Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37314/24.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG;
ARI;
109.º, N.º 1, DO CPTA
Sumário:I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
B… e J…., cidadãos de nacionalidade norte-americana, residentes nos Estados Unidos da América (EUA), doravante Recorrentes, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziram intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à intimação da Recorrida para, em síntese, emitir os títulos de autorização de residência ou, em alternativa, a decidir o seu requerimento de concessão de tais títulos, agendando a diligência de recolha dos dados biométricos, inconformados que se mostram com a sentença do TACL, de 08/11/2024, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por falta de verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, contra a mesma vieram interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões:
1. Os Requerentes apresentaram o pedido de concessão de autorização de residência para atividade de investimento (ARI) nos termos do artigo 3.° da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, com a submissão de toda a documentação exigida pela legislação aplicável.
2. O pedido foi submetido em 22/09/2023 pelo Requerente principal e em 05/10/2023 pelos reagrupados, tendo desde então permanecido pendente de decisão administrativa, sem qualquer resposta por parte da AIMA.
3. Nos termos do artigo 82.°, n.° 1, da Lei n.° 23/2007, o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo máximo de 90 dias, prazo esse que foi integralmente ultrapassado sem qualquer justificação plausível.
4. A ausência de resposta por parte da AIMA configura uma omissão administrativa ilegal, contrária aos princípios da boa administração, da celeridade e da segurança jurídica.
5. Decorridos bem mais de um ano sobre a apresentação do pedido, a inércia da Administração implica, nos termos do artigo 82.°, n.° 3, da Lei n.° 23/2007, o deferimento tácito da autorização de residência requerida.
6. A demora injustificada na análise e decisão do pedido compromete os direitos e expectativas legítimas dos Requerentes, que cumpriram todos os requisitos legais para a obtenção do título de residência.
7. Não é verdade que o Requerente não alega factos concretos que demonstrem a sua urgência — como se uma espera superior a ano e meio sem qualquer avanço para o exercício dos mais elementares direitos garantidos por uma autorização de residência não fosse já sacrifício suficiente para quem se limitou a cumprir tudo o que lhe era exigido e, como tal, a situação de urgência se meça perante determinados factos da vida real que reclamem uma decisão imediata do pedido, conduzindo ao indeferimento liminar da pretensão, quando é por demais evidente que não podendo vir viver para Portugal como era suposto e como tinha sido programado. devido aos atrasos inexplicáveis da AIMA e que vão contra as previsões legais a presente situação lhe trouxe, e ainda traz, muitos problemas no seu dia-a-dia e da sua família, vendo-se impossibilitados de prosseguir com o seu projeto, e estando com a vida totalmente suspensa à espera que a AIMA se digne cumprir o que está estipulado na lei.
8. O pressuposto de urgência, não pode ser mensurado sem uma consideração dos efeitos do decurso do tempo, basta para tal pensar-se na proteção do direito fundamental à água que, na mesma circunstância do direito fundamental a uma boa administração, também não decorre diretamente do texto constitucional. É que o tempo que o serviço público de água demorar a ligar um contador à rede distribuidora é o que fundamenta a urgência na sua ligação constituindo a restrição à fruição do referido direito fundamental,
9. A urgência na obtenção da autorização de residência, que não existia ao momento da submissão da candidatura, porquanto se pensou que tudo decorresse dentro dos prazos legalmente estipulados, passou a existir devido ao decurso do tempo decorrente da inação da Entidade Demandada AIMA, sendo que não se pode esperar que tal espera não tenha nenhuma consequência na vida das famílias que escolhem vir viver para Portugal, tudo preparam para esse desígnio mas depois se vêm impedidos de prosseguir com esse projeto.
10. É também desprovido de toda a razoabilidade considerar que uma eventual decisão de primeira instância numa ação administrativa ocorreria em tempo útil para a Recorrente, tendo em consideração o atraso que se verifica na jurisdição administrativa, podendo suceder que aos quase dois anos que leva a aguardar uma decisão da Administração se acrescentem mais quatro anos até que conseguisse alcançar uma decisão relativa ao mérito da causa, sendo que entretanto os filhos, que procuravam ter uma educação de base na europa, já quase serão adultos.
11. A inércia da AIMA constitui uma violação do direito fundamental a uma boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
12.A falta de resposta impede os Requerentes de exercerem direitos fundamentais como a livre circulação e residência em Portugal, prejudicando a sua integração económica e social.
13. A inexistência de decisão impossibilita a marcação dos biométricos e a subsequente emissão do título de residência, colocando os Requerentes numa situação de incerteza jurídica inaceitável.
14. O atraso compromete a possibilidade de os Requerentes beneficiarem do regime fiscal de Residente Não Habitual, ao qual teriam direito caso obtivessem o título de residência em tempo útil.
15. A Administração Pública tem o dever de agir em conformidade com os princípios da legalidade, celeridade e segurança jurídica, devendo decidir de forma oportuna e fundamentada.
16. A falta de decisão dentro do prazo legal coloca os Requerentes em situação de desigualdade face a outros investidores que obtiveram resposta tempestiva por parte da Administração.
17. O prolongamento injustificado da pendência administrativa gera impactos negativos na vida profissional e pessoal dos Requerentes, impedindo o pleno gozo dos direitos inerentes à autorização de residência.
18. A situação exposta configura também uma violação do princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que os Requerentes confiaram na atuação lícita da Administração Pública.
19. A inércia administrativa impede o acesso ao sistema nacional de saúde, educação e demais serviços essenciais em Portugal, prejudicando o direito à dignidade humana.
20. A falta de resposta compromete a imagem e a credibilidade de Portugal como destino de investimento seguro e previsível.
21. O deferimento tácito é uma solução necessária para evitar o arbítrio administrativo e proteger os direitos dos Requerentes.
22. O Tribunal deve ordenar a imediata marcação dos biométricos e a emissão dos títulos de residência, garantindo o cumprimento da lei e a efetivação dos direitos fundamentais,
23. A demora na decisão configura também uma violação do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, que impõe à Administração Pública o dever de atuar de forma eficaz e eficiente.
24. A concessão do pedido de autorização de residência reforça o compromisso do Estado português com a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais dos imigrantes.
25. A mora administrativa evidencia uma deficiência grave na gestão dos processos por parte da AIMA, devendo ser sanada por decisão judicial vinculativa.
26. A impugnação judicial torna-se um meio necessário e adequado para restabelecer a legalidade e assegurar a efetivação do direito de residência dos Requerentes.
27. O Tribunal deve reconhecer que a falta de decisão no prazo legal
implica a aprovação automática do pedido, nos termos do artigo 82.°, n.° 3, da Lei n.° 23/2007.
28. A decisão favorável aos Requerentes contribuirá para a prevenção de futuras situações de omissão administrativa e melhoria dos procedimentos na concessão de autorizações de residência.
29. 0 deferimento do pedido será um passo fundamental para garantir a estabilidade jurídica e a previsibilidade dos processos administrativos em Portugal.
30. A Administração Pública deve garantir maior transparência e celeridade nos processos de imigração, assegurando o cumprimento das garantias legais e constitucionais dos requerentes.
31. Deve ser assegurado um mecanismo eficaz de fiscalização dos prazos processuais, evitando futuras situações de omissão.
32. A resposta judicial favorável contribuirá para uma administração mais eficiente e responsável.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos enunciados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incorreu em erro de julgamento, ou não, designadamente, por ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial com base em tal entendimento.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou qualquer factualidade.
Os Recorrentes, por seu turno, nada impugnaram sobre tal matéria, não se vendo qualquer necessidade de fixar factos na presente instância de recurso, pois que, os Recorrentes dissentem da decisão recorrida, no essencial, por uma questão de direito, que tem a ver, como atrás se constatou, com o alegado julgamento erróneo sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui importa perscrutar, veja-se a fundamentação de direito explanada na decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) Cumpre apreciar liminarmente (cfr n.º 1, do art. 110.º do CPTA).
Nos termos do n.º 1, do art. 109.º, do CPTA, constituem pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias a necessidade de uma decisão de mérito, que imponha à Administração Pública a adopção de uma conduta (positiva ou negativa) indispensáv el para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nos casos em que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar, constituindo, assim, um dos procedimentos judiciais caracterizados pela celerid ade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos, que compete à lei assegurar aos cidadãos (cfr n.º 5 do art. 20.º da CRP).
Portanto:
(i) A defesa de um direito, liberdade ou garantia, ainda que de natureza análoga;
(ii) A célere emissão de uma decisão definitiva e de mérito que se mostre indispensável, face aos outros meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil do direito, liberdade ou garantia em apreço – cfr, entre outros, o acórdão do TCA Sul, de 16 - 02 - 2017, proferido no processo n.º 1663/16.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt , este último pressuposto reconduz - se, no fundo, a dois subcritérios práticos: por um lado, concluir que “o juiz do processo (não urgente) principal não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia ”, e, por outro, que “ o juiz da causa cautelar se ditasse a justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito.”
Daqui decorre que este processo declarativo (urgente) se reporta a situações especialmente delicadas (a proteção de direitos, liberdades e garantias), que o legislador consagra, como meio principal (trata - se de um processo declarativo, com vista à prolação, em regra, de uma sentença condenatória, mediante a qual o Tribunal impõe a adoção de uma conduta positiva – uma ação – como negativa – uma abstenção) e urgente (com prazos de tramitação e de decisão mais curtos, sujeitos a um regime específico – cfr, desde logo, n.º 1, do art. 110.º e n.º 1, do art. 111.º, ambos do CPTA).
(…)
Aqui chegados, constitui entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias assume um caráter necessariamente restritivo (por força do seu objeto) e subsidiário (face aos outros meios processuais), constituindo uma válvula de segurança do ordenamento jurídico - processual.
(…)
Volvendo ao caso dos autos.
Alegam os Requerentes que a urgência assenta no incumprimento do prazo decisório, omissão/incumprimento que se traduz em constrangimentos de diversa ordem e que na violação de diversos direitos, com respaldo constitucional ou em diplomas internacionais, conjuntura que não se compadece com uma tutela provisória ou alcançável pela ação administrativa e que não se encontra, sequer, densificada (tratando - se, de restos, de factos essenciais/nucleares), mas cuja eventual densificação nem releva. Com efeito, as suas alegações não atingem o nível de detalhe ou a profundidade que, mesmo a um golpe de vista mais aturado, se distingam do que pode ser alegado por qualquer pessoa que aguarde a decisão da AIMA, IP (ou de qualquer entidade adstrita/vinculada a prazos de decisão), sendo, aliás, alegações características dos incómodos comuns associados à incerteza dessa decisão (seja quanto ao prazo da sua emissão, seja quanto ao seu teor).
Ou seja, os Requerentes não alegam qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que permita sustentar a verificação de uma situação justificadora do uso do presente meio processual. Com efeito, como temos vindo a dizer, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado – veja-se que lança mão de numerosos artigos legais, sem indicar, um único caso / cenário concreto em que tais direitos se encontrem, efetivamente, violados (facto, de resto, essencial/nuclear para se apreciar da admissão e viabilidade do presente meio processual).
Por seu turno, também claudica a alegada indispensabilidade. Não se descura, ignorando, que possa existir um incumprimento do dever de pronúncia/decisão, por silêncio da Requerida dentro do prazo previsto legalmente para o efeito: porém, para que se possa lançar mão deste meio processual (e, procedendo, a Requerida seja intimada a decidir em determinado prazo), importa que os Requerentes demonstrem que seja indispensável o recurso a este meio processual em desprimor dos demais – o que não se sucede no caso vertente, porquanto, mais uma vez, a Requerente se sustenta em alegações genéricas.
Compulsada a petição, resta concluir que, com referência ao momento presente, inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pelos Requerentes: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência de) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que a Requerente refere, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil .
Cabe referir que:
- o deferimento tácito está apenas previsto para os pedidos de renovação da autorização de residência e de reagrupamento familiar (cfr n.º 7, do art. 82.º, e n .º 3, do art. 105.º) apenas havendo lugar a deferimento tácito nos casos expressamente previstos na lei (cfr n.º 1, do art. 130.º do CPA) ;
- ainda, que o art. 130.º do CPA configura uma norma excecional, porquanto o Código do Procedimento Administrativo está dirigido , desde logo um ponto de vista teleológico, à decisão: veja - se, de resto, a tónica que o legislador coloca no princípio da decisão, art. 1 3.º, no princípio do inquisitório , arts. 58.º e 115.º, e no regime da decisão, nos termos do qual que o procedimento finda, por regra , com a prática de ato administrativo ou celebração de um contrato (e não pelo silêncio – cfr art. 128.º) sendo que a figura do ato tácito surge posteriormente aos regimes da decisão (art. 130.º) ; e , assim sendo, não comporta aplicação analógica (art. 11.º do Código Civil);
- não obstante poderem ser apresentados em conjunto, o pedido de reagrupamento familiar apenas é apreciado e decidido caso o pedido de concessão de autorização de residência requerido (neste caso, para atividade de investimento) venha a ser deferido (cfr n.º 5, do art. 81.º e n.º 1, do art. 98.º, ambos da Lei n.º 23/200 7), pelo que o prazo de decisão este, e eventual deferimento tácito, apenas começa a correr termos após a eventual concessão ora referida.
Em conclusão: os Requerentes formulam, somente, alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, mesmo considerada a resposta que antecede, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual Com efeito, a tutela judicial revela-se acautelada com recurso a outros meios processuais que se revelam adequados a, cumpridos os pressupostos, uma decisão de mérito que vá ao encontro do direito a uma pronúncia por parte da aqui Entidade Requerida.
Adicionalmente, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), cfr a residência que o s próprios indicam , os Requerentes não são titulares dos direitos, liberdades e garantias a que se arrogam – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05-2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt
(…)
Aderimos, sem reservas, ao doutamente sumariado, que transpomos para o caso dos autos.
Refira-se, ainda, não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741 - 23.4BELSB ( https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao - supremo - tribunal - administrativo/11 - 2024 - 871585082), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeita-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos do n.º 1, do artigo 110.º do CPTA.
***
Desde já adiantamos que a decisão recorrida será confirmada.
Vejamos.
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir o articulado inicial, seguindo-se a citação da contra-parte, como pode rejeitá-lo, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias alegadas do caso concreto, a decisão liminar de rejeição do requerimento inicial.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Antecipamo-nos a dizer que, tendo presente os pressupostos vertidos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a começar pelo da indispensabilidade, não se mostra o mesmo preenchido no caso em apreço.
Em termos sintéticos, a indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”,associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhados nossos).
Sobre a subsidiariedade, importa também salientar que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” e que “Quando se afirma que o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma proteção adequada, esta afirmação tem, pois, em vista os processos não urgentes, devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque, quando tal se mostre necessário, para a mais efetiva de todas, que é o decretamento provisório de providências cautelares” (cf. a obra e os autores que temos vindo a citar, de páginas 935 a 937) – (sublinhados nossos).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra citada, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos).
Retornemos, pois, ao caso concreto.
Em conclusões de recurso observamos, com especial insistência e sob diversas facetas argumentativas, o desagrado dos Recorrentes quanto à inércia decisória da Administração, pois, como no essencial referem, o prazo legal de decisão sobre os seus requerimentos foi já largamente ultrapassado (os 90 dias previstos no artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04/07), o que, no seu entender, colocam em causa os alegados “princípios de boa administração, celeridade e segurança jurídica” e ainda o da “legalidade”.
Apreciando.
Por um lado, a intimação visa a protecção de direitos, liberdades e garantias, natureza que não revestem os referidos princípios cuja violação é alegada.
Por outro lado, o inconformismo dos Recorrentes pela demora da Administração na instrução procedimental ou na tomada de uma decisão no competente procedimento administrativo de autorização de residência, ainda que compreensível e legítimo quanto a eventuais transtornos pessoais ou frustrações que essa situação possa causar ao projecto de vida que decidiram fundar em Portugal, não é, por princípio, debelado pelo acesso imediato ao processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, dado que, ante a inércia instrutória ou decisória da Administração, o contencioso administrativo disponibiliza outros meios comuns aos quais os interessados podem recorrer previamente, com especial prevalência para a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (meio processual não urgente), eventualmente complementada com o requerimento incidental de processo cautelar para adopção de providência cautelar antecipatória (processo urgente), que ainda pode ser reforçado com o seu decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Não é por demais chamar à colação a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste mesmo TCAS, que admite, inclusive, que “os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.”, mais propugnando este TCAS que a emissão da autorização de residência é compatível com uma definição cautelar.” (destaques nossos), conforme o exposto, entre outros, no acórdão de 07/06/2023, proferido no processo sob o n.º 166/23.1BEALM, entendimento que voltou a ser reiterado pelo acórdão deste mesmo TCAS, de 13/07/2023, prolatado no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Insistindo na violação do dever de decisão pela Administração, os Recorrentes vêm ainda sustentar em conclusões de recurso que a inércia instrutória/decisória afronta o artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que no seu n.º 1 prevê o seguinte: “Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
Neste particular conspecto, seguimos aqui a jurisprudência já firmada por este TCAS, destacando-se, entre outros, o recente acórdão de 15/07/2025, proferido no processo sob o n.º 12861/25.6BELSB (uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em matéria de aquisição de nacionalidade, mas cujo excerto fundamentador é igualmente aplicável ao caso vertente), cuja passagem passamos a transcrever do seguinte modo (consultável em www.dgsi.pt):
Acrescente-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
Por outro lado, compulsando-se o argumento lançado na conclusão de recurso sob o n.º 10, consideramos que a alegada delonga de uma acção administrativa até ser alcançada uma decisão transitada em julgado não é motivo que permita aos Recorrentes lançar logo mão do presente meio processual de excepção. É que, por um lado, se algo de urgente ou irreversivelmente prejudicial importava acautelar no imediato, os Recorrentes sempre podiam acoplar à acção administrativa a que aludem (o meio processual comum não urgente) o adequado e correspondente processo/requerimento cautelar (o meio processual urgente). E, por outro lado, se naquela conclusão de recurso apontam à acção administrativa, é porque admitem, ainda que implicitamente, a possibilidade da sua pretensão material poder ser satisfeita por intermédio do citado meio processual não urgente, o que evidencia, ao fim e ao cabo, a falha quanto aos pressupostos do processo de intimação, conforme exigido pelo artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
Como dito lapidarmente no acórdão acabado de citar, ainda que a propósito do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, cujo raciocínio também aqui secundamos, Admitir a tese do Recorrente de, em virtude das alegadas demoras na tramitação e prolação de decisões no âmbito dos processos judiciais de natureza não urgente, lhe assistir o direito a recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter uma decisão em prazo razoável, sob pena de sair violado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), seria subverter o regime processual previsto pelo legislador em que, ao lado dos processos que seguem a normal tramitação, se consagram formas processuais com caráter urgente e cuja utilização depende do preenchimento dos correspondentes pressupostos. Seria admitir que, em face das imputadas deficiências do sistema judicial, todos os litígios submetidos a juízo passassem a ser de natureza urgente porque, mostrando-se necessário a assegurar o direito a uma decisão em prazo razoável, seriam enquadráveis na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Só que, como vimos, o pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.” (sublinhado nosso).
Em suma, não é a violação do dever de decisão ou a demora da acção administrativa por conta de eventual insuficiência do sistema judicial que, por si só, justificam o acesso imediato ao processo de intimação, mas sim quando este meio processual se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Os Recorrentes asseveram ainda nas mesmas conclusões recursivas que estão impedidos de exercer direitos fundamentais como a livre circulação e residência em Portugal, prejudicando a sua integração económica e social. Ora, para além de se tratar de uma mera alegação de cariz genérico e vago, sem que da mesma, por falta de explanação factual, se infira o que de urgente ou irremediável importe prevenir no imediato, sempre dizemos, na senda do entendimento sufragado no acórdão deste TCAS, de 03/07/2025, tirado no processo sob o n.º 31554/24.5BELSB (de que o ora Relator no mesmo figurou nessa qualidade), consultável em www.dgsi.pt, que a falta de autorização de residência não significa que os Recorrentes “não possam, no entretanto, entrar, sair e permanecer de forma livre em Portugal, sobretudo, como cidadãos visitantes, com passaporte e/ou com visto de turismo, se necessário for, assim podendo aceder, a intervalos, ao seu imóvel sito em território nacional, não tendo os Recorrentes, ademais, invocado qualquer situação concreta em que as autoridades portuguesas ou de quaisquer outros países da União Europeia lhes tivessem impedido a entrada e saída de Portugal ou de qualquer outro país do espaço Schengen”.
Os Recorrentes aduzem ainda em conclusão de recurso que o atraso da Administração compromete a possibilidade de beneficiarem do regime fiscal de residente não habitual, ao qual, dizem, teriam direito caso obtivessem o título de residência em tempo útil. Ora bem, consubstancia, de novo, um mero juízo conclusivo, faltando-lhe a necessária e mínima densificação factual-jurídica por forma a inferir-se, face ao caso concreto, da situação de especial urgência ou da ameaça de direito, liberdade e garantia “com conteúdo suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação”, conforme sustentam os autores da obra atrás citada.
De resto, os Recorrentes limitam-se a invocar nas demais conclusões de recurso uma alegada desigualdade de tratamento face a outros investidores que supostamente teriam alcançado resposta tempestiva da Administração, efeitos negativos na sua vida pessoal e profissional, violação do princípio da confiança, falta de acesso aos serviços de educação e de saúde, no que entendem bulir com a dignidade humana, mais aduzindo a falta de credibilidade de Portugal como destino de investimento seguro e credível. Tais asserções pautam-se pela generalidade e vaguidade, sem qualquer préstimo para justificar, no concreto, os pressupostos do processo de intimação que ora se cuida.
E ainda que os Recorrentes pugnem na conclusão de recurso sob o n.º 27 que o seu requerimento de concessão de autorização de residência deve ser entendido como deferido, tacitamente, por decurso do prazo de decisão de 90 dias, por conta de uma clamada aplicação analógica do actual n.º 7 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07 (previsto para os casos de renovação da autorização de residência), sempre se entende que tal problemática não tem aqui cabimento, pois já tem a ver com o fundo da causa. É matéria que só se colocaria para ajuizamento a jusante da temática que ora nos prende. Isto é, nesta sede, apenas importa saber se o meio processual é idóneo, ou não, para a pretensão material deduzida pelos Recorrentes, sendo irrelevante para o apuramento dessa idoneidade processual a tese do deferimento tácito por analogia.
Aqui chegados, importava que os Recorrentes tivessem cumprido com o ónus de alegação de factos concretos realmente demonstrativos de uma situação impressivamente caracterizadora da indispensabilidade do presente meio processual, ou seja, um contexto factual elucidativo de urgência ou premência. Mas tal não dimana do requerimento inicial, como bem constatou a sentença recorrida, como não resulta, de igual modo, do exposto em conclusões de recurso.
Ou seja, visto o fio condutor das conclusões recursivas, que delimitam o objecto do recurso, não se vislumbra a alegação de qualquer factualidade devidamente circunstanciada e densificada que sirva para justificar a indispensabilidade do uso excepcional do processo de intimação, pois que, nada de urgente ou premente dali se infere no sentido de ser necessária uma tutela imediata e definitiva dos direitos esgrimidos pelos Recorrentes.
Ora, sem quaisquer outros factos devidamente explicados ou densificados, que justifiquem o provir de uma situação de especial urgência ou premência que importe, desde já, obstar, nada de ofensivo se vislumbra para os direitos, liberdades e garantias invocadas.
Quer isto dizer, em resumo, que os Recorrentes não acoplaram quaisquer factos concretos e realmente demonstrativos de estarmos perante uma situação de especial urgência que seja indispensável acautelar ou impedir de modo imediato e de forma definitiva pela utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não é por demais relembrar que é sempre a partir do caso concreto que se perscruta a existência de fundamentos factuais que justificam a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação. É o próprio requerente do meio processual de intimação que tem o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade.
Ao fim e ao cabo, como já aflorámos, inexiste no caso vertente, por falta de alegação, qualquer situação realmente urgente ou premente que importe prevenir por intermédio do processo de intimação, isto é, os Recorrentes não associaram ao requerimento inicial, nem agora, às conclusões recursivas, quaisquer factos suficientemente densificados que demonstrem a tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados.
Cumpre ainda afirmar que seguimos aqui a orientação de vasta e recente jurisprudência deste TCAS, proclamada a propósito da concreta pretensão material de emissão da autorização de residência, com plena aplicação no caso vertente (no que especificamente diz respeito ao aludido requisito da indispensabilidade), destacando-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS tirados nos seguintes processos: no Processo n.º 166/23.1BEALM, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 489/23.0BELSB, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 1151/23.9BELSB, de 26 de Julho de 2023, no Processo n.º 458/23.0BELSB, e ainda nos Processos n.ºs 4798/23.0BELSB, de 09/05/2024, e 602/24.0BELSB, de 23/05/2024, estes dois últimos alusivos, precisamente, à autorização de residência para actividade de investimento (de que o ora Relator também nos mesmos interveio nessa qualidade), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
De modo acrescido, a título de exemplo, veja-se ainda o acórdão deste TCAS, de 13/07/2023, emitido no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, convocando-se o entendimento formulado no seu sumário, do qual consta o seguinte:
I Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade (…)
Atente-se, ainda, ao acórdão do STA, de 04/04/2024, tirado no processo sob o n.º 015/24.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se os pontos I e II do seu sumário, como segue:
I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
Tudo visto, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Mara de Magalhães Silveira – (1.ª Adjunta)
Ana Cristina Lameira – (2.ª Adjunta)