Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:118/24.4BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PERDA DE MANDATO
IMPEDIMENTO LEGAL
CULPA
Sumário:I - Constituem pressupostos para a perda de mandato ao abrigo do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96: a existência de intervenção do eleito em procedimento administrativo, em ato ou contrato; a verificação de um impedimento legal a tal intervenção; a intenção de obter de vantagem patrimonial para si ou para outrem; a imputabilidade a título de culpa grave; a inexistência de causa de exclusão de culpa.
II - Atuam em violação do disposto nas subalíneas iv) e v) da alínea b) do art.º 4.º da Lei n.º 29/87, de 30.06 e no artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do CPA, a presidente e o vogal/tesoureiro da Junta de Freguesia que participam nas deliberações desse órgão autárquico de aprovação da celebração de acordos, e na celebração desses acordos - visando a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano, e mediante contraprestação - entre a Freguesia e entidade terceira de que eram, simultaneamente, membros dos órgãos sociais enquanto presidente e tesoureiro.
III - Ao participarem nas deliberações e celebrarem os contratos de forma livre e esclarecida, com consciência plena de que, ao fazê-lo, atuavam em desconformidade com os deveres de isenção e imparcialidade que sobre os mesmos recaíam e com intenção de atribuírem uma vantagem patrimonial à entidade de que eram representantes, não se descortinando aqui qualquer causa de exclusão de culpa, incorrem na sanção de perda de mandato nos termos do artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 27/96.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério Público (doravante A./Recorrido) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, ação administrativa urgente para declaração de perda de mandato contra A......... e P......... (doravante RR./Recorrentes) peticionando “julgue procedente, por provada, a presente acção, e declare a perda dos mandatos de A......... e de P......... como membros da Assembleia de Freguesia de Posto Santo, da primeira como Presidente da Junta de Freguesia e do segundo como vogal do órgão executivo da autarquia”.

Em 16.12.2024 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo nos seguintes termos,

“Compulsados os autos, não obstante tenha sido requerida a produção de prova testemunhal pelos RR., considera-se que o processo reúne já todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador [cfr. artigo 88.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
Uma vez que a audiência prévia teria apenas a finalidade prevista no artigo 87.°-A, n.° 1, alínea d) do CPTA, decide-se dispensar a sua realização, nos termos do artigo 87. °- B, n.° 2, do mesmo diploma legal [aplicável ex vi artigo 97.°, n.° 1, alínea a), do CPTA e artigo 15.°, n.° 1, da Lei n.° 27/96, de 01 de agosto ].
Nestes termos, uma vez que o processo se mostra devidamente instruído com todos os elementos indispensáveis à decisão das questões que se mostram suscitadas pelas partes, prossegue-se para o conhecimento do mérito da causa e profere-se despacho saneador-sentença, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 88.°, n.°1, alínea b), do CPTA, o qual segue de imediato.”

Por sentença proferida na mesma data, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou procedente a ação e condenou os Réus no pedido, determinando a perda dos mandatos de A......... e de P......... como membros da Assembleia de Freguesia de Posto Santo, da primeira como Presidente da Junta de Freguesia e do segundo como Vogal do órgão executivo da autarquia.

Não se conformando com a decisão, ambos os RR. interpuseram recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas suas alegações de recurso, o R., P........., conclui nos seguintes termos:

“I. São pressupostos da perda de mandato, cumulativamente, a intervenção em procedimento com impedimento legal e a existência de uma vantagem patrimonial para si ou para outrem.
II. Em primeiro lugar, o Réu não estava impedido legalmente de participar no acto e, em boa verdade, a decisão não foi sua.
III. A decisão de celebração do acordo de execução entre as duas entidades (Junta de Freguesia do Posto Santo e Centro Comunitário do Posto Santo) foi da Assembleia da Junta de Freguesia.
IV. O órgão executivo apresenta e propõe à Assembleia da Junta de Freguesia, mas não vota (artigo 67.° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14/08 na sua redacção actual).
V. Em segundo lugar, não existiu vantagem patrimonial para quem quer que seja, nem sequer intenção.
VI. Não ficou provada essa obtenção de vantagem patrimonial, nem a intenção de a obter.
VII. Houve uma partilha de encargos entre a Junta de Freguesia do Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo proporcionais ao trabalho desempenhado.
VIII. Nenhuma entidade custeia nenhum encargo em benefício da outra.
IX. A partilha de encargos é feita proporcionalmente, simplesmente sendo o recurso humano do Centro Comunitário do Posto Santo.
X. A verba recebida pela Junta de Freguesia do Posto Santo da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo não é utilizada, na totalidade, para custear o trabalho da pessoa que desempenha as actividades de limpeza - serve para pagar maquinarias, combustíveis, produtos de limpeza, entre outros.
XI. Aliás, a transferência feita da Junta de Freguesia do Posto Santo para o Centro Comunitário do Posto Santo seria insuficiente para custear o trabalhador anualmente, conforme provado nos autos.
XII. A jurisprudência tem sido unânime no que concerne à necessidade, para condenação em perda de mandato, de um forte juízo de censura da sua atuação, citando «(...) o decretamento da perda de mandato pressupõe a formulação de um forte juízo de censura da atuação do autarca, o que ocorre quando o mesmo agiu com culpa grave ou negligência grosseira. Efetivamente, só um grau de culpa relativamente elevado sustenta a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.(...)» conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 069/19.4BEMDL e disponível em www.dgsi.pt).
XIII. Nos autos não existe culpa grave nem negligência grosseira por parte do R., nem existindo aliás reprovabilidade social da conduta relativamente a um acordo de execução que existe há décadas (aprovado em Assembleia da Junta de Freguesia, nomeadamente sendo o acordo auditado pelo Tribunal de Contas durante décadas e sem vantagem patrimonial para nenhuma entidade colectiva ou pessoa singular).
XIV. Assim, com a sentença proferida na primeira instância, o Tribunal violou claramente a norma do artigo 8.° da Lei da Tutela Administrativa (lei n.° 27/96, de 01/08).
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. que o presente recurso seja julgado procedente por provado e revogada a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Subsidiariamente, requer-se a V. Exa. a descida dos autos ao Tribunal de primeira instância para realização da audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal e, eventuais declarações de parte.
Subsidiariamente, e por mera cautela de patrocínio, requer-se a V. Exa. a aplicação do artigo 10.° da Lei Tutelar Administrativa (lei n.° 27/96, de 01/08, na sua versão actual) considerando estarem reunidos os pressupostos.”

Nas suas alegações de recurso, a R./Recorrente, A........., formula as seguintes conclusões:

“I. São pressupostos da perda de mandato, cumulativamente, a intervenção em procedimento com impedimento legal e a existência de uma vantagem patrimonial para si ou para outrem.
II. Em primeiro lugar, a Ré não estava impedida legalmente de participar no ato e, em boa verdade, a decisão não foi sua.
III. A decisão de celebração do acordo de execução entre as duas entidades (Junta de Freguesia do Posto Santo e Centro Comunitário do Posto Santo) foi da Assembleia da Junta de Freguesia.
IV. O órgão executivo apresenta e propõe à Assembleia da Junta de Freguesia, mas não vota (artigo 67.° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14/08 na sua redação atual).
V. Em segundo lugar, não existiu vantagem patrimonial para quem quer que seja, nem sequer intenção.
VI. Não ficou provada essa obtenção de vantagem patrimonial, nem a intenção de a obter.
VII. Houve uma partilha de encargos entre a Junta de Freguesia do Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo proporcionais ao trabalho desempenhado.
VIII. Nenhuma entidade custeia nenhum encargo em benefício da outra.
IX. A partilha de encargos é feita proporcionalmente, simplesmente sendo o recurso humano do Centro Comunitário do Posto Santo.
X. A verba recebida pela Junta de Freguesia do Posto Santo da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo não é utilizada, na totalidade, para custear o trabalho da pessoa que desempenha as atividades de limpeza - serve para pagar maquinarias, combustíveis, produtos de limpeza, entre outros.
XI. Aliás, a transferência feita da Junta de Freguesia do Posto Santo para o Centro Comunitário do Posto Santo seria insuficiente para custear o trabalhador anualmente, conforme provado nos autos.
XII. A jurisprudência tem sido unânime no que concerne à necessidade, para condenação em perda de mandato, de um forte juízo de censura da sua atuação, citando «(...) o decretamento da perda de mandato pressupõe a formulação de um forte juízo de censura da atuação do autarca, o que ocorre quando o mesmo agiu com culpa grave ou negligência grosseira. Efetivamente, só um grau de culpa relativamente elevado sustenta a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.(...)» conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 069/19.4BEMDL e disponível em www.dgsi.pt).
XIII. Nos autos não existe culpa grave nem negligência grosseira por parte do R., nem existindo aliás reprovabilidade social da conduta relativamente a um acordo de execução que existe há décadas (aprovado em Assembleia da Junta de Freguesia, nomeadamente sendo o acordo auditado pelo Tribunal de Contas durante décadas e sem vantagem patrimonial para nenhuma entidade coletiva ou pessoa singular).
XIV. Assim, com a sentença proferida na primeira instância, o Tribunal violou claramente a norma do artigo 8.° da Lei da Tutela Administrativa (lei n.° 27/96, de 01/08).
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. que o presente recurso tenha provimento, e, em consequência, seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Subsidiariamente, requer-se a V. Exa. a descida dos autos ao Tribunal de primeira instância para realização da audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal e, eventuais declarações de parte.
Fazendo-se, assim, a habitual JUSTIÇA!”

O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
“1ª Os recorrentes encontravam-se na situação de impedimento legal prevista no art.º 69.º n.º 1 al. a) do Código de Procedimento Administrativo uma vez que, nas qualidades uma de Presidente e outro de vogal da Junta de Freguesia de Posto Santo, intervieram e votaram nas deliberações desse órgão executivo que aprovaram a celebração de acordos onerosos com o Centro Comunitário do Posto Santo, do qual a primeira era Tesoureira e o segundo Presidente, e outorgaram esses acordos, aquela como autarca e este como representante dessa instituição privada de solidariedade social;
2ª A celebração e concretização dos Acordos conferiu uma vantagem patrimonial ao Centro, na medida em que esta entidade obteve o benefício económico que se traduziu na remuneração auferida como contrapartida da prestação que realizou ou acordou realizar e porque vantagem “não se confunde com o lucro, dado que o preço poderá limitar-se a cobrir os custos incorridos na execução do contrato pelo contratante”;
3ª “A lei basta-se com o facto de existir uma vantagem patrimonial intencional relativamente à qual se verifica um impedimento, uma vez que os princípios da isenção e imparcialidade ficam desde logo molestados”, quando, como no caso dos autos, “não se vislumbram as causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa do agente, como previsto no artº 10º, nº 1 da Lei nº 27/96 de 01.08” (acórdão citado).
Termos em que, na improcedência de todas as conclusões das alegações dos recursos, deve ser-lhes negado provimento.”

Os recursos foram admitidos, com subida imediata e efeito suspensivo.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão às Juízas Desembargadoras adjuntas, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Ora, os Recorrentes não transpuseram para as conclusões de recurso o erro de julgamento que imputaram ao despacho de dispensa de prova - testemunhal e por declarações de parte -, que invocaram no ponto II das alegações e relativamente ao qual peticionam a sua apreciação subsidiária ao erro de julgamento que imputam à sentença.
Também o Recorrente, P........., em sede de petitório, requer que este Tribunal aplique subsidiariamente o artigo 10.º da Lei n.º 27/96. Se é certo que nas alegações e conclusões de recurso pouco concretiza a este respeito, o certo é que, por um lado, questiona a inexistência de culpa grave na sua atuação e, por outro, na exata medida em que constitui pressuposto para a perda de mandato a inexistência de causa de exclusão da culpa, a questão da aplicação do artigo 10.º da Lei n.º 27/98 não deixa de integrar o âmbito do erro de julgamento que aponta à sentença recorrida. Pelo que a apreciação de tal questão é realizada nessa sede.
Tendo em conta o exposto, a questão que a este Tribunal cumpre apreciar corresponde a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade:

“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos, tendo em conta a prova documental junta aos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido:
A) A Ré A......... é Presidente da Junta de Freguesia de Posto Santo, Angra do Heroísmo, tendo sido eleita como membro da assembleia de freguesia para o quadriénio de 2021/2025 e tendo sido investida naquelas funções executivas da autarquia no dia 18 de outubro de 2021, na primeira reunião do órgão deliberativo da freguesia. [cfr. documentos n.°s 1 e 2 juntos com a petição inicial].
B) O Réu P......... foi também eleito para a mesma assembleia de freguesia para o quadriénio 2021-2025, e após a instalação desse órgão, foi eleito, na sua primeira reunião, como Vogal da Junta de Freguesia, cargo em que foi então investido. [cfr. documentos n.°s 1 e 2 juntos com a petição inicial].
C) O Centro Comunitário do Posto Santo, com o número de identificação de pessoa coletiva 512093773 é uma associação de direito privado que tem sede na Rua do Sobreiro n.° 12, Posto Santo, 9700-231 Angra do Heroísmo. [cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial].
D) O Centro Comunitário do Posto Santo tem como CAE principal: R3 - 88990 - outras atividades de apoio social sem alojamento, n.e.; CAE secundário 1: R3 - 88910 - atividades de cuidados para crianças, sem alojamento; CAE secundário 2: R3 - 88101 - atividades de apoio social para pessoas idosas, sem alojamento. [cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial].
E) Dos Estatutos do Centro Comunitário do Posto Santo resulta, entre o mais, o seguinte:
“(…)

Artigo 1.º
O CENTRO COMUNITÁRIO DO POSTO SANTO é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede na Rua do Sobreiro, n.8 12, freguesia de Posto Santo, concelho de Angra do Heroísmo, cujo âmbito abrange a freguesia do Posto Santo.
Artigo 2.º
O Centro Comunitário do Posto Santo tem por objetivo o apoio a Idosos e crianças, apoio à integração social e comunitária, apoio à família, proteção dos cidadãos na velhice e em todas as situações de carência económica; educação e formação profissional dos cidadãos, todas as atividades de Interesse social.
Artigo 3º
Para a realização dos seus objetivos a associação propõe-se criar e manter as seguintes atividades
a) Centro de Convívio para idosos;
b) Sensibilizar a opinião pública no que toca aos problemas das crianças e Jovens,
nomeadamente as que se encontrem carencladas, em perigo e com perturbações sociais;
c) Promover o apoio à infância e juventude, incluindo as crianças e jovens através
de ações de intervenção direta;
d) Estimular, promover e apoiar ações de solidariedade social que visem a melhoria
de condições de vida das crianças, dos jovens e dos adultos e da sua adequada inserção social na comunidade;
e) Estimular, promover e apoiar iniciativas de âmbito soclat, cultural, recreativo e
desportivo que visem o desenvolvimento da personalidade das crianças e jovens e a integração destes na sociedade;
f) Cooperar com entidades públicas e privadas na definição de uma política de
proteção e apoio a crianças e jovens;
g) Promover ações de formação, educação profissional e treino a profissionais ligados a esta área;”
[cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial].
F) Em 21 de dezembro de 2020 realizou-se reunião da assembleia geral do Centro Comunitário do Posto Santo com vista à eleição dos seus órgãos sociais, tendo sido eleitos, entre outros, o ora Réu P......... e a ora Ré A......... para os cargos de Presidente e Tesoureira do Órgão da Administração, respetivamente. [cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial].
G) Em 1 de janeiro de 2021, o ora Réu P......... e a ora Ré A......... tomaram posse nos cargos de Presidente e Tesoureira do Centro Comunitário do Posto Santo, respetivamente, assinaram o correspondente “auto de posse” e desde então e até ao presente, vêm exercendo esses cargos. [cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial e admitido por acordo].
H) A 6 de janeiro de 2022 foi celebrado entre a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, representada pelo seu presidente, e a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela ora Ré A........., um “Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências Anuais”, a entrar “em vigor no dia 1 de Janeiro" (cláusula 34ª) desse ano, o qual teve por objeto a delegação de competências da primeira autarquia na segunda, “no que diz respeito às [...] competências na totalidade do território da freguesia", relativas, entre outras, a “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos municipais, incluindo os caminhos agrícolas, nomeadamente bermas, sarjetas e sumidouros" (cláusula 1a). [cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial].
I) Do escrito referido na alínea antecedente ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinados ao cumprimento deste contrato interadministrativo são disponibilizados pelo Primeiro Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual" e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição nas condições fixadas na cláusula 1a" e a "transferir para a segundo outorgante a quantia de € 16.830,38 (dezasseis mil oitocentos e trinta euros e trinta e oito cêntimos)", referentes, entre outras, àquela limpeza das vias e espaços públicos (cláusulas 17a e 19a). [cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial].
J) No dia 26 de janeiro de 2022, em reunião da Junta de Freguesia em que intervieram a Presidente A......... e os vogais J......... e P........., “foi deliberado, por unanimidade, celebrar Acordo de Execução e Delegação de Competência para o corrente ano, entre esta Junta de freguesia e o Centro Comunitário de Posto Santo, no valor de 9.000,00€ (nove mil euros), conforme aprovado em assembleia de freguesia de 15 de Dezembro de 2021, tendo como objeto a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano, por parte do Centro Comunitário, com vista ao cumprimento do referido Acordo” [cfr. documento n.° 7 junto com a petição inicial - Ata n.° 2/2022].
K) Em 25 de março de 2022 foi celebrado entre a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela sua Presidente A........., e o Centro Comunitário do Posto Santo, representado por P........., um “Acordo de Execução e Delegação de Competências”, a produzir “efeitos a partir do dia 1 de Janeiro” desse ano (Cláusula 24a), o qual teve por objeto “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, [...] sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia” (Cláusula 1a), cujo “período de vigência [...] coincide com a duração da Assembleia de freguesia, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados” (Cláusula 4a). [cfr. documento n.° 8 junto com a petição inicial].
L) No Acordo referido na alínea anterior ficou previsto que “a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros compreendem, nomeadamente, a varredura, lavagem, manual ou mecânica, das vias e espaços públicos, bem como a desobstrução e limpeza das sarjetas, sumidouros e sede da Junta de Freguesia” e “o exercício da delegação de competências é constituído pela prática de todos os atos necessários à prossecução do interesse público, incluindo a varredura e lavagem de valetas, bermas e caminhos”, constituindo “partes integrantes do domínio municipal, uma vasta rede de vias e espaços de livre acesso público, bem como, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia cuja limpeza constitui objeto a acordo de delegação de competências” (cláusulas 6a e 5a). [cfr. documento n.° 8 junto com a petição inicial].
M) No escrito referido na alínea K) ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinado[s] ao cumprimento deste acordo de execução, são disponibilizados pela Primeira Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual” e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição mnas condições fixadas na cláusula 1a” e a "transferir para o Segundo Outorgante a quantia de 9.000,00€ (nove mil euros) (cláusulas 7a, 9a e 10a). [cfr. documento n.° 8 junto com a petição inicial].
N) Em 2 de janeiro de 2023 foi celebrado entre a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, representada pelo seu presidente, e a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela ora Ré A........., um “Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências Anuais”, a entrar "em vigor no dia 1 de Janeiro” (cláusula 34a) desse ano, qual teve por objeto a delegação de competências da primeira autarquia na segunda, “no que diz respeito às [...] competências totalidade do território da freguesia”, entre outras, as relativas a “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos municipais, incluindo os caminhos agrícolas, nomeadamente bermas, sarjetas e sumidouros” (cláusula 1a). [cfr. documento n.° 9 junto com a petição inicial].
O) No escrito referido na alínea N) ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinados ao cumprimento deste contrato interadministrativo são disponibilizados pelo Primeiro Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual” e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição nas condições fixadas na cláusula 1a’’’ e a “transferir para a segundo outorgante a quantia de 21.467,32 (vinte e um mil quatrocentos e sessenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), referentes, entre outras, àquela limpeza das vias e espaços públicos (cláusulas 17a e 19a). [cfr. documento n.° 9 junto com a petição inicial].
P) No dia 18 de janeiro de 2023, em reunião da Junta de Freguesia em que intervieram a Presidente A........., a Secretária J......... e o Tesoureiro P........., “foi deliberado, por unanimidade, celebrar Acordo de Execução e Delegação de Competência para o corrente ano, entre esta Junta de Freguesia e o Centro Comunitário de Posto Santo, no valor de 10.000,00€ (dez mil euros), conforme aprovado em Assembleia de Freguesia de 21 de Dezembro de 2023, tendo como objeto a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano por parte do Centro Comunitário, com vista ao cumprimento do referido Acordo” [cfr. documento n.° 10 junto com a petição inicial - Ata n.° 2].
Q) A 2 de março de 2023, foi celebrado entre a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela sua Presidente A........., e o Centro Comunitário do Posto Santo, representado por P........., um “Acordo de Execução e Delegação de Competências”, a produzir “efeitos a partir do dia 1 de Janeiro” desse ano (cláusula 24a), o qual teve por objeto “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia” (sua Cláusula P), cujo “período de vigência [...] coincide com a duração da Assembleia de freguesia, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados’’ (cláusula 4a). [cfr. documento n.° 11 junto com a petição inicial].
R) No Acordo referido na alínea anterior ficou referido que “a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros compreendem, nomeadamente, a varredura, lavagem, manual ou mecânica, das vias e espaços públicos, bem como a desobstrução e limpeza das sarjetas, sumidouros e sede da Junta de Freguesia" e “o exercício da delegação de competências é constituído pela prática de todos os atos necessários à prossecução do interesse público, incluindo a varredura e lavagem de valetas, bermas e caminhos”, constituindo “partes integrantes do domínio municipal, uma vasta rede de vias e espaços de livre acesso público, bem como, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia cuja limpeza constitui objeto a acordo de delegação de competências” (cláusulas 6ae 5a). [cfr. documento n.° 11 junto com a petição inicial].
S) No escrito referido na alínea Q) ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinado[s] ao cumprimento deste acordo de execução, são disponibilizados pela Primeira Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual” e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição nas condições fixadas na cláusula 1a” e a “transferir para o Segundo Outorgante a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros” (cláusulas 7a, 9a e 10a). [cfr. documento n.° 11 junto com a petição inicial].
T) A 8 de janeiro de 2024 foi celebrado entre a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, representada pelo seu presidente, e a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada por A........., “Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências Anuais”, a entrar “em vigor no dia 1 de Janeiro” (cláusula 34a) desse ano, o qual teve por objeto a delegação de competências da primeira autarquia na segunda, “no que diz respeito às [...] competências totalidade do território da freguesia”, relativas, entre outras, a “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos municipais, incluindo os caminhos agrícolas, nomeadamente bermas, sarjetas e sumidouros” (cláusula 1a). [cfr. documento n.° 12 junto com a petição inicial].
U) No escrito referido na alínea T) ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinados ao cumprimento deste contrato interadministrativo são disponibilizados pelo Primeiro Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual, e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição nas condições fixadas na cláusula 1a” e a ’’transferir para a segundo outorgante a quantia de 23.614,06 (vinte e três mil oitocentos e catorze euros e seis cêntimos), referentes, entre outras, àquela limpeza das vias e espaços públicos" (cláusulas 17a e 19a). [cfr. documento n.° 12 junto com a petição inicial].
V) No dia 3 de janeiro de 2024, em reunião da Junta de Freguesia em que intervieram a Presidente A......... e os vogais J......... e P........., “foi deliberado, por unanimidade, celebrar Acordo de Execução e Delegação de Competência para o corrente ano, entre esta Junta de Freguesia e o Centro Comunitário de Posto Santo, no valor de 10.500,00€ (dez mil e quinhentos euros), conforme aprovado em assembleia de freguesia de 27 de Dezembro de 2023, tendo como objeto a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano por parte do Centro Comunitário, com vista ao cumprimento do referido Acordo", [cfr. documento n.° 13 junto com a petição inicial].
W) A 28 de fevereiro de 2024, foi celebrado entre a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela sua Presidente A........., e o Centro Comunitário do Posto Santo, representado por P........., um “Acordo de Execução e Delegação de Competências’’, a produzir “efeitos a partir do dia 1 de Janeiro" desse ano (cláusula 24a), o qual teve por objeto “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia" (Cláusula 1a), cujo “período de vigência [...] coincide com a duração da Assembleia de freguesia, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados’’ (cláusula 4a). [cfr. documento n.° 14 junto com a petição inicial].
X) No escrito referido na alínea anterior ficou previsto que “a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros compreendem, nomeadamente, a varredura, lavagem, manual ou mecânica, das vias e espaços públicos, bem como a desobstrução e limpeza das sarjetas, sumidouros e sede da Junta de Freguesia’ e “o exercício da delegação de competências é constituído pela prática de todos os atos necessários à prossecução do interesse público, incluindo a varredura e lavagem de valetas, bermas e caminhos’’, constituindo “partes integrantes do domínio municipal, uma vasta rede de vias e espaços de livre acesso público, bem como, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia cuja limpeza constitui objeto a acordo de delegação de competências" (cláusulas 6a e 5a). [cfr. documento n.° 14 junto com a petição inicial].
Y) No escrito referido na alínea W) ficou também acordado que “os recursos financeiros [...] destinado[s] ao cumprimento deste acordo de execução, são disponibilizados pela Primeira Outorgante e transferidos para o Segundo Outorgante no início de cada trimestre, até ao limite máximo anual" e a primeira outorgante obrigou-se, para além do mais, a “pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição nas condições fixadas na cláusula 1a" e a “transferir para o Segundo Outorgante a quantia de 10.500,00€ (dez mil e quinhentos euros" (cláusulas 7a, 9a e 10a). [cfr. documento n.° 14 junto com a petição inicial].
Z) Em cumprimento e para pagamento dos compromissos assumidos nos Acordos acima referidos, celebrados entre a Junta de Freguesia de Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo, aquela autarquia transferiu para conta bancária titulada por esta instituição de solidariedade social, pelo menos, as quantias de
- dois mil duzentos e cinquenta euros em cada um dos dias 29 de março, 30 de junho, 26 de setembro e 7 de dezembro, tudo de 2022;
- dois mil e quinhentos euros em cada um dos dias 31 de março, 31 de agosto, 11 de setembro, tudo de 2023, e 1 de abril de 2024. [cfr. documentos n°s 15 a 22 juntos com a petição inicial].”

III.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”

III.3. Em sede de fundamentação de facto consignou-se na sentença:

“A factualidade elencada como provada decorre, essencialmente, do teor dos elementos documentais constantes dos autos, salientando-se, a este propósito, que tais documentos não foram objeto de impugnação e ainda da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.”

IV. Fundamentação de direito

1. Do erro de julgamento


Nos recursos apresentados sustentam os Recorrentes que a sentença incorreu em erro por entenderem, em suma, que não se mostram preenchidos os pressupostos - a intervenção em procedimento com impedimento legal e a existência de uma vantagem patrimonial para si ou para outrem – da perda de mandato.
Aduzem, em síntese, que, por um lado, não estavam impedidos legalmente de praticar o ato, porquanto a decisão foi tomada pela Assembleia da Junta de Freguesia, na qual estiveram presentes enquanto membros do órgão executivo, mas não votaram e, que, por outro, não existiu, nem se mostra alegada ou provada pelo Ministério Público, a vantagem patrimonial.
Sustentam que, nos termos do protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo e a Junta de Freguesia do Posto Santo e, posteriormente, o acordo de execução celebrado entre aquela Junta e o Centro Comunitário do Posto Santo, há lugar a uma partilha de encargos, proporcional ao tempo de serviço que o trabalhador despende a cada entidade, entre a Junta de Freguesia do Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo, não se podendo concluir, como faz a sentença, que o Centro Comunitário do Posto Santo obtém daí uma vantagem patrimonial por não deter CAE para fazer limpeza.
Adiantam que não ficou provado nos autos a existência de um forte juízo de censura, por não ter existido culpa grave nem negligência grosseira por parte dos RR., o que obsta à condenação na perda de mandato.
A Lei n.º 27/96, de 1 de agosto (na redação do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2.10) – Lei da Tutela Administrativa - estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório (artigo 1.º).
Prevê-se no artigo 7.º deste diploma que “[a] prática, por acção ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ou no da gestão de entidades equiparadas pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da acção ou omissão deste”.
Regulando-se no artigo 8.º as hipóteses que determinam a perda de mandato, designadamente no n.º 2 deste normativo, estabelece-se que “[i]ncorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”.
No artigo 10.º regulam-se as “Causas de não aplicação da sanção”, dispondo o n.º 1 que “[n]ão haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.”
Deve também considerar-se o artigo 242.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) o qual prescreve que “[a] dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves”.
Refira-se, ainda, que “a perda de mandato só pode ter lugar quando a ilegalidade que a determina esteja relacionada com a gestão daquelas autarquias e que, se assim é, se a ilegalidade tiver origem noutra sede que não a gestão da autarquia a consequência da mesma terá de ser outra que não a perda de mandato” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7.12.2011, proferido no processo n.° 0859/11).
Importa, ainda, considerar, como se deu nota no Ac. do STA de 21.5.2020, proferido no processo 069/19.4BEMDL, que,
“Como resulta do acórdão do STA de 22/04/2004 (Proc. nº 0248/04 in «www.dgsi.pt/jsta»), que reitera jurisprudência anterior de outras decisões deste Tribunal (cfr. Acs. de 18/05/1995 - Proc. n.º 37472, de 12/05/1995 - Proc. nº 36434, de 18/03/2003 - Proc. nº 0369/03) “… a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito Disciplinar e Penal (cfr. art. 10º da Lei 27/96). Ou, como se entendeu … “dada a gravidade da sanção de perda de mandato que a lei comina para determinados comportamentos, importa não só determinar se esses comportamentos estão objectivamente tipificados na lei, mas ainda se se verifica o elemento subjetivo que justifique um juízo de censura proporcional à medida sancionatória que só será de aplicar quando, ponderados os factores objectivos e subjetivos relevantes, se conclua pela indignidade do requerido para a permanência no exercício das suas funções (…)”.
Também no Ac. deste STA de 09/01/2002 (Proc. nº 048349 in «www.dgsi.pt/jsta») se diz que “… só um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.
E como se disse no Ac. de 21.3.96, rec. 39.678, a aplicação de tal medida (perda de mandato) só se justifica relativamente a quem, “tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções não observou as regras de isenção e desinteresse (a imparcialidade) e de independência exigíveis a quem deve estar ao serviço do bem comum”, a quem “violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso” (Ac. TC 25/92) …”.
Noutro acórdão deste STA de 18/03/2003 (Proc. nº 0369/03 in «www.dgsi.pt/jsta») e no mesmo sentido, consignou-se “… a lei fala da obtenção de vantagem patrimonial, com uma conotação ou valoração negativa em termos de poder desencadear a grave sanção de perda de mandato, apenas pode querer significar que o eleito local, por via de atuação decorrente do exercício das suas funções ou por causa delas, vise obter uma situação de favor, de primazia ou de privilégio geradora de desigualdade em relação outros concretos ou eventuais concorrentes que pudessem prestar o mesmo serviço em condições iguais ou mais favoráveis. Ou ainda quando intervenha em qualquer ato ou contrato favorecendo, em termos patrimoniais, a sua própria posição ou a de terceiro.
Vale isto dizer (na linha, aliás, do decidido nos Acs. de 03.04.97, rec. 41784 e de 21.03.96, rec. 39678) que só relevam, no âmbito do tipo legal do art. 8º, nº 2 do Lei 27/96, os proveitos económicos que o autarca vise obter ilicitamente, exercendo as suas funções para fins que a lei proíbe ou diversos dos legalmente previstos.
A preterição dos princípios consignados no artº 4º, nº 2, designadamente, nas alíneas d) e e), da Lei 29/87, de 30.06, apenas determina a perda de mandato se os comportamentos ali referidos puderem ser subsumidos àquela norma sancionadora do art. 8º, nº 2 da Lei 27/96 …”

*
E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência tem afirmado que, exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal.
Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).
Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a actuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: (i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, (ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira politica, iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos electivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respectivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» (cfr. Acórdão STA de 21/03/96).
Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais» (Acórdão de 11/03/99, rec. 44.576).
E, porque assim é, entende-se que, nos casos de violação da norma que proíbe ao autarca de intervir em procedimento onde possa obter vantagem patrimonial, essa violação só é determinante da perda do mandato quando se mostre que ele tinha interesse directo, pessoal e relevante nessa intervenção e que esse interesse o impedia de actuar de forma rigorosa, isenta e imparcial na defesa do interesse público posto a seu cargo, acrescentando-se que essa intervenção tem de estar associada a culpa grave visto que “só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo” - (Acórdão de 9/01/2002, rec. 48.349).»
Feito este enquadramento, dir-se-á que são pressupostos para a perda de mandato ao abrigo do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96 (a este respeito vd. Ac. do TCA Sul de 10.10.2019, proferido no processo 396/18.8BECTB),
(i) A existência de intervenção do eleito em procedimento administrativo, em ato ou contrato;
(ii) A verificação de um impedimento legal a tal intervenção;
(iii) A intenção de obter de vantagem patrimonial para si ou para outrem;
(iv) A imputabilidade a título de culpa grave (entre outros, o Ac. do STA de 21.5.2020, proferido no processo 069/19.4BEMDL);
(v) A inexistência de causa de exclusão de culpa (artigo 10.° da Lei n.° 27/96).
A primeira questão que se coloca é a de saber se, como alegam os Recorrentes, não intervieram em procedimento relativamente ao qual estivessem legalmente impedidos.
Resulta do probatório que os Recorrentes, J......... e A........., na sequência de eleição, em 1 de janeiro de 2021 tomaram posse nos cargos de Presidente e Tesoureira do Centro Comunitário do Posto Santo, associação de direito privado que exerce atividades de apoio social, cuidados a crianças e apoio a idosos [factos G), C) a E)].
Mais emerge dos factos provados A) e B) que a Recorrente, A........., na sequência de eleição como membro da assembleia de freguesia para o quadriénio de 2021/2025, foi investida nas funções de Presidente da Junta de Freguesia de Posto Santo, Angra do Heroísmo, a 18 de outubro de 2021 e, por sua vez, o Recorrente, P........., tendo sido eleito para a mesma assembleia de freguesia, foi investido no cargo de Vogal da Junta de Freguesia.
Neste sentido, os Recorrentes são membros dos órgãos autárquicos, considerando-se eleitos locais nos termos do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 29/87, de 30/06.
Resulta, ainda, provado que nos anos de 2022, 2023 e 2024 foram delegadas na Freguesia de Posto Santo, por “Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências Anuais”, as competências do Município de Angra do Heroísmo, relativas à limpeza das vias e espaços públicos no território da freguesia, realizando transferências financeiras destinadas a suportar, entre outros, os correspondentes encargos [factos H) e I), N) e O), T) e U)].
Encontrando-se, ainda, demonstrado que, na sequência de aprovação pela assembleia de freguesia de 15.12.2021, 21.12.2022 e 27.12.2023, a Junta de Freguesia, órgão executivo da Freguesia (artigo 5.º, n.º 1 e 6.º, n.º 2 da Lei n.º 75/2013), deliberou, em reuniões de 26.1.2022, 18.1.2023 e 3.1.2024, nas quais os Recorrentes intervieram nas qualidades respetivamente de Presidente e Vogal Tesoureiro (artigo 23.º da Lei n.º 169/99), celebrar, para os anos de 2022, 2023 e 2024, Acordos de Execução e Delegação de Competência com o Centro Comunitário de Posto Santo, nos valores de 9.000,00 €, 10.000,00 € e 10.500,00 €, tendo como objeto a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano, por parte do Centro Comunitário [factos J), P) e V)].
E que, no seguimento dessas deliberações, entre a Junta de Freguesia de Posto Santo, representada pela sua Presidente, a Recorrente A........., e o Centro Comunitário do Posto Santo, representado pelo também Recorrente (na qualidade de Presidente do Centro Comunitário) , P........., foram celebrados, para os anos de 2022, 2023 e 2024, os referidos Acordos de Execução e Delegação de Competência , nos valores de 9.000,00 €, 10.000€ e 10.500€, tendo como objeto a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano, por parte do Centro Comunitário [factos K), Q) e W)].
Como demos conta supra, o pressuposto para a aplicação da sanção de perda de mandato corresponde, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 27/96, à intervenção do eleito em procedimento administrativo, em ato ou contrato. Ora, ainda que se verifique que as deliberações da Junta de Freguesia de 26.1.2022, 18.1.2023 e 3.1.2024 de aprovação da celebração dos Acordos com o Centro Comunitário foram tomadas na sequência de aprovação pela assembleia de freguesia, tal não obsta a que se considere que os Recorrentes, ao aprovarem, enquanto membros do órgão executivo, as deliberações de celebração dos Acordos e ao celebrarem esses Acordos tenham, no âmbito da gestão da autarquia, participado em procedimento administrativo e em contrato.
Note-se que o procedimento administrativo não se restringe à aprovação pela assembleia de freguesia, antes se mostra constituído por todas as fases procedimentais que culminam na celebração dos Acordos com o Centro Comunitário. Daí que, ainda que se aceitasse que os Recorrentes não tiveram participação na deliberação da assembleia de freguesia – o que, de resto, se mostra questionável pelo facto de a Junta se fazer “representar, obrigatoriamente, nas sessões da assembleia de freguesia pelo presidente, que pode intervir nos debates, sem direito a voto” (artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 169/99) -, o certo é que essa intervenção, efetivamente, ocorreu nas subsequentes deliberações da Junta de Freguesia e na celebração dos Acordos.
E a tal intervenção/participação verificava-se, como entendeu o Tribunal a quo, um impedimento legal.
Com efeito, enquanto eleitos locais nos termos do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 29/87, de 30/06, os Recorrentes, ao abrigo das subalíneas iv) e v) da alínea b) do art.º 4.º desse diploma, no exercício das suas funções “estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios: (...) b) em matéria de prossecução do interesse público: iv) não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2º grau de linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;”.
Do mesmo modo, enquanto titulares de órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do CPA não podem intervir em procedimento administrativo quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa.
Ora, os Recorrentes, J......... e A........., são, também, respetivamente, Presidente e Tesoureira do Centro Comunitário do Posto Santo. Entidade que, naturalmente, tem interesse na celebração dos Acordos, desde logo, por com eles beneficiar do pagamento de quantias para “a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, bem como a sede da Junta de Freguesia, através da disponibilização de um recurso humano por parte do Centro Comunitário”.
O que, naturalmente, significa que os Recorrentes têm, enquanto representantes daquela associação privada, interesse no procedimento administrativo que conduziu à celebração dos acordos.
Ou seja, os Recorrentes ao participarem nas reuniões e votarem nas deliberações da Junta de Freguesia que aprovaram a celebração dos Acordos com o Centro Comunitário e ao celebrarem os correspondentes contratos, tiveram intervenção em processo administrativo, atos e contratos e participaram na votação de assuntos em que, como representantes do Centro Comunitário, tinham interesse. Atuando em violação do disposto na subalínea iv) da alínea b) do art.º 4.º desse diploma da Lei n.º 29/87, de 30/06 e do artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do CPA
Importa, ainda, apurar se, como alegam os Recorrentes, não se mostra preenchido o requisito de “intenção de obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”.
Ora, “[a] expressão vantagem patrimonial contida no n.º 2 do art.º 8º da Lei n.º 27/96 reporta-se a uma situação de favor (favorável) ou de primazia perante os demais, ou noutra acepção de regalia ou de privilégio, que consubstanciam significados de vantagem em linguagem comum (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.05.2016 , proferido no proc. n.º 13190/16).
“A teleologia desta norma é evitar a obtenção pelos autarcas ou pessoas próximas de situações de favor, de primazia ou de privilégio em detrimento de terceiros que não têm à autarquia qualquer ligação funcional” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22.11.2012, proferido no proc. n.º 09381/12).
“Mas para que seja determinada a perda de mandato nos termos do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 27/96, além do elemento objetivo, é necessário também que esteja verificado o elemento subjetivo: a intenção (de obter a vantagem patrimonial). E tal intenção tem de ser antijurídica e culposa”, isto é “[a] intenção de obter vantagem patrimonial para si ou para outrem, constitui condição sem a qual não há lugar à declaração de perda de mandato. E conforme se adverte no aresto do STA, de 18.03.2003, prolatado no processo n.º 0369/03 “Quando a lei fala da obtenção de vantagem patrimonial, com uma conotação ou valoração negativa em termos de poder desencadear a grave sanção de perda de mandato, apenas pode querer significar que o eleito local, por via de atuação decorrente do exercício das suas funções ou por causa delas, vise obter uma situação de favor, de primazia ou de privilégio geradora de desigualdade em relação outros concretos ou eventuais concorrentes que pudessem prestar o mesmo serviço em condições iguais ou mais favoráveis. Ou ainda quando intervenha em qualquer ato ou contrato favorecendo, em termos patrimoniais, a sua própria posição ou a de terceiro. […]
A vantagem patrimonial a que se alude no n.º 2 do art.º 8.º da Lei 27/96, não tem de ser «per se, ilícita, no sentido de a sua concessão encerrar, em si, um concreto desvalor jurídico objetivo, por lhe faltar uma justa causa de atribuição.».” (Ac. do TCA Norte de 28.7.2020, proferido no processo 00002/20.0BEMDL).
Note-se que “a lei basta-se com o facto de existir uma vantagem patrimonial intencional relativamente à qual se verifica um impedimento, uma vez que os princípios da isenção e imparcialidade ficam desde logo molestados” (Ac. do STA de 21.5.2020, proferido no processo 069/19.4BEMDL).
Refira-se que, em sede de petição inicial sustentava o Ministério Público que em consequência da participação dos Recorrentes em procedimento relativamente ao qual se verificava o impedimento legal “resultou a pretendida (intencional) vantagem patrimonial em favor de outrem (Centro Comunitário do Posto Santo)”. E a este respeito entendeu-se na sentença recorrida que, uma vez que o Centro Comunitário do Posto Santo, enquanto instituição particular de solidariedade social não tem qualquer CAE que lhe permita desenvolver o objeto dos acordos – de limpeza de vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros -, daí se conclui que os “protocolos” celebrados visam conferir uma vantagem patrimonial a terceiro, no caso, ao Centro Comunitário do Posto Santo.
Os Recorrentes invocaram, mas não o provaram, que do que se trataria era de uma “partilha de encargos entre a Junta de Freguesia do Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo proporcionais ao trabalho desempenhado pelo recurso humano, daquele Centro Comunitário”.
O que se extrai do probatório é, em síntese, que os Acordos foram aprovados e celebrados, com a intervenção dos Recorrentes, os quais detinham, enquanto representantes dos Centro Comunitário, por cumularem funções de membros dos órgãos sociais daquele, interesse no procedimento administrativo, nos atos e contratos. Esses Acordos visando “assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas, sarjetas e sumidouros, sede da Junta de Freguesia”, previam a transferência pela Freguesia de recursos financeiros para o Centro Comunitário destinados ao cumprimento do acordo e a pagar as despesas de limpeza, reparação e substituição. Sendo que, “em cumprimento e para pagamento dos compromissos assumidos nos Acordos acima referidos, celebrados entre a Junta de Freguesia de Posto Santo e o Centro Comunitário do Posto Santo, aquela autarquia transferiu para conta bancária titulada por esta instituição de solidariedade social, pelo menos, as quantias de
- dois mil duzentos e cinquenta euros em cada um dos dias 29 de março, 30 de junho, 26 de setembro e 7 de dezembro, tudo de 2022;
- dois mil e quinhentos euros em cada um dos dias 31 de março, 31 de agosto, 11 de setembro, tudo de 2023, e 1 de abril de 2024” [facto Z)].
Resultando, ainda, provado que, no âmbito das atividades do Centro Comunitário do Posto Santo, não se encontra a realização de serviços de limpeza e manutenção.
Ora, como dissemos supra, o sentido de obtenção de vantagem patrimonial não se reconduz, apenas, ao veiculado pelos Recorrentes de atribuição de recursos financeiros para suportar encargos da entidade terceira, de tal forma que sendo as verbas transferidas para o pagamento dos trabalhos executados pelo recurso humano do Centro Comunitário na proporção do seu desempenho para atividades da Freguesia, daí resultaria a inexistência dessa vantagem patrimonial – factos que, reitera-se, não se mostram sequer provados.
Do que se trata é, sim, de atribuir àquele Centro Comunitário uma situação de favor, de primazia ou de privilégio, na medida em que se possibilita, mediante contraprestação, que este preste serviços à Freguesia pela afetação dos seus recursos humanos, em condições que se revelam desiguais perante os demais agentes do mercado.
Ou seja, os elementos factuais constantes do probatório revelam, efetivamente, uma intenção dos Recorrentes obterem vantagem patrimonial para aquele Centro Comunitário pois que, de outro modo, o que sucederia era que a Freguesia teria de recorrer aos seus próprios recursos ou contratar um prestador de serviços que procedesse à execução dos trabalhos de limpeza de vias públicas.
Isto é, os Recorrentes, aproveitando-se dos cargos executivos que ocupavam, criaram para o Centro Comunitário – de que eram representantes - a oportunidade de, afetando o seu recurso humano, prestar um serviço à Freguesia, pelo qual aquele recebia uma contraprestação, sem que, não sendo sequer essa a sua atividade, se logre encontrar justificação para que fosse aquela entidade a executar aqueles serviços, isto é, não se alcança a razão pela qual seria esta [celebração dos Acordos com o Centro Comunitário] a solução para a execução dos trabalhos de limpeza de vias públicas que, por delegação de competências, se encontravam a cargo da autarquia.
E não se diga que, com tal atuação, não agiram os Recorrentes com culpa grave.
Note-se que assentaram a sua defesa, em sede de contestação, na alegação de que, não existindo qualquer irregularidade na sua conduta – designadamente, porque o Tribunal de Contas teria auditado este protocolo e teria havido lugar a um processo de inquérito arquivado (factualidade que não provaram) -, não se verificaria a culpa. Só que, além da ilicitude não se confundir com a culpa, o certo é que, como vimos, os Recorrentes atuaram, efetivamente, violando o impedimento legal a que estavam sujeitos.
Ora, “[a]ge com culpa grave, quem devendo saber estar impedido, e sabendo-o, participa em procedimento administrativo em que patentemente se afirma um claro conflito de interesses” (Ac. do TCA Norte de 28/07/2020, proferido no processo 00002/20.0BEMDL).
No caso dos autos, os Recorrentes em momento algum negam o conhecimento das garantias da isenção e imparcialidade com que devem guiar a sua atuação enquanto titulares de órgãos autárquicos e dos deveres que sobre os mesmos recaem no exercício das funções para as quais foram eleitos, designadamente os vertidos nos artigos 4.º, 9.º e 69.º do CPA e artigo 4.º da Lei n.º 29/87. Nem tão pouco desconheciam, ou poderiam desconhecer, que ao participarem nas deliberações e na celebração dos Acordos com a entidade de que, também, eram representantes, a estavam a beneficiar, atribuindo-lhe uma vantagem patrimonial.
Participaram, pois, nas deliberações em causa e celebraram os contratos de forma livre e esclarecida, com consciência plena de que, ao fazê-lo, atuavam em desconformidade com os deveres de isenção e imparcialidade que sobre os mesmos recaíam e com intenção de atribuírem uma vantagem patrimonial à entidade de que eram representantes, não se descortinando aqui – nem tão pouco tendo sido alegada pelos Recorrentes - qualquer causa de exclusão de culpa.
Daqui resulta que, efetivamente, se mostram preenchidos todos os pressupostos para determinar a perda de mandato dos Recorrentes ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 27/96.
Impõe-se, pois, concluir que a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é imputado.

2. Da condenação em custas


Vencidos são os Recorrentes condenados nas custas dos respetivos recursos (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Condenar os Recorrentes nas custas dos respetivos recursos.

Mara de Magalhães Silveira
Ana Lameira
Marta Cavaleira