do Tribunal, podendo lançar mão do pedido da conta corrente completa da credora originária e de transmissão das informações passadas à cessionária.

l) Em terceiro lugar, a Autora argumenta com a preterição do caso julgado, da regra da superveniência dos factos (artigo 171.º, n.º 1 do CPTA) e do princípio da segurança jurídica. Envereda, assim, por uma interpretação desrazoável do disposto no artigo 171.º, n.º 1 do CPTA, sublinhando-se, mais uma vez, que a letra da lei autonomiza factos supervenientes de factos modificativos e extintivos. Por outro lado, o efeito temporal do caso julgado pressupõe que tenha sido possível ao Réu, em anterior ação, defender-se com os factos a que posteriormente recorre numa ação seguinte – só nesta circunstância se verifica a preclusão.
m) A desatualização da conta corrente contabilística da Autora levou o Douto Tribunal a reconhecer a impossibilidade de prova, por parte do Réu, dessa liquidação, remetendo para a dedução de tais valores. Pelo que ao CHS não foi possível, durante o processo anterior, invocar tais pagamentos, nenhum problema se colocando no que toca à regra do caso julgado, nem ao princípio da segurança jurídica.
n) Por outro lado, sem prescindir, saliente-se que o artigo 171.º, n.º 1 do CPTA deve ser lido como admitindo a superveniência subjetiva. Não tendo sido possível ao Réu apresentar como fundamento de defesa a exceção perentória extintiva de cumprimento da obrigação, exatamente porque não tinha forma de provar adequadamente, leva a que estejamos perante a superveniência subjetiva de facto extintivo, sendo admissível. Conforme explicam JOÃO CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no artigo 728.º, n.º 2 do CPC admite-se essa superveniência, ao mesmo tempo que no artigo 696.º, alínea c) do CPC, relativamente aos fundamentos de recurso de revisão, se estabelece que a apresentação de «(…) documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;» é motivo de recurso. Explicam os Autores que “Se a superveniência subjetiva de recurso de um facto que pode ser provado documentalmente é relevante como fundamento do recurso de revisão, não faz sentido que não o seja como fundamento dos embargos de executado, dado que a procedência daquele recurso implica a inexequibilidade do título executivo utilizado pelo exequente e esta constitui um dos fundamentos possíveis daqueles embargos (art. 729.º, al. a))”9 . Um entendimento diferente seria admitir o enriquecimento sem causa da Autora, o que não se pode admitir.

Nestes termos, nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser concedido qualquer provimento aos argumentos da Autora, nem ao recurso por si interposto, devendo manter-se o despacho proferido atentas todas as legais consequências:
Notificação da entidade .... Soc. Unipessoal, Ldª (…) para, no prazo de 20 (vinte) dias, informar se recebeu valores correspondentes aos pagamentos das faturas objeto das transferências bancárias de 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/201,efetuadas pelo Centro Hospitalar de Setúbal, e se após tal recebimento encaminhou os respetivos valores para a exequente Sprinsestimate Créditos e Logística Unipessoal, Lda., como requerido pelo Executado em sede de resposta à Réplica, só assim se fazendo acostumada Justiça!

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Foi cumprido o disposto no art.º 146.º do CPTA.

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Objecto do recurso.
Importa, assim, decidir, em face das conclusões das alegações apresentadas, se o despacho recorrido errou ao deferir o requerimento probatório apresentado pelo Executado, em que requereu que se notificasse a cedente, credora original dos créditos exequendos, para vir informar se recebeu os valores a que se referem as transferências bancárias realizadas a 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/201 e se os entregou à ora Exequente, tendo ainda o tribunal determinado que fossem juntos os respectivos documentos comprovativos.

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Para a decisão do recurso, importa considerar que:
a) A 30/05/2018 foi proferido o saneador-sentença que serve de título executivo na presente acção, em que foi decidido o seguinte:
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo totalmente procedente a presente acção, e, em conformidade, decide-se:
Condenar o Réu, CHS, a pagar à Autora o montante das facturas acima descritas, a no valor de 558.680,33€ [quinhentos e cinquenta e oito mil, seiscentos e oitenta euros e trinta e três cêntimos], devidos a título [capital] de facturas vencidas e ainda não pagas; devendo, porém, ser descontadas as quantias de facturas que entretanto o Réu tenha pago à Autora, designadamente a quantia de 5.140,94€ [cinco mil, cento e quarenta euros e noventa e quatro cêntimos], das 3 facturas acima referidas.
Condenar o Réu, CHS, a pagar à Autora os respetivos juros de mora, à taxa legal comercial, sendo estes de 4.071,48€ [quatro mil e setenta e um euros e quarenta e oito cêntimos], desde 01/08/2017 até 08/09/2017;
Bem como a pagar os juros vincendos das respectivas facturas, até integral pagamento, como peticionado; devendo, porém, ser descontadas as quantias de juros que, das mesmas, entretanto o Réu tenha pago à Autora.” – cfr. doc. de fls. 356 do SITAF;
b) Na oposição à execução que apresentou, o Executado alegou, entre o mais, que: “Por transferências bancárias de 16/3/2018, 27/5/2018 e 29/3/2021 (docs. 2 a 7) o ora executado procedeu ao pagamento de todas as facturas vencidas e elencadas na sentença exequenda; Por transferência bancária de 24 de Março de 2022 o ora executado procedeu ao pagamento dos reclamados € 3.468,00 a titulo de custas de parte (docs 8 e 9); Como consequência do pagamento das facturas, os juros moratórios eventualmente devidos serão contados até à data do pagamento das facturas, perfazendo o valor de € 57.487,29 (…)” – doc. de fls. 279 do SITAF;
c) E requereu ainda que fosse declarada a extinção da obrigação de pagamento do capital e, por consequência, a redução do montante de juros peticionado “em consequência da data do pagamento do capital” – doc. de fls. 279 do SITAF;

d) A Exequente apresentou réplica em que se opôs à declaração de extinção da obrigação de pagamento, alegando inexistir qualquer facto extintivo superveniente que o justificasse – doc. de fls. 208 do SITAF;
e) Em 14/09/2022, o Executado requereu ao Tribunal que notificasse a sociedade .... , Soc. Unipessoal, Ldª (credora inicial e cedente dos créditos ora em execução), para vir aos autos informar se recebeu os pagamentos relativos às transferências bancárias datadas de 16.03.2018, 27.05.2018 e 29.03.2021 e se os encaminhou para a Exequente – doc. de fls. 201 do SITAF;
f) A Exequente opôs-se ao deferimento de tal requerimento alegando que no processo declarativo o Executado não invocou ter efectuado tais pagamentos, não o podendo fazer na presente fase executiva por, a existirem, se reportarem a datas anteriores à da prolação do saneador-sentença que serve de título executivo – doc. de fls. 196 do SITAF;
g) A 16/02/2023, foi proferido despacho que deferiu o requerimento probatório apresentado pelo Executado [indicado em e)], tendo determinado o seguinte:
“(…) 3. Dos documentos em poder de terceiro
Nos termos do n.º 2 do artigo 429.º e do artigo 432.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 90.º do CPTA, notifique-se a .... Soc. Unipessoal, Ldª (…) para, no prazo de 20 (vinte) dias, vir aos autos informar se recebeu valores correspondentes aos pagamentos das faturas objeto das transferências bancárias de 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/201, efetuadas pelo Centro Hospitalar de Setúbal, e se após tal recebimento encaminhou os respetivos valores para a ora exequente .... Unipessoal, Lda., como requerido pelo Executado em sede de resposta à Réplica (cf. fls. 203 e 204 dos autos), devendo ainda juntar os respetivos elementos documentais comprovativos.” - doc. de fls. 194 do SITAF;

h) A 23/02/2023, a Exequente arguiu a nulidade de tal despacho - doc. de fls. 184 do SITAF;
i) A 13/03/2024, o Tribunal a quo proferiu despacho que indeferiu a arguida nulidade, o que fez nos seguintes termos:
“(…)
Considerando
a) que está em causa uma decisão que determinou a um terceiro (a .... Soc. Unipessoal, Ldª) a prestação de informações - e respectiva junção de documentos comprovativos - respeitantes a alegados «pagamentos das faturas objeto das transferências bancárias de 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/201, efetuadas pelo Centro Hospitalar de Setúbal» e eventual encaminhamento dos «respetivos valores para a ora exequente .... Unipessoal»;
b) que, no entender da Exequente, está em causa a prova de factos alheios à decisão da presente execução uma vez que o pagamento do capital anterior à sentença exequenda não releva como meio de defesa do Executado - e, como tal, deveria aquele meio de prova ter sido indeferido pelo tribunal (devendo, nessa medida, ser revogado o despacho que, ao invés, determinou a sua produção);

c) que é certo que, em oposição à execução para pagamento de quantia certa [art.º 171.º/1 do CPTA] a entidade executada, não pagando, deve invocar facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação;
d) que a sentença exequenda foi proferida a 30/5/2018, conforme DOC 1 junto com o requerimento executivo, tendo sido objecto de recurso para o TCAS (e posteriormente para o STA) restrito à condenação no pagamento de juros de mora (no valor de €4.071,48) porque, em suma, tal obrigação seria nula por falta de emissão de compromisso nos termos do disposto na Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro;
e) que do dispositivo da sentença exequenda, relativamente à dívida de capital, resulta que então se decidiu
Condenar o Réu, CHS, a pagar à Autora o montante das facturas acima descritas, a no valor de 558.680,33€ [quinhentos e cinquenta e oito mil, seiscentos e oitenta euros e trinta e três cêntimos], devidos a título [capital] de facturas vencidas e ainda não pagas; devendo, porém, ser descontadas as quantias de facturas que entretanto o Réu tenha pago à Autora, designadamente a quantia de 5.140,94€ [cinco mil, cento e quarenta euros e noventa e quatro cêntimos], das 3 facturas acima referidas.

f) que aquela decisão não foi objecto de recurso neste particular tendo, nessa medida, transitado ainda em 2018;
g) que daquela decisão decorre, claramente, a intenção de que viessem a ser descontadas naquele montante condenatório «as quantias de facturas que entretanto o Réu tenha pago à Autora» - numa atitude de reconhecimento da existência de uma conta corrente entre as partes nem sempre actualizada nos seus exactos valores -, valendo a expressão "entretanto" como referindo-se a momento anterior ao da prolação da própria sentença;
h) que na sua oposição a Executada diz que pagou as facturas em causa à então Autora (.... ) por transferências de 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/2021, sendo esta última, desde logo, claramente posterior ao trânsito da decisão condenatória respeitante ao capital em dívida; e, por fim,
i) que a arguição de nulidade do despacho de 16/2/2023 deduzida pela Exequente assenta na preterição do dever de ponderação de fundamentos exercidos em contraditório, ponderação essa que decorre dos considerandos acabados de expor;
e atendendo, em particular, ao dispositivo da sentença exequenda vertido em e) e devidamente interpretado em g), bem como ao momento do trânsito da decisão condenatória quanto ao pagamento do capital [conforme evidenciado em d) e f)] quando confrontado, designadamente, com a data da última transferência indicada em h),
é de concluir que não assiste razão à Exequente quanto à estraneidade das diligências probatórias requeridas relativamente à defesa admissível no presente processo executivo.
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Termos em que determino:
1. a manutenção do despacho de 16/2/2023, com a fundamentação ora aduzida, o que constituiu, por si só, igualmente sanação da eventual nulidade que contra o mesmo havia sido, subsidiariamente, deduzida [cfr. considerando i)];
(…)” - doc. de fls. 102 do SITAF;

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Direito
Através do presente recurso, a Recorrente insurge-se contra o despacho de 16/02/2023, com a fundamentação que lhe foi atribuída pelo despacho de 13/03/2024, que deferiu o requerimento probatório apresentado pelo Executado, em que se pede que seja notificada a credora originária e cedente dos créditos exequendos, para informar se recebeu os pagamentos a que se referem as transferências realizadas a 16/03/2018, 27/05/2018 e 29/02/2021 e se os entregou à Exequente, tendo o Tribunal determinado ainda naquele despacho que fossem juntos os documentos comprovativos de tais operações.
A Recorrente defende que se deve rejeitar a realização da diligência instrutória.
Alega que o Executado, no âmbito do processo declarativo, não disse que tinha efectuado tais pagamentos, pelo que entende que não pode agora, na fase executiva, vir a defender-se com a invocação de factos anteriores à data da prolação do saneador-sentença que serve de título executivo à presente acção e invoca, para sustentação de tal tese, o disposto no n.º 1 do art.º 171.º do CPTA, que estatui que a oposição à execução apenas pode ter por fundamento a “invocação de facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação”.
Segundo diz, o despacho recorrido apenas se pode manter quanto ao pedido de informação sobre o pagamento que terá sido realizado através da transferência realizada a 29/03/2021, por ser a única que é posterior à data do trânsito em julgado do saneador-sentença que serve de título executivo.
Entende ainda que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada do saneador-sentença, por, segundo diz, aí apenas se ter dado como provado que foram pagas três facturas, que totalizam o valor de 5.140,94€, não existindo prova da realização de outros pagamentos.
O Tribunal, no âmbito da presente acção de execução para pagamento de quantia certa, goza de amplos poderes instrutórios, podendo ordenar “as diligências instrutórias que considere necessárias” para a boa decisão da causa, conforme resulta do n.º 3 do art.º 171.º do CPTA.
Pode pedir informações e documentos que estejam na posse de terceiros, desde que os mesmos digam respeito ao objecto da acção e relevem para a descoberta da verdade material - artigos 411.º e 432.º do CPC.
O Tribunal deve instruir o processo com os factos (art.º 5.º do CPC) que se revelem pertinentes em face das várias soluções plausíveis que possam vir a ser adoptadas na decisão de mérito.
No caso, está em causa a obtenção de informações e respectiva prova documental sobre o pagamento dos créditos exequendos.
O Executado, na oposição à execução, alegou que efectuou tal pagamento através das transferências que diz ter realizado a 16/3/2018, a 27/5/2018 e a 29/3/2021, a favor da credora inicial e cedente dos créditos.
Trata-se de factos controvertidos que são relevantes para a descoberta da verdade material.
A interpretação que o Tribunal a quo fez do saneador-sentença, encontra apoio no respectivo segmento decisório, na parte em que se determina que o montante de 558.680,33€, que o Executado foi condenado a pagar, deve ser descontado das (…) quantias de facturas que entretanto o Réu tenha pago à Autora, designadamente a quantia de 5.140,94€ [cinco mil, cento e quarenta euros e noventa e quatro cêntimos], das 3 facturas acima referidas (…)” [cfr. al. a) do probatório].
Tal interpretação traduz uma das soluções plausíveis que podem vir a ser adoptadas na decisão de mérito.
O que impõe, no caso e em face da sua relevância, que se averigúe se os pagamentos que o Executado diz ter efectuado se verificaram.
A questão de saber qual é o âmbito da decisão tomada no saneador-sentença que serve de título à presente execução, e, por conseguinte, se é ou não de adoptar a interpretação que a Exequente defende, apenas terá de ser decidida aquando da prolação da sentença.
Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes da subsecção de contratos públicos do TCAS, em negar provimento ao recurso e manter o decidido no despacho recorrido.
Custas pela Recorrente – art.º 537.º, n.º 1 do CPC.

Lisboa, 20 de Novembro de 2025
Jorge Martins Pelicano
Paula Cristina de Ferreirinha Loureiro
Helena Maria Telo Afonso