Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:154/15.1BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMI
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA 1.ª AVALIAÇÃO
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 125.º do CPPT, diz respeito, tão só, às situações em que o tribunal de primeiro conhecimento da causa deixe de se pronunciar sobre as questões suscitadas pela parte, não ocorrendo a mesma quando na sentença são indicadas as razões para justificar essa abstenção de conhecimento.
II - Os prints extraídos de bases de dados geridas pela ATA não constituem meio de prova bastante da notificação dos atos administrativos tributários
III - Da circunstância de a lei exigir o esgotamento dos meios procedimentais de impugnação da avaliação dos imóveis e determinar que a (segunda) avaliação é um ato destacável, que deve ser impugnado autonomamente, não decorre que na impugnação judicial da liquidação de IMI consequente não possam ser suscitadas outras questões que não se prendam com ilegalidades subjacentes ao cálculo do VPT, como é o caso das que dizem respeito ao incumprimento de formalidades exigidas pela lei, como sucede nos presentes autos quanto à omissão da notificação da 1.ª avaliação, sob pena, aliás, de, a entender-se de outro modo, se colocarem os cidadãos numa situação de indefesa inaceitável.
IV - A falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em ato preparatório ao procedimento de liquidação, não podendo ser validamente efetuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

M………….cabeça casal da herança de V…………., inconformada com a sentença proferida em 2018-06-22 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, julgando verificada a nulidade de erro na forma do processo, absolveu a Fazenda Pública da instância na impugnação judicial que interpôs tendo por objeto a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2013 102691722, referente ao ano de 2013, no montante de EUR 9.909,57, relativa ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia da Sé, concelho do Funchal, sob o artigo 1591-B, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

1. Resulta que, com o devido respeito, o Tribunal a quo revelou uma incompleta apreciação da matéria de facto, a qual influência a determinação do meio processual adequado e nas demais decisões de Direito;

2. Os factos constantes da matéria dada como provada pelo douto Tribunal olvidam a prova documental junta pela Recorrente, a qual se revela determinante para a apreciação do meio processual correcto para dirimir o mérito das questões aduzidas pela Recorrente;

3. Com suporte na prova documental junta aos autos, expressamente se impugna a matéria provada e não provada, nos termos do artigo 640º do CPC e com os fundamentos constantes das alegações para as quais, respeitosamente se remete;

4. Assim, para os efeitos do artigo 640º/1 do CPC, atenta à prova documental junta aos autos a 01/02/2018, impõe-se a fixação adicional de matéria de facto provada, que deverá ser aditada e complementada nos seguintes termos:

Ÿ A AT não procedeu à notificação da Oponente da 1ª avaliação do imóvel objecto do tributo, na sequência da transição do Código de Contribuição Autárquica para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, consagrando a preterição de uma formalidade essencial – cfr. doc. 1 do requerimento de 01/02/2018.

5. Este facto resulta expressamente de prova documental junta aos autos, entendendo a Recorrente, com todo o respeito, que a Primeira Instância não realizou, convenientemente, o exame crítico destas provas, violando a norma presente no artigo 607º/3 e 4 do CPC;

6. Pelo que, respeitosamente se conclui que a douta sentença enferma de erro na apreciação da matéria de facto, requerendo a sua alteração nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662º/1 do CPC;

7. A sentença a quo determinou que as causas de pedir elencadas não se enquadram no meio processual utilizado, de impugnação judicial.

8. Atendendo à alteração/aditamento da matéria de facto, respeitosamente entende a Recorrente que a causa de pedir, considerando o facto superveniente aduzido de inexistência de notificação da 1ª avaliação, que se a impugnação judicial é o meio processual adequado ou, alternativamente, caso assim não se entenda, que se verifica a possibilidade de convolar os presentes autos no meio processual adequado, uma vez que, inexistindo notificação de avaliação, não decorreram legalmente os prazos legais para desencadear qualquer meio de defesa adequado.

9. Os prazos para proceder à convolação encontram-se observados, considerando a inexistência de notificação da avaliação.

10. Sobre esta omissão, incumbia à douta sentença pronunciar-se sobre o mérito dessa questão, o que não ocorreu.

11. Enferma assim a sentença recorrida de omissão de pronúncia sobre a invocada preterição de formalidade legal de falta de notificação da avaliação patrimonial do imóvel (1ª avaliação) inscrito na matriz sob o artigo 1591 B, na freguesia da Sé, concelho do Funchal.

12. A presente questão superveniente foi aduzida aos autos através do requerimento de 01/02/2018, atendendo aos factos que apenas chegaram ao conhecimento da Recorrente no dia 22/01/2018.

13. Esta pretensão da falta de notificação da avaliação patrimonial do imóvel (1ª avaliação) foi colocada nos autos e era uma questão que competia ao douto Tribunal apreciar, sendo inexistente qualquer consideração a respeito na douta sentença, em clara violação do disposto no artigo 608º/2 do CPC;

14. Apreciando essa questão, todos os documentos juntos a 01/02/2018 demonstram que a notificação da 1ª avaliação patrimonial de transmissão para o CIMI inexistiu, não logrando a Recorrida demonstrar o contrário, conforme lhe incumbia nos termos do artigo 343º/1 do Código Civil;

15. Pelo que, o facto constitutivo derivado dessa notificação nunca se verificou na esfera jurídica da Recorrente;

16. Com a preterição dessa formalidade essencial, foi negada à Recorrente a génese do disposto nos artigos 71º a 77º do CIMT e 36º e 38º do CPPT;

17. A falta de notificação da avaliação patrimonial, que incidia sobre a transição do Contribuição Autárquica para o novo CIMI, constitui uma nulidade e uma violação do princípio da legalidade.

18. Determina o artigo 36º/1 do CPPT que determina que os actos em matéria tributária “que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, ficando a eficácia da decisão dependente da notificação nos termos também expressos pelo artigo 77º/6 da LGT e essa notificação dependia de carta registada com aviso de recepção – cfr. artigo 38º/1 do CPPT.

19. Determina ainda o artigo 15º-E do DL. nº 287/2003, aplicável ao caso sub judice, que quer a avaliação dos bens aquando da 1ª transmissão do Código da Contribuição autárquica para o CIMI, bem como a possibilidade de requerer segunda avaliação, devem ser notificados ao sujeito passivo por via postal registada.

20. Estando em falta a notificação da 1ª avaliação, resta concluir que ocorreu erro quanto à determinação da matéria colectável, porque se partiu de um dado sem ele ter sido notificado à Recorrente.

21. Não foi dada oportunidade à Recorrente de se pronunciar sobre aquela 1ª avaliação da Contribuição Autárquica para o CIMI, nem de conhecer os seus critérios e/ou de requerer a 2ª avaliação nos termos do CIMI, ficando as liquidações, feridas de nulidade.

22. Face a este facto, sempre se pugna pela existência de fundamento de impugnação, uma vez que, face à inexistência da notificação da 1ª avaliação, não poderia a Fazenda Pública proceder à liquidação;

23. Porque efectivamente inexiste notificação, nos termos do artigo 99º, al. d) do CPPT se encontra a causa fundamentada, e porque, efectivamente há uma errónea qualificação e quantificação da avaliação e subsequente liquidação, havendo igualmente fundamento nos termos da alínea a) do mesmo artigo.

24. A preterição dessa formalidade essencial impediu que a Recorrente procedesse ao pedido de 2ª avaliação, e, em ciclo vicioso, todos os meios utilizados subsequentemente são sempre considerados inadequados, porque carecem do pedido de 2ª avaliação, sendo essa falta unicamente imputável à Recorrida e não à Recorrente.

25. Ainda que não se entenda, o que por mera hipótese académica se concebe, reitera-se que se encontram observadas as condições para a convolação dos presentes autos em qualquer meio processual adequado, o que respeitosamente requer, uma vez que, o efeito daquele acto não produz efeitos na esfera jurídica da Recorrente, por inválido.

26. Por tais motivos, deve a douta decisão recorrida ser revogada, proferindo-se outra consentânea com os factos constantes dos autos e com a Lei.

27. Foram violados: o artigo 15º-E do DL. nº 287/2003, os artigos 36º, 38º, 99º, al. a) e d), 102º, todos do CPPT, o artigo 77º/6 da LGT, os artigos 71º a 77º do CIMI e o artigo 268º/3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se sentença recorrida padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é imputada ou se se encontra ferida por erro de julgamento por ter não ter interpretado corretamente a prova constante nos autos, não dando como provado um facto essencial, e por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do regime processual aplicável, ao considerar que a impugnação judicial não é o meio processual correto para a apreciação da pretensão da Recorrente.


II. Fundamentação De Direito

Como referido supra, em causa está o recurso da decisão proferida pelo TAF do Funchal que julgou verificada a nulidade de erro na forma do processo e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância na impugnação judicial interposta pela Recorrente tendo por objeto a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2013 102691722, referente ao ano de 2013, no montante de EUR 9.909,57, relativa ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia da Sé, concelho do Funchal, sob o artigo 1591-B.

Atendendo à sua anterioridade lógica, há que começar por conhecer a nulidade por omissão de pronúncia que a aqui Recorrente imputa à decisão recorrida, por, alegadamente, nela não ter sido apreciada a invocação da falta de notificação da 1.ª avaliação do imóvel.

Quanto a esta questão, não será de mais recordar que há muito que se encontra pacificado – na jurisprudência e na doutrina – que a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 125.º do CPPT, diz respeito, tão só, às situações em que o tribunal de primeiro conhecimento da causa deixe de se pronunciar sobre as questões suscitadas pela parte (cf. nesse sentido, designadamente, o acórdão proferido pelo STA em 2020-04-20, no proc. 02145/12.5BEPRT 01190/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt), ou seja, quando “… o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio(cf. acórdão proferido pelo STA em 2012-09-19, no proc 0862/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Assim, só haverá omissão de pronúncia “… quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões(cf. acórdão do STA proferido em 2014-05-28, no proc. 0514/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Sucede que tal nulidade não se verifica no caso em apreço.

De facto, da fundamentação da decisão recorrida resulta explicitada a razão pela qual se entendeu que a (invocação da) falta de notificação não seria pertinente para o destino a dar à ação, concretamente, quando ali se refere que dos autos resulta que há muito que a Recorrente tinha conhecimento do resultado da 1.ª avaliação do imóvel, nada tendo feito para pôr a mesma em causa, pelo que não poderia agora vir escudar-se com a falta de notificação para suprir a sua “inércia processual” (cf. pág. 8 da sentença).

Ora, se ao decidir assim a sentença padece de erro de julgamento de direito, é uma outra questão, que não se confunde com a de saber se se verifica a nulidade que lhe é apontada.

Assim, e perante a explicitação do motivo pelo qual se entendeu não ser de relevar a questão, não pode deixar de se concluir que a sentença não padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é assacada.

Prosseguindo no conhecimento do recurso, a Recorrente alega ainda, em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de facto, porque, e atendendo à prova que juntou aos autos em 2018-02-01, nela se deveria ter dado por provado que a ATA não procedeu à sua notificação “da 1.ª avaliação do imóvel objeto do tributo, na sequência da transição do Código de Contribuição Autárquica para o Código de Imposto Municipal sobre Imóveis, consagrando a preterição de uma formalidade essencial” e que da prova deste facto decorre que a presente impugnação deveria ter sido aceite, ou não o sendo, deveria ter sido determinada a convolação no meio processual adequado.

Vejamos então.

Quanto ao erro de julgamento de facto, não há dúvida que a Recorrente tem razão.

Com efeito, e não obstante a formulação que pretende para o facto que considera que deveria ter sido dado por provado não ser a mais correta, por se afigurar, desde logo, conclusiva, não há dúvida que é certeira na crítica que faz à sentença quando afirma que em causa estava um facto determinante para a solução a dar ao caso, e que o ónus da respetiva prova recaía sobre a aqui Recorrida.

Ou seja, e dito por outras palavras, não era à aqui Recorrente que cabia a ónus de provar que não foi notificada da 1.ª avaliação, mas sim à Recorrida que cabia o ónus de provar que efetuou tal notificação, com a formalidade exigida para o efeito, tal como decorre do disposto no n.º 2 do art. 342.º, do Código Civil.

Ora, não só a Recorrida não efetuou tal prova, como a Recorrente juntou um documento – o ofício emitido pelo Serviço de Finanças do Funchal 1 em 2018-01-08 (cf. ofício a fls. 134-136 dos autos, numeração do SITAF) -, do qual decorre a admissão pela própria Recorrida de que não dispõe de prova documental que lhe permita sustentar que a notificação da 1.ª avaliação do imóvel foi efetuada.

Com efeito, para que o Tribunal a quo pudesse concluir que a 1.ª avaliação do imóvel foi devidamente notificada à aqui Recorrente, não bastava a alegação pela Recorrida de que o valor patrimonial apurado do imóvel foi notificado ao sujeito passivo a 27-05-2005, através do ofício 505025, registo CTT n.º RY022059144PT (cf. art. 21.º, da contestação), quando é a própria que admite que não dispõe de qualquer evidência que suporte a existência do referido ofício n.º 505025, ou do aviso de receção n.º RY022059144PT (cf. oficio 122 de 2018-01-08 do Serviço do Serviço de Finanças do Funchal 1, a fls. 134 a 136 dos autos, na numeração do SITAF), não constituindo prova suficiente para o efeito a impressão (print) da ficha de avaliação do imóvel, da qual resulta informação introduzida na base de dados da ATA pelos seus funcionários (cf. fls. 5 do PAT).

De facto, quanto a esta questão há muito que a jurisprudência – na qual nos revemos, sem qualquer reserva – se encontra pacificada no sentido de que “os prints do sistema informático, sendo da própria AT, não constituem documento de prova bastante da notificação dos atos de liquidação” (cf. Acórdão deste TCAS prolatado em 2023-03-02, no proc. 0450/11.7BESNT, e jurisprudência nele citado, disponível para consulta em www.dgsi.pt), sendo esta asserção totalmente transponível para o caso em apreço, em que está em causa não a notificação do ato de liquidação propriamente dito, mas da 1.ª avaliação do imóvel.

Ora, e como claramente resulta do disposto no n.º 1 do art. 36.º do CPPT, os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, norma que, de resto, mais não faz do que concretizar o comando constante do n.º 3 do art. 268.º da CRP, do qual decorre o direito dos administrados à notificação dos atos administrativos na forma prevista na lei.

Atendendo a que, como vimos de referir, dos autos não só não resulta a prova – que cabia à Fazenda Pública – de ter ocorrido a notificação da 1.ª avaliação do imóvel nos termos previstos na lei, como a mesma confessa não dispor de meios de prova para o efeito, há que concluir que a sentença deveria ter discriminado esta circunstância nos factos não provados - tal como decorre do disposto no n.º 2 do art. 123.º do CPPT -, pelo que tem a Recorrente razão no erro de julgamento de facto que imputa à mesma.

Aqui chegados, estamos igualmente em condições de concluir que a sentença padece de erro de julgamento de direito, tanto na interpretação que nela se preconiza das normas processuais conducente à conclusão – errada – de que se verificou o erro na forma de processo, como na interpretação que faz das regras referentes à notificação dos atos em matéria tributária.

Com efeito, não é correta a asserção de que a Recorrente não elenca qualquer causa de pedir adequada para o meio processual a que lançou mão - a impugnação judicial -, pois na PI é expressamente invocada a falta de notificação da 1.ª avaliação do imóvel (cf. art. 15.º da PI), sendo esta questão pertinente para o pedido que formula, de anulação da liquidação de IMI.

De facto, da circunstância de a lei exigir o esgotamento dos meios procedimentais de impugnação da avaliação dos imóveis e determinar que a (segunda) avaliação é um ato destacável, que deve ser impugnado autonomamente (cf. arts. 76.º e 77.º do CIMI e 134.º, n.º 1 do CPPT), não decorre que na impugnação judicial da liquidação de IMI consequente não possam ser suscitadas outras questões que não se prendam com ilegalidades subjacentes ao cálculo do VPT, como é o caso das que dizem respeito ao incumprimento de formalidades exigidas pela lei (cf. neste sentido, designadamente, o acórdão proferido pelo STA em 2008-04-16, no proc. 04/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt), como sucede nos presentes autos quanto à omissão da notificação da 1.ª avaliação, sob pena, aliás, de, a entender-se de outro modo, se colocarem os cidadãos numa situação de indefesa inaceitável.

Não se verifica, assim, qualquer erro na forma de processo.

Por outro lado, também não podia ter sido valorizada, como sucedeu, a circunstância de, alegadamente, há muito a Recorrente ter conhecimento do valor atribuído ao imóvel na 1.ª avaliação, pois o que resulta dos autos é que a mesma nunca se conformou com o mesmo, não se provando que da sua parte tenha ocorrido qualquer aceitação do ato que o fixou (antes pelo contrário), que sempre alegou desconhecer.

Ora, atendendo a que como já aqui se referiu, dos autos não resulta a prova da notificação da 1.ª avaliação, sendo a mesma, como tal, inoponível à aqui Recorrente (cf. art. 36.º, n.º 1 do CPPT), tanto basta para que se conclua pela ilegalidade da liquidação de IMI impugnada, de resto, em consonância com a jurisprudência assente sobre esta matéria (cf., neste sentido, os acórdãos proferidos pelo STA em 2020-05-06 no processo n.º 01088/10.1BEAVR, e em 2020-10-14 no processo n.º 050/11.1BEAVR, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Com efeito, e como é referido no segundo dos arestos citados, “A falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação. Em consequência, não pode ser validamente efectuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação. Estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que pode/deve ser invocado na impugnação contenciosa desta(cf. acórdão proferido pelo STA em 2020-10-14, no processo n.º 050/11.1BEAVR, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente, e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial, e anulando-se a liquidação de IMI de 2013 impugnada nos autos.


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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, no presente recurso e em 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo recurso, por nele não ter contra-alegado (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. A nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 125.º do CPPT, diz respeito, tão só, às situações em que o tribunal de primeiro conhecimento da causa deixe de se pronunciar sobre as questões suscitadas pela parte, não ocorrendo a mesma quando na sentença são indicadas as razões para justificar essa abstenção de conhecimento.

II. Os prints extraídos de bases de dados geridas pela ATA não constituem meio de prova bastante da notificação dos atos administrativos tributários

III. Da circunstância de a lei exigir o esgotamento dos meios procedimentais de impugnação da avaliação dos imóveis e determinar que a (segunda) avaliação é um ato destacável, que deve ser impugnado autonomamente, não decorre que na impugnação judicial da liquidação de IMI consequente não possam ser suscitadas outras questões que não se prendam com ilegalidades subjacentes ao cálculo do VPT, como é o caso das que dizem respeito ao incumprimento de formalidades exigidas pela lei, como sucede nos presentes autos quanto à omissão da notificação da 1.ª avaliação, sob pena, aliás, de, a entender-se de outro modo, se colocarem os cidadãos numa situação de indefesa inaceitável.

IV. A falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em ato preparatório ao procedimento de liquidação, não podendo ser validamente efetuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, e julgar procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação de IMI de 2013 impugnada nos autos.

Custas pela Recorrente, em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso.

Lisboa, 10 de outubro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Jorge Cortês – Maria da Luz Cardoso.