Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:874/22.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO – NULIDADE ACÓRDÃO – FALTA FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I – Para que se considere que uma decisão judicial é nula por padecer do vício de falta de fundamentação, seja ela de facto ou de Direito, necessário se torna que da mesma não conste qualquer fundamentação, não ocorrendo tal nulidade se a fundamentação for insuficiente ou mesmo medíocre.

II – Encontrando-se plasmado no Acórdão reclamado as razões de facto e de Direito em que este se ancora, não se encontra verificada a nulidade que lhe vem assacada.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

T………., S.A., impugnou judicialmente as autoliquidações de IVA referentes aos períodos de 07/2016 e 08/2016, no valor de € 245.149,35, tendo o Tribunal Administrativo de Fiscal de Leiria, por decisão de 11 de Maio de 2023, julgado procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto e, em consequência, absolvido a Fazenda Pública da instância.

Não concordando com a decisão, a Impugnante veio dela interpor recurso.

Por Acórdão de 24/04/2024, este Tribunal Central Administrativo Sul, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.

Notificada do douto Acórdão mencionado, veio imputar ao aresto, a nulidade da decisão de mérito proferida invocando a sua falta de fundamentação, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 615º, nº 1, al. b), do CPC, aplicável por força da alínea e) do art. 2º do CPPT.

Em ordem a sustentar a nulidade arguida, a ora reclamante invocou os seguintes fundamentos que infra se transcrevem por entendermos relevante para a cabal compreensão do que se decidirá:

“DA NULIDADE – (IN)SUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA
O aresto aqui sindicado, vem na sequência da improcedência da impugnação judicial apresentada como reação ao ato de liquidação dos tributos por referência aos períodos de 201607 e 201608.
Não obstante da decisão em mérito se debruçar sobre todas as questões colocadas pelo reclamante a verdade é que, na ótica no reclamante, a mesma se demonstra insuficientemente fundamentada.
Na realidade, não basta a prolação da decisão à questão colocada pois, é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito na qual se escora a decisão.
Nesse seguimento, entendemos que a decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.
Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”2
Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”3
Todavia, na nossa modesta opinião, atento o atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, cremos que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário com a clareza do homem médio percecionar as razões de facto e de direito da decisão judicial, deve também ela, ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório4.
O que nos parece ser o caso, do presente trecho decisório. O que implica, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615.º, nº 1, alínea b) do CPC, ex vi aplicável por via do artigo 2.º, alínea e) do CPPT a nulidade da decisão em mérito.
SEM PRESCINDIR,
Caso assim não se entenda, requer-se a fiscalização concreta da constitucionalidade do artigo 615.º, nº 1, alínea b) e c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, na interpretação que deles vem feita pelo Venerando Tribunal recorrido, por violação do art.º 205º, n.º 1 da CRP, apresentada agora perante Vossas Excelências, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 72.º e do n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pelo que devem ser apreciadas e declaradas.”




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Notificada, a Fazenda Pública e recorrida, nada veio aduzir.



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência da reclamação.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA RECLAMAÇÃO

Analisadas as alegações da reclamação, as questões a conhecer são as de saber se o Acórdão reclamado enferma da nulidade de falta de fundamentação, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, nº 1, alínea b) e c) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

No Acórdão reclamado deu-se por reproduzida a matéria de facto assente na decisão de primeira instância, a qual considerou provados os seguintes factos:

Antes de mais, para efeitos de apreciação da matéria de exceção, fixam-se os seguintes factos:
A) Em 17/10/2016 foi apresentada declaração periódica de IVA em nome da Impugnante referente ao período de julho de 2017, na qual declarou IVA a favor do Estado no montante de €183.102,37 – cf. declaração cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 63-68 do SITAF;
B) Em 17/10/2016 foi apresentada de declaração periódica de IVA em nome da Impugnante referente ao período de agosto de 2017, na qual declarou IVA a favor do Estado no montante de €62.046,98 – cf. declaração cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 70-75 do SITAF;
C) Em 22/09/2022 foi apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos, na qual pode ler-se: «(…) 3.º A Exequente e por referência aos períodos de IVA reclamados naqueles processos de execução fiscal procedeu à submissão das respetivas declarações periódicas no mesmo dia 17/10/2016. 4.º Contudo, relativamente às declarações de IVA dos períodos de 07/2016 e 08/2016 a Exequente detetou que tais declarações padeciam de um vício, vício esse que se traduz amiúde, na errónea quantificação no que ao apuramento de IVA a entregar nos cofres do Estado diz respeito, pois que, entre outros lapsos, não foi tido em conta no apuramento, despesas efetuadas pela Exequente. 5.º Algo que influiu claramente nos valores de IVA a deduzir e que forçosamente se repercute no valor do IVA entregar nos cofres do Estado. 6.º Porquanto, caso tais despesas como a aquisição de bens e serviços essenciais ao desenvolvimento da atividade (com IVA dedutível) fossem consideradas, tal importaria um menor valor de IVA a entregar nos cofres do Estado. (…)» (cf. petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e comprovativo de entrega a fls. 1 do SITAF).

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No Acórdão reclamado deu-se por reproduzida a matéria de facto não provada na decisão de primeira instância, a qual consignou o seguinte:
“Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos com relevância para a apreciação da matéria de exceção.”
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- De Direito

Vem a Recorrente reclamar do Acórdão proferido por este Tribunal ad quem por, no seu entender, o mesmo padecer de nulidade por falta de fundamentação, invocando que foi violado o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, ex vi aplicável por via do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Uma primeira nota para esclarecer que, se bem interpretamos as alegações da Reclamante, esta pretende, caso a presente reclamação venha a ser julgada improcedente, que a mesma venha a ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, no “âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade do artigo 615.º, nº 1, alínea b) e c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, na interpretação que deles vem feita pelo Venerando Tribunal recorrido, por violação do art.º 205º, n.º 1 da CRP.”
Ora, como bem menciona a Reclamante, tal competência pertence ao Tribunal Constitucional, pelo que a sindicância por parte daquele Supremo Tribunal sobre a interpretação que aqui viermos a conferir aos preceitos mencionados, terá de vir a ser objeto de recurso para o Tribunal, no momento próprio.
Avançando.
Comecemos por esclarecer que tratando-se como se trata dum Aresto proferido em sede de recurso apresentado pela Reclamante, é aplicável o disposto no mencionado preceito ao abrigo do artigo 666º do CPC que remete para o disposto nos artigos 613º a 617º do mesmo compêndio legal.
Vejamos então.
Estabelece o artigo 615º, nº 1 do CPC que a sentença é nula quando:
“(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no artigo 615º do CPC, nelas não se incluindo o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
No caso que aqui nos ocupa, a recorrente invoca que o Aresto reclamado enferma da nulidade por violação do disposto na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC.
Como ensinava Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 221 “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Este dever geral de fundamentação dos despachos e das decisões judiciais, está de acordo com o princípio constitucional contido no art. 205º, nº 1 da CPR, que exige que as decisões dos tribunais, quando não sejam de mero expediente, sejam fundamentadas na forma prevista na lei, de molde a assegurar a todos os cidadãos um processo justo e equitativo, conforme dispõe o art. 20º, nº 4 da CRP.
Em cumprimento deste dever de assegurar o mencionado processo justo e equitativo, exige-se, não apenas, a indicação dos factos provados, como dos não provados e a indicação do processo lógico-racional que conduziu à formação da convicção do julgador.
Nas palavras de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Ou, como refere Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf:
Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.
Donde, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº 1 do art. 615º, mas já não a errada decisão no âmbito do erro de julgamento. Neste sentido, podemos ver entre outros o Acs. STJ, de 15-12-2011, no processo nº 2/08.9TTLMG.P1S1 e de 02-06-2016, no processo nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, onde se pode ler “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”
Questão diferente da falta de fundamentação é a existência de uma insuficiente fundamentação da resposta à matéria de facto e que leve a deficiências no entendimento do raciocínio lógico que levou aos factos provados e não provados.
Nos termos do art. 662º, nº 2, al. d) do CPC, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve o Tribunal ad quem determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Ou seja, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada deve o processo baixar para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 718 “Tanto na enunciação dos factos provados como dos não provados, dentro dos limites dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, al. c) in fine)”, sendo “Em tal enunciação cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda”.
Daqui se retira que a correta enunciação dos factos a atender assume importância fundamental nas decisões a proferir, situação com igual relevo mesmo no caso de decisões incidentais ou interlocutórias.
Exposto, deste modo, o Direito, cumpre baixar ao caso dos autos e verificar se o Acórdão reclamado enferma do vício que lhe é imputado pela Reclamante.
A reclamante, embora alegue que o aludido Aresto padece de falta de fundamentação, em nenhum momento densifica em que medida a mesma ocorre, ficando inclusivamente por saber se a mesma se reporta à matéria de facto ou de Direito. Na verdade, as suas alegações são absolutamente genéricas, conclusivas, vazias e vagas.
Ainda assim, detenhamos sobre o mencionado Acórdão.
A Recorrente arguia que a decisão da primeira instância era nula por falta de fundamentação, de facto e de Direito.
Ora, na decisão reclamada, depois de um breve enquadramento jurídico e da análise da decisão da primeira instância, no que tange à nulidade parcial do processo de impugnação judicial na parte que respeita a pedidos cujo conhecimento não são passíveis de serem efetuados com recurso a este meio processual, é ali afirmado o seguinte:
o Tribunal a quo declarou a nulidade parcial do presente processo de Impugnação judicial, em virtude de se verificar que existe erro parcial na forma de processo relativamente ao pedido de anulação de todos os actos subsequentes ao acto de liquidação, mormente os processos de execução fiscal, e não, como pretende a recorrente, a nulidade dos processos de execução fiscal como por si peticionado.
Na verdade, e como muito bem é referido pelo Tribunal a quo, a existência de erro na forma de processo, neste caso apenas parcial, origina uma nulidade processual que culmina com a absolvição da Fazenda Pública da instância relativamente a este pedido.
Foi exactamente isto que foi decidido pelo Tribunal a quo, pelo que concluímos, deste modo, que improcede a nulidade da sentença invocada pela recorrente.”
Ou seja, do texto resulta de forma clara, coerente e suficiente o motivo pelo qual se confirma a decisão, entendendo-se que este meio processual, a impugnação judicial, não é o adequado para conhecer dos pedidos relacionados com os atos subsequentes ao acto de liquidação.
Já no que tange ao alegado de erro de julgamento por o Tribunal a quo ter julgado procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação de IVA dos meses de Julho e Agosto de 2016 e absolvido a Fazenda Pública da instância, também resulta claro do texto da decisão aqui criticada quais os fundamentos, quer de facto, quer de Direito, que ancoram a decisão de confirmação da decisão.
Senão vejamos.
Na decisão reclamada foi plasmada a seguinte fundamentação:
Comecemos por apreciar a questão da nulidade das liquidações.
Cumpre, antes de mais, esclarecer que os actos tributários mais não são do que actos administrativos em matéria tributária. Daqui decorre que em matéria de vícios do acto, o regime a aplicar será o constante do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), como, aliás, resulta da alínea c) do art. 2º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
Como bem sabemos, em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando a lei expressamente o determine ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Podemos assim afirmar, duma forma genérica, que os vícios dos actos tributários geradores de anulabilidade são os vícios de violação de lei, seja por erro sobre os pressupostos de facto, seja por erro sobre os pressupostos de direito, bem como vícios de forma.
Um acto encontra-se ferido de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto sempre que ocorra uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto. Exemplo disto serão as situações em que a matéria tributável está erradamente quantificada ou se dá como existente um facto tributário que não existiu.
Já, por outra banda, deve afirmar-se que um acto tributário enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito quando na prática do acto tenha sido efectuada uma errada interpretação ou aplicação do direito a aplicar.
Volvendo ao caso dos autos, o que estaria em causa nos autos em apreciação seria um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a recorrente considera que ocorreu uma errada quantificação na matéria tributável aquando da sua entrega das declarações de IVA para os meses de Julho e Agosto de 2016.
Ora, na sequência do acima exposto, tal vício nunca acarreta a nulidade do acto, mas apenas a sua anulabilidade. Em consequência nunca seria de aplicar o disposto no nº 3 do art. 102º do CPPT, como pretende a recorrente.
Assim sendo, improcedente terá de ser o presente recurso por a sentença recorrida não enfermar, nesta parte, do alegado erro de julgamento.”
Assim sendo, depois de se ter analisado o regime jurídico dos vícios dos atos em matéria tributável, designadamente e concretamente o vício de violação de lei, quer por erro nos pressupostos de facto, quer nos pressupostos de Direito, e das suas consequências, foi explicado que este nunca conduziria à nulidade dos actos, mas apenas à sua anulabilidade, pelo que se julgou improcedente o recurso.
Assim sendo, também aqui resultam claros, coerente e suficientes os fundamentos da decisão, pelo que a reclamação terá de ser julgada improcedente.
Finalmente e quanto à inimpugnabilidade dos atos de liquidação e à alegada violação dos Princípios da Verdade Fiscal e de proibição da indefesa, também resulta claro da decisão sob escrutínio que esta explicou de forma quase exaustiva, clara, congruente e suficiente, os motivos pelos quais o recurso não poderia proceder.
Em consequência somos forçados a concluir que a decisão reclamada não enferma do vício de falta ou insuficiência de fundamentação, como defende a reclamante, motivo pelo qual se rejeita a imputação efetuada.

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CUSTAS

No que diz respeito à responsabilidade pelas custas da presente Reclamação, atendendo ao total decaimento da mesma, as custas são da responsabilidade da Reclamante. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a nulidade arguida.


Custas pela Reclamante.


Lisboa, 15 de Julho de 2025

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Ana Cristina Carvalho

Rui A. S. Ferreira