Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:183/14.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
GERENTE DE FACTO
INSOLVÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
MOMENTO TEMPORAL
Sumário:I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização tributária subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gestão e administração, não se satisfazendo com a mera gerência ou de direito.
II - Exceto no caso de gestão pelo insolvente, determinada na sentença que declara a insolvência, nos termos dos art.ºs 223.º e 224.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a sentença de declaração de insolvência, atentos os poderes/deveres do administrador e as apreensões e entrega, a este, de todos os documentos contabilísticos e bens da insolvente, cessa não só a gerência de direito como a possibilidade prática de uma gerência de facto.
III - Uma vez que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária terminou após a prolação da sentença que declarou a sua insolvência, a Recorrida não é responsável subsidiária ao abrigo do que dispõe a alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, como pretendido pelo órgão de execução fiscal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida em 19/04/2022 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por I… melhor identificada nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 2186201101085506 e apensos, contra si revertidos, depois de originariamente instaurados contra a sociedade «M… Lda – Soc. em Liquidação», para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC»), do exercício de 2007, no valor total de 16.464,20 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
B. Vem o presente recurso reagir contra a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, a qual julgou procedente a oposição judicial, deduzida no processo de execução fiscal n. º 2186201101085506 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças da Moita, por dívidas de IRC respeitante ao ano de 2007, no montante de € 16.464,20.
C. Considerou a douta sentença recorrida, que a declaração de insolvência privou, imediatamente, a Oponente do exercício dos respetivos poderes de gerência, não tendo ainda o douto Tribunal ter dado por provado o exercício da gerência por parte da Oponente.
D. Em primeiro lugar e contrariamente ao que foi veiculado na sentença sob recurso, o facto de ter sido nomeado um Administrador de Insolvência para a sociedade devedora originária não significa que a gerente se deva demitir ou dispensar das suas funções, precisamente porque aquele é, como o próprio nome indica, um administrador judicial, estando as suas funções determinadas e limitadas pela natureza da insolvência.
E. Nos termos do disposto no n. º 1 do artigo 82.º do CIRE, os órgãos sociais do devedor mantêm- se em funcionamento após a declaração de insolvência, dado que, dentro dos vários atos praticados pelos gerentes em representação da sociedade devedora originária, estão os típicos atos de gestão ou administração corrente, atos nos quais o Administrador de Insolvência não se deve imiscuir, uma vez que as suas funções encontram-se adstritas à natureza do processo insolvência .
F. E mais, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 81.º do CIRE, a declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respetivos gerentes dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente. Não se afirma que a declaração de insolvência priva, os respetivos gerentes dos poderes de administração e disposição, tal como é afirmado na Sentença recorrida.
G. Até por perscrutação do n.º 2 do artigo 65.º do CIRE se verifica, em nosso modesto
entendimento, que existe uma deliberada intenção do legislador em estabelecer uma separação entre aq uelas que são as obrigações e deveres do Administrador da Insolvência por referência à própria massa falida, daquelas que persistem na esfera do gerente da devedora originária ainda que insolvente, em tudo o que não colida com os deveres e funções do primeiro.
H. Portanto, a qualidade de gerente de uma sociedade ou as funções que do ponto de
vista da legislação comercial lhe estão cometidas por força da sua nomeação nessa qualidade, não se confundem com a qualidade de administrador de insolvência nem com as f unções a este atribuídas nos termos do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas.
I. Mais se diga, sem margens para hesitações, que, a Oponente, ao proceder à assinatura de documentos, da sociedade devedora originária, encontra-se a praticar um ato que exterioriza a vontade desta, vinculando-a e representando-a perante terceiros, o que, por si só, consubstancia o exercício efetivo da gerência, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
J. Resultou provado que a Oponente possui uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade devedora originária, o que significa que a viabilidade funcional desta era concretizada com a intervenção da Oponente, o que se subsume, integralmente à noção de gerência de facto.
K. Sendo que, todas as circunstâncias do caso concreto, já acima devidamente identificadas, permitem concluir que a Oponente era gerente de facto no período de pagamento das dívidas em cobrança, sendo responsável para que a sociedade devedora originária não cumprisse o dever fundamental de pagar os impostos.
L. Impunha-se, pois, ao Douto Tribunal a quo , perante a causa de pedir esgrimida, o comportamento processual do Oponente e a prova produzida pela Fazenda Pública, que não logrou ser contrariada pela Oponente, convencer - se que este foi seu gerente de facto e que, como tal, a reversão operada pelo órgão de execução fiscal recaiu sobre pessoa responsável pelo pagamento da dívida.
M. Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como
efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de direito e de facto relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
Termos em que, concedendo- se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

*
A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«I - A Recorrida não se pode coadunar nem aceitar com as conclusões perpetradas pela
Recorrente, impugnando na totalidade quer os fundamentos, quer as conclusões perpetradas
pela Recorrente.
II - O escopo da fundamentação e decisão da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo vai muito mais além do que a relação entre as funções de gerência e administração da sociedade e a sua declaração de insolvência.
III - Quer o parecer favorável do Ministério Público, quer a esmagadora maioria da sentença
centra-se na gerência da Recorrida ter sido apenas e só de Direito, não fazendo a Recorrente
prova do contrário, nomeadamente a gerência de facto da Recorrida.
IV - Numa tentativa desesperada de centrar a atenção dos Venerandos Desembargadores, a
Recorrente direcciona todas as suas alegações de recurso quanto à relação entre as funções
de gerência e administração da sociedade e a sua declaração de insolvência , ignorando por
completo a sentença no que à gerência de Direito da Recorrida diz respeito.
V - Conforme consta da douta sentença, o instituto da reversão produz no processo de
execução fiscal uma modificação subjetiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.
VI - De acordo com o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, constitui fundamento
de oposição a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no
título ou seu sucessor ou, sen do o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida.
VI - Face ao disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPPT, podem ser executados no processo de
execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas
referidas no artigo 148.º, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais
pagadores, até ao limite da garantia prestada.
VII - Por seu turno, prevê - se no artigo 153.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPPT, que o chamamento
à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores e/ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
VIII - Refere o artigo 22.º, n.º 5 da LGT que “As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída
nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.”
IX - Em sentido similar dispõe o artigo 23.º, n.º 1 e 2, da LGT, que a responsabilidade
subsidiária efetiva - se por reversão do processo de execução fiscal, dependendo a reversão,
contra o responsável subsidiário, da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor
principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
X - E o n.º 4 do mesmo preceito determina que “A reversão, mesmo nos casos de presunção
legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei
e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.”
XI - À Administração Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis
subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo - lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes [cfr. Ac. do TCAS de 23/04/2020/Proc. 1678/10.2BELRS].
XII - Por sua vez, dispõe o artigo 24.º da LGT que: “1 - Os administradores, directores e
gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de
administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são
subsidiariam ente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício
do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (...)”
XIII - São assim pressupostos do ato de reversão, os seguintes:
1) A notificação do responsável subsidiário para efeitos de audição prévia, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 da LGT.
2) A fundamentação do despacho de reversão, por imposição dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP,
77.º e 23.º, n.º 4, ambos da LGT.
3) A inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário para a
satis fação da divida exequenda e acrescido, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 da LGT e 153.º,
n.º 2 do CPPT.
4) A gerência de facto, conforme decorre do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
5) A culpa do gerente na insuficiência do património para satisfação da dívida exequenda, ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou culpa na falta de pagamento do imposto,
ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito.
XIV - Quanto aos pressupostos relacionados com o exercício de funções e a diligência no exercício de f unções de gerência pelo responsável subsidiário na sociedade devedora
originária, a expressão contida no artigo 24.º, n.º 1, da LGT, "ainda que somente de facto", pressupõe que, para haver responsabilidade subsidiária, podem coexistir a
gerência/administração de facto e de direito ou verificar - se apenas a gerência/administração
de facto, mas para que possa operar a responsabilidade subsidiária é crucial que se
demonstre a gerência/administração de facto.
XV - Das normas citadas não decorre qualquer presunção legal que imponha que, provada a
gerência/administração de direito, se dê por provado o efetivo exercício dessa função de gerência/administração e, por isso, não basta a mera designação ou registo da gerência [gerência de direito], antes carece de demonstração do exercício efetivo dessa gerência, ou seja, é necessário que o gerente exerça funções de facto na condução dos destinos da empresa.
XVI - Face ao disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são
subsidiariamente responsáveis em relação a estas e, solidariamente entre si, pelas dívidas
tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício
do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
XVII - Em qualquer dos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, são
dois os pressupostos especiais e cumulativos da responsabilidade subsidiária: a gerência de facto e a culpa, com a única diferença de que, na primeira situação [alínea a) do n.º 1 do artigo
24.º da LGT], se trata de uma culpa subjetiva, que compete à Autoridade Tributária provar, ou, na segunda situação, de uma presunção legal de culpa [alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da
LGT], competindo ao responsável subsidiário ilidir a presunção de culpa que o onera.
XVIII - Prova essa que em momento algum a Recorrente no âmbito do presente processo logrou fazer , nem sequer praticou qualquer acto nesse mesmo sentido, ab initio presumindo e não passando disso mesmo, de uma simples presunção, a culpa da Recorrida.
XIX – Se a Fazenda Pública pretender responsabilizar subsidiariamente um gerente/administrador, exigindo - lhe o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal
inicialmente instaurada contra a originária devedora, tem de demonstrar os factos que legitimam tal atuação, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 1, do Código Civil , o que a Recorrente não o fez em momento algum no âmbito do presente processo, inclusivamente desviando o objecto do presente recurso dessa mesma questão.
XX - A gerência revela - se pela prática de atos de disposição ou de administração, de acordo
com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando - a perante terceiros e pela intervenção do executado/revertido na direção da atividade da empresa e, desse modo, a prova da gerência de direito não faz presumir legalmente o efetivo exercício da função, pelo que deve a Administração trazer aos autos os elementos que comprovem o efetivo exercício da gerência , ou seja, a gerência de facto de uma sociedade consiste no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.
XXI - Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use,
efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade.
XXII - É certo, que da gerência de direito podem ser extraídos factos indiciadores da gerência
de facto, assim se estando perante meras presunções judiciais, simples ou de experiência, as
quais sempre poderão ser afastadas por simples contraprova, não lhe sendo aplicável a regra
do artigo 350.º do CC, nos termos da qual as presunções legais só podem ser ilididas pela prova do contrário , contudo, as presunções legais são as ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido e quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz [cfr. artigos 349.º e 350.º, n.º 1 do Código Civil].
XXIII - Não existe no nosso ordenamento jurídico suporte normativo que permita concluir que o facto de alguém ter sido nomeado administrador de direito de determinada sociedade faça presumir legalmente o exercício de facto dessa administração.
XXIV - A prova da gerência de facto compete à Autoridade Tributária .
XXV - Não obstante, nada impede que o Tribunal possa valorar criticamente toda a prova que
consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção .
XXVI - Do mesmo modo que o Tribunal deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame critico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal”, também não poderá o Tribunal resguardar - se na inexistência de presunção para se eximir do exame critico da prova.
XXVII - E o Tribunal a quo teve isso mesmo em consideração e especial atenção, motivo pelo qual em momento algum a Recorrente tenha invocado que o Tribunal a quo não tenha analisado todas as provas existentes nos presente autos.
XXVIII - Ponto é que, os elementos que sirvam à formação da convicção do Tribunal tenham
sido coligidos para os autos até à prolação do projeto de reversão ou do despacho de reversão
e que seja por causa deles que o órgão de execução fiscal tenha decidido reverter o processo
de execução fiscal contra o responsável subsidiário, porquanto do que se trata é da verificação
dos pressupostos da reversão e da legitimidade substantiva do responsável subsidiário.
XXIX - Sendo a execução fiscal revertida nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da
LGT, o devedor subsidiário está onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património social da pessoa coletiva para satisfação das dívidas fiscais.
XXX - Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais
fatores externos no desenvolvimento da atividade social.
XXXI - O ato ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido , o que se presume é que o gestor não atuou co m a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
XXXII - Analisando os autos , a reversão do processo de execução fiscal contra a Recorrida
teve por fundamento a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT , e conforme referido na douta
sentença , independentemente de a reversão se fundar na alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, compete à Autoridade Tributária a prova da gerência de facto.
XXXIII - Caberia assim ao Tribunal a quo analisar se a Recorrida foi gerente de facto e se o
era na data do terminus do prazo legal de pagamento voluntário e ainda se a Recorrida não logrou ilidir a presunção de culpa pela falta de pagamento do imposto e foi isso mesmo que o
Tribunal a quo teve a diligência de fazer.
XXXIV - N o que concerne à gerência de facto, resulta da informação prévia ao despacho de
reversão que a reversão operou com base na seguinte factualidade:
- A sociedade devedora originária ter sido declarada insolvente, por sentença proferida pelo
Tribunal do Comércio de Lisboa, 2º Juízo, em 16/10/2008.
- A Oponente constar da certidão do registo comercial da sociedade devedora como gerente
de direito no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão.
- A Oponente ser gerente de facto decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão [artigo 399.º do CSC].
XXXV - Por sua vez, alinhada com este posicionamento, a Fazenda Pública manteve a linha
argumentativa seguida pelo Órgão de Execução Fiscal, referindo que “A Oponente não
apresentou qualquer tipo de prova documental que ilidisse a presunção legal vertida no art. 11.º do CRC” e que “Colhido o facto que a Oponente exercia a gerência da devedora originária, juntamente com A…, desde a sua constituição e era necessária a assinatura das duas gerentes para obrigar a sociedade, torna-se forçoso concluir que a ora Oponente exercia, com efetividade, a gerência, porquanto a sociedade continuou em funcionamento e o exercício da sua atividade impunha, necessária e obrigatoriamente, a intervenção da mesma” e acrescenta “a Oponente [...] exercia funções de organização e produção de espetáculos artísticos, assinando inclusive cheques, como a própria oponente admite no ponto 6 do seu articulado inicial”, para assim concluir pela verificação do pressuposto da gerência de facto necessário à reversão.
XXXVI - E neste sentido esteve bem o Ministério Público e o posteriormente o Tribunal a quo na sua douta sentença ao referir que , contrariamente ao entendimento tido naquela data pelo Órgão de Execução Fiscal e pela Fazenda Pública, da gerência nominal não resulta qualquer presunção de gerência de facto.
XXXVII - Do artigo 11.º do CRC resulta apenas que se presume que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial.
XXXVIII - Por outro lado, do facto de a Recorrida ter auferido remunerações em sede de categoria A da sociedade executada, ainda que possa constituir um indício de gerência remunerada, por si só, desacompanhada de outros elementos dos quais se possa extrair o efetivo controlo da sociedade executada, é insuficiente para que o Tribunal possa concluir pela gerência de facto do Oponente na sociedade executada.
XXXIX - A este respeito, pode dizer - se que o recebimento de remunerações ao serviço da entidade devedora originária bem pode referir - se ao exercício de funções que não se prendem com a efectividade do cargo directivo, que é a fonte da responsabilidade subsidiária a que alude o artigo 24.º da LGT , e , para além disso, a Recorrida exercia atividade profissional na sociedade devedora originária , sendo admitido pela própria Fazenda Pública que a Recorrida organizava e produzia espetáculos artísticos, para a sociedade devedora originária.
XL - Já no que concerne ao facto de a Recorrida ter admitido nos autos que assinou cheques,
sendo esse o único, repita - se, o único ponto invocado pela Recorrente nas suas alegações, relativamente à gerência de facto da Recorrida, para além de não constituir fundamento da reversão, por não constar nem da informação prévia à reversão, nem do despacho de reversão, nem se encontrarem enquadrados no tempo relativamente aos factos com relevância tributária, a verdade é que a Recorrida , desde logo, refere que os cheques foram assinados, mas não foram por si preenchidos e que o preenchimento dos cheques foi realizado
por J…, por ser a pessoa que, de facto, exercia a gerência da sociedade
devedora originária e, no exercício dessa efetiva gerência, decidia e realizava os pagamentos
devidos pela sociedade devedora, o que viria, depois, a ser confirmado pela testemunha
inquirida nos autos, testemunha essa cujo seu testemunho em momento algum foi colocado em causa em sede de alegações de recurso por parte da Recorrente, admitindo assim todo o seu testemunho na íntegra.
XLI - Testemunho esse que é coerente com o facto de a sociedade ter sido constituída, sob condição de J… deter o dominus da gerência e administração da
sociedade e, por isso, a assinatura de cheques, não poderá deixar de ser entendido como uma mera decorrência da gerência nominal, não tendo, nessa medida, a virtualidade de comprovar a eventual gerência de facto para o período em causa.
XLII - E, assim sendo, nada nos autos indicia de forma a julgar cumprido o ónus da prova da
gerência de facto, que estava nas mãos da Recorrida controlar a atividade da sociedade,
contactar fornecedores, decidir a quem e o que pagar, contratar ou despedir emprega dos, e de um modo geral delinear o rumo societário.
XLIII - A prova da gerência de facto, enquanto pressuposto necessário e de verificação obrigatória para a reversão do PEF contra o responsável subsidiário, implica geralmente a apresentação de documentos que atestem que o visado praticava, em nome da sociedade, atos que possam ser considerados como de gestão da mesma e tais elementos, existindo,
podem e devem ser carreados para o procedimento de reversão.
XLIV - Dito doutro modo, esteve bem o Tribunal a quo ao concluir que não resulta dos autos
que a Recorrida tivesse poderes de conformação no prosseguimento e desenvolvimento do escopo social da sociedade, nem resulta dos autos que a Recorrida determinasse os pagamentos a realizar, concretamente o pagamento de obrigações tributárias.
XLV - Do mesmo modo, não resulta dos autos que a Recorrida movimentasse contas
bancárias da sociedade executada com poderes efetivos de determinação, que tenha
negociado com parceiros comerciais, clientes ou fornecedores, realizado pagamentos e tenha
sido responsável por recebimentos, nem que tenha contratado trabalhadores, ou seja, que tivesse intervenção na gestão e administração da sociedade executada, de forma reiterada e permanente.
XLVI - Ficou provado o afirmado pelo Tribunal a quo de que, no caso presente, inexistem elementos que nos evidenciem qualquer intervenção relevante ao nível da gestão da sociedade, seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efetivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros atos típicos da gerência.
XLVII - O que importa para possibilitar a reversão contra a Recorrida não é que, em termos
jurídico-civilisticos, os atos praticados obriguem a sociedade, ou mesmo o desconto para a segurança social como membros de órgão estatutário, mas sim que efetivamente exista em termos naturalísticos, uma relação com a sociedade que permita traçar ou determinar o rumo desta , o que, in casu, não se verifica e, portanto, não resulta provada a gerência de facto , tal
como bem decidiu o Tribunal a quo.
XLVIII - Por outro lado e no que toca ao objecto do recurso perpetrado pela Recorrente, como
se disse, a reversão do processo de execução fis cal teve por fundamento legal a alínea b) do
n.º1 do artigo 24.º da LGT e como resulta do probatório, a sociedade devedora originária foi
declarada insolvente em 16/10/2008 e que, ainda que reportada ao IRC de 2007, a liquidação
que deu origem aos presente s autos, foi emitida posteriormente, tendo o prazo legal de pagamento voluntário terminado em 21/09/2011 e daí que o processo de execução fiscal contra a sociedade devedora tenha sido instaurado também depois da declaração de insolvência, em 12/10/2011.
XLIX - Destarte, a responsabilidade pelo pagamento da divida exequenda não pode ser
imputada à Recorrida a título de culpa, pela simples razão de, à data do terminus do prazo legal de pagamento, não exercer as funções de gerência e administração da sociedade, por esta ter sido declarada insolvente e ter sido nomeado Administrador de Insolvência, a quem, nos termos legais [artigos 81.º e 281.º, n.º 1 e 4 do CIRE], compete administrar e gerir a
insolvência e realizar pagamentos.
L - Dito doutro modo, tal significa que, uma vez judicialmente declarada a insolvência da sociedade, o gerente deixa de ter poderes representativos que lhe permitam externar a vontade da pessoa coletiva nas relações desta com terceiros, isto é, o gerente perde a faculdade de poder vincular ou obrigar a sociedade perante terceiros, passando tais poderes
para a esfera jurídica do administrador da insolvência.
LI - Judicialmente declarada a insolvência, a gerência passa a ser pessoalmente exercida,
efetivamente ou de fato [cfr. artigo 55.º, n.º.2, do CIRE], pelo administrador da insolvência, que, por esse motivo, assume os respetivos poderes de representação da sociedade, designadamente no que concerne a cobranças e pagamentos, neste último particular podendo, inclusivamente, incorrer e m responsabilidade subsidiária, por falta de pagamento, dentro do prazo legal, de dívidas tributárias vencidas após a declaração judicial de insolvência da sociedade [cfr. artigo 172.º, n.º 3, do CIRE].
LII – Se a reversão operou ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e se na data do términus do prazo legal de pagamento, a sociedade tinha sido já declarada insolvente, face
à declaração de insolvência, como ficou dito supra, a Recorrente deixou de ser administradora
da sociedade devedora originária, razão pela qual a reversão não podia ter sido efetivada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pelo que a Recorrente é parte ilegítima na
execução contra si revertida.
LIII - Referiu ainda e bem o Tribunal a quo e mais uma vez ignorado pela Recorrente que, não pode ser equacionado o aproveitamento do ato, porquanto a Autoridade Tributária não logrou provar o exercício da gerência de facto, nem logrou alegar e provar a culpa da Recorre pela insuficiência do património da sociedade devedora, como exigiria a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, nem está enquadrada ou legitimada a reversão contra a Recorrente , nos termos do disposto no artigo 180.º do CPPT, nem dos artigos 147.º e 163.º do CSC.
LIV - Resultando à saciedade que o despacho de reversão incorre em vício de violação de lei,
por erro nos pressupostos de facto e de direito e, por isso, deve ser anulado e o processo de execução fiscal revertido contra a Recorrente extinto , decisão essa perpetetrada e bem pelo
Tribunal à quo.
LV - Depressa se depreende que ao contrário do Alegado pela Recorrente nas suas conclusões A e B, a sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, sendo que
da prova produzida extraem - se as conclusões, provadas e fundamentadas em que se alicerça
a decisão proerida pelo Tribunal a quo.
LVI - Também depressa se conclui por tudo o supra que a Recorrente nas suas conclusões C
a H, fez uma aplicação completamente errónea do Direito, no que à relação quanto à r elação
entre as funções de gerência e administração da sociedade e a sua declaração de insolvência ,
diz respeito.
LVII - Aliás, a própria Recorrente atento o desespero argumentativo de forma a tentar, pese
embora em vão, contrariar a decisão proferida pelo Tribunal a quo e respectiva fundamentação, na sua alínea F) das conclusões do recurso, chega ao cúmulo de na mesma frase referir que nos termos do disposto nos nº 1 e 4 do artigo 81.º do CIRE, a declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respectivos gerentes dos poderes de
administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, para de seguida referir
que não se afirma em tal artigo que a declaração de insolvência priva, os respetivos gerentes
dos poderes de administração e disposição!!!
LVIII - A Recorrente chega ao cúmulo de transcrever um artigo para na mesma frase dizer que o artigo não refere precisamente aquilo que acabou de transcrever!!!
LIX - Mais uma vez resultando que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer tipo de censura.
LX - Também se demonstram quedadas de qualquer tipo de razão ou fundamento as conclusões indevidamente perpetradas pela Recorrente nos seus pontos I a M, uma vez que vem referir que a Recorrida era gerente da sociedade e concluir por isso pela gerência de facto da mesma, pelo simples facto de ter assinado cheques, como se tal facto não tivesse
sido esmiuçado na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
LXI - O facto da Recorrida ter assinado cheques foi analisado e tido em conta na douta
sentença, sendo que a Recorrente, ao invés de tentar contrariar a conclusão e decisão
perpetrada pelo Tribunal a quo, limita - se a invocar novamente o facto como se tal não tivesse
sido alvo de pronuncia em sede de sentença.
LXII - Por tudo o supra exposto, resulta à saciedade que o Tribunal a quo esteve bem ao ter julgado a oposição procedente e, em consequência, determinar a extinção do processo de execução n.º 2186201101085506 e apensos, revertido contra a Recorrida
LXIII - Devendo ser a decisão perpetrada pelo Tribunal a quo mantida na integra, fazendo-se
a tão costumada justiça!
Termos em que e, nos mais de Direito sempre com o douto suprimento de V/E xas., devem as
presentes contra-alegações serem julgadas procedentes por provadas e como consequência:
a) Ser o Recurso apresentado pela Recorrente considerado improcedente por não provado, mantendo - se a decisão perpetrada pelo Tribunal a quo na sua íntegra.
Assim se fazendo a tão costumada,
JUSTIÇA!»

*
O Digno Magistrado do Ministério Público («DMMP») pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

*
Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

*
II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que a Recorrida exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária na data em que ocorreu o fim do prazo legal de pagamento das dívidas exequendas.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) Pela Ap. 9/2…, na Conservatória do Registo Comercial da Moita foi registada a constituição da agora sociedade executada M… AUDIOVISUAIS LDA, com o objeto de realização de espetáculos e atividades de áudio visuais e meios tecnológicos, produção e gestão de eventos, comunicação e publicidade, markting e consultadoria, gestão carreiras, e como sócios-gerentes A…, casada com J…, e I…, solteira – certidão permanente a fls. 7 a 9 do PEF apenso aos autos. junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b) A sociedade identificada em a) vinculava-se através da intervenção de dois gerentes - certidão permanente a fls. 7 a 9 do PEF apenso aos autos. junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
c) Pela Ap. 13/20081118, foi averbada a declaração de insolvência da sociedade devedora identificada em a) e a nomeação de administrador judicial, na sequência da sentença proferida no processo n.º 1064/08.4TYLSB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa - certidão permanente a fls. 7 a 9 do PEF apenso aos autos. junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
d) Em 12/10/2011, com base na certidão de dívida de IRC n.º 2011/836656, emitida em 12/10/2011, no valor de €16.464,20, acrescida de juros no valor de €2.015,39, perfazendo o valor global de €18.479,59, cujo prazo legal de pagamento voluntário terminou em 21/09/2011, pelo Serviço de Finanças da Moita foi instaurado contra a sociedade executada identificada na alínea a) supra, o processo de execução fiscal n.º 2186201101085506 – certidão de divida e auto de autuação, a fls. 1 e 2 do PEF apenso aos autos.
e) Em 16/05/2013, o Serviço de Finanças da Moita elaborou no processo de execução fiscal identificado em d), a seguinte informação:


«Imagem em texto no original»



- cfr. fls. 11 do PEF apenso aos autos.
f) Em 17/05/2013, pela Chefe do Serviço de Finanças da Moita foi proferido despacho de reversão contra a Oponente, com o seguinte fundamento:


- Cfr. fls. 12 e 13 do PEF apenso aos autos.
g) Em 03/10/2013, foi remetido à Oponente CITAÇÃO (REVERSÃO) com o seguinte teor:





– cfr. ofício de citação, e listagem de dívida, com identificação, extensão e proveniência da dívida, a fls. 20 a 22 do PEF apenso aos autos.
h) Em 13/11/2013, a Oponente argui junto do Serviço de Finanças da Moita a nulidade da citação em reversão, a qual foi reconhecida e em consequência em 03/12/2013, pela Chefe do Serviço de Finanças da Moita foi ordenada a repetição da citação – cfr. requerimento, informação e despacho a fls. 26, 28 a 41 e 42 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
i) A Oponente foi citada em reversão – cfr. ofício de citação, listagem de divida, certidão de dívida, identificação de dívida e relatório de inspeção tributária, AR assinado – cfr. fls. 43 a 44, 45 e 46, 47, 49, 50 e 51 a 58 do PEF apenso aos autos.
j) Em 15/01/2014, a Oponente apresentou a presente oposição no Serviço de Finanças a qual deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 04/02/2014 e no Tribunal Tributário de Lisboa em 03/04/2014 – cfr. carimbos apostos a fls. 2 e 3 dos autos.
MAIS SE PROVOU QUE:
k) O J… propôs à Oponente à constituição da sociedade, sem necessidade de entrada de capital, sob condição de ser ele a administrar a sociedade – prova testemunhal
l) O J… era o contabilista e TOC da sociedade devedora originária – prova testemunhal
m) Era o J… quem angariava e negociava com clientes, dava ordens, administrava a sociedade, decidia dos pagamentos a realizar – prova testemunhal
n) O J… apenas requisitava assinaturas quando era necessário, sendo quem decidida e geria a atividade da sociedade – prova testemunhal
o) Os pagamentos da sociedade ao Estado eram realizados pela contabilidade de que o J… era o TOC – prova testemunhal
p) A Oponente exercia as funções de produção de acordo com os espetáculos angariados pelo J… – prova testemunhal
q) Pelo nível de confiança a Oponente aceitava o que ele dizia – prova testemunhal
r) A confiança foi cobrada a partir do momento em que a Oponente não recebia salário, tinha de fazer descontos para a segurança social com recursos próprios e tiveram conhecimento do levantamento de um cheque emitido à sociedade e levantado pelo J…, junto do M…, sem que a Oponente o tivesse endossado – prova testemunhal
s) Em consequência, em setembro de 2007, a Oponente exigiu ao J… o encerramento da sociedade
t) Por sentença proferida no processo n.º 1258/08.2TASTB, que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, J… e A… foram condenados pela prática em co-autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de burla qualificada, condenação transitada em julgado em 14/01/2013 – certidão a fls. 56 a 123 dos autos.
u) A Oponente interveio na audiência de discussão e julgamento no âmbito do processo identificado em k) como testemunha no sentido da acusação – certidão a fls. 56 a 123 dos autos.».

*

A decisão recorrida nada consignou como factualidade não provada.
«Com relevância para a decisão a proferir nos autos, inexistem factos não provados.»

*
Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, nº. 2, do CPPT, in casu, ex vi do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT].
Assim, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos e constantes do PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
O Tribunal valorou ainda a prova testemunhal produzida nos autos, através da inquirição da testemunha P…, ex-companheiro da Oponente, músico, desempenhou funções de músico na sociedade devedora originária M… Audiovisuais, Lda.
Apesar de a testemunha ter tido um relacionamento pessoal com a Oponente, prestou um depoimento coerente, objetivo e credível.
A testemunha disse que empresa foi constituída nos anos, 2004, 2005, pela Oponente e outra pessoa, que depois identificou como A…, cônjuge de J…. A sociedade dedicava-se à produção e venda de espetáculos musicais e funcionava nas instalações e com o equipamento de outra sociedade de J…. Afirmou que a ideia de criar a sociedade devedora originária partiu do J…, primeiro com abordagem da testemunha, que recusou por não ter formação em produção de espetáculos, e depois com contato com a Oponente, formada na área de produção de espetáculos, com a premissa de ser ele o administrador, mas não queria constar do registo da sociedade. Referiu que, na altura, como eram “verdes”, entenderam as justificações dadas pelo J… para não constar do registo de constituição da sociedade, plausíveis. O J… assegurava na altura que não era necessário “entrar” com dinheiro e apresentou-se como partner do M…, trataria de tudo e a Oponente teria apenas como produtora dos eventos que a sociedade conseguisse vender. Deu o exemplo de um espetáculo realizado em Vieira do Minho, a “Feira da Ladra” em que viu o J… a tratar das questões administrativas e dos pagamentos. Mais disse que os pagamentos ao Estado eram realizados pela contabilidade, da qual o J… também era o TOC. Esclareceu que no primeiro ano de atividade da sociedade, o J… entregou um livro de cheques para serem assinados, tendo inclusive ligado à testemunha para que a, à data companheira, ora Oponente fosse às instalações assinar cheques. O J… angariava clientes e estabelecia contactos comerciais, sem a participação da Oponente. Justificou que como no primeiro não houve muito movimento e por isso a Oponente não questionou a falta de rendimentos, mas a partir do momento em que tinha de ser a Oponente a liquidar os próprios descontos para a Segurança Social que os freelancers eram pagos pelo seu trabalho e a Oponente não, em que se aperceberam que o trabalho da Oponente e da testemunha era usado para direcionar rendimentos para outras sociedades e quando tomaram conhecimento que o J… levantou um cheque emitido à sociedade, no balcão do M…, sem que a Oponente o tivesse endossado, aí quebrou-se a confiança e a Oponente exigiu o encerramento da empresa. Mais disse que foi instaurado um processo crime e que, apesar de inicialmente indiciada, a Oponente acabou por ser testemunha de acusação e que o J… foi condenado. Afirmou e reiterou ainda que quem decidia os negócios da sociedade era o Sr. J… e que a Oponente nunca se opôs, por confiar e que não sabe se tecnicamente, se soubesse do que se passava, se podia fazer alguma coisa. Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados].».
*
III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária por parte da Recorrida. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 2186201101085506 e apensos, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que a Recorrida exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária.

Sustenta também o DMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas procedentes e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.

Vejamos, então.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente.

Explicitemos porquê.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:

«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

(ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. ponto f) da factualidade assente).

Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» -, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.
Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:
«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».

Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos.

Resulta do probatório que pela Ap. 13/2…, foi averbada a declaração de insolvência da sociedade devedora identificada em a) e a nomeação de administrador judicial, na sequência da sentença proferida no processo n.º 1064/08.4TYLSB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa (cf. ponto c) dos factos provados).

Ficou também provado que no caso que agora nos ocupa, em 12/10/2011, com base na certidão de dívida de IRC n.º 2011/836656, emitida em 12/10/2011, no valor de €16.464,20, acrescida de juros no valor de €2.015,39, perfazendo o valor global de €18.479,59, cujo prazo legal de pagamento voluntário terminou em 21/09/2011, pelo Serviço de Finanças da Moita foi instaurado contra a sociedade executada o PEF n.º 2186201101085506 (cf. ponto d) do probatório).

Ressalta ainda dos factos provados que em 17/05/2013 foi proferido despacho de reversão contra a Recorrida do PEF em causa (cf. ponto f) dos factos provados).

Ora, preceitua o art.º 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») o seguinte:
«1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência».

Por seu turno, estabelece o art.º 54.º do mesmo diploma legal que:
«O administrador da insolvência, uma vez notificado da nomeação, assume imediatamente a sua função.».

Mais dispõe o art.º 55.º, n.º1 do CIRE, quanto às funções e ao exercício da administração de insolvência que:
«1 - Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir:
a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;
b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.».

Verificamos, pois, sem esforço, que a data relevante para o administrador de insolvência passar a exercer os seus poderes de gestão dos bens integrantes da massa insolvente é a que corresponde à da prolação da sentença declaratória da insolvência.

Assim, provada a declaração judicial da insolvência da executada originária em 18/11/2008, bem como a nomeação de administrador judicial, e a respetiva inscrição na conservatória do registo comercial, e considerando o quadro normativo que dimana do preceituado nos art.ºs 54.º, 55.º e 81.º do CIRE, a verdade é que, por um lado, é inequívoco que a partir dessa data a administração do património da sociedade executada passou a ser levada a cabo pelo administrador de insolvência nomeado pelo Tribunal de Comércio; por outro, fica por demonstrar que a Recorrida detinha a gerência de facto da executada originária na data em que terminou o prazo legal de pagamento da dívida.

De outra perspetiva, mas ainda no que respeita ao onus probandi quanto ao funcionamento do instituto da reversão, podemos afirmar que se a declaração de insolvência constitui para a Recorrida a cessação da gerência de facto, fazendo cessar a sua responsabilização subsidiária nos termos do n.º1 do art.º 24.º da LGT, então a manutenção da gerência efetiva era um facto que deveria ter sido alegado e comprovado em sede do procedimento de reversão, para evidenciar o exercício da gerência de facto, o que o órgão de execução fiscal não fez, porquanto nada consta nesse conspecto no despacho de reversão (cf. ponto f) dos factos assentes).

De resto, para fundamentar o exercício da gerência de facto o órgão de execução fiscal apenas alegou o recebimento pela Recorrido de remunerações da categoria A e a sua nomeação como administrador da executada originária, o que é manifestamente insuficiente para sustentar o exercício de facto da gestão da executada originária.

Com efeito, não resulta esclarecido se o recebimento pela Recorrido de remunerações ao serviço da devedora originária o foi pelo exercício do cargo diretivo ou se pelo exercício de funções eventualmente técnicas (que ficou comprovado que desempenhava, designadamente no âmbito da produção – cf. ponto p) do probatório), ou de outra natureza, não associadas ao cargo diretivo para que estava inscrita no registo. É que, como bem se compreenderá, se alguém desempenha funções diretivas numa empresa e as acumula com funções predominantemente técnicas, administrativas ou de supervisão, não se vê que tenha de cessar estas últimas por virtude da declaração de insolvência e designação de um administrador da insolvência, pois apenas se mostrará incompatível com a situação de insolvência o exercício efetivo de funções diretivas e são estas a fonte da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT (cf. neste sentido, para além de muitos outros, o acórdão deste Tribunal de 21/06/2018, proc. n.º 1649/14.0BESNT, consultável em www.dgsi.pt).

Por outro lado, em sede de procedimento de reversão e no âmbito dos presentes autos, não ficou provada qualquer factualidade da qual se possa extrair, com a necessária certeza, que a Recorrido exerceu a gerência de facto da executada originária no exercício a que respeita a dívida exequenda e naquele em que ocorreu o términus do respetivo prazo legal de pagamento.

De resto, perante a declaração de insolvência da executada originária, e como bem se aponta na sentença em dissídio, a reversão não poderia sequer ter sido realizada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, mas antes de acordo com o regime ínsito na alínea a) deste normativo, tal como já decidiu este Tribunal, entre outros, no acórdão de 07/12/2021, proc. n.º 2152/15.6BESNT, disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou o seguinte:
«I- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE).
II. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº 1, alínea a), da LGT impendendo o ónus da prova da culpa na esfera jurídica da Administração Tributária.».

Assim, não resultando demonstrado o exercício efetivo de funções diretivas da Recorrido na devedora originária na data-limite de pagamento voluntário das liquidações exequendas de IRC, sendo que o ónus dessa prova recaía sobre a Fazenda Pública, a Recorrida é parte ilegítima na execução, como foi decidido na sentença recorrida, que, assim, merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.
*


IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de novembro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Lurdes Toscano)

(Isabel Vaz Fernandes)