Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2478/22.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INSPECÇÃO AO LOCAL
EMBARGO DE OBRA
MANDADO JUDICIAL
QUESTÕES NOVAS
Sumário:I - Se o tribunal não conhecer de alguma questão invocada e justificar essa não apreciação, não estaremos perante uma nulidade por omissão de pronúncia; antes, eventualmente e caso aquela justificação se mostre errada, perante erro de julgamento.
II - Podendo os fiscais municipais, nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do RJUE, realizar inspecções aos locais onde se desenvolvam operações urbanísticas sem dependência de prévia notificação, a existência de embargo da obra – assim como a sua validade ou a sua eficácia - é irrelevante para efeitos de emissão de mandado judicial para entrada em imóvel.
III - Se o efeito jurídico pretendido através da acção não foi alcançado, a instância mantém-se útil, e, assim, não se pode falar em inutilidade superveniente da lide.
IV - As questões levantadas ex novo nas alegações de recurso, que não foram invocadas perante o tribunal a quo, e que, por isso, pelo mesmo não foram apreciadas, não podem ser apreciadas por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

O PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA veio instaurar, nos termos do artigo 95.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), acção judicial de natureza urgente contra F… -F…, S.A.. Pede a emissão de mandado judicial para entrada no prédio sito na Rua D…, n.º 14, em Lisboa, propriedade da requerida.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar a acção procedente, tendo determinado a emissão de mandado judicial a autorizar a entrada pelos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Lisboa no referido imóvel para procederem à fiscalização da obra ali executada.
A requerida interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. A Câmara Municipal de Lisboa veio deduzir ação urgente para emissão de mandado judicial, ao abrigo do disposto nos termos do artigo 36.º, n.º 4 º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 95.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, contra a Ré, aqui Recorrente, para entrada no imóvel sito na Rua D…, nº 14, em Lisboa.
2. No passado dia 27 de novembro, o Tribunal a quo proferiu sentença autorizando a emissão do referido mandado judicial, sentença da qual a Ré ora recorre.
3. O Tribunal a quo entendeu que, no caso sub judice, se consideravam verificados os pressupostos da emissão do mandado judicial requerido. Contudo, e para verificação desses pressupostos, o Tribunal a quo mais não fez do que uma análise formal da possibilidade de concessão do mandado judicial, ou seja, e por outras palavras, não deu relevância ao facto do pedido de mandado judicial ter como pressuposto um embargo ilegal de uma obra.
4. Sucede que, ainda que não estivesse em causa nos autos discutir a anulação do referido embargo administrativo, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o pedido de emissão do mandado judicial tinha por base e como pressuposto o embargo ilegalmente decretado no passado dia 14 de julho de 2022. Em consequência, o Tribunal deveria ter verificado a aparente ilegalidade do referido embargo para, depois, poder decidir se se justificava a concessão (ou não) do mandado judicial.
5. Um entendimento contrário, como foi o adotado pelo Tribunal a quo, vai contra a jurisprudência mais recente proferida sobre esta matéria. Veja-se, em concreto, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. n.º 01848/18.5BEPRT, de 28 de junho de 2019 e o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. n.º 0273/22.5BELSB, de 9 de julho de 2023, disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Nestes termos, o Tribunal a quo deveria ter-se considerado competente para apreciar o mérito do pedido de concessão de mandado judicial solicitado pelo Município de Lisboa, assim como o mérito das atuações administrativas conexas, como é, no caso sub judice, a ordem de embargo ilegal.
7. Caso contrário, se incumbisse apenas aos tribunais uma verificação meramente formal, as suas funções ficariam esvaziadas de conteúdo e poderiam ser substituídas por análises autómatas, feitas com base em soluções informatizadas de “inteligência artificial” (soluções tipo ChatGPT).
8. Assim, aquando da ponderação da emissão do mandado judicial, o Tribunal a quo tinha necessariamente de ter ponderado, nos termos do artigo 120.º do CPTA, com as necessárias adaptações, o preenchimento dos seguintes requisitos: a. A existência de fundado risco de constituição de uma situação de facto consumado ou da produçãode prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os interesses que o recorrente visa assegurar (primeiro segmento do nº 1 do art. 120.º do CPTA), o denominado periculum in mora; b. A probabilidade de a pretensão formulada ou a formular pelo recorrente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (segmento final do mesmo nº 1 do art. 120.º do CPTA), a existência de fumus boni juris; c. proporcionalidade entre os danos que se pretendem evitar com a concessão da providência e os danos que resultariam para o interesse público dessa mesma concessão (nº 2 do referido art. 120.º).”
9. E facto é que o Tribunal a quo não apreciou os interesses em causa nos subjacentes autos (periculum in mora), em concreto os da FIAP; nem as ilegalidades apontadas pela aqui Recorrente aos pressupostos subjacentes aos presentes autos (fumus boni juris); nem a proporcionalidade do decretamento do mandado judicial em causa.
10. Tendo, pelo contrário, entendido que não deveria pronunciar-se sobre essas matérias – o que enferma a sentença da qual ora se recorre do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
11. Ora, naturalmente que se a Ré, aqui Recorrente, apresentou argumentos de mérito que não foram ponderados, mas que justificavam a ilegalidade subjacente ao pedido apresentado pelo Município de Lisboa para emissão de mandado judicial e que implicariam a sua não concessão pelo Douto Tribunal a quo, a sentença proferida só pode ser considerada nula, por violação da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
12. Ou, por outras palavras, caso se tivesse pronunciado, o Tribunal tinha chegado à conclusão de que o mandado judicial partia de uma ordem de embargo ilegal e que, na verdade, o Município (conforme veremos de seguida) não tinha nenhum interesse público relevante que justificasse a concessão do mandado judicial, revelando-se, por isso, a mesma desproporcional.
13. Sem conceder, o Tribunal a quo devia ter declarado a inutilidade superveniente da presente ação. Após a referida notificação do processo instrutor, a Ré, aqui Recorrente veio pugnar junto do Tribunal a quo para que a presente ação fosse declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, pois, nesse momento e conforme resultava da documentação constante dos presentes autos, o prazo de validade do referido embargo já havia caducado, visto que, (i) não só já tinham passado mais de 12 meses desde o seu decretamento (em julho de 2022) como, ao mesmo tempo, (ii) o Município de Lisboa não tinha proferido nenhuma decisão que definisse a situação jurídica da obra com caráter definitivo.
14. Assim, tendo já sido ultrapassado o prazo de validade do embargo, o mesmo teria caducado assim como, nos termos do artigo 95.º do CPA, todo o procedimento administrativo que lhe era inerente.
15. Ou seja, e atendendo a que o pressuposto da presente ação (que deu origem ao pedido do Município de Lisboa) deixara na verdade de existir, por um motivo superveniente, veio a Recorrente alegar que qualquer decisão que nela viesse a ser proferida seria inútil - porque já não existia nenhum embargo que “justificasse” ou “suportasse” a necessidade de obtenção de um mandado judicial.
16. Ora, no caso sub judice, efetivamente, desapareceu o pressuposto do presente processo (o embargo), pelo que o Tribunal a quo devia ter determinado a inutilidade da presente ação.
17. Contudo, e apesar do Tribunal a quo, na sentença proferida e da qual ora se recorre, reconhecer que “a pretensão da Requerente encontra-se materializada no pedido de “emissão de mandado judicial” que “sucede porque, efetuado o embargo da obra em 14-07-2022, não foi possível ao Município de Lisboa verificar o interior do imóvel, visando a averiguação dos trabalhos que faltavam para a conclusão da obra “uma vez que não foi autorizado pelo proprietário a entrar no imóvel”, em momento posterior, e salvo melhor opinião, veio dar o dito por não dito ao concluir que “embora a recusa de acesso ao interior do imóvel sito na Rua D…, nº 14, em Lisboa se tenha verificado no âmbito de um embargo total de obra, as inspeções aos locais podem ser, como já se referiu, efetuadas os locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do RJUE, sem dependência de prévia notificação (cf. artigo 95.º, n.º 1 do RJUE)”
18. Em consequência, e tendo o pedido de emissão de mandado judicial sido solicitado, na sequência do decretamento do embargo da obra pelo Município de Lisboa, não podia o Tribunal a quo ter simplesmente ignorado esse facto e dissociado esses dois momentos - porque, efetivamente, um era pressuposto e fundamento do outro. E, mais uma vez, recorda-se a recente jurisprudência do STA supra citada que previu a possibilidade de, nos pedidos de concessão de mandados judiciais, os tribunais apreciarem condutas administrativas conexas e praticadas no âmbito do mesmo procedimento administrativo (como seria aqui o caso).
19. Assim, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, deveria ter sido decretada a inutilidade superveniente da presente instância e a aqui Recorrente ser absolvida da mesma, de acordo com o previsto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA – o que justifica a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
20. Sem conceder, e caso assim não se conceda, da jurisprudência supra citada resulta, conforme já referido, que a emissão de um mandado judicial pelos tribunais implica “um controle de mérito. Um controle que passa pela ponderação dos interesses em jogo, face ao disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para o qual remete a parte final do n.º 3 do artigo 95º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12.” (Acórdão do TCAN, proc. n.º 01848/18.5BEPRT, de 28 de junho de 2019, disponível em www.dgsi.pt).
21. Contudo, no caso sub judice, o Tribunal a quo limitou-se a fazer uma análise formal do pedido de mandado judicial apresentado pelo Município de Lisboa que consistiu em analisar apenas: i) a garantia da solicitação esclarecedora da entrada no domicílio no âmbito de ações de fiscalização, ao abrigo do disposto no artigo 95.º do RJUE; ii) a confirmação da competência para ordenar a realização da diligência; iii) a salvaguarda, nos casos previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto (por remissão do artigo 92.º, n.º 5 do RJUE), e no artigo 109.º, n.ºs 3 e 4 do RJUE, que a câmara municipal haja providenciado pelo realojamento da pessoa em questão. (cfr. sentença do tribunal a quo).
22. O que, conforme aqui já foi alegado, constitui uma omissão de pronúncia da sentença proferida pelo Tribunal a quo. Mas, a acrescer a isso, a própria forma como o Tribunal a quo ponderou a concessão do mandado judicial requerido pelo Município de Lisboa, aqui Recorrido, resultou de uma interpretação errada do artigo 93.º, n.º 2 do RJUE.
23. De facto, entendeu o Tribunal a quo que o mandado judicial poderia ser concedido ao Município pois todas as inspeções se podem considerar legitimadas, “porquanto tais obras, independentemente da respetiva sujeição a controlo prévio, encontram-se sujeitas a fiscalização administrativa, pelo que a ação pretendida encontra-se legitimada, nos termos do disposto no artigo 93.º, n.º 2 do RJUE” (cfr. sentença do Tribunal a quo).
24. Contudo, tem sido entendimento dos tribunais portugueses que “só justifica a preterição do direito à inviolabilidade do domicílio ou o direito à reserva da intimidade da vida privada, com proteção constitucional, um qualquer interesse público relevante, como seja a defesa da segurança e saúde pública quando, por exemplo, um prédio dá sinais de estar a ruir ou quando esteja em causa o património cultural.”
25. Ou seja, e por outras palavras, os mandados judiciais só podem ser concedidos quando estejam em causa relevantes interesses públicos, interesses públicos esses que têm de se concretizados pela entidade que ordena o pedido de mandado judicial – o que não se verificou in casu.
26. In casu, e do despacho que determinou a propositura da presente ação, constante do p.a.i., pode ler-se o seguinte: “Face ao informado, (…) solicita-se mandado judicial, através do Departamento Juridico da CML, com intuito de se proceder à competente fiscalização das obras no interior do imóvel”. Ou seja, do despacho que determina a proposição desta ação não resulta qualquer tipo de interesse público que precise de ser acautelado e que justificasse a concessão do mandado judicial requerido pelo Município de Lisboa.
27. Até porque, na verdade, a preocupação do Município de Lisboa (que se prendia) com o facto de terem sido retiradas alegadamente várias paredes de alvenaria do imóvel (resta saber como é que o teor dessa preocupação surgiu, atento o facto de o Município não ter legitimamente entrado no imóvel, motivo que justificou a proposição da presente ação) não é da sua competência apreciar, nos termos do artigo 53.º-F do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, previsto no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro; mas antes uma responsabilidade assumida pelo técnico autor do projeto de estabilidade estrutural, legalmente habilitado. E, na verdade, no caso em concreto, foi precisamente isso que aconteceu – a aqui Recorrente apresentou, junto do Município, um pedido de licenciamento de obras de reabilitação urbana, incluindo todos os projetos de especialidades onde se inclui naturalmente o projeto de estabilidade estrutural, acompanhado do referido termo de responsabilidade do Eng. Civil autor do mesmo.
28. Em suma, e por tudo quanto foi supra exposto, incorre, por isso, a douta sentença num erro de julgamento que determina a necessidade da sua revogação.
29. Sem conceder, revogando-se a referida sentença proferida pelo Tribunal a quo sempre teriam de ser apreciadas, para ponderação da concessão (ou não do mandado judicial) as ilegalidades invocadas pela aqui Recorrente na sua contestação. Vejamos.
30. Analisado o auto de embargo, constante do processo administrativo instrutor, pode ler-se no seu ponto 6. que não foi possível verificar o interior dos trabalhos por falta de autorização – o que de facto sucedeu e justificou, aliás, a proposição da presente ação pelo Município de Lisboa,
31. Não obstante, e em simultâneo, no ponto 5 do mesmo auto de embargo afirma-se que, “…as obras se encontram conforme descritas na informação da proposta de embargo”.
32. Contudo, tal não corresponde à verdade. De facto, entre 22.06.2022, data da “fiscalização” feita ao local pelo Senhor Agente da Polícia Municipal e a data do auto de embargo, 14.07.2022, decorreu um hiato temporal de 19 dias.
33. Ora, no decurso destes dias, a aqui Requerente continuou a executar as obras que havia iniciado no interior do edifício.
34. Neste âmbito, e de acordo com o descrito n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil, são documentos autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.
35. Sendo certo que o valor de documento autêntico resulta do disposto no artigo 169.° do Código de Processo Penal no qual se dispõe que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seuconteúdo não forem fundadamente postas em causa – cfr, entre outros, douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.31.2017, proferido no processo n.º 638/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.
36. Com efeito, e na senda do que referimos supra, perante a evidente demonstração das falsas declarações prestadas pelo Senhor Agente da Polícia Municipal quanto ao estado dos trabalhos aquando da notificação do auto de embargo a 14.07.2022, preclude a fé pública do mesmo, pelo que devem ser considerados como não provados os factos nele ínsitos.
37. O que acarreta a anulação dos presentes autos de embargo, nos termos do artigo 163.º do CPA e a consequente não admissão do mandado judicial requerido nestes autos.
38. Acresce que a iniciativa da operação de fiscalização que desembocou na elaboração da proposta de embargo e subsequente auto de embargo, foi realizada sem prévia determinação, ou seja, resultou de uma iniciativa própria do Senhor Agente da Policia Municipal autuante, como resulta da referida informação que logo no seu início menciona o seguinte: (…) informo V. Exa. que esta Polícia realizou uma fiscalização ao imóvel (…) nada referindo quanto a um eventual cumprimento de ordem superior.
39. E, tanto assim é, que quando o Agente autuante entrou no logradouro e depois dentro do imóvel propriamente dito, e por todo o tempo que aí permaneceu, nunca exibiu ou referiu qualquer cumprimento de ordem previamente determinada pelo Presidente da Câmara Municipal ou Vereador.
40. Sucede que em momento algum desse dia, ou, posteriormente aquando da notificação do auto de embargo, foi demonstrada a competência do Agente da Polícia Municipal em causa, na matéria, isto é, a Recorrente até ao momento desconhece se o referido Agente tinha competência para propor propostas de embargo e, consequentemente, elaborar autos de embargo.
41. Assim, a falta de autorização prévia para a realização de vistoria e, bem assim, a falta de competência na matéria do Agente autuante, determina a violação do disposto no citado normativo 94º do RJUE, o que acarreta a anulação do auto de embargo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA.
42. E neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2023, supra referido, que não autorizou a concessão de um mandado judicial precisamente por se ter verificado uma situação semelhante à dos autos.
43. Ou seja, deveria ter sido suficiente para o Tribunal a quo concluir que, por uma decisão prévia à do embargo, estar ferida de invalidade (vício de incompetência), imperioso se torna concluir que a ação de fiscalização determinada no procedimento e para cuja execução o presente pedido de emissão de mandado judicial foi solicitado, não foi ordenada nos termos do RJUE, sendo, por isso, ilegal.
44. Em consequência, esse vício também devia ter impedido que o Tribunal a quo emitisse o mandado judicial requerido pelo Município de Lisboa.
45. Para além disso, importa ainda referir a omissão do dever de audiência prévia que tem carácter invalidante da decisão final, salvo se, através de um juízo de prognose póstuma o Tribunal puder concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível.
46. De facto, como se afirma na jurisprudência, nos casos de incumprimento do disposto do n.º 1 do artigo 121.º do CPA, só quando através de um juízo de prognose póstuma o tribunal possa concluir que a decisão tomada era a única concretamente possível, não será de anular a mesma.
47. Desde logo, atenta a informação da Polícia Municipal que sustenta e serve de fundamento para o decretamento do presente embargo, temos que a mesma é parca, vaga e genérica, não concretizando nem descrevendo, pormenorizadamente, o tipo de edifício em questão.
48. Depois, não se descrevem com detalhe e pormenor as referidas “obras de alteração”, nem bem, assim, quais as obras que estavam a ser levadas a cabo no momento.
49. Nem, note-se, é feita qualquer referência a eventuais obras preexistente no edifício em apreço, feitas após o respetivo licenciamento.
50. Aliás, veja-se que em momento algum é referido que se trata de um imóvel devidamente licenciado!
51. Ou seja, ao cabo e ao resto, o Agente autuante não cuidou de previamente se informar e devidamente documentar sobre o edifício em apreço, quanto ao licenciamento anteriormente aprovado, eventuais obras que foram realizadas posteriormente a este, e as obras ora em apreço, por exemplo, se se tratam de obras de escassa relevância urbanística que não carecem de qualquer controlo prévio, ou pelo contrario, se são outro tipo de obras e qual seja e de que tipo de controlo prévio necessitam, para efeitos do RJUE.
52. E, ainda que resulte do p.a.i. que a Ré não foi notificada de qualquer projeto de decisão de embargo, por ter sido dispensada do exercício do direito de audiência prévia nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do CPA, tendo o Município alegado que “atendendo à natureza dos factos acima descritos e à urgente necessidade de impedir a continuação da obra lesiva de legalidade, com vista a evitar que a mesma se consolide na ordem jurídica”, não se diga que uma “eventual urgência” na tomada de decisão do embargo preclude o direito de audiência prévia – vide, neste sentido, os doutos Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.07.2003, proferido no processo nº 01429/02 e de 15.11.2006, tirado no processo n.º 0531/06, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
53. Acresce que a referida dispensa tinha de estar bem fundamentada e ser fundada em argumentos objetivos – o que também não parece verificar-se in casu.
54. Neste conspecto, o modo de atuação do Município de Lisboa acabado de explanar viola o princípio de direito administrativo da audiência prévia e, consequentemente, o princípio constitucional da participação dos particulares, vertido no n.º 5 do artigo 267 da CRP.
55. E também não se diga que, ainda assim, isto é, perante a evidente violação do direito de audiência prévia da Ré e, consequentemente, violação do princípio constitucional da participação dos particulares, o cumprimento de tal formalidade em nada modificaria o conteúdo do embargo.
56. Porque como resulta de forma evidente e clara, desde logo, dos supracitados doutos Acórdão de 23.09.2004 e de 11.10.2007, a situação sub judice não admite a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos. Ora, como já salientado supra e como veremos ainda, o embargo em causa enferma de invalidades várias pelo que, ainda que expurgado o vício da falta de audiência prévia, a decisão da causa sempre seria outra, isto é, face nomeadamente ao disposto no RJUE. Razão pela qual, nunca in casu se pode aplicar o princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
57. Nestes termos, e sem mais delongas, face ao exposto o embargo padece de manifesto vício de audiência prévia, o que deveria ter impossibilitado a emissão de um mandado judicial pela Tribunal a quo.
58. No caso sub judice, e face ao que acabámos de expor, é ainda notório que, desde logo, a proposta de embargo carece de falta de fundamentação e, consequentemente o auto de embargo
59. Na verdade, tal decisão não revela quais os argumentos factuais e jurídicos que conduziram àquela ordenação, visto que, desde logo, e como referido supra, a atenta a informação da Polícia Municipal que sustenta e serve de fundamento para o decretamento do presente embargo, temos que a mesma é parca, vaga e genérica, não concretizando nem descrevendo, pormenorizadamente, o tipo de edifício em questão. Ou seja, em momento algum, quer na proposta quer no auto de embargo se descrevem com detalhe e pormenor as referidas “obras de alteração”, nem bem, assim, quais as obras que estavam a ser levadas a cabo no momento da inspeção.
60. De igual modo, em momento algum é feita qualquer referência a eventuais obras preexistente no edifício em apreço, feitas após o respetivo licenciamento e eventualmente quem as realizou.
61. Ademais, quer a proposta de embargo, quer o próprio auto de embargo não é possível descortinar quanto ao edifício em apreço, o licenciamento anteriormente aprovado, eventuais obras realizadas posteriormente a este, e quais as obras em curso.
62. Além de que as referidas obras em curso não são devidamente caracterizadas para efeitos do RJUE, nem nada se diz quanto às obras de escassa relevância urbanística que estavam a ser levadas a efeito (como veremos infra) e as quais não carecem de qualquer controlo prévio, para efeitos do RJUE (cf. art. 6.º).
63. De facto, as obras em curso são obras de interior e de conservação que dada a sua escassa relevância urbanística não carecem de controlo prévio.
64. Assim, o homem considerado médio não consegue vislumbrar qual o iter cognoscitivo percorrido no embargo que permitiu ordenar o embargo das obras.
65. De facto, ainda que se faça uma leitura perfuntória do embargo, o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação, visto que não permite diferenciar que obras estavam a ser levadas a cabo que careciam de controlo prévio das obras de escassa relevância urbanística que não carecem de qualquer controlo prévio, nem bem assim, o porquê de o embargo ser total e não parcial, de o mesmo não ter uma duração de seis meses em vez de doze meses.
66. Pelo que, tudo somado, o ato suspendendo viola o dever de fundamentação previsto no artigo 153.º do CPA, o que acarreta a invalidade do auto de embargo e a consequente impossibilidade de concessão de um mandado judicial ao Município de Lisboa (cf. art.º 163.º do CPA).
67. Como referido adrede, a aqui Ré não foi devidamente notificada, na sua sede, do embargo em apreço. De facto, quem teve disso conhecimento foi o seu sócio-gerente, V… - Razão pela qual, também por esta via, o embargo é invalido e, por isso, impossibilita a concessão de um mandado judicial (cf. art. 163º do CPA).
68. Por fim, diga-se ainda que as obras em causa não se tratam de obras ilegais, visto não carecerem de qualquer controlo prévio, senão vejamos,
69. Por contrato de compra e venda, outorgado em 08.06.2021, a Ré adquiriu a propriedade do edifício sito na Rua D…, nos 14 e 14-A, objeto do presente embargo (cf. doc. 1 junto com a contestação) e que corresponde a uma moradia geminada no seu alçado lateral esquerdo com uma moradia idêntica que corresponde ao n.º 16 e 16A da mesma rua. A data de construção do referido edifício é de1955. Em 09.05.1957, o Município de Lisboa, emitiu a respetiva Autorização de Utilização n.º 204 para o edifício em preço, com fim de habitação.
70. Em data que se desconhece – mas que segundo a anterior proprietária afirmou ter mais de 32 anos - os anteriores proprietários, em articulação com os vizinhos da moradia geminada procederam a uma obra de alteração dos seus telhados transformando-os de telhados de “2 águas” para mansardas permitindo, assim, o seu melhor aproveitamento.
71. Esta alteração foi realizada nessa altura conjuntamente com o proprietário da moradia vizinha que com ela é geminada, por forma a manter a coerência arquitetónica do conjunto das duas casas, bem como para evitar problemas com infiltrações entre os telhados destas casas, caso cada um assumisse uma conformação diferente do outro. (cf. doc. 2 que se anexa).
72. No que concerne à fachada principal do prédio (frente), a mesma foi “projetada” na sua parte central para fora para ampliar o hall de entrada da casa, tendo o mesmo sido feito ao nível das fachadas lateral direita e tardoz com o objetivo de aumentar, respetivamente, as áreas da sala de jantar e da cozinha da casa (cf. doc. 3 que se anexa).
73. Estava, igualmente, construída uma escada metálica exterior na fachada principal que dava acesso a partir do jardim diretamente ao 1º piso do edifício, bem como ao piso da mansarda, procurando com essa obra autonomizar cada um desses pisos em habitações independentes (cf. doc. 4 que se anexa).
74. Existiam também 2 construções adicionais que tinham sido erigidas no jardim, uma afeta à função de escritório/consultório (do anterior proprietário que era médico) e outra, correspondendo à ampliação do edifício de garagem e de alojamento de pessoal de serviço, que fora afeto à atividade de “Alojamento Local” não licenciado!
75. Quando a aqui Ré adquiriu o prédio, como se disse, tais obras já se encontravam realizadas, pelo menos há 32 anos a esta data.
76. E, segundo, também, informado pela anterior proprietária à Ré, as mesmas não foram precedidas de qualquer licenciamento municipal.
77. Adicionalmente o jardim da referida casa encontrava-se ao abandono há uma série de anos o que, pela densa vegetação que assim cresceu desordenadamente, impedia que estas “novas edificações” fossem visíveis da via pública, como simultaneamente invadisse a via pública com ramos e raízes que levantavam o pavimento betuminoso da estrada. O próprio muro da propriedade estava em ruína e risco de derrubar para a via pública por força das raízes e ramagens dessa vegetação. (cf. doc. 5 da contestação).
78. Ora, a Ré, após a aquisição da propriedade do prédio em questão tentou, na medida do possível e sem afetar a harmonia do conjunto das duas casas geminadas (Nºs 14 e 16), repor o traço arquitetónico original e licenciado tendo procedido à demolição do avançado construído na fachada principal para assim a repor conforme havia sido inicialmente construída (cf. doc. 6 da contestação), bem como procedeu à desmontagem da escada metálica exterior pré-existente referida atrás (cf. doc. 7).
79. Demoliu, igualmente, parte do avançado construído no alçado lateral direito, por forma a fazê-lo alinhar com dimensões exteriores iniciais do edifício.
80. Procedeu, também, à demolição das construções adicionais atrás referidas que tinham sido erigidas no jardim (para servir de escritório/consultório e de “Alojamento Local”) pela anterior proprietária (cf. doc. 8 da contestação).
81. Cuidou, ainda, de proceder à limpeza e desmatação do jardim envolvente do prédio, através do corte das árvores que estavam em risco de queda e/ou pendiam sobre o arruamento público, bem como ao corte de toda a vegetação que com as suas raízes agravavam o risco de derrubamento do muro, a par da limpeza de todos os entulhos aí acumulados ao longo dos anos (cf. doc. 9 da contestação).
82. E, uma vez que pretendia fazer algumas obras de remodelação da compartimentação do espaço interior da construção, através da demolição de paredes interiores de simples compartimentação (não estruturais), garantindo assim que estas obras não colocavam em causa a estabilidade do edifício,
83. Por precaução e prevenção, procedeu, contudo, à colocação de vigas metálicas nos locais onde demoliu estas paredes de simples compartimentação (atenta a sua espessura e material de construção), justamente, para garantir que a estabilidade do edifício nunca pudesse ser afetada pela demolição das mesmas, apesar de as mesmas que não corresponderem a paredes mestras (essas não foram objeto de qualquer intervenção por parte da Ré). Desta forma a estrutura resistente inicial não foi alterada.
84. No que concerne ao vão de telhado, a Ré não fez qualquer intervenção no mesmo, mantendo, por isso, a mesma forma e estado que tinha (e tem), desde, pelo menos, há 32 anos a esta parte.
85. Destarte, as obras em causa, tratam-se, por um lado, de obras de conservação e, por outro lado, de obras de reposição da legalidade infringida dada a demolição das obras ilegais que haviam sido construídas – não podendo, por isso, ser consideradas ilegais.
86. Em consequência, o Município de Lisboa não tem, na verdade, qualquer interesse na realização da solicitada inspeção.”
Notificado das alegações apresentadas, o requerido apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões:
“ Nos presentes autos, o que efectivamente está em causa é, tão só e apenas, a necessidade, por parte do Município de Lisboa, de proceder à fiscalização de obras ilegais a decorrer na morada supracitada e não a medida provisória e cautelar de tutela da legalidade urbanística, concretamente, o embargo.
Na verdade, havendo oposição à entrada dos funcionários do Município de Lisboa no imóvel pelo titular deste, para aferição da legalidade de obras, não restava outra alternativa ao Recorrente senão obter o suprimento jurisdicional do consentimento exigido no artº 34º/2 da CRP e pressuposto nos artºs 95º e 106º do RJUE.
Isto porque o Recorrido tem de estar habilitado com meios - mandado judicial para entrar na propriedade privada nas acções de fiscalização, com o escopo de exercer o seu poder controlador no domínio da gestão urbanística, sob pena de importante parte da sua actividade ficar sem comprovação, por via de um controlo sucessivo de operação urbanística de molde a averiguar da sua legalidade.
Efctivamente, a necessidade de aceder ao local existe atendendo ao facto de estarem a ser realizadas verdadeiras obras de alteração e não apenas de escassa relevância urbanística, conforme a Recorrente sugere.
Sendo exactamente por isso que se torna essencial a inspecção ao local, com a necessidade de emissão do mandado requerido, dada a impossibilidade de aí se conseguir aceder sem o consentimento da respectiva proprietária.
Donde, a douta decisão proferida não ofende o princípio constitucional da reserva da vida privada e familiar, pelas razões acima apontadas.
A Recorrente através do vertido nas suas alegações de recurso, tenta assim, subverter a verdadeira necessidade de acesso ao local, pretendendo retirar um sentido e um propósito das obras realizadas no imóvel, bem como da presente acção judicial que não corresponde à verdadeira realidade dos factos.
É que dúvidas não há que só se pode verificar da legalidade das obras executadas, se for possível aceder ao local em causa.
Por conseguinte, falecem os fundamentos utilizados pela Recorrente, no sentido de impedir a fiscalização pelos serviços municipais.
Resulta assim claro que, a douta sentença recorrida não incorreu em erros de julgamento, fazendo incorrecta interpretação e aplicação do direito à matéria de facto assente.
Nesta sequência, importa concluir que o julgado em primeira instância é de confirmar inteiramente, quer quanto à decisão – de facto e de direito –, quer quanto aos respetivos fundamentos, devendo, por isso, concluir-se pela improcedência da totalidade das conclusões extraídas pela Recorrente.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença padece de:
a) Nulidade por omissão de pronúncia;
b) Erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos:
“A) A Requerida é proprietária do prédio urbano, composto de rés-do-chão e 1º andar, sito na Rua D…, nºs 14 e 14-A, no município de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 2…/1… da freguesia da A…, concelho de Lisboa (cf. certidão predial permanente - documento n.º 1 junto com a contestação a fls. 69 dos autos);
B) Em 20-06-2022, um funcionário da Divisão de Fiscalização remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao respetivo Chefe de Divisão de Fiscalização do Departamento de Apoio à Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa, do qual se extrai o seguinte teor:


«Imagem em texto no original»




(cf. documento de fls. 2 a 5 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);
C) Em 20-06-2022, o Chefe de Divisão de Fiscalização do Departamento de Apoio à Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa remeteu uma mensagem de correio eletrónica ao senhor Comandante da Polícia Municipal, do qual se reproduz o seguinte teor:


«Imagem em texto no original»



(cf. documento de fls. 2 a 5 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);
D) Em 22-06-2022, foi lavrado pelo Chefe Adjunto do Comandante da Esquadra de Fiscalização da Polícia Municipal de Lisboa, sob o registo n.º 1…/22 o “TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE INSPEÇÃO”, declarando a concessão de autorização aos agentes da Polícia Municipal de Lisboa para realizar uma inspeção ao prédio urbano sito na Rua D…, nºs 14, e da qual se extrai, designadamente, o seguinte teor:



«Imagem em texto no original»




(cf. documento constante de fls. 19 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);
E) Em 24-06-2022, a Polícia Municipal de Lisboa elaborou a Informação n.º 22273.33.8.4, relativa à “FISCALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO URBANÍSTICA|Rua D…, 14, 1...-1... Lisboa”, da qual se extrai o seguinte teor:


«Imagem em texto no original»














«Imagem em texto no original»






(cf. documento de fls. 7 a 9 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);
F) Na sequência da informação referida na alínea antecedente, a senhora Vereadora J… decretou em 10-07-2022, o embargo total da obra a decorrer na Rua D…, n.º 14, em Lisboa (cf. documento de fls. 41 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);
G) Em 13-07-2022, foi elaborada pela Polícia Municipal de Lisboa a Informação 24750.22.8.4, relativa a “EMBARGO DE OPERAÇÃO URBANÍSTICA| na Rua D…, n.º 14, 1...-1... Lisboa”, da qual se reproduz o seguinte teor:


«Imagem em texto no original»






«Imagem em texto no original»





(cf. documento de fls. 43 a 44 do processo administrativo- cf. de fls. 140 a 237 dos autos);”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Da nulidade da sentença

Alega a recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia por não terem sido na mesma apreciados os interesses da recorrente em causa relacionados com o requisito do periculum in mora, nem as ilegalidades apontadas pela recorrente aos pressupostos subjacentes aos presentes autos (fumus boni juris), nem a desproporcionalidade do decretamento do mandado judicial em causa.
Vejamos.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, dispondo o n.º 1 do artigo 95.º do CPTA que “A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.”
Porém, não haverá omissão de pronúncia quando o tribunal não aprecia uma questão por entender que não o deve fazer, justificando essa não apreciação, havendo, assim, efectivamente, uma pronúncia do tribunal. Em tal caso, pode é haver erro de julgamento dessa decisão de não conhecimento de uma questão invocada, o qual deve ser conhecido pelo Tribunal de recurso, caso seja invocado – neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023, proferido no processo n.º 01750/13.7BELSB, in www.dgsi.pt.
É certo que a recorrente demandada, na sua contestação, embora não tenha invocado o periculum in mora nem a desproporcionalidade do decretamento do mandado judicial em causa, arguiu a ilegalidade do embargo decretado por referência ao imóvel em relação ao qual é peticionado o mandado judicial, nos seguintes termos: (i) que não foi devidamente notificada do embargo da obra (arts. 9, 81 e 82), (ii) que não foi notificada para o exercício do seu direito legítimo de pronúncia em sede de audiência prévia à ordem de embargo (arts. 10 e 47 a 53), (iii) que o acto de fiscalização subjacente ao embargo é inválido, uma vez que, sem qualquer autorização por parte de uma das três pessoas que se encontravam no local, o respectivo agente municipal entrou na propriedade, pelo portão de acesso à via pública, e ali permaneceu, e sem qualquer consentimento por parte dessas pessoas que ali se encontravam, nem exibindo qualquer documento que atestasse a devida autorização para proceder a tal “fiscalização”, e procedeu ao levantamento fotográfico do local (arts. 11, 16 a 22 e 35 a 38), (iv) que as obras em apreço não carecem de controlo prévio nos termos e para os efeitos do disposto no RJUE (arts. 12, 72, 73, e 85 a 103), (v) que o auto de embargo em causa carece de fé pública por ter assentado em declarações falsas (arts. 23 a 31), e (vi) que o auto de embargo padece de falta de fundamentação (arts. 67 a 71 e 74 a 77).
E sobre o invocado pela requerida, o Tribunal a quo pronunciou-se, no sentido de não ser tal argumentário apreciado na sentença “na medida em que, os presentes autos não configuram o meio processual próprio para o efeito, não constituindo o embargo de obra, como já se referiu em sede de análise da invocada inutilidade superveniente da lide, o objeto dos presentes autos.”
Deste modo, não há omissão de pronúncia pois que o Tribunal recorrido não apreciou as ilegalidades do auto de embargo invocadas pela recorrente por entender que não o deveria fazer, justificando essa não apreciação, pelo que houve, efectivamente, uma pronúncia do tribunal.
Ante o exposto, improcede a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.


B. Do erro de julgamento de direito

Alega a recorrente que o Tribunal a quo deveria ter declarado a inutilidade superveniente da lide por caducidade do prazo de validade do embargo (com a consequente caducidade do procedimento administrativo inerente, nos termos do artigo 95.º do CPA), visto que, (i) já tinham passado mais de 12 meses desde o seu decretamento (em Julho de 2022), e que (ii) o Município de Lisboa não tinha proferido nenhuma decisão que definisse a situação jurídica da obra com carácter definitivo, pelo que qualquer decisão que nela viesse a ser proferida seria inútil - porque já não existia qualquer embargo que “justificasse” ou “suportasse” a necessidade de obtenção de um mandado judicial.
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos seguintes termos:
“Nos presentes autos, a pretensão da Requerente encontra-se materializada no pedido de “emissão de mandado judicial que permita aos serviços competentes do Requerente a entrada no imóvel, a fim de, nos termos do artº 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DecLei nº 555/99, de 16 de dezembro, com a última alteração pelo Dec-Lei nº 66/2019, de 21 de maio, fiscalizar o imóvel e verificar se quais os trabalhos que faltam para a conclusão da obra por forma a assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares”.
E tal sucede porque, efetuado o embargo da obra em 14-07-2022, não foi possível ao Município de Lisboa verificar o interior do imóvel, visando a averiguação dos trabalhos que faltavam para a conclusão da obra “uma vez que não foi autorizado pelo proprietário a entrar no imóvel”.
Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas sem os necessários atos administrativos de controlo prévio (cf. artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do RJUE).
Sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, o presidente da câmara municipal é competente para embargar obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos, quando estejam a ser executadas sem a necessária licença ou comunicação prévia ou em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis (cf. artigo 102.º-B, n.º 1, alíneas a) e c) do RJUE).
Após o embargo, é de imediato lavrado o respetivo auto, que contém, obrigatória e expressamente, a identificação do funcionário municipal responsável pela fiscalização de obras, das testemunhas e do notificado, a data, a hora e o local da diligência e as razões de facto e de direito que a justificam, o estado da obra e a indicação da ordem de suspensão e proibição de prosseguir a obra e do respetivo prazo, bem como as cominações legais do seu incumprimento (cf. artigo 102.º-B, n.º 3 do RJUE).
Relativamente aos seus efeitos, o embargo obriga à suspensão imediata, no todo ou em parte, dos trabalhos de execução da obra (cf. artigo 103.º, n.º 1 do RJUE) e a ordem de embargo caduca logo que for proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com caráter definitivo ou no termo do prazo que tiver sido fixado para o efeito (cf. artigo 104.º, n.º 1 do RJUE).
O embargo consubstancia uma das medidas de tutela da legalidade urbanística cuja adoção constitui uma obrigação dos órgãos administrativos competentes, visando a tutela e restauração da legalidade urbanística (cf. artigos 102.º e 102.º-B do RJUE).
Já a fiscalização de obras possui um caráter distinto, porquanto a fiscalização administrativa destina-se a assegurar a conformidade de quaisquer operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas (cf. artigo 93.º, n.º 2 do RJUE).
Com efeito, a realização de quaisquer operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente de estarem isentas de controlo prévio ou da sua sujeição a prévio licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização (cf. artigo 93.º, n.º 1 do RJUE).
Os fiscais municipais ou os trabalhadores das empresas privadas referidas no artigo 94.º, n.º 5 do RJUE, podem realizar inspeções aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação (cf. artigo 95.º, n.º 1 do RJUE).
Ora, enquanto o embargo de obra constitui a aplicação de uma medida de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas sem os necessários atos administrativos de controlo prévio (cf. artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do RJUE), já a fiscalização administrativa de operações urbanísticas visa certificar a sua conformidade com a respetiva legislação aplicável e a prevenção de perigos para a saúde e segurança das pessoas (cf. artigo 93.º do RJUE).
Ou seja, a fiscalização administrativa de operações urbanísticas (na qual se inserem as inspeções aos locais) destina-se à averiguação de eventuais situações de ilegalidade ocorridas na realização de intervenções urbanísticas enquanto o embargo de obra configura uma ordem de paralisação temporária de operação urbanística em curso.
Nos termos dos artigos 102.º a 104.º do RJUE, o ato de embargo de obra é uma medida provisória, cautelar, de tutela da legalidade urbanística, que visa a suspensão imediata, no todo ou em parte, dos trabalhos de execução de obras ou dos trabalhos de remodelação de terrenos e de proibição de prosseguimento dos trabalhos (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04-11-2016, no proc. n.º 03087/15.8BEPRT).
A sua principal função é “conservar a situação de facto existente à data da verificação da ilegalidade da execução de atos materiais de edificação dos solos ou outros trabalhos de construção, até que se encontre uma solução jurídica “definitiva” e conciliável com os interesses urbanísticos tutelados pelas normas violadas” (cf. Cláudio Monteiro, O Embargo de Obras no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, in Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, 2010, Almedina, pág. 1158).
Decorre do exposto que a eventual caducidade do embargo de obra, não tem como efeito que “o objeto da presente ação, por um motivo superveniente, deixou na verdade de existir, tornando qualquer decisão que nela venha a ser proferida inútil” (requerimento de fls. 276 dos autos).
E tal sucede porque o objeto dos presentes autos, consiste na obtenção de mandado judicial visando “(…) a entrada no imóvel, a fim de, nos termos do artº 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), (…), fiscalizar o imóvel e verificar se quais os trabalhos que faltam para a conclusão da obra por forma a assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares”.
E, embora a recusa de acesso ao interior do imóvel sito na Rua D…, nº 14, em Lisboa se tenha verificado no âmbito de um embargo total de obra, as inspeções aos locais podem ser, como já se referiu, efetuadas os locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do RJUE, sem dependência de prévia notificação (cf. artigo 95.º, n.º 1 do RJUE).
Assim, o objeto dos presentes autos não se reconduz ao embargo de obra, não se discutindo aqui a sua legalidade ou a produção de efeitos e, consequentemente, a caducidade do embargo de obra não possui a virtualidade de produzir alterações no objeto da presente ação.”
Em suma, entendeu-se na sentença que a eventual caducidade do embargo da obra não tem como efeito o desaparecimento do objecto da presente acção, pois, peticionando o requerente a emissão de mandado judicial que permita aos seus serviços a entrada no imóvel, a fim de, nos termos do artigo 95.º do RJUE, fiscalizar o imóvel e verificar os trabalhos em curso por forma a assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares (uma vez que não foi autorizado pelo proprietário a entrar no imóvel), o objecto dos presentes autos não se reconduz ao embargo de obra, não se discutindo aqui a sua legalidade ou a produção dos seus efeitos, e, embora a recusa de acesso ao interior do imóvel se tenha verificado no âmbito de um embargo de obra, as inspecções aos locais podem ser efetuadas nos locais onde se desenvolvam actividades sujeitas a fiscalização nos termos do RJUE, sem dependência de prévia notificação, nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do RJUE.
E o assim decidido mostra-se acertado, pelo que é de manter.
Nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, a inutilidade superveniente da lide é uma das causas de extinção da instância. Como ensina Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, p. 626), “A instância tornar-se-á inútil quando se evidencie que, por qualquer causa processual ou extraprocessual, o efeito jurídico pretendido através do meio concretamente utilizado foi já plenamente alcançado, isto é, quando a actividade processual subsequente redunde em puro desperdício para as partes processuais envolvidas.”
Com a presente acção, o requerente pretende a emissão de mandado judicial que permita aos seus serviços a entrada no imóvel, a fim de, nos termos do artigo 95.º do RJUE, fiscalizar o imóvel e verificar os trabalhos em curso por forma a assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares (uma vez que não foi autorizado pelo proprietário a entrar no imóvel). Dado que, nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do RJUE, os fiscais municipais podem realizar inspecções aos locais onde se desenvolvam operações urbanísticas sem dependência de prévia notificação, a existência de embargo da obra – assim como a sua validade ou a sua eficácia - é irrelevante para efeitos de emissão de mandado judicial para entrada em imóvel, pelo que a eventual caducidade do mesmo não afecta de modo algum a pretensão do requerente.
Ademais, o efeito jurídico pretendido através da presente acção – que é a emissão de mandado judicial de entrada no imóvel – não foi alcançado, pelo que a instância se mantém útil com esse fim, e, assim, não se pode falar em inutilidade superveniente da lide.
Deste modo, improcede este fundamento do recurso.

Alega também a recorrente que, para verificação dos pressupostos da emissão do mandado judicial requerido, o Tribunal a quo apenas fez uma análise formal da possibilidade de concessão do mandado judicial, sem dar relevância ao facto do pedido de mandado judicial ter como pressuposto um embargo ilegal de uma obra, não tendo ponderado a verificação dos pressupostos do artigo 120.º do CPTA, com as devidas adaptações, para, depois, poder decidir se se justificava a concessão (ou não) do mandado judicial.
Sobre os pressupostos para a emissão do mandado judicial requerido, a sentença recorrida discorreu nos seguintes termos:
“Nos presentes autos, e no que concerne à garantia da solicitação esclarecedora da entrada no local onde decorria a operação urbanística, decorre do probatório que em 14-07-2024, um senhor agente da Polícia Municipal, acompanhado de um colega contactaram pessoalmente o proprietário do imóvel no qual decorriam as obras, não lhes tendo sido autorizada a entrada no local (alínea G) do probatório).
Com efeito, dimana ainda do probatório, aquando da efetivação de embargo de obra, a Polícia Municipal efetuou diligências diretas e pessoais junto ao proprietário do imóvel onde decorria a operação urbanística para que a fiscalização pudesse ser efetuada, o qual não permitiu o acesso ao local, encontrando-se demonstrada a necessidade de verificação da conformidade das obras realizadas com a regulamentação aplicável, não tendo sido oferecido motivo que impeça o acesso pela Polícia Municipal àquele imóvel(alínea G) do probatório).
Por outro lado, e conforme já se referiu, a emissão do mandado judicial é requerida pelo presidente da câmara municipal junto dos tribunais administrativos, contra o proprietário do imóvel relativamente ao qual é requerida a emissão de mandado (alínea A) do probatório), concluindo-se que não subsistem dúvidas quanto à competência do Requerente para ordenar a realização da diligência.
Por fim, o imóvel que se pretende fiscalizar não se encontra habitado, pelo que não se colocam as questões referentes à necessidade de realojamento ou de ponderação quanto à garantia da inviolabilidade do domicílio e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigos 26.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da CRP), o que, conjugado com a necessidade de proteger a legalidade urbanística, à luz das circunstâncias do caso concreto, permite concluir que se mostra justificado o presente pedido de emissão de mandado judicial.
Relativamente à argumentação expendida pela Requerida em sede de contestação, mormente a relativa à alegada introdução em lugar vedado ao público e obtenção de prova respeitante ao embargo de modo ilícito; as invocadas falsas declarações constantes do auto de embargo quanto ao estado das obras; a alegada falta de autorização e falta de formação do senhor agente da Polícia Municipal, acarretando a anulação do auto de embargo; a suscitada violação do princípio da audiência prévia e do dever de fundamentação da decisão de embargo; a alegada falta de notificação à proprietária do imóvel, nos termos do disposto no artigo 102.º-B, n.º 6 do RJUE e, bem assim, a legalidade das obras, por não carecerem de qualquer controlo prévio, consubstanciam questão que não serão conhecidas neste sede, na medida em que, os presentes autos não configuram o meio processual próprio para o efeito, não constituindo o embargo de obra, como já se referiu em sede de análise da invocada inutilidade superveniente da lide, o objeto dos presentes autos.
Verifica-se, assim, a necessidade da entrada dos serviços municipais no imóvel sito na Rua D..., nºs 14 e 14-A, no município de Lisboa, propriedade da Requerida, para efeitos de apreciação da conformidade das obras realizadas com as normas legais e regulamentares em vigor, porquanto tais obras, independentemente da respetiva sujeição a controlo prévio, encontram-se sujeitas a fiscalização administrativa, pelo que a ação pretendida encontra-se legitimada, nos termos do disposto no artigo 93.º, n.º 2 do RJUE.
Pelo exposto, tendo sido recusada a entrada dos serviços de fiscalização no imóvel da Requerida, verificam-se reunidos, no caso concreto, os pressupostos da emissão do mandado judicial requerido e, consequentemente, conclui-se pela procedência da presente ação.”
Ou seja, a sentença recorrida considerou reunidos, no caso concreto, os pressupostos da emissão do mandado judicial requerido, uma vez que um agente da polícia municipal, acompanhado de um colega, contactaram pessoalmente o proprietário do imóvel no qual decorriam as obras, não lhes tendo sido autorizada a entrada no local, encontrando-se demonstrada a necessidade de verificação da conformidade das obras realizadas com a regulamentação aplicável, e não tendo sido oferecido motivo que impeça o acesso pela polícia municipal àquele imóvel. Mais se entendeu que as ilegalidades respeitantes ao embargo de obra invocadas pela recorrente eram alheias ao objecto dos presentes autos, razão pela qual não foram apreciadas.
E, mais uma vez, bem se decidiu.
O artigo 95.º do RJUE, sob a epígrafe “Inspecções”, refere-se às situações em que fiscais municipais ou empresas privadas habilitadas a fiscalizar obras, quando na inspecção de operações urbanísticas sujeitas a fiscalização, se confrontam com a necessidade de entrada no domicílio de alguém, caso em que é necessária a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada na falta de consentimento.
Quanto ao mandado judicial previsto no n.º 4 do artigo 95.º do RJUE, “Esse controlo de adequação não envolve, porém, um escrutínio de mérito sobre a decisão administrativa tomada – seja de realização de diligências de fiscalização ou instrutórias, seja de execução de actos administrativos de natureza desfavorável para os seus interessados, não se confundindo com um qualquer mecanismo de impugnação do acerto daquela decisão ou de apreciação da sua validade. Antes se assemelha este controlo (…) à aposição de um visto formal a um acto administrativo (…)” (cfr. DULCE LOPES, Mandado, por quem? - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/2009, de 24.3.2009, P. 558/08, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 78, Novembro/Dezembro 2008, p. 41). No que aos seus requisitos concerne, portanto, compreende-se que sejam simples, circunscrevendo-se à alegação e prova dos factos fundamentais da causa de pedir:
· a necessidade de entrada no domicílio para realização de fiscalização de obras urbanísticas, nos termos dos artigos 93.º, 94.º, n.º 1, e 95.º, n.º 1, do RJUE;
· a ausência ou falta de consentimento dos que se arroguem titulares de direitos sobre o imóvel, aqui se fundando o interesse em agir do Presidente da Câmara Municipal no processo administrativo (artigo 95.º, n.ºs 3, 5 e 6 do RJUE).
Assim, é irrelevante para a emissão do mandado judicial em causa a circunstância de ter existido um embargo da obra e, consequentemente, são irrelevantes quaisquer vicissitudes ao mesmo respeitantes – seja à sua validade, seja à sua eficácia -, sendo os pressupostos previstos no artigo 120.º do CPTA para a concessão de providências cautelares inaplicáveis à emissão de mandado judicial nos termos do n.º 4 do artigo 95.º do RJUE, no qual não têm enquadramento.
No caso, conforme consta da sentença, resulta do probatório – sem que a recorrente tenha impugnado a matéria de facto – que dois agentes da polícia municipal contactaram a proprietária do imóvel no qual decorriam as obras, não lhes tendo sido autorizada a entrada no local, encontrando-se demonstrada a necessidade de verificação da conformidade das obras realizadas com a regulamentação aplicável, e não tendo sido oferecido motivo que impeça o acesso pela polícia municipal àquele imóvel.
Neste contexto factual, e dado que a fiscalização das obras em causa pressupõe a entrada dos funcionários municipais no imóvel propriedade da recorrente requerida, não tendo a mesma facultado tal acesso, estão verificados os pressupostos legais para a emissão do mandado judicial requerido.
Improcede, assim, também, este fundamento do recurso.

Finalmente, alega a recorrente que a emissão do mandado judicial se mostra desproporcional dado que o município não tinha qualquer interesse público relevante que justificasse a concessão do mandado, prevalecendo sobre o direito à inviolabilidade do domicílio ou o direito à reserva da intimidade da vida privada.
Todavia, não tendo tal questão sido invocada na contestação – e, portanto, submetida à apreciação do Tribunal recorrido -, estamos perante uma questão nova. E, assim sendo, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso. Com efeito, como anota pertinentemente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 133, nota de rodapé 231), “O objeto do recurso está dependente do objeto da ação, sendo este definido essencialmente a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Por conseguinte, salvo nos casos em que se estabeleça acordo das partes, está afastada a possibilidade de alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir em sede de recurso. Alguma iniciativa do recorrente, fora do caso previsto no art. 264.º, deve motivar a rejeição do recurso nessa parte (…).” Assim sendo, o recurso jurisdicional apenas pode ter por objecto questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso – idem, ibidem, pp. 139 e 140.
Nestes termos, a invocação da questão referente à desproporcionalidade da emissão de mandado judicial consubstancia uma ampliação da causa de pedir, possibilidade esta que carece de fundamento legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso nesta parte, o que se determina.
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Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Rejeitar o recurso na parte relativa à invocação da desproporcionalidade da emissão de mandado judicial;
b) Negar provimento ao recurso interposto.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Mara de Magalhães Silveira
Lina Costa