Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:885/21.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:LEI DA AMNISTIA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:I - A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – vide artº 1º.
II - O Recorrido ao qual foi aplicada a medida provisória de suspensão do exercício de funções por 3 meses, no âmbito do processo disciplinar, por infracções praticadas em 2021 e que não constituem, simultaneamente, ilícito penal não amnistiado pela aludida lei, encontram-se amnistiadas, atento o disposto no nº 1 do artº 2º e no artº 6º da Lei da Amnistia.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 14-03-2022 pela qual foi concedido provimento à providência cautelar interposta por M…. contra a deliberação do Conselho do Notariado, de 25-10-2021, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 6/NOT2021 e apenso n.º 7/NOT/2021 lhe aplicou a medida provisória de suspensão do exercício de funções por 3 meses.

Nas suas alegações de recurso, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem como fundamento os vícios que inquinam a sentença recorrida, por erro de julgamento.

2. Verifica-se erro de julgamento, por incorreta interpretação da prova apresentada na Acusação e por não ser tomado em consideração todo o conteúdo da Acusação constante do processo disciplinar, por julgar que os factos constantes da acusação e integrados na deliberação suspendenda, não preenchem a prática do ilícito disciplinar grave, sendo manifestamente insuficientes para serviram de fundamento para a medida preventiva de suspensão que foi aplicada à Recorrida.

3. Desde logo, erra a sentença ao alegar que no artigo 50.º da Oposição o Recorrente considerou as infrações como meras irregularidades, pois como expressamente se referiu nesse artigo foi que “…as irregularidades detetadas no acervo documental público, as quais assumem natureza grave e são violadores dos deveres gerais da função, afigura-se inquestionável o fundamento/legalidade da mencionada decisão.”

4. E os factos constantes da Acusação permitem preencher o tipo de ilícito disciplinar grave e justificar a medida provisória aplicada.

5. Na Acusação (fls 552 a 574 do PA), que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, conforme enumerado de forma detalhada e minuciosa estão descritas condutas que permitem comprovar que a Recorrida, “(…) no exercício das suas funções, cometeu múltiplas infrações disciplinares, por violação culposa (dolo e negligência) dos deveres dos notários, previstos no Estatuto do Notariado e no Estatuto da Ordem dos Notários.” A Recorrida “(…) não cumpriu de forma totalmente voluntária várias normas legais, a sua grande maioria previstas no Código do Notariado, normativo fundamental ao cabal exercício da nobre função que lhe está atribuída.”

6. Foram imputadas à Recorrida a pratica de 3 infrações disciplinares leves (artigo 61.º n.º 4, alínea a) do EN) e 17 infrações disciplinares graves (artigo 61.º. n.º 1 alínea b) do EN).

7. As condutas descritas e os factos os factos dados como indiciariamente apurados assumem natureza grave e são violadores dos deveres gerais da função

8. Percorrendo os factos constantes da Acusação, é notório que, as identificadas situações a seguir referenciadas, configuram a violação, pela Recorrida, de preceitos basilares do Código do Notariado.

9. Refira-se a título de exemplo, pela gravidade de que se reveste, é a realização de inúmeros atos (averbamentos) sem título bastante, ou a celebração de várias escrituras públicas feridas de manifesta nulidade, de que a escritura que motivou a queixa-crime é apenas um exemplo, atos reveladores de uma indiscutível impreparação técnica da arguida para o desempenho da função e, o que não é menos grave, de uma negligência grosseira.

10. Repare-se que o desígnio da atividade notarial é exatamente, a fé pública dos documentos e a segurança jurídica através da autenticidade dos atos jurídicos, que, por meio da publicidade, alcançam a cognoscibilidade de terceiros, preservando-se perfeito e válido no tempo, podendo sintetizar-se no seguinte texto: “O notário existe por e para a segurança jurídica, seja pelo ângulo particular e privado das partes, seja para proteção da sociedade. Instrumentos hígidos, redigidos por um especialista e com o respeito à lei permitem a execução dos direitos e impedem litígios judiciais, sempre custosos, desgastantes e demorados.”

11. Ora, a factualidade descrita na acusação indicia um grave e reiterado desinteresse e negligência da arguida no cumprimento dos deveres funcionais a que se encontra adstrita enquanto notária, suscetível de pôr em causa, de forma muito séria, valores basilares da função, tais como, a integridade do arquivo notarial à sua guarda, a fiabilidade da informação no mesmo contida, e o cumprimento das leis e das normas deontológicas que regem o exercício da atividade, e consequentemente os objetivos visados com o exercício da função notaria.

12. Com efeito, das referidas infrações puníveis com a sanção de suspensão, diversas se reconduzem-se a escrituras de habilitações de herdeiros em que cometeu lapsos graves com violação da lei e suscetíveis de prejudicar os particulares.

13. E muitos outros exemplos se poderiam transcrever de atuações da Recorrida violadoras de normas básicas que regem o exercício da função, como sejam, o não arquivamento do instrumento que legitima a intervenção de um outorgante em certo ato (infração imputada a fls. 569 do PD – alínea C.5), a aceitação de procurações para instruir escrituras que não conferem poderes para o ato ou sem a forma legal (infração imputada a fls. 569 v. – alínea C.6), a realização de averbamentos sem título que comprove o facto averbado, a substituição no arquivo do cartório de simples fotocópias arquivadas aquando da celebração do ato por públicas-formas (infração imputada a fls. 568 do PD – alínea C.1), a não realização de comunicações obrigatórias (infrações imputadas a fls. 566 v. alínea B.1 e 567 v., alínea B.2), para só destacar alguns dos factos que consubstanciam as vinte infrações que lhe são imputadas.

14. Constituindo situações que podem originar conflitos jurídicos e consequências graves no património dos particulares. Aliás, quando um notário lavra uma escritura de habilitação de herdeiros, habilitando como herdeiros pessoas que não têm essa qualidade, ou omitindo a nomeação como herdeiros de pessoas que a têm, os danos decorrentes da aparência de legalidade de que esse ato jurídico goza são imediatos, independentemente da utilização que em concreto venha a ser feita do título.

15. Nestes termos da Acusação constam factos suficientes para poder qualificar as infrações como graves violações à lei.

16. No entanto a Sentença recorrida decretou a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho do Notariado, considerando que, “As alegadas infracções cometidas pela Requerente, infracções estas que, bem analisadas, não passam, afinal, de meras irregularidades detectadas no acervo documental público. E que, “O Requerido atribuiu uma relevância à gravidade das alegadas infracções cometidas, que as mesmas não possuem, para efeitos da aplicação da medida preventiva prevista no artº 86º do Estatuto do Notariado”.

17. Para o efeito, erradamente, considerou que a aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º do EN só é aplicável em casos de extrema gravidade deve ser proposta a medida de suspensão preventiva: quando esteja em causa um crime cometido no exercício da profissão ou por crime a que corresponda sanção superior a 3 anos de prisão (al b), ou quando seja desconhecido o paradeiro do arguido ( al c).

18. Quando decorre dos termos do citado artigo que a medida de suspensão preventiva pode ser proposta, quando: a) Haja fundado receio da prática de novas e graves infrações disciplinares ou de perturbação do decurso do processo;

19. Ou seja, as situações previstas nas 3 alíneas, não são de aplicação cumulativa, como erradamente se interpreta a sentença.

20. Nestes termos analisados os factos constantes da Acusação deve entender-se no sentido de estes configurarem infrações disciplinares graves, por violação das citadas normas do Código do Notariado, e não meras irregularidades como se defende na sentença recorrida.

21. Nestes termos, deve proceder a censura que é dirigida contra a sentença recorrida, enfermando de erro de julgamento quanto à interpretação e valoração dos factos e das provas produzidas no âmbito do procedimento disciplinar, e constantes da Acusação e que fundamentaram a deliberação do Conselho do Notariado suspendenda.

22. Verifica-se ainda o erro de julgamento por se considerar que a aplicação da medida preventiva de suspensão é desproporcional e desadequada à situação sub judice.

23. Desde logo, como se referiu, para chegar a esta conclusão a sentença, parte de pressupostos errados, pois, considerou que nos termos do citado artigo 86.º do EN “a aplicação da medida de suspensão preventiva, medida esta reservada a casos de crimes a que correspondam, pelo menos, 3 anos de prisão ou crimes cometidos no exercício de funções.

24. Mas, a medida de suspensão preventiva pode ser aplicada, como no caso sub judice, nos termos da alínea a) do citado artigo, por haver fundado receio da prática de novas e graves infrações disciplinares.

25. Pelo que a medida aplicada é legal e proporcional, face às infrações cometidas e ao grau de culpa e pela necessidade de prevenção, não havendo qualquer erro e, muito menos grosseiro ou manifesto, na aplicação da medida preventiva de suspensão.

26. A sentença recorrida julgou ainda no sentido de não se justificar a aplicação da referida medida preventiva, porque considerar que a deliberação do Conselho do Notariado suspendenda não teve em devida consideração as circunstâncias atenuantes.

27. O que não é correto, já que, conforme decorre do artigo 86.º n.º 2 do EN a suspensão preventiva pode ter um período até 6 meses, e foi aplicada apenas uma suspensão preventiva de 3 meses.

28. Parece, a sentença considerar que, para se ter em conta as circunstâncias atenuantes significaria que não seria aplicada qualquer medida preventiva de suspensão, o que não se mostra correto.

29. Nos termos do exposto, a sentença está ferida de erro de julgamento, ao considerar que “In casu, foi aplicada a medida de suspensão preventiva manifestamente desproporcional.

30. Mesmo considerando que o juiz não se encontra impedido de sindicar a legalidade da decisão punitiva que ofenda os critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que ultrapasse os limites normativos correspondentes, aferindo se foram ou não ponderadas as circunstâncias concretas, que, pela sua gravidade, indiciariam a concreta pena aplicada e no caso, a suspensão preventiva de funções por 3 meses, no caso, foi aplicada, face ao indicio da prática de infrações graves e ao abrigo do artigo 86.º n.º 1 alínea a) do EN, por haver fundado receio da prática de novas e graves infrações disciplinares.

31. Uma vez que as infrações apuradas eram várias, reiteradas no tempo, e punham em causa, de forma séria, o interesse público e a segurança do tráfego jurídico, pois, estamos perante a violação, pela Recorrida, de preceitos basilares do Código do Notariado.

32. Na verdade, as infrações disciplinares cometidas foram qualificadas de graves, nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 61.º do Estatuto do Notariado – “A infração disciplinar é grave, quando o arguido viole de forma séria os deveres profissionais a que se encontra adstrito no exercício da profissão”.

33. Sendo que com a Recorrida violou deveres a que está sujeita e cujo conhecimento e concretização lhe era exigível.

34. Nestes termos a medida preventiva de suspensão não se afigura excessiva ou desproporcionada para prevenir a prática de novas e graves infrações disciplinares.

35. Não obstante os poderes de sindicância do tribunal, este não pode interferir com o poder discricionário da Administração na apreciação e determinação da medida disciplinar aplicada, e a sentença, em violação do princípio de separação de poderes, considerou que: o Requerido atribuiu uma relevância à gravidade das alegadas infrações cometidas, que as mesmas não possuem, para efeitos da aplicação da medida preventiva prevista no artº 86º do Estatuto do Notariado(...).(...) se foram detetadas irregularidades, impõe-se corrigi-las, em vez de sancionar a requerente, que conta com mais de 10 anos de exercício de profissão.(...).” (sublinhado e destacado nosso).

36. Salvo o devido respeito e melhor opinião, cabe à Administração, nos termos da lei a ponderação da forma e da oportunidade da aplicação das medidas disciplinares, e não cabe ao Tribunal propor penas ou medidas disciplinares ou propor que não se aplique a medida aplicada à Recorrida.

Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida.”

*

A Recorrida M…, notificada do recurso interposto, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A Sentença recorrida, fez correta interpretação dos fatos em discussão e aplicou devidamente a lei.

2. O Recorrente, ao apresentar conclusões extensas e prolixas, não cumpriu o imperativo legal, devendo, nessa medida, ser rejeitado o recurso.

3. Mesmo que assim não fosse, mas é, nenhuma razão assiste ao Recorrente que parece desconhecer o que consta nos regulamentos disciplinares constantes na lei, que não permitem aplicar sansões suspensivas a infrações inferiores a muito graves.

4. A Recorrida não foi condenada, nem as imputações constantes da acusação estão provadas, sendo o libelo acusatório, um rosário de conclusões sobre factos, a que lhe é dado um enquadramento legal muito longe do que é o aplicável a cada situação.

5. Nenhum prejuízo a Recorrida causou e é uma Notária com provas dadas em mais de dez anos de exercício, sendo Notaria respeitada e considerada no meio, nunca foi nem é arguida em qualquer processo crime.

6. A notária apresentou a sua defesa no processo disciplinar e decorreram já três meses, sem decisão final, o que se não compreende sequer. Porque afinal não existe a gravidade alegada na acusação.

7. Cabe aos Tribunais apreciar a legalidade da conduta da administração e os seus actos, mormente os actos sancionatórios que lesem direitos, liberdades e garantias. Como é o caso.

8. Era só o que faltava o Recorrente por em causa o tribunal. Pode discutir se a decisão é boa ou má, não pode é sindicar a legitimidade, e dever, do Tribunal se pronunciar ao pedido do cidadão contra a máquina da adminsitração.

9. Nada a apontar ao decidido, sendo aliás uma decisão justa, que se limitou a aplicar a lei ao caso concreto e bem decidiu ao decretar a providencia cautelar.

10.Devendo, em suma final, ser negado provimento ao recurso, e ser mantido o decidido. Como a lei o impõe.

Assim o decidindo, V.ªs Ex.ªs, farão a costumada Justiça!”

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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D. º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Subseção da Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
Antecedendo a apreciação e decisão das questões colocadas pelo Recorrente, há que determinar se os efeitos jurídicos da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto (Lei da Amnistia), mais concretamente do seu artº 6º, são susceptíveis de se projectar no presente processo e, na afirmativa, em que termos.
Assim, depois dessa análise, é que se impõe apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu nos erros de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
Com interesse para a decisão cautelar a proferir, julgam-se indiciariamente Provados os seguintes Factos:
1. A Requerente – M…- exerce a atividade notarial no Cartório Notarial de C…, sito na Rua do P…, n.º 244, C… – resulta dos autos.
2. Com data de …/…/2021, a 3ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal ( DIAP) de Lisboa enviou à Ordem dos Notários um ofício com a Refª ….., com o “ Assunto: Remessa de expediente/Queixa”, referente ao Processo de Inquérito nº ….., sendo denunciada B… e queixoso J…, tendo este apresentado uma queixa crime ao Procurador Adjunto do DIAP de C...., contra a denunciada, requerendo a sua acusação da prática, em autoria material, em concurso real, dos crimes de falsificação de documento e burla, p. e p. nos arts. 256º nº 1 al d) e nº 3 e 217º e 218º do Código Penal, respectivamente – fls. 3 a 10 do p.a. digitalizado no sitaf, que se dão como reproduzidas. ´
3. Nesse requerimento de queixa crime, o denunciante indicou a ora requerente – M…– como testemunha – fls. 10 do p.a.
4. Em 27 de Abril de 2021, o Conselho Supervisor da Ordem dos Notários deliberou instaurar um processo disciplinar à ora Requerente, nos termos seguintes:
«IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS»
5. Com data de 25/06/2021 a Requerente foi notificada do início da instrução do processo disciplinar, nos termos seguintes:
«IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS»
6. Com data de 14 e 15 de Junho de 2021 foi elaborado Relatório assinado por uma Conselheira e uma Inspectora, na sequência da visita Inspectiva ao Cartório Notarial de que a Requerente é titular, sito na Rua do P...., nº 244 em C...., cujas Conclusões constam do seguinte:
7. Em 18 de Outubro de 2021 foi elaborada a Acusação contra a Requerente – fls. 552 a 574 do p.a., que se dão como reproduzidas, destacando-se, a fls. 44 da Acusação, na parte final, as circunstâncias atenuantes e agravantes, como segue:
«IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS»
8. Na mesma data foi proposta a aplicação da medida de suspensão preventiva, nos termos seguintes:
«IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS»
9. Com data de 3/11/2021, a requerente foi notificada da Deliberação do Conselho do Notariado que lhe aplicou a medida de suspensão preventiva pelo prazo de três meses, nos termos seguintes:
«IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS»
10.A Requerente é o membro da Ordem dos Notários nº … e passou a ter licença emitida pela Ordem dos Notários, para exercer em nome próprio como Notária, tendo licença para se instalar com Cartório em B…, desde Setembro de 2008, dois anos depois de estar em Bolsa de Notários, onde pode exercer em substituição – facto admitido e fls. 56 do p.a.
11.Desde 17 de Junho de 2017 é titular da licença do Cartório Notarial de C… sito na Rua do P…, nº 2… – certificado de Cadastro Disciplinar, fls. 56 do p.a.
12.Em 5 de Julho de 2021 nada constava do seu cadastro disciplinar – fls. 56 do p.a.

Fundamentação da decisão de facto:

Tomou-se em consideração os documentos dos autos, incluindo o p.a.”.

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IV. Direito

Cumpre, em momento prévio à apreciação e decisão das questões colocadas pelo Recorrente, aferir da aplicação ao caso dos autos da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.

Verifica-se que M… instaurou a presente acção contra Ministério da Justiça visando a impugnação da deliberação do Conselho do Notariado, de 25 de Outubro de 2021, que lhe aplicou a medida provisória de suspensão do exercício de funções por 3 meses, no âmbito do processo disciplinar nº 6/NOT2021 e apenso nº 7/NOT/2021.

As infrações disciplinares em causa foram praticadas no ano de 2021.

A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – vide artº 1º.

Em harmonia com o preceituado na alínea b) do nº 2 do artº 2 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto (Lei da Amnistia), consideram-se abrangidas pelo previsto neste diploma as “sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º”.

Este artº 6º estatui que são “amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.

Convoca-se que no nº 1 do artº 180º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, se enunciam as sanções aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas pela prática de infracção disciplinar. A saber:

- Repreensão escrita;

- Multa;

- Suspensão;

- Despedimento disciplinar ou demissão.

Salienta-se que na Lei da Amnistia, se amnistiam as infracções disciplinares cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão, pena esta aplicada in casu à Recorrida e que não constitui, simultaneamente, ilícito penal não amnistiado pela aludida lei.

Por sua vez, as infracções disciplinares foram praticadas em data anterior a 19 de Junho de 2023, pelo que estão abrangidas no hiato temporal da mencionada lei – cfr nº 1 do artº 2º.

Consequentemente, as infracções disciplinares encontram-se amnistiadas, atento o disposto no nº 1 do artº 2º e no artº 6º da Lei da Amnistia.

Do que antecede, cumpre declarar amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais a Recorrida foi condenada e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide, à luz do consignado na alínea e) do artº 277º do CPC.

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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 663º, nº 7 do CPC):

I. A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – vide artº 1º.

II. O Recorrido ao qual foi aplicada a medida provisória de suspensão do exercício de funções por 3 meses, no âmbito do processo disciplinar, por infracções praticadas em 2021 e que não constituem, simultaneamente, ilícito penal não amnistiado pela aludida lei, encontram-se amnistiadas, atento o disposto no nº 1 do artº 2º e no artº 6º da Lei da Amnistia.

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V. Decisão

Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, as Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em declarar amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais a Recorrida foi condenada e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.

Custas a cargo do Recorrente e Recorrida em partes iguais, nos termos do previsto no nº 1 e na alínea c) do nº 2, do artº 536º do CPC.

Notifique.

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Lisboa, 24 de Abril de 2024
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Luís Borges Freitas – 1º Adjunto)
(Eliana de Almeida Pinto – 2ª Adjunta)