Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO
U ……………………., S.A., (doravante Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), dirigida a este Tribunal, visando a decisão proferida no processo 546/2020-T, de 17 de janeiro de 2022, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e que julgou improcedente as decisões de indeferimento proferidas no âmbito dos procedimentos de reclamação graciosa n.º …………………..021 e n.º ……………..749, que mantiveram na ordem jurídica os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018, praticados pela Autoridade Tributária Aduaneira (ATA) em consequência das correções promovidas aos créditos fiscais declarados pela Impugnante ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) previsto e regulado no Código Fiscal do Investimento (CFI).
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A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:
“1ª. A presente ação impugnatória vem apresentada pela IMPUGNANTE com fundamento na circunstância de o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 546/2020-T ter excedido a sua competência em matéria decisória, na medida em que, ao invés de se ter limitado a analisar a (i)legalidade dos atos tributários sindicados pela ora IMPUGNANTE por referência à sua concreta fundamentação ou seja, por análise e (in)validação da declaração fundamentadora vertida pela Autoridade Tributária no respetivo Relatório de Inspeção Tributária (cf. cit. alínea N) da matéria de facto assente) , acabou por decidir manter tais atos na ordem jurídica com base num fundamento que não fora invocado pela Autoridade Tributária, incorrendo, assim, no vício de pronúncia indevida.
2ª. Comprovando o que se afirma, sublinha-se que, no âmbito do processo arbitral tributário, «estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência)» (cf. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB e datado de 07/09/2020).
3ª. Daqui resulta, singelamente, a atribuição aos tribunais tributários (sejam eles arbitrais ou estaduais) do poder-dever de (in)validar a legalidade dos atos tributários contestados por referência aos fundamentos utilizados pela Autoridade Tributária para a sua prática, com um de dois resultados: (i) mantendo tais atos na ordem jurídica sempre que a sua fundamentação seja considerada conforme com os parâmetros normativos aplicáveis; ou (ii) promovendo a sua anulação, total ou parcial, sempre que a fundamentação determinativa da sua prática padeça de vício determinativo da respetiva ilegalidade.
4ª. Sobressai do que antecede, assim, que o Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 546/2020-T se encontrava limitado, na sua competência material, à declaração da (i)legalidade dos atos de liquidação contestados pela IMPUGNANTE mediante a avaliação «da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 02887/13.8BEPRT e datado de 10/28/2020; destacados da IMPUGNANTE), pelo que a prolação de uma decisão assente em fundamentos que não constem da declaração fundamentadora oportunamente produzida pela Autoridade Tributária (objeto de avaliação no âmbito do contencioso de anulação ou de mera legalidade), consubstanciará uma decisão viciada de pronúncia indevida, em virtude de extravasar a competência material atribuída ao respetivo tribunal.
5ª. Neste preciso sentido, o presente Tribunal Central Administrativo Sul teve já oportunidade de assinalar, a propósito do vício de pronúncia indevida recortado pelo artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que arbitral prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral» (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 123/19.2BCLSB e datado de 12/03/2020).
6ª. Ora, no caso vertente, verifica-se que o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 546/2020-T foi confrontado com o dever de avaliar a (i)legalidade das correções promovidas pela Autoridade Tributária com fundamento no não preenchimento, por parte da IMPUGNANTE, do requisito da criação de postos de trabalho exigido pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI para aplicação do RFAI.
7ª. Mais concretamente, aquele Tribunal Arbitral foi chamado a tomar posição quanto ao seguinte dissenso entre a ora IMPUGNANTE e a Autoridade Tributária: «Por banda da [ora IMPUGNANTE] entende que o que importa é que o investimento efetuado tenha sido causa direta da criação de postos de trabalho, mesmo que o número total de trabalhadores tenha diminuído, não exigindo a norma citada (o artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI) de global da Requerente» (cf. cit. DOC. 2).
8ª. Por seu turno, clarificando o sentido interpretativo que entendeu dever ser atribuído ao indicado requisito de criação de postos de trabalho, o Tribunal Arbitral, na motivação da decisão proferida, observou o seguinte: «na decisão arbitral relativa ao processo n.º 307/2019-T, é criação líquida de emprego porquanto a norma legal em causa não exige a criação líquida de postos de trabalho referindo-se inequivocamente a postos de trabalho com a seguinte fundamentação:-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço. Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção. Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º Adere-se a esta última a interpretação pelo mérito dos seus argumentos, que, na ausência de maior explicitação por parte do legislador, devem ser adotados» (cf. cit. DOC. 2; destacados da ora IMPUGNANTE).
9ª. Resulta do transcrito segmento decisório, de forma objetiva e linear, que o Tribunal Arbitral entendeu dever confirmar a interpretação sufragada pela ora IMPUGNANTE a propósito do requisito prescrito pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, sustentando que o mesmo, ao invés de exigir a criação líquida de postos de trabalho (interpretação preconizada pela Autoridade Tributária e subjacente à realização das correções contestadas), obriga, somente, a que o investimento realizado promova a criação de, pelo menos, um posto de trabalho (entendimento perfilhado pela ora IMPUGNANTE).
10ª. Posto isto, e tendo presente que o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 02887/13.8BEPRT e datado de 10/28/2020; destacados da IMPUGNANTE), impor-se-á concluir, singela e linearmente, que uma vez invalidada a fundamentação subjacente aos atos tributários contestados, os mesmos deverão ser anulados por padecerem do vício de ilegalidade consequente.
11ª. Retomando o caso concreto, verifica-se que o Tribunal Arbitral comprovou efetivamente a ilegalidade da fundamentação aduzida pela Autoridade Tributária para praticar os atos tributários contestados pela IMPUGNANTE os quais assentaram numa interpretação do regime vertido na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI que foi refutada pelo Tribunal Arbitral , impondo-se-lhe, por este motivo, e sem mais, declarar a ilegalidade de tais atos ao abrigo do poder-dever de analisar os atos tributários sindicados pela ora IMPUGNANTE por referência à sua concreta fundamentação, ou seja, por análise e (in)validação da declaração fundamentadora vertida pela Autoridade Tributária no respetivo Relatório de Inspeção Tributária (cf. cit. alínea N) da matéria de facto assente).
12ª. Porém, verifica-se que o Tribunal Arbitral não o fez, sufragando na decisão impugnada, inusitadamente, que «é de julgar correta a conclusão da Requerida (embora não se concorde com uma parte dos seus fundamentos), de não estar verificado o pressuposto de acesso ao benefício do RFAI relativo à criação de postos de trabalho» (cf. cit. DOC. 2; destacados da ora IMPUGNANTE).
13ª. Ora, aqui chegados, será útil recordar, uma vez mais, que no âmbito do processo arbitral tributário estamos perante um contencioso de mera anulação, em que «o tribunal não pode conhecer da legalidade do ato a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do ato tributário aqueles que a Administração tributária (AT) fez constar da declaração fundamentadora que externou quando da prática do mesmo, não relevando outros eventuais fundamentos que não constem daquela declaração» (cf. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 5510/01 e datado de 11/27/2001; destacados da IMPUGNANTE).
14ª. Com efeito, verifica-se que o Tribunal Arbitral, ao (re)avaliar os atos tributários contestados pela IMPUGNANTE à luz da interpretação do requisito relativo à criação de postos de trabalho tida por correta, mais não está a fazer do que a sindicar os atos contestados à luz de um novo fundamento que não se encontrava incluído na declaração fundamentadora produzida pela Autoridade Tributária (desde logo porque a Autoridade Tributária sempre discordou liminarmente do sentido interpretativo defendido pela IMPUGNANTE cuja correção acabou por ser confirmada pelo Tribunal Arbitral).
15ª. Impõe-se concluir, portanto, que encontrando-se o Tribunal Arbitral limitado na sua competência material à declaração da (i)legalidade de atos de liquidação de tributos mediante avaliação «do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 02887/13.8BEPRT e datado de 10/28/2020), a decisão arbitral impugnada, ao assentar em novos fundamentos exteriores à respetiva declaração fundamentadora, consubstancia uma decisão viciada de pronúncia indevida, em virtude de extravasar a competência material do respetivo tribunal.
16ª. Em suma, ao abrigo da natureza meramente anulatória do processo arbitral tributário, o Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 546/2020-T encontrava-se vinculado a avaliar a legalidade dos atos contestados por referência à sua fundamentação contextual, concluindo de uma das seguintes (e únicas) formas: (i) a fundamentação subjacente aos atos contestados é legal e os atos devem ser mantidos na ordem jurídica; ou
(i) a fundamentação subjacente aos atos contestados é ilegal e os mesmos não podem, por essa razão, ser mantidos na ordem jurídica.
17ª. No caso concreto, o Tribunal Arbitral veio considerar como ilegal a fundamentação subjacente aos atos contestados pela IMPUGNANTE, decidindo que a mesma assentou numa errada interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, tendo, no entanto, mantido tais atos na ordem jurídica com base num novo fundamento que não fora invocado pela Autoridade Tributária.
18ª. Não pode, assim, deixar de se dar por verificada a subsistência do vício de pronúncia indevida enunciado no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, gerador da nulidade da decisão impugnada, cuja declaração se peticiona a VV. Excelências.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVE A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA QUE CORREU TERMOS NO CAAD SOB O N.º 546/2020-T, SER DECLARADA NULA POR PADECER DO VÍCIO DE PRONÚNCIA INDEVIDA.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada), devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“A aqui Impugnante deduziu pedido de pronúncia arbitral (ppa), ao qual foi atribuído o n.º 546/2020-T, indeferimentos das reclamações graciosas n.ºs ……………………021 - 2015 e 2016 e ………………..749 -2016 e 2017, cuja matéria em dissenção se consubstanciava no objecto mediato dos presentes autos, i.e., as liquidações adicionais de IRC de juros compensatórios dos períodos de tributação de 2015, 2016, 2017 e 2018.
B. As liquidações de IRC ora contestadas tiveram origem em correcções decorrentes da aplicação de métodos directos de avaliação (correções técnicas), que dimanaram de dois procedimentos de inspecção com base nas Ordens de Serviço internas nºs. 01201802856 e 01201901386 (2015 e 216), 01201901737 e 01201901738 (2017 e 2018).
C. Tendo sido proferida a decisão de improcedência total do ppa.
D. vem a Impugnante interpor impugnação para o Tribunal Central Administrativo Sul imputando à decisão o vícios de pronúncia indevida em conformidade com a alínea c) e do art.º 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT).
E. Salvo o devido respeito a Impugnante labora numa grande confusão, num salto lógico enviesado, o que revela desconhecer, ou faz por desconhecer, o alcance da decisão proferida e dos seus fundamentos decisórios,
F. i.e., a impugnante pretende tão somente uma análise de mérito da decisão arbitral
G. Sem necessidade de elaboradas e aturadas lucubrações, comecemos por lembrar o trecho que estrategicamente é obnubilado pela Impugnante, e que diz respeito aos factos não provados:
«Também não se provou que o operador de produção –K...– e a técnica de qualidade –L..., contratados pela Requerente em 7 de dezembro de 2015 e em 22 de agosto de 2016, respetivamente, o tenham sido em conexão e por causa dos investimentos efetuados de incremento da capacidade produtiva do estabelecimento da Requerente (artigo 16.º do ppa), sendo que o primeiro já não exercia funções na Requerente em 2017 (artigo 128.º da resposta, não contestado pela Requerente). Com efeito, a alegação da contratação destes dois trabalhadores em conexão com o investimento, não foi objeto de qualquer elemento de prova, seja documental, seja testemunhal, e, no caso do operador de produção, o posto de trabalho nem sequer perdurou pelo período mínimo exigível de três anos.» Destaques nossos
H. Em consonância, o centro de arbitragem decidiu que – face ao facto da Impugnante não haver provado que que houvessem sido criados postos de trabalho e contratados trabalhadores na sequência e em conexão com o investimento realizado elegível para o RFAI, como postula o artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI – não estar reunido o pressuposto de acesso ao benefício do RFAI relativo à criação de postos de trabalho.
I. Destarte, a questão suscitada pela Impugnante não se enquadra num qualquer vício de pronúncia indevida, mas sim num eventual erro de julgamento de facto da decisão arbitral, a qual não é lícita a esse Venerando Tribunal conhecer.
J. Atendendo ao exposto, em sintonia do que se vem aqui contra-alegando, decaem liminarmente os argumentos tecidos pelo Impugnante que aqui, repetidamente, tenta, em vão, aquilo que lhe é vedado pelo RJAT, i.e., um recurso de mérito.
Termos pelos quais e com o douto suprimento de V. Exa. deve a presente impugnação ser julgada improcedente, por não provado, e, consequentemente, manter incólume a decisão impugnada.”
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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul, foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão arbitral impugnada possui, na parte que, ora releva o seguinte teor:
“(…)
2. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E FACTOS NÃO PROVADOS
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e no depoimento da testemunha Pedro Miguel Santos Valente, diretor industrial da Requerente, que manifestou conhecimento pessoal e direto dos factos e relatou-os de forma objetiva, na parte em que os mesmos se referem ao processo produtivo da Requerente.
Não se provou que o equipamento adquirido ao fornecedor alemão F ……………. para a produção de telhas, lhe tenha sido entregue a 21 de dezembro de 2016, pois o documento apresentado (documento 31) constitui um mero documento interno, não tendo sido apresentada qualquer guia de transporte ou documento comprovativo da movimentação intracomunitária dos bens.
Também não se provou que o operador de produção – A………….– e a técnica de qualidade – A ……………………, contratados pela Requerente em 7 de dezembro de 2015 e em 22 de agosto de 2016, respetivamente, o tenham sido em conexão e por causa dos investimentos efetuados de incremento da capacidade produtiva do estabelecimento da Requerente (artigo 16.º do ppa), sendo que o primeiro já não exercia funções na Requerente em 2017 (artigo 128.º da resposta, não contestado pela Requerente). Com efeito, a alegação da contratação destes dois trabalhadores em conexão com o investimento, não foi objeto de qualquer elemento de prova, seja documental, seja testemunhal, e, no caso do operador de produção, o posto de trabalho nem sequer perdurou pelo período mínimo exigível de três anos.
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
IV. DO DIREITO
São dois os fundamentos em que a Requerida se alicerça para desconsiderar o benefício fiscal do RFAI associado aos investimentos realizados em 2015 e 20164 e deduzido à coleta nos períodos de tributação de 2015 a 2018:
a) A falta de comprovação do respetivo enquadramento no conceito de “investimento inicial” (v. artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2017, de 21 de setembro; Investimentos nas importâncias de € 377.512,64 (2015) e de € 521.161,41 (2016).
b) O incumprimento da condição relativa à criação de postos de trabalho (v. artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI).
Apreciam-se, de seguida, os vícios de erro nos pressupostos de facto e de direito suscitados pela Requerente em relação à posição adotada pela Requerida.
1. Falta de enquadramento no conceito de investimento inicial
1.1. Sobre a invocada inconstitucionalidade orgânica da norma regulamentar que institui o pressuposto do “investimento inicial”
A Requerente começa por invocar a inconstitucionalidade orgânica, e consequente inaplicabilidade, da norma da citada Portaria n.º 297/2017 [o artigo 2.º, n.º 2, alínea d)], que estabelece que o benefício fiscal do RFAI apenas é aplicável a investimentos iniciais, nos termos do artigo 2.º, parágrafo 49, alínea a) do RGIC, entendendo que aquela constitui uma disposição regulamentar inovadora que limita o âmbito objetivo do referido regime, introduzindo um pressuposto adicional, sem estar, como devia, suportada em norma legal habilitante.
Segundo a Requerente, os benefícios fiscais devem ser criados por lei (v. artigo 103.º, n.º 3 da Constituição) e o sistema fiscal constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (v. artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição). No caso, está-se perante a configuração de um elemento essencial do benefício fiscal do RFAI, abrangido pelos princípios da legalidade tributária e da reserva de lei.
Circunstância em que o respetivo recorte inovatório por mera norma regulamentar representa uma violação dos mencionados princípios constitucionais.
Por outro lado, entende a Requerente que o RGIC não é diretamente aplicável, tendo por exclusivo efeito permitir aos Estados-Membros aprovar regimes domésticos de auxílio, isentando-os de prévia autorização da Comissão Europeia, caso satisfaçam os requisitos enunciados nesse regulamento. Assim, conclui ser indevida uma interpretação da legislação interna conformada ao RGIC e suscetível de integrar o requisito adicional relativo à realização de um “investimento inicial”.
Interessa começar por apreciar este último argumento, pois, caso se conclua pela aplicabilidade do RGIC ao RFAI, nomeadamente do seu artigo 2.º, parágrafo 4º, alínea a), está encontrado o suporte legal da condição relativa ao “investimento inicial”. Este entendimento resulta da conjugação do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, segundo o qual “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União”, com o artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que determina o caráter geral dos regulamentos e a sua obrigatoriedade e aplicabilidade direta em todos os Estados-Membros, ou seja, dispensando a transposição para o direito interno (acompanha-se, neste âmbito, a fundamentação das decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 545/2018-T, de 23 de maio de 2019, e n.º 427/2020-T, de 28 de setembro de 2021).
O regime europeu relativo às regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do TFUE, pelo que, configurando matéria de competência exclusiva da União, só esta pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos e os Estados-Membros apenas poderão fazê-lo se habilitados pelo direito europeu, ou a fim de dar execução aos atos da União (v. artigo 2.º, n.º 1 do TFUE).
Compulsados os artigos 107.º a 109.º do TFUE, que contêm a regulação do direito primário em matéria de auxílios concedidos pelos Estados, constatamos que estes instituem um regime-regra de proibição dos auxílios de Estado que ponham em perigo a concorrência dentro da União Europeia.
Neste quadro, a Comissão Europeia, adotou o RGIC, que sucedeu ao anterior regulamento geral de isenção por categoria, o Regulamento (CE) n.º 800/2008, de 6 de agosto de 2008, mantendo a simplificação do procedimento autorizativo dos auxílios, no sentido de dispensar os Estados-Membros da obrigação de notificação, desde que verificados determinados pressupostos, orientando-os no sentido de dirigirem os recursos públicos para a realização de objetivos europeus comuns6.
Note-se que, na sua génese, a disciplina portuguesa do RFAI foi criada pelo Orçamento Suplementar para 20097 com invocação expressa deste Regulamento (CE) n.º 800/2008 (que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum), assumindo-se como um “instrumento de política fiscal anticíclica que, por via da promoção do investimento empresarial em determinadas regiões e da criação de emprego, pretendia contribuir para a revitalização da economia nacional (cfr. Rodrigo Rebeca Domingos, O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, in Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, nº.56, Janeiro/Março de 2012, pág.45 e seg.).”, nos moldes assinalados pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de junho de 2021, processo n.º 0907/14.8BEVIS.
O primeiro capítulo do atual RGIC, sob a epígrafe “Disposições comuns”, versa sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto”8, incorporando as diretrizes sobre os elementos que estes auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (v. artigo 6.º do RGIC). O termo da vigência do Regulamento (CE) n.º 800/2008, inicialmente previsto para 31 de dezembro de 2013, foi prorrogado pelo Regulamento n.º 1224/2013, de 29 de novembro de 2013, para 30 de junho de 2014.
Neste sentido, v. JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, “Os princípios gerais de avaliação da compatibilidade dos auxílios consagrados no Regulamento Geral de Isenção por Categoria (Regulamento n.º 651/2014)”, Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Volume LVII, Tomo I, 2014, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 69-113.
7 V. artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março – RFAI 2009 – tendo sido sucessivamente prorrogado pelos Orçamentos do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) e para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, antes da sua consagração no CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (artigos 22.º e seguintes). JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, op. cit. p. 72-77.
Assim, o RGIC, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são, como atrás referido, obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente reitera o artigo 59.º do RGIC.
O RFAI consubstancia um benefício fiscal regulado no CFI10 que opera por dedução à coleta11, enquadrado, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 2 do CFI12, como um regime de auxílio com finalidade regional “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.
Se porventura restassem dúvidas, o próprio direito interno, neste artigo 1.º, n.º 2 do CFI, convoca (ainda que tal não se afigurasse necessário) os “termos do Regulamento”, tal como o regime anterior, do RFAI 2009, mencionava a correspondente fonte europeia, à data, o Regulamento (CE) n.º 800/2008.
É, pois, no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, como salientam as decisões arbitrais n.ºs 545/2018-T13 e 427/2020-T supra citadas. Nestes termos, não procede esta afirmação é válida para o RGIC de 2014 em vigor, como para o seu antecessor de 2008 (referimo-nos ao Regulamento (CE) n.º 800/2008) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro. Como acima referido, o RFAI originário foi criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013.
Nos termos do disposto no artigo 23.º do CFI.
Bem como os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo que não são, todavia, objeto dos presentes autos.
Com a única diferença de que estava nesse processo em apreciação a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que foi entretanto revogada e substituída pela atualmente em vigor.
argumento da Requerente de inaplicabilidade das condições estabelecidas no RGIC ao RFAI, uma vez que, como acabado de descrever, o primeiro constitui o diploma base e o parâmetro de validade do quadro regulatório dos auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, impondo-se como fonte legal, de patamar superior, à face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio do primado do direito da União. Desta forma, há que concluir que o RFAI e a Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo dos auxílios com finalidade regional contido no RGIC (v. artigo 1.º, n.º 1, alínea b)) e nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.
À face do exposto, não se pode concordar com a posição da Requerente de que a Portaria n.º 297/2015 é inconstitucional, por “legislar” sobre matéria da exclusiva competência da Assembleia da República (benefícios fiscais), em violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição, por duas ordens de razões.
A primeira deriva de a Portaria em causa ter natureza meramente regulamentar e não inovatória, limitando-se a concretizar as normas previstas no CFI e no RGIC, i.e., estando a coberto de normas legais habilitantes, no âmbito do exercício de poderes administrativos (não legiferantes - v. também o artigo 112.º da Constituição).
Isso mesmo resulta do preceituado no artigo 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 297/2015, segundo o qual esta procede à regulamentação do RFAI estabelecido no CFI “assegurando a aplicação integral das regras previstas no Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado”.
A segunda prende-se com a conceção, expressa na declaração de voto no processo arbitral n.º 545/2018-T, de que a atividade regulamentadora, sendo “mediada pela lei, não é suscetível de entrar em colisão direta com a Constituição e é, antes de inconstitucional, ilegal”. Só superado pelo próprio TFUE.
Assim, o vício da Portaria, caso existisse (que não existe), não representaria uma violação das normas constitucionais mencionadas, situando-se num plano inferior, de ilegalidade. Porém, a Requerente não argui que a Portaria tenha infringido qualquer norma legal.
Soçobra, pelas razões descritas, o argumento esgrimido pela Requerente de que a Portaria n.º 297/2015 é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e da reserva de competência da Assembleia da República, constituindo condição válida de acessibilidade ao benefício fiscal do RFAI que as aquisições efetuadas se insiram no contexto de um “investimento inicial”, relacionado com “a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
1.2. Sobre o pressuposto de enquadramento das aquisições efetuadas como “investimento inicial”
No RGIC
De acordo com o RGIC, os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável, prevendo o seu Considerando 31 que “podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.”
No recorte das definições aplicáveis aos auxílios com finalidade regional, e com relevância para o caso em análise, o artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC considera como “investimento inicial”:
“Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento”.
Quer o referido Considerando 31, quer a definição da categoria “investimento inicial” mencionam quatro tipologias de situações passíveis de elegibilidade no âmbito dos auxílios com finalidade regional e, portanto, do RFAI. O investimento tem de se materializar em ativos corpóreos e incorpóreos e estar relacionado com as seguintes condições não cumulativas:
(a) A criação de um novo estabelecimento;
(b) O aumento da capacidade de um estabelecimento existente;
(c) A diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento; ou
(d) A mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento.
A subsunção do investimento numa destas tipologias é essencial, atentas as considerações anteriores, para que os incentivos em causa sejam considerados compatíveis com o mercado interno e conformes ao direito, devendo estar satisfeitas todas as condições previstas no capítulo I do RGIC, assim como as condições específicas para a categoria pertinente de auxílio estabelecidas no Regulamento (v. artigo 3.º do RGIC).
Na lei interna: CFI e Portaria n.º 297/2015
O âmbito de aplicação e os requisitos de acesso ao RFAI constam dos artigos 22.º a 26.º do CFI sendo as correções efetuadas pela AT fundadas, em concreto, no artigo 22.º do CFI e no disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, de que para além do disposto no RGIC, conforme acima referido.
se transcrevem os segmentos com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos, na redação vigente à data dos factos:
“Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
2. Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
[…]
4. Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
[…]
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)16.
5. Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.
[…]”
No que se refere à Portaria n.º 297/2015, o respetivo artigo 2.º, n.º 2, alínea d) regula o âmbito de aplicação do RFAI e estabelece que “para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento:
[…]
d) Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea
a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
Atento o quadro legal exposto, podem sistematizar-se, como requisitos do regime do RFAI, com relevância decisiva para a situação sub iudice, tendo em conta as ilegalidades concretas imputadas aos atos tributários, os seguintes:
16 Segundo a alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, com relevância para o caso em análise, esse período mínimo é de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003.
i) Que as aquisições respeitantes a ativos tangíveis em estado de novo se enquadrem num investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade de um estabelecimento já existente;
ii) Que esse investimento proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, no caso três anos.
Em relação ao primeiro requisito, interessa recordar que a Requerente declarou que os investimentos por si realizados em 2015 e 2016 foram efetuados em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que foram afetos à exploração da empresa, nos moldes preceituados pelo artigo 22.º, n.º 2 do CFI, tendo por objetivo o aumento da capacidade de produção instalada nas suas instalações produtivas em Pombal, permitindo a criação de condições para a produção de novos produtos e, ainda, o aumento da produção dos produtos existentes.
Não é questionado pela AT que os ativos em apreço tenham sido adquiridos em estado de novo e afetos à atividade da Requerente, sendo a questão controvertida a de aquilatar se tais aquisições se enquadram num investimento novo agregador (i.e., não consubstanciado em meras aquisições isoladas de equipamentos), passível de reconhecimento como “investimento inicial” na aceção do RGIC e da Portaria n.º 297/2015.
Importa aferir se este pressuposto fundamental foi demonstrado, ónus que impende sobre a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e dos artigos 6.º e 7.º da Portaria n.º 297/2017 (neste sentido, v. decisão arbitral n.º 82/2020, de 22 de janeiro de 2021).
Retomando o caso em análise, ficou demonstrado nos autos que foram realizados investimentos em equipamentos diversos nos sistemas associados aos fornos que permitiram incrementar a capacidade produtiva da unidade fabril da Requerente, abrangendo as diversas fases do processo de produção, tendo sido adquiridas, designadamente: novas matrizes de resina permitindo produzir um maior número de peças; vagonetas para transporte e acondicionamento no processo de secagem; vagonas e equipamentos de suporte das peças no processo de cozedura; equipamentos complementares de suporte ao acréscimo da capacidade produtiva relativos a aspiração, embalamento, informática e segurança, bem como a duplicação do cais de carga (pontos C e D da matéria de facto).
A Requerida sustenta que estamos perante aquisições de equipamentos básicos no âmbito do processo normal de laboração ou que apenas complementam a produção (no caso da segurança, incêndio, aspiração, embalamento e informática), incluindo substituições, reparações e beneficiação de equipamentos preexistentes. No entanto, este argumento não afasta, nem prejudica o aumento de capacidade de produção da Requerente diretamente derivado dessas aquisições, legitimamente alcançado com adições parciais de equipamento (novo), seja ao equipamento preexistente em funcionamento, seja a investimentos em curso, como resulta expressamente do artigo 22.º, n.º 5 do CFI, não sendo indispensável que se materializassem na construção de novos fornos, podendo resultar da beneficiação do funcionamento conjunto com outros ativos.
A única exceção é a do equipamento de substituição/reparações de equipamento que constam de faturas que perfazem o valor total de € 27.713,83 (acrescidas de IVA de € 6.374,18), conforme consta do ponto H da matéria de facto, inadmissível nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 2, alínea a) do CFI. No mais, ficou processualmente consolidada a aquisição, pela Requerente, de ativos tangíveis novos, afetos à exploração, que permitiram o incremento da sua capacidade de produção ou que eram necessários para suportar o acréscimo dessa capacidade, no caso dos investimentos complementares.
De assinalar ainda que o pressuposto de extensão da capacidade de um estabelecimento existente tem naturalmente subjacente a finalidade de aumento da produção, ou seja, do número de unidades produzidas, em regra, conducente ao acréscimo do volume de negócios. Contudo, esta finalidade não constitui em si mesma uma condição de aplicação do regime, mas a sua teleologia. Dito por outras palavras, o aumento de capacidade do estabelecimento aponta para o aumento da produção, mas não é imposta uma obrigação de resultado. O aumento efetivo da produção depende de diversos fatores, não controláveis pelos sujeitos passivos, que não constam da previsão legal como pressupostos de aplicação do RFAI.
No caso concreto, os indicadores financeiros da Requerente, nomeadamente a evolução do seu volume de negócios nos anos 2015 a 2017 não traduzem qualquer incremento, antes uma contínua diminuição das vendas e serviços prestados. A variação nos inventários da produção em 2016 e 2017 também foi de sinal negativo. Não obstante, tal não significa que a capacidade produtiva da fábrica não tenha sido aumentada, como se provou que foi, sendo este o argumento que se reveste de importância decisiva – o aumento da capacidade do estabelecimento – e não o facto de, por via da diminuição da procura, da contração dos mercados, da concorrência, ou de quaisquer outras causas, a Requerente não ter conseguido, como por certo pretendia, vender (produzindo-os) mais produtos.
A natureza agregadora do investimento, por oposição à compra isolada dos ativos, é manifestada, de forma coerente, pela qualificação dada às aquisições efetuadas em 2015 como “ativos fixos tangíveis em curso”, tendo a conclusão do investimento ocorrido no ano seguinte, em 2016, conjuntamente com outras aquisições realizadas neste ano.
No tocante às referências feitas pela Requerente para a diversificação e fabricação de novos produtos, a mesma seria relevante no âmbito das tipologias de “investimento inicial” relativas à “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”. Contudo, o enquadramento nas tipologias antecedentes requer o cumprimento de condições adicionais, contempladas no artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015, segundo o qual:
“Artigo 3.º Aplicações relevantes
1 – Nos casos em que o investimento inicial respeite a uma alteração fundamental do processo de produção, o montante das aplicações relevantes deve exceder o montante das amortizações e depreciações dos ativos associados à atividade a modernizar contabilizadas nos três períodos de tributação anteriores ao do início da realização do projeto de investimento.
2 – Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.
[…]”
O preenchimento das condições previstas neste artigo 3.º não foi alegado nem demonstrado pela Requerente. Deste modo, o único enquadramento dos ativos adquiridos passível de elegibilidade para o RFAI é o de investimento inicial relacionado com a modalidade de extensão de capacidade de um estabelecimento existente.
Em relação ao valor de € 144.844,70 de matrizes adquiridas e registadas como investimento no período de 2016, não aceite pela AT por alegadamente respeitar a adiantamentos financeiros de bens a serem fornecidos em 2017, não elegíveis nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 5 do CFI, importa notar que o referido valor corresponde exatamente ao montante faturado total pelo fornecedor relativo à aquisição dos equipamentos em causa em 5 de dezembro de 2016, que tinham sido encomendados em outubro desse ano.
O documento comercial relevante que titula a aquisição, a fatura, tem data de 2016 e não indica que se trata de um adiantamento. O único elemento suscetível de indiciar um adiantamento respeita ao reporte da transação pelo fornecedor em setembro do ano seguinte, conforme refletido no VIES.
Todavia, apesar de a Requerente não ter conseguido provar o transporte/receção das mercadorias no decurso do período de 2016, também não foi provado o contrário (a receção em 2017) e a encomenda e a fatura do fornecedor reportam-se ao ano 2016, pelo que se suscita uma situação de fundada dúvida que, no caso, e de acordo com o disposto no artigo 100.º, n.º 1 do 5.º CPPT, deve ser valorada em benefício da Requerente17.
Em síntese, no que se refere ao pressuposto de qualificação do investimento como investimento inicial relacionado com a extensão de capacidade de estabelecimento existente, julga-se que o mesmo foi preenchido pela Requerente, com exceção dos investimentos de substituição, reparação e/ou alteração no valor de € 27.713,83, em relação ao qual é improcedente este argumento da Requerente.
2. Sobre a condição de criação e manutenção de postos de trabalho
A Requerente rejeita a posição preconizada pela AT de não estar preenchido o requisito
legal – no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI – que condiciona a acessibilidade ao RFAI.
Em concreto, considera que foi efetuado investimento relevante que proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, in casu, no caso de três anos.
A Requerente não contesta que se verificou uma diminuição de postos de trabalho no acumulado dos dois anos do período de investimento. Porém, considera que a lei (v. artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI) apenas exige que o investimento realizado contribua direta e casualmente para a criação de novos postos de trabalho no momento da sua conclusão, independentemente de, no mesmo período, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores.
A questão de direito subjacente não tem tido uma resposta consensual, o que em larga medida se deve ao facto, assinalado pela decisão arbitral de 22 de janeiro de 2021, no processo o artigo 100.º, n.º 1 do CPPT mais não é do que a aplicação (no processo judicial) da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT (idêntica à prevista no artigo 342.º n.º 1 e nº 2 do Código Civil) e que vigora no contencioso administrativo em geral: "há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos" – v. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª. edição, Almedina, 2001, p. 269.n.º 82/2020-T, de a legislação em vigor ser bastante omissa quanto aos critérios que devem ser aplicados para elaborar o cálculo da criação de postos de trabalho.
Por banda da Requerida, a referência à “criação de postos de trabalho” deve entenderse reportada à “criação líquida de postos de trabalho”. Diversamente, a Requerente entende que o que importa é que o investimento efetuado tenha sido causa direta da criação de postos de trabalho, mesmo que o número total de trabalhadores tenha diminuído, não exigindo a norma citada (o artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI) que se trate de criação “líquida” de postos de trabalho aferida em relação à atividade global da Requerente.
As decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 565/2018-T, de 20 de novembro de 2019, n.º 82/2020-T e a declaração de voto no processo n.º 307/2019-T, de 9 de março de 2020, propendem para a interpretação de que “a comparação há-de ser feita nos moldes preconizados pela Requerida, i.e., globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de postos de trabalho, pressuposto que, segundo entendemos, deve sermincremental” – v. decisão arbitral do processo n.º 565/2018-T.
Entendimento distinto é o perfilhado nas decisões dos processos n.ºs 488/2019-T, de 17 de fevereiro de 2020 e n.º 307/2019-T.
No primeiro, apesar de o ponto de partida ser uma posição próxima à da Requerida, acaba por concluir que: “a aferição global não pode ser tão mecânica e inflexível que, atendendo apenas a resultados finais, desconsidere a natureza das parcelas e se converta num indutor de ineficiência ou mesmo de injustiça”, notando que “a alínea c) do art.º 14.º, 9 do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho, não faz qualquer referência a um «número total de trabalhadores» nem a valores líquidos – e pelo contrário refere-se a «cada posto de trabalho criado através do investimento» para efeitos de preenchimento do requisito de manutenção de postos de trabalho, ou seja para efeitos de comparação intertemporal relevante. O que reforça o entendimento de que se trata de verificar os requisitos do RFAI, não no total de postos de trabalho de uma empresa, mas somente naqueles que foram criados especificamente pelo investimento.”
De igual modo, na decisão arbitral relativa ao processo n.º 307/2019-T, é afastado o critério da “criação líquida de emprego”, “porquanto a norma legal em causa não exige a criação líquida de postos de trabalho referindo-se inequivocamente a postos de trabalho”, com a seguinte fundamentação:
“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social».
No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. als. d) e e) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei 10/2009).
No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.
Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, que radica na al. f) do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei 10/2009.
Neste contexto, a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.
Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego.
Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal.
Assim, e tendo presente igualmente as finalidades de modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, dever-se-á concluir que o regime em questão visa promover o investimento modernizador, que aumente a competividade do país, e fomente a actualização, ou a aquisição de novas, competências pelos trabalhadores.
Posto isto, sustenta a AT que, na leitura da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, se deverá lançar mão do enquadramento europeu em matéria de auxílios de Estado com finalidade regional no qual se inscreve o RFAI, constituído, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do CFI, pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 , que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.°e 108.° do Tratado.
Sendo, evidentemente, um elemento relevante, crê-se que, antes de mais, se deve recorrer ao Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009, que, como se viu, está na génese do RFAI integrado no CFI.
[…]
Aqui chegados será possível, crê-se, verificar que o Regulamento em questão distingue efectivamente, entre dois tipos distintos de apoios às PME, que são os apoios quantificados:
a) com base nos custos do investimento; e
b) nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento.
E é para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito, e exigido o aumento líquido de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
O Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, segue, no que para o caso importa, a mesma lógica, referindo no preâmbulo que «A fim de não favorecer o investimento em capital em relação ao investimento nos custos da mão de obra, deve prever-se a possibilidade de quantificar os auxílios regionais ao investimento com base quer nos custos do investimento quer nos custos salariais do emprego diretamente criado por um projeto de investimento.», e dispondo no art.º 17.º que:
«2. Os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos:
a) Os custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Os custos salariais estimados do emprego diretamente criado pelo projeto de investimento, calculados para um período de dois anos.».
No art.º 14.º também se dispõe que: «4. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:
a) Custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos; ou
c) Uma combinação das alíneas a) e b), que não exceda o montante de a) ou b), consoante o que for mais elevado.».
É neste contexto que o n.º 9 do mesmo art.º 14.º, citado pela AT, dispõe que:
«9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições:
a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;
b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e
c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME.».
Ora, como se viu já, o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFAI.
De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.
Considerando-se, então, que a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido art.º 19.º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.
Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.
Assim, e por exemplo, se uma determinada empresa adquirir um veículo pesado de mercadorias e contratar um motorista habilitado à sua condução, para o conduzir, verificar-se- á o pressuposto da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.
Mas uma empresa que adquira um veículo pesado de mercadorias, e já dispusesse nos seus quadros de um motorista habilitado à sua condução (que estivesse, por exemplo, afecto à condução de um veículo ligeiro de mercadorias), e contrate um colaborador para a limpeza das suas instalações, que também faça a lavagem e limpeza do veículo adquirido, não preencherá o referido pressuposto de criação de postos de trabalho, já que, embora o referido colaborador possa executar alguns serviços relacionados com o bem adquirido, não se poderá, em princípio, concluir que a sua contratação se relacione de forma causalmente adequada àquela aquisição.
Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.”
Adere-se a esta última a interpretação pelo mérito dos seus argumentos, que, na ausência de maior explicitação por parte do legislador, devem ser adotados.
De qualquer forma, ainda que se entendesse prevalecente a interpretação preconizada pela Requerente, o facto é que esta não logrou provar o preenchimento do requisito em causa, i.e., que tenham criados postos de trabalho e contratados trabalhadores na sequência e em conexão com o investimento realizado elegível para o RFAI, como postula o artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, pelo que é de julgar correta a conclusão da Requerida (embora não se concorde com uma parte dos seus fundamentos), de não estar verificado o pressuposto de acesso ao benefício do RFAI relativo à criação de postos de trabalho. Assim, a dedução à coleta de IRC da Requerente, a esse título, nos anos de 2015 a 2018, deve reputar-se indevida, como decorre do RIT, mantendo-se válidos os atos tributários impugnados na presente ação arbitral.
3. Acerca da violação do princípio do inquisitório
O princípio do inquisitório está enunciado no artigo 58.º da LGT que estabelece que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. A Requerente argui que a AT não procurou informação qualitativa relevante, ou seja, não levou a efeito diligências que visassem o esclarecimento das dúvidas suscitadas na análise da informação.
Sobre esta alegação relembra-se que, no decurso do procedimento, a Requerente foi notificada para fornecer elementos de informação e foram realizadas diligências. Acresce notar que, em fase de direito de audição, teve a oportunidade de ultrapassar as lacunas na informação anteriormente prestada. Por outro lado, não foram requeridas ou sugeridas pela Requerente quaisquer diligências, devendo os meios de prova a que “o contribuinte tem acesso […] ser oferecidos, no âmbito do seu dever de cooperar com boa-fé na instrução do procedimento, como resulta do teor expresso do n.º 2 do artigo 48.º do CPPT” – v. decisão arbitral n.º 604/2020, de 24 de novembro de 2021.
Com perspetiva idêntica, refere a decisão arbitral n.º 14/2021-T, de 21 de novembro de 2021, que: “a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, sendo nessa iniciativa oficiosa de realização de diligências adequadas e necessárias à preparação da decisão que se traduz no princípio do inquisitório (artigo 58.º da LGT).
No entanto, do princípio do inquisitório não resulta a obrigação, por parte da administração tributária, de realizar todas diligências requeridas pelo contribuinte no decurso do procedimento ou realizar todas aquelas que o interessado venha a entender a posteriori como necessárias face ao conteúdo da decisão final que tenha sido adotada.
O principal efeito jurídico da insuficiência das diligências instrutórias a realizar pela Administração no âmbito do procedimento tributário traduz-se, em sede de impugnação judicial, num non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova dos factos, à luz dos critérios de repartição do ónus da prova do artigo 74.º da LGT (Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Vol. I, Coimbra, 2017).”
Neste contexto, não se demonstram violados os deveres enunciados no artigo 58.º da LGT, nem estes devem ser interpretados no sentido de competir à Requerida colmatar o eventual déficit probatório dos pressupostos dos benefícios fiscais que recai sobre o contribuinte que os invoca.
4. Juros compensatórios
No tocante aos juros compensatórios a Requerente invoca a ilegalidade autónoma das respetivas liquidações, por falta de fundamentação do pressuposto de culpa do sujeito passivo, atendendo a que o RIT refere apenas “sobre os impostos resultantes das correções descritas são devidos juros compensatórios, nos termos do artº 35º da Lei Geral Tributária” e as demonstrações de liquidação (de juros compensatórios) contêm apenas a menção singela a
“Retardamento da Liquidação (art.s 102.º do CIRC e 35.º da LGT)”.
Convém notar que a demonstração de liquidação, apesar de sucinta, contém de forma expressa o seu fundamento – o retardamento da liquidação do imposto – e menciona as normas
legais de suporte, do Código do IRC e da LGT. Além disso, menciona com clareza os elementos
exigidos pelo artigo 35.º, n.º 9 da LGT: o valor base, os juros, o período de cálculo e a taxa aplicada. Deste modo, não se constata vício (formal) de falta fundamentação.
Relativamente à falta de fundamentação substantiva do pressuposto da imputação a título de culpa (configurativa de vício de violação de lei), tem sido entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo que a responsabilidade objetiva é excecional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (v. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil). Por isso, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um “facto imputável ao sujeito passivo” quando se possa formular um juízo de censura ao próprio sujeito passivo, pelo que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.
Sem prejuízo do que antecede, considera-se que “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de novembro de 2008, processo n.º 0325/2008. Em sentido idêntico, o acórdão, do mesmo Tribunal, de 11 de março de 2009, processo n.º 961/08).
No caso, perante a não demonstração do preenchimento de requisitos essenciais à aplicação do benefício fiscal do RFAI (criação de postos de trabalho associada ao investimento elegível), a Requerente não podia deixar de considerar expectável a correção efetuada pela AT.
Deste modo, não pode deixar de inferir-se a culpa da Requerente da ilicitude da sua conduta, improcedendo a alegada ilegalidade autónoma e mantendo-se as liquidações de juros compensatórios.
5. Reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios
A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT que os juros indemnizatórios são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, circunstância que, na presente situação, não se verificou, uma vez que se concluiu pela validade e manutenção dos atos tributários, improcedendo, em consequência, os pedidos dependentes de restituição do imposto pago e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios. * * * Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. (…)”.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 546/2020-T, datada de 17 de janeiro de 2022, que concluiu pela validade e manutenção dos atos tributários impugnados, improcedendo, em consequência, os pedidos de restituição do imposto pago e de condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por Pronúncia Indevida.
Apreciando.
Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .
Ora, subsumindo-se a arguida nulidade, no citado normativo, concretamente, na alínea c), vejamos, então, se a mesma procede.
Como visto, a aludida nulidade integra o elenco taxativo constante no artigo 28.º, nº1, alínea c), do RJAT, sendo que a mesma se encontra, igualmente, contemplada no artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” do qual resulta que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
Sendo, outrossim, de convocar o plasmado no artigo 615.º alínea d) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, o qual dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.
Ab initio, importa relevar que a nulidade por excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ela ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (1).
Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).
Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Neste particular, importa, ainda, relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º, e bem assim do normativo 125.º do CPPT. Com efeito, no aludido regime jurídico o legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o Tribunal Arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências (2).
Feitos estes considerandos, importa apreciar da bondade da pretensão da Impugnante.
A Impugnante sustenta que a decisão arbitral incorreu em pronúncia indevida, porquanto sentenciou a improcedência com base em fundamentação não contemporânea do Relatório de Inspeção Tributária.
Densifica, para o efeito, que ao invés de se ter limitado a analisar a ilegalidade dos atos tributários sindicados por referência à sua concreta fundamentação, ou seja, análise e invalidação reportada à declaração fundamentadora vertida no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, certo é que acabou por decidir manter tais atos na ordem jurídica com base num fundamento que não fora invocado pela ATA, incorrendo, assim, no vício de pronúncia indevida.
Adensa, neste concreto particular, que no âmbito do processo arbitral tributário, nos encontramos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação, daí decorrendo tão-só a atribuição aos tribunais tributários do poder-dever de invalidar a legalidade dos atos tributários contestados por referência aos fundamentos utilizados pela AT para a sua prática, com um de dois resultados: (i) mantendo tais atos na ordem jurídica sempre que a sua fundamentação seja considerada conforme com os parâmetros normativos aplicáveis; ou (ii) promovendo a sua anulação, total ou parcial, sempre que a fundamentação determinativa da sua prática padeça de vício determinativo da respetiva ilegalidade.
Conclui, assim, que o Tribunal Arbitral, ao reavaliar os atos tributários contestados pela Impugnante à luz da interpretação do requisito relativo à criação de postos de trabalho tida por correta, mais não está a fazer do que a sindicar os atos contestados à luz de um novo fundamento que não se encontrava incluído na declaração fundamentadora produzida pela ATA, o que consubstancia uma decisão viciada de pronúncia indevida, em virtude de extravasar a competência material do respetivo tribunal.
Vejamos, então, se lhe assiste razão adiantando, desde já, que a decisão incorrida não incorreu na arguida nulidade, visto que em nada ultrapassou os seus poderes de cognição.
Com efeito, mediante uma leitura atenta da decisão arbitral visada, conjugada com a petição inicial, verifica-se que em ordem às causas de pedir elencadas na petição inicial, e ao concreto pedido, o Tribunal Arbitral em nada exorbitou o pedido e o seu âmbito de atuação.
In casu, a questão sindicada coadunava-se com o concreto preenchimento das condições exigíveis para a Impugnante poder beneficiar do incentivo fiscal RFAI, associado aos investimentos realizados em 2015 e 2016, e deduzido à coleta nos períodos de tributação de 2015 a 2018, tendo esta sindicado a ilegalidade das correções realizadas no montante de €94.378,16 e €130.290,35, respetivamente, por entender que a AT tinha incorrido em errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.
Ora, atentando na decisão visada verifica-se que o Tribunal Arbitral começa por indicar que “são dois os fundamentos em que a Requerida se alicerça para desconsiderar o benefício fiscal do RFAI associado aos investimentos realizados em 2015 e 2016 e deduzido à coleta nos períodos de tributação de 2015 a 2018: a) A falta de comprovação do respetivo enquadramento no conceito de “investimento inicial” (v. artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2017, de 21 de setembro; Investimentos nas importâncias de € 377.512,64 (2015) e de € 521.161,41 (2016). b) O incumprimento da condição relativa à criação de postos de trabalho (v. artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI)”.
Sendo que tal descrição está em inteira conformidade com o aduzido pela Impugnante no seu articulado inicial, mormente, no seu artigo 28.º.
Ulteriormente, inicia a abordagem do erro nos pressupostos de facto e de direito suscitados pela Requerente em relação à posição adotada pela Requerida, principiando pela falta de enquadramento no conceito de investimento inicial, aí abordando a inconstitucionalidade orgânica da norma regulamentar que institui o pressuposto do “investimento inicial” (vício arguido nos artigos 44.º a 65.º do pedido de pronúncia arbitral) seguidamente, a casuística ponderação do pressuposto de enquadramento das aquisições efetuadas como “investimento inicial” ( alegação constante nos artigos 67.º a 139.º) e a final da particular condição de criação e manutenção de postos de trabalho (matéria alegada nos artigo 140.º a 171.º) tendo, para o efeito, aderido à fundamentação jurídica constante na decisão arbitral relativa ao processo n.º 307/2019-T.
Concluindo, assim, pela legalidade das correções realizadas pela ATA, sublinhando, nesse concreto particular que, “de qualquer forma, ainda que se entendesse prevalecente a interpretação preconizada pela Requerente, o facto é que esta não logrou provar o preenchimento do requisito em causa, i.e., que tenham criados postos de trabalho e contratados trabalhadores na sequência e em conexão com o investimento realizado elegível para o RFAI, como postula o artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, pelo que é de julgar correta a conclusão da Requerida (embora não se concorde com uma parte dos seus fundamentos), de não estar verificado o pressuposto de acesso ao benefício do RFAI relativo à criação de postos de trabalho. Assim, a dedução à coleta de IRC da Requerente, a esse título, nos anos de 2015 a 2018, deve reputar-se indevida, como decorre do RIT, mantendo-se válidos os atos tributários impugnados na presente ação arbitral.”
A final, adensa a sua esteira de entendimento com a inexistência de qualquer violação do princípio do inquisitório, e conclui com a análise da questão da legalidade dos juros compensatórios, e inerente reembolso da quantia indevidamente paga acrescida dos juros indemnizatórios, desfechando pela total improcedência do pedido arbitral.
Logo, se o Tribunal a quo apreciou tais questões e se a mesmas foram, expressamente, convocadas inexiste a arguida nulidade.
Note-se que, não é passível de confusão conceptual o erro de julgamento com o excesso de pronúncia, na medida em que o primeiro resulta de uma distorção da realidade factual (erro de facto) ou na aplicação do direito (erro de direito), de forma que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, enquanto o excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece e emite pronúncia sobre questões de que não deveria conhecer, e que não eram de conhecimento oficioso.
Daí que, a alegação da Recorrente concatenada com a consideração de fundamentos de facto e de direito não contemporâneos do Relatório Inspetivo, em nada traduz uma pronúncia indevida podendo, quando muito, redundar em erro de julgamento (neste sentido, vide, designadamente, Acórdãos prolatados por este TCAS, no âmbito dos processos 114/21, de 24.10.2024 e 14/18, de 13.10.2022).
Noutra formulação, dir-se-á que se a fundamentação jurídica é ou não acertada, mormente, por desconforme com a factualidade de facto e de direito contida no Relatório de Inspeção Tributária, e se o Tribunal Arbitral analisou com a devida propriedade e com acerto o litígio, já não integra nulidade da decisão, mas, tão-só, erro de julgamento o qual, como é consabido, não pode ser analisado por este Tribunal.
Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. (3).
Aliás, a Impugnante sufraga, justamente, nesse sentido e analisa com a devida propriedade a questão atinente ao âmbito da pronúncia arbitral e das competências do tribunal arbitral para o efeito, conclui, no entanto, em sentido que extravasa o vício em contenda. E isto porque, como visto e ora se reitera, a consideração de fundamentos não contemporâneos no Relatório não traduz, de todo, a arguida pronúncia indevida, contendendo apenas como uma questão de erro de julgamento e coadunada com o mérito.
Note-se, neste âmbito, que não podemos, de todo, confundir uma fundamentação, alegadamente, desconforme com uma pronúncia indevida, sendo que o peso que, na solução adotada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade ou fundamento jurídico é questão que excede a impugnação da decisão arbitral, na qual apenas se cuida das nulidades taxativamente elencadas no RJAT.
Destarte, dir-se-á que a Impugnante pode, naturalmente, discordar da improcedência ajuizada pelo Tribunal Arbitral, ou até considerar que é desacertada a extrapolação atinente à fundamentação das liquidações, mas não pode é propugnar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por pronúncia indevida.
Ora, face ao supra expendido é por demais evidente que a decisão arbitral não incorreu em pronúncia indevida.
E por assim ser, improcede a arguida nulidade.
***
IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO.
Condena-se a Impugnante em custas.
Registe. Notifique.
Lisboa, 08 de maio de 2025
(Patrícia Manuel Pires)
(Margarida Reis)
(Maria da Luz Cardoso)
(1) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora: 2008, pág.61 e 62; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, 02.07.2013, processo 6505/13.
(2) Vide, designadamente, Ac. TCAS, processo nº 09286/16, de , 28.04.2016.
(3) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes. |