Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:564/18.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
GERENTE DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização tributária subsidiária a gerência de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gestão e administração da sociedade devedora originária, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
II - Cabe à Administração Tributária o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido, devendo a demonstração da verificação desse requisito constar, designadamente, do despacho de reversão.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 04/03/2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a oposição judicial deduzida por M…, melhor identificado nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 082-2018/010033107, contra si revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade «M… – Exploração de Bares Unipessoal, Lda.», para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC»), do exercício de 2016, no valor total de 14.617,29 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:


«1- A douta sentença recorrida decidiu pela procedência da oposição fundamentando com o facto da ilegitimidade do oponente, por “… a Fazenda Pública não cumpriu, como lhe competia o ónus da prova da efectividade da gerência pelo oponente da sociedade devedora originária…”.
2 - Conforme assente na douta sentença o Oponente é o único sócio da sociedade “M… – Exploração de bares, Unipessoal, lda”, desde a sua constituição em 7 de julho de 2007, até hoje.
3 - Também assente que, desde 16 de Abril de 2016 o Oponente exerce a sua gerência de direito e é o único sócio.
4 - O Oponente em toda a sua pi alega a sua ilegitimidade, partindo da premissa de que, à data em que a dívida foi contraída não era gerente de direito, nem de facto, veja-se artigo 6,7,11 e 22 da pi.
5 – Embora o que está em causa nos presentes autos seja, a dívida vencida no período em que o Oponente é o único gerente em funções, de facto e de direito.
6 - Conforme o oponente reconhece na sua douta pi, veja-se artigo 22, era ele o gerente de direito e de facto à data do facto tributário.
7 - Quantia exequenda em dívida, relativa a IRC, ano de 2016, que teve como prazo de pagamento fevereiro de 2018.
8- Conforme o digno Procurador do Ministério Público diz no seu parecer “…por o Oponente ser gerente na data limite de pagamento da quantia exequenda e único sócio da sociedade devedora originária” a oposição deve improceder.
9 – Pelo que, no caso dos autos, à responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades de responsabilidade limitada aplica-se o regime previsto no art.24 º da LGT.
10 - E neste sentido consta dos autos que o Oponente /revertido exerceu e exerce funções de gerente (art.24º,nº1, parte inicial LGT) e que o prazo legal de pagamento ou entrega da quantia exequenda terminou no período de exercício do seu cargo (artº24, nº1,al.b)), gerente de direito e de facto, e único sócio da sociedade.
11 - Assim, sendo o gerente da sociedade devedora originária é responsável subsidiário, uma vez que não fez qualquer prova de que não foi por culpa sua que os pagamentos não foram efetuados, não fez qualquer prova, como lhe competia no sentido de demonstrar que geria a sociedade com a diligência que lhe é exigida, pelo que tem de ser responsabilizado pela dívida exequenda conforme al. b)do art.24º , nº 1 da LGT .
12 - Existindo uma presunção legal de culpa sobre o revertido (parte final al. b, artº24ºLGT e 350º , nº1 CC) que inverte o ónus da prova (atigos 344º, nº1 e 487º, n1 do CC) era o revertido que tinha de demonstrar que a sua conduta não podia ser censurada e que não podia ter agido de modo a pagar a dívida, o que não fez.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, substituída por outra que considere o pedido improcedente, assim se fazendo
JUSTIÇA.».

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O Recorrido apresentou contra-alegações, terminando concluindo que «Deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente, por todos os motivos expostos, quanto ao mérito dos argumentos aduzidos, em sede de alegações mantendo-se a douta decisão recorrida».
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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que o Recorrido exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária quando ocorreu o final do prazo legal de pagamento das dívidas exequendas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Em 27 de Fevereiro de 2018, no Serviço de Finanças de Loulé 1 foi autuado em nome da sociedade "M… Exploração de Bares, Lda.", o processo de execução fiscal n.º 1082-2018/01033107, para cobrança de valores de IRC, referente ao exercício de 2016, no valor de € 14.617,29, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 7 de Fevereiro de 2018 — cfr. informação elaborada nos termos do artigo 208.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fls. 36 aos autos;
2. Em 2 de Julho de 2018, funcionário do Serviço de Finanças de Loulé 1 elaborou informação no processo de execução fiscal n.º 1082- 2018/010333107, da qual conta, designadamente, o seguinte extracto:

«Imagem em texto no original»


- cfr. fls. 61 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. Em 1 de Agosto de 2018, foi proferido despacho a ordenar a reversão do processo de execução fiscal n.° 1082-2018/01033107 contra o Oponente, no valor total de € 14.617,29, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte excerto:

- cfr. fls. 65 e 66 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
4. O Oponente foi citado para o processo de execução fiscal n.º 1082- 2018/01033107 em 6 de Agosto de 2018 - cf. fls. 67 a 71 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
5. Do ofício de citação enviado ao Oponente retira-se, designadamente, o seguinte excerto:

- cfr. fls. 67 e 68 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
6. Em 7 de Julho de 2005 foi constituída a sociedade "M… Exploração de Bares, Unipessoal, Lda.", tendo sido na mesma data designado membro de órgão social da sociedade, na qualidade de gerente, M…, ora Oponente — cfr. cópia da certidão permanente da sociedade a fls. 48 a 52 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
7. Entre 11 de Junho de 2007, data de deliberação, e 15 de Abril de 2016, data de renúncia, constou como gerente da devedora originária N… - facto que emerge da consulta da cópia da certidão permanente da sociedade a fls. 48 a 52 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

8. O Oponente era o único sócio da sociedade devedora originária - facto que emerge da consulta da cópia da certidão permanente da sociedade a fls. 48 a 52 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais (cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.».

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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária por parte do Recorrido. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF em causa, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que o Recorrido exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária.

Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas.

Vejamos, então, porquê.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:
«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores;

(ii) a segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem, pois, subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» - do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).


A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:
«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».

Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente/administrador de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência/administração de facto.

Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos.

Ficou provado que no caso que agora nos ocupa a dívida exequenda respeita a IRC do exercício de 2016, cujo prazo de pagamento terminou em 07/02/2018, tendo sido proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loulé 1 para efeitos de reversão da dívida exequendas contra o Recorrido (cf. pontos 1., 2. e 3. do probatório).

Para fundamentar o exercício da gerência de facto da executada originária pelo Recorrido, e tal como bem se aponta na sentença recorrida, nada é indicado no despacho de reversão. Com efeito, do despacho de reversão não consta referência alguma sobre quaisquer elementos factuais relativos ao exercício efetivo das funções de gerente da executada originária por parte do Recorrido (cf. ponto 3. da factualidade assente), o que, como visto, é fundamental para acionar validamente o instituto da reversão.

E assim, a AT, ao contrário do que era seu ónus, não concretizou, materialmente, o exercício efetivo de funções de gerente por parte do Recorrido em sede de despacho de reversão. Ora, como se deixou expresso supra, a AT não goza de qualquer presunção no sentido de que a gerência de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante gerente que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gerência de facto, demonstração e prova fundamentais para efeitos de reversão.




Por outro lado, também não resulta da factualidade assente que em sede de procedimento de reversão a AT tenha identificado quaisquer factos relativos ao devir comercial da sociedade devedora originária dos quais se possa extrair a conclusão de que o Recorrido foi gerente da mesma nos exercícios a que respeitam as dívidas exequendas. Com efeito, nessa sede apenas foi apurado que o Recorrido foi nomeado gerente da executada originária - cf. ponto 3. dos factos assentes.

Acresce, ainda, que não resulta de modo algum da factualidade estabilizada nos presentes autos que tenha sido o Recorrido gerente de facto nos exercícios concretamente relevantes (2016 e 2018 – cf. pontos 1., 2. e 3. da factualidade assente).

Destarte, consistindo a gerência de facto de uma sociedade comercial no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, designadamente, pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade, ter-se-á de concluir face a todo o exposto que, in casu, nada foi demonstrado no sentido de o Recorrido ser um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros, pese embora o Recorrido tenha sido o único gerente nomeado.

Pelo que, perante o circunstancialismo fáctico provado (e não impugnado), temos assim de concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que o Recorrido tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma.

Assim, atento este quadro factual e a manifesta ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte do Recorrido que evidenciasse o efetivo exercício de funções de administrador da executada originária, impõe-se concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a favor do Recorrido.

Logo, conclui-se, em linha com a sentença recorrida, que não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade do então Oponente, ora Recorrido.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de setembro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Lurdes Toscano)

(Susana Barreto)