Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2129/20.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/20/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:LEI DO ASILO;
MARROCOS;
PEDIDO INFUNDADO
Sumário:i) As informações oficiosamente recolhidas sobre a situação actual do Reino de Marrocos não permitem concluir pela ocorrência, naquele País, de uma situação de sistemática violação dos direitos humanos que afecte especificamente o requerente, nem pela probabilidade séria de o mesmo se ver confrontado com uma situação de risco de ofensa grave, na acepção consagrada no artigo 7.º, n.º 2, alínea c), da Lei de Asilo.
ii) A falta de especificação de qualquer situação em que o Requerente tenha sido perseguido por quaisquer motivos políticos, religiosos ou outros, nos termos dos artigos 3.º e 5.º da Lei do Asilo ou de molde a que lhe possa ser concedida protecção subsidiária nos termos do art. 7º da mesma lei, impedem a concessão do regime aí consagrado de protecção internacional. Aliás, do seu relato, resulta que no País de origem tinha uma profissão e posição estáveis.
iii) Sendo que o interessado somente apresentou o pedido de protecção internacional com o intuito de travar o seu afastamento do seu território nacional onde se encontrava há vários meses.
iv) Pelo que será de confirmar a decisão recorrida de considerar o seu pedido de protecção internacional como infundado, atento o disposto no artigo 19.º, n.º 1, alíneas e) e h), da Lei de Asilo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO



A..........., nacional de Marrocos, veio intentar contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ao abrigo do artigo 22.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (Lei do Asilo), a presente acção de impugnação da decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 05.11.2020, e a condenação da Entidade Demandada na prática do acto de concessão de protecção internacional, nos termos do artigo 7.º da Lei de Asilo.

Por sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 18.01.2021, foi negado provimento à acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.

Inconformado, o Autor, ora Recorrente, interpôs o presente recurso, formulando na sua Alegação as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“1. O Recorrente, com as limitações geradas pelo próprio contexto em que decorreram os factos sobre a actividade probatória, para efeitos da previsão do art. 3.º, e do art. 5.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Lei n.º 27/2008, inequivocamente: (i) encontra-se fora do país da sua nacionalidade; (ii) apresentou um receio fundado (de perseguição); (iii) foi perseguido; e (iv) não pode beneficiar (por razões óbvias) da protecção do Estado da sua nacionalidade.
2. Verificam-se, portanto, todos os requisitos de que depende a concessão de protecção subsidiária.
3. Por outro lado, o tribunal a quo reconhecendo abstractamente possível a aplicação da previsão do art. 7.º, da Lei n.º 27/2008, sustentou não ser possível apreciar a causa suscitada, com fundamento num argumento formal-legal, considerando estar demonstrado preenchimento da norma daquele artigo no presente caso, rejeitando apreciar o recurso e absolvendo da instância o R. nos termos do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alíneas i) e k), do CPTA.
4. Existem elementos nos autos e fora deles que põem em causa, de forma objectiva a asserção retirada pelo tribunal a quo e impõem outra interpretação da lei, apoiada na indispensável osmose da realidade notória que vivemos e ninguém, muito menos um tribunal enquanto bastião da salvaguarda do Estado de Direito e dos direitos liberdades e garantias fundamentais pode recusar, e a credibilidade do Recorrente não pode igualmente ser posta em causa, sem apoio em quaisquer factos ou elementos contrários, como não existem.
5. Caso tivesse sido respeitado o acervo normativo acima citado, incluindo o ponto 204, do Manual de Procedimentos do ACNUR, o processo não teria sido liminarmente indeferido e teria sido admitido para a segunda fase, nela se procedendo à adequada instrução dos autos que permitiria a averiguação mais aprofundada dos factos alegados pelo Recorrente, com vista à decisão final sobre o seu pedido.
6. Ao não entender assim, o douto acórdão recorrido viola o disposto nos art.º s 7.º, n.º 2, e art. 5.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 27/2008, devendo por isso ser revogado e substituído por outra decisão que salvaguarde os direitos legalmente consagrados na lei para o recorrente e outras pessoas em condições idênticas às do recorrente e a atribuição de residência provisória até à decisão final sobre a pretensão do Recorrente, após a instrução e sem prejuízo da liberdade de decisão a final sobre a matéria. Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, e revogada a douta sentença recorrida, COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA! “



Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso.

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A Entidade Recorrida regulamente notificada não apresentou Contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Das (confusas) conclusões do Recorrente, pois tanto se refere à decisão recorrida de indeferimento liminar, como alude ao “acórdão recorrido”, sendo certo que nenhuma delas se verifica, não seja possível extrair com clareza qual o erro de julgamento apontado à sentença recorrida, é perceptível que o Recorrente entende reunir as condições legais para beneficiar de protecção internacional para concessão de asilo nos termos do artigo 3º, ou de protecção subsidiária, nos termos do artigo 7º da Lei do Asilo, que a sentença recorrida não lhe reconheceu.


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II. Fundamentação
II. 1. De facto:

O Tribunal a quo considerou a seguinte matéria de facto, não impugnada, que se reproduz integralmente:

“A) – Em 21.07.2020, o Autor entrou em território português, proveniente de Marrocos. – Cfr. fls. 3 e 4 do PA;

B) – Em 16.10.2020, foi emitido, pelo Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Faro, Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o “MANDADO DE LIBERTAÇÃO” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“O/A Mmº(a) Juiz de Direito, Dr(a). C..........., do(a) Juízo Local Criminal de Faro - Juiz 2 - Tribunal Judicial da Comarca de Faro:
MANDA que seja colocado em liberdade, o(a) arguido(a) A........... (…) nacional de Marrocos nascido em 17-04-1992 estado civil: Desconhecido, profissão: Desconhecida ou sem Profissão, detido(a) à ordem dos presentes autos no Centro de Instalação Temporário, a aguardar os ulteriores termos do Processo de Expulsão que corre termos nesse Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, uma vez que no dia 18.10.2020 se extingue o período previsto no n.º 3, do art.º 146º, da Lei 23/2007, de 4 de julho, para a sua detenção.”
– Cfr. fls. 12 do PA;


C) – Em 21.10.2020, o Autor requereu proteção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa, data em que subscreveu o instrumento intitulado “Inquérito Preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se identificou pelo nome de A..........., de nacionalidade marroquina, nascido a 17.04.1992, e declarou que saiu de Marrocos, no dia 18.07.2020, motivado por problemas com um tio e porque o pai não trabalha. – Cfr. fls. 65-62, 4-5 e 13 do PA;

D) – Em 03.11.2020, foi emitida a Informação n.º 2196/GAR/20, do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“Processo de proteção internacional n.º 882/20
A..........., MARROCOS, Dn. 17-04-1992
I. Dos factos
1. A 21.10.2020 o cidadão estrangeiro que se identificou como A..........., nacional de Marrocos, nascido a 17-04-1992; solicitou proteção internacional às autoridades portuguesas, junto deste Gabinete de Asilo e refugiados.

2. O requerente encontra-se a aguardar os trâmites de processo de afastamento coercivo que corre termos na Direção Regional do Algarve, PAC 42/2020, na sequência de detenção a 22.07.2020 por entrada ilegal em território nacional, onde chegara por via marítima desde Marrocos.
3. Aos 29-09-2020, o CPR informou que o teste à covid-19 do requerente teve "resultado indeterminado" pelo que atendendo ao facto do requerente se encontrar em isolamento na Pensão Beirã como medida de prevenção em contexto de pandemia, não é possível proceder à recolha das declarações para apreciação do mérito do pedido de proteção.
II. Conclusão/Proposta
4. De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020 de 14 de outubro, a salvaguarda da saúde e segurança da população, de forma a mitigar o contágio e a propagação do vírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, é fundamental, pelo que não é possível proceder à recolha das declarações para apreciação do mérito do pedido de proteção enquanto o requerente não testar negativo.
5. A administração encontra-se impedida de prescindir da referida audição, uma vez que não existem condições para decidir favoravelmente sobre o estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis, no caso inexistentes, bem como por não ser o requerente considerado inapto ou incapaz para o efeito, devido a circunstâncias duradouras alheias à sua vontade, cf. artigo 16.º, nº 5, alínea b) da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05.05.
6. Assim, e ponderando os valores fundamentais do Direito em face do caso concreto, como determina o princípio da boa fé, e o principio da colaboração entre particulares, previstos nos artigos 10º e 11º do Código do Procedimento Administrativo, propõe-se a suspensão da instrução do presente pedido de proteção internacional e do prazo previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05.05, até que haja possibilidade de audição do requerente, não sendo dado seguimento ao procedimento, conforme previsto no artigo 119.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, atendendo a que as informações solicitadas ao interessado são necessárias à apreciação do pedido por ele formulado.
Assim, submete-se à consideração da Exmo. Diretor Nacional Adjunto do SEF a presente proposta.”
– Cfr. fls. 24-25 do PA;
E) – Em 03.11.2020, o Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras exarou, sobre a informação referida na alínea anterior, o seguinte despacho:
“1. Concordo com o que vem proposto.
2. Atentos os factos decorrentes da situação concreta, não sendo possível proceder à audição do requerente, não será dado seguimento ao procedimento, conforme previsto no artigo 119.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, atendendo a que as informações solicitadas ao interessado são necessárias à apreciação do pedido por ele formulado.”
– Cfr. fls. 24 do PA;

F) – Em 05.11.2020, o Autor prestou declarações, no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido lavrado o instrumento intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “


«imagem no original»


(…)
P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar de si, da sua família, onde nasceu e cresceu no Marrocos?
R. Eu tinha uma vinda linda em Marrocos, estudei no Instituto de Tecnologia Aplicada durante dois anos, e fui trabalhar num laboratório farmacêutico. Eu ganhava um bom ordenado que era suficiente para mim.
P. Como é a sua família?
R. Somos cinco irmãos, dois rapazes e três raparigas, também tenho os meus pais.
P. O que faz o seu pai?
R. O meu pai trabalha numa empresa de pesca M........... e ganha também bem.
P. Quando é que começou a trabalhar no laboratório?
R. Comecei a trabalhar lá desde fevereiro de 2018.
P. Como é que se chamava o laboratório?
R. Na P........., trabalhava como técnico.
P. Antes de sair de Marrocos para vir para Portugal trabalhava neste laboratório?
R. Sim, deixei o trabalho e vim sem apresentar a demissão.
P. Professa alguma religião?
R. Muçulmano e conservador.
P. Em que local residia em Marrocos?
R. Morava no nº 8 Rue………….., Khiyari, na cidade de Eljadida.

P. Com quem residia?
R. Vivia na casa dos meus pais.
P. Neste momento onde se encontra a sua família?
R. Estão na mesma morada.
P. Mantém contato com a sua família?
R. Sim comunico com eles desde que estive na prisão.
P. Os seus pais sabiam que ia fazer esta viagem?
R. Sim.
P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na Marrocos?
R. Nunca.
P. Alguma vez desenvolveu alguma atividade a favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana no seu país de nacionalidade?
R. Não.
P. Saiu do seu país. Fale do percurso que fez até chegar em Portugal, dando o máximo de detalhes, nomeadamente sobre o meio de transporte usado, o documento de viagem utilizado, quanto tempo permaneceu em cada país e o que fez.
R. A viagem aconteceu a 18 de julho. Duas semanas antes um amigo apareceu em minha casa e fez-me a proposta de uma viagem clandestina para a europa, disse que era para Espanha. Ele falou comigo e eu paguei-lhe 500€. O meu amigo arranjou o grupo que ia viajar. No dia 18, foi num sábado, saímos e o mar estava calmo até uma zona chamada Alarich na zona norte de Marrocos. Nesta viagem levamos três motores, que avariam e tivemos de arranjar um deles e foi este motor que nos trouxe até aqui. Chegaram numa ilha pequena em Faro e eu fui perguntar em inglês se era Faro e ele disse que não mas ofereceu um cigarro e convidou-nos para o restaurante e foi nessa altura que chegou a polícia.
P. Qual o nome do seu amigo que organizou a viagem?
R. Foram cinco pessoas que organizaram a viagem. Chamam-se I…….., D……., A……., M……… e O…...
P. Também vieram na viagem?
R. Sim, vieram.
P. qual era o objectivo desta viagem?
R. Vinha à procura de um futuro melhor.
P. Quais foram os documentos com que viajou?
R. Não trouxe documentos.
P. Porquê?
R. porque quando temos documentos somos logo repatriados?
P. Tem passaporte?
R. Sim tenho, mas está em Marrocos.
P. O seu destino final era ir para Espanha?
R. No inicio planeamos ir para Espanha, marcamos no GPS Sevilha, mas tínhamos outro GPS que tinha marcação para Faro para Portugal. Ir para Faro foi a vontade do grupo inteiro.
P. Porque é que queriam vir para Portugal?
R. Desde criança que tinha sonho de viajar para Europa, fizemos pesquisa em Portugal no Google e vimos que precisava de muita mão de obra. P. Qual o trabalho que quer fazer em Portugal?
R. Quero fazer qualquer tipo de trabalho.
P. Mas quais é que são as suas habilitações em Marrocos?
R. Sou operador de máquinas de fabrico de medicamentos. Também trabalhei numa empresa francesa da Danone e na N........... Também trabalhei num laboratório de medicamentos. Nunca trabalhei na construção civil.
P. Mas quantos anos estudou?
R. Depois do 12º ano fiz mais dois anos no Instituto de Tecnologia Aplicada, tenho um diploma de operador de máquinas.
P. Quem conhece em Portugal?
R. Não.
P. E nos outros países da europa conhece alguém ou tem familiares?
R. Tenho um familiar em Espanha. Tenho o meu tio paterno em Espanha.
P. Sabe onde é que ele vive?
R. Não sei.
P. Anteriormente já tinha viajado ou residido em qualquer outro país?
R. Não, nunca viajei fora de Marrocos.
P. Alguma vez pediu um visto para viajar para a Europa?
R. Não.
P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem e pedir proteção internacional. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
R. Porque eu quando estava na prisão aqui em Portugal, foi uma tradutora marroquina, que foi ter connosco e eu mostrei-lhe um papel que me tinham dado, e ela disse que o que estava escrito era para eu ser repatriado e para travar isso eu pedi protecção internacional.
P. Mas foi de sua iniciativa pedir proteção internacional ou alguém lhe sugeriu?
R. Quando saímos da prisão encontrámos com um senhor chamado Jaafar que nos aconselhou a apresentar o pedido de asilo.
P. O que é que entende de um pedido de protecção internacional?
R. Apenas de uma protecção de refugiado. Eu considero-me um refugiado.
P. Mas porque é que se considera um refugiado?
R. Porque entrei em Portugal sem ter visto nem documentos, entrei de forma ilegal.
P. Entende que é por esse motivo que é um refugiado?
R. Sim.
P. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional?
R. Tenho o sonho de viajar para a europa.
P. Por que motivo está a pedir proteção Internacional? Porque é que precisa de protecção do Estado Português?
R. Não me estou a sentir ameaçado nem estou a ter problemas com ninguém. Sou uma pessoa pacifica.
P. Tem algum problema com as autoridades do seu país?
R. Não tenho nenhum problema lá.
P. Fale agora como imagina ser a sua vida, caso regressasse a Marrocos, o que poderia acontecer-lhe?
R. Não tenho nenhum problema.
P. Já pediu proteção internacional, asilo anteriormente?

R. É a primeira vez na vida.
P. Algum dos membros da família é reconhecido como refugiado? Onde?
R. Não.
P. Chegou a Portugal no dia 21 de Julho de 2020, por que motivo não solicitou logo proteção internacional ao Estado Português?
R. Chegamos terça-feira e na quinta-feira fomos levados para o Tribunal e lá pedi ao tradutor para apresentar um pedido de asilo. E o tradutor respondeu que a lei estava fechada. O tradutor quando traduziu o que disse a juíza, ele disse-me que ela tinha dito que a lei estava fechada e que não permitia pedir asilo. O tradutor era marroquino.
P. De acordo com as suas declarações quando saiu da prisão foi o senhor Jaafar que lhe deu indicação para pedir protecção internacional para evitar ser executada uma medida de afastamento de Território nacional, confirma?
R. Estavamos perdidos nas ruas e encontramos este senhor J……… que nos disse para virmos ao SEF para apresentar este pedido. Eu já queria apresentar este pedido desde o início no tribunal, mas não consegui.
P. Alguma vez cumpriu pena de prisão em Marrocos?
R. Não.
P. Alguma vez foi condenado por um crime?
R. Não.
P. Dispõe de elementos de prova que confirmem as suas declarações?
R. Aqui não posso provar nada, mas a minha família pode enviar documentos para provar a minha conversa.
P. Deseja acrescentar algo ao seu relato que não lhe tenha sido questionado e que considere relevante para a análise do seu pedido de proteção?
R. Não
E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lidas declarações em língua árabe, que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 11h45, hora a que findou este ato.
(…) Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras. O presente questionário foi-me lido na língua árabe, que compreendo e corresponde ao meu depoimento.”
– Cfr. fls. 28-35 do PA;

G) – Em 05.11.2020, foi emitida a Informação n.º 2247/GAR/20, do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “

«imagem no original»

6. Dos factos
1. Aos 21.10.2020, o requerente, apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pedido de proteção às autoridades portuguesas.

2. Em cumprimento do nº 3 do art.º 33º-A da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados a apresentação do atuai pedido de proteção internacional.
3. Aos 29.09.2020, o CPR informou que o teste à covid-19 do requerente teve "resultado indeterminado" pelo que atendendo ao facto do requerente se encontrar em isolamento na Pensão Beirã como medida de prevenção em contexto de pandemia
4. Aos 03.11.20 foi suspenso o seu pedido por decisão do Exmo. Senhor Director Nacional Adjunto, por não ser possível proceder à recolha das declarações para apreciação do mérito do pedido de proteção.
5. Aos 04.11.20 o Conselho Português para os Refugiados comunicou que o requerente realizou novo teste aos 03.11.2020, tendo o resultado sido negativo.
6. Aos 05.11.2020 foi o requerente notificado da decisão de suspensão do seu pedido de proteção internacional em virtude dos factos descritos no ponto 3 e 4 da presente informação.
7. Aos 05.11.2020 e em cumprimento do disposto no n.º 4 do art.º 33.º-A e n.º 1, do art.º 16 da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção, tendo prestado as declarações constantes nos autos, que se transcrevem:
(…)
8. Compulsado o SII, constatou-se que sobre o requerente recai o processo de expulsão (PAC) nº 42/20 da Direção Regional do Algarve, Faro, aberto na sequência do desembarque efetuado pelo requerente no dia 21.07.2020, juntamente com outros vinte cidadãos marroquinos, numa ilha próxima de Faro, quando pretendiam entrar ilegalmente em território nacional.
9. O requerente foi detido e instalado no Estabelecimento Prisional do Monsanto, à ordem do processo 4/20.7FCOLH (detenção de cidadão estrangeiro em situação ilegal) que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Faro - Juiz 2, a aguardar os ulteriores termos do Processo de Expulsão.
10. Aos 18.10.2020 foi o requerente libertado, em virtude de se ter extinguido o período, previsto no n.º 3, do artigo 146.º, da Lei 23/2007, de 04 de julho, para a sua detenção.
11. O requerente não apresentou qualquer documento comprovativo da sua identidade e nacionalidade, ou provas para sustentação dos méritos do seu pedido de proteção internacional. Contudo o facto de se expressar na língua árabe, língua essa utilizada de forma transversal em Marrocos, e de nenhuma outra nacionalidade ter sido invocada, permite assumirmos tratar-se de um cidadão nacional de Marrocos.


7. Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo

Em resumo, o requerente declarou ser nacional de Marrocos e ter nascido em EI Jadida, vivia com os seus pais e quatro irmãos. Diz que tinha uma vida linda em Marrocos. Após concluir o 12º ano fez um curso de dois anos no Instituto de Tecnologia Aplicada, onde obteve o diploma como operador de máquina. Quando saiu de Marrocos estava a trabalhar no laboratório da P......... e declara que ganhava um bom ordenado que era suficiente para si.
A viagem realizou-se a 18 de julho e duas semanas antes um amigo veio a sua casa fazer-lhe a proposta de viajarem clandestinamente para a europa, disse-lhe que iam para Espanha. Pagou 500C. Diz que a viagem foi organizada por 5 pessoas que também vieram no barco.

Declara que tinha como objetivo vir à procura de um futuro melhor. Esta é a primeira vez que se ausenta do país. Não trouxe documentos consigo porque diz que se o fizesse seria logo repatriado. Declara ter passaporte, mas que está em Marrocos. Afirma que era seu sonho viajar para a europa e que o grupo decidiu vir para Portugal porque numa pesquisa feita no Google viram que aqui se precisava de muita mão de obra.
Sobre os motivos que o levaram a pedir protecção internacional, declara que quando se encontrava na prisão em Portugal ao mostrar à tradutora marroquina o documento que lhe havia sido entregue ficou a saber que iria ser repatriado e foi por isso que pediu protecção internacional. Quando saíram da prisão encontraram um senhor de nome Jaafar que os aconselhou a apresentar o pedido de asilo.
Considera ser um refugiado por ter entrado no país sem documentos e de forma ilegal. Relativamente ao receio futuro, mencionou que caso tivesse que regressar ao país não teria quaisquer problemas. Não é nem nunca foi membro de qualquer tipo de organização política, religiosa, militar, étnica ou social e nunca teve problemas com as autoridades do seu país: nunca foi detido, preso, interrogado ou condenado.
Declara ter deixado o seu país porque tinha o sonho de viajar para a europa.
Confirmada que está a nacionalidade do requerente e tendo em consideração as orientações do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo - "EASO Country of Origin Information Report Methodology", procedeu-se à recolha de informação sobre a situação em Marrocos.
Analisando agora as declarações do requerente naquele contexto nacional e antes de qualquer outra consideração, sublinhe-se que o relato do requerente ofereceu ao examinador um cenário sem qualquer relevância para a matéria de asilo, apenas indica questões não pertinentes ou de relevância mínima para a análise do cumprimento das condições para o reconhecimento do estatuto de refugiado.
Com efeito, o requerente não desenvolve ou desenvolveu qualquer atividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Não mencionou, também, qualquer situação de natureza persecutória de que tenha sido alvo por motivos relacionados com a raça, nacionalidade, credo religioso, opinião política ou pertença étnica ou a qualquer grupo social.
No relato apresentado pelo requerente não é possível verificar a existência de qualquer situação de natureza persecutória. O requerente fundamenta a saída do país em questões meramente pessoais, nomeadamente na intenção de concretizar o sonho de vir para a europa, pese embora ter declarado ter uma vida bonita em Marrocos, ter trabalho que deixou sem aviso prévio e que lhe permitia ter um rendimento suficiente para si.
As circunstâncias da sua saída ocorrem de forma inopinada, quando cerca de duas semanas antes do embarque, que aconteceu a 18 de julho de 2020, um amigo seu vai a sua casa e lhe propõe participar na realização de uma viagem clandestina a troco de 500€. Concorda em participar por ser sua intenção vir para a Europa. Com efeito os factos alegados não se enquadram nem possuem a gravidade dos atos persecutórios elencados no artigo 5.º da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio.
Verificamos assim que subjacente ao pedido de proteção apresentado pelo requerente, estão motivos pessoais e económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 62 que, "Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que nâo as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado".

O requerente não menciona também a existência de qualquer receio futuro em caso de regresso ao seu país, local onde tinha a sua vida organizada, tendo declarado ter um diploma profissional e uma experiencia profissional diversificada em empresas multinacionais como a P….. ou a N........... As declarações prestadas pelo requerente não demonstram que ele não possa ou que não queira voltar ao seu país por recear ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opinião politica ou integração em certo grupo social.
Atesta ainda o facto de a necessidade de proteção internacional não ser premente no caso em apreço, a circunstância de o requerente se encontrar em território nacional desde 21/07/2020 e apenas ter solicitado proteção internacional em 19/10/2020, numa altura em que recaia sobre ele uma decisão de afastamento de território nacional proferida no âmbito do Processo de Afastamento Coercivo n.º 59/2000 que corre termos na Direção Regional do Algarve-Faro.
Face ao supra exposto, consideramos que no presente caso, não são alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que o requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 3 da Lei nº 27/2008 de 30.06, pelo que consideramos o pedido de asilo infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado, incorrendo assim nas alíneas d), e) e h) do n.º 1, do artigo 19º, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.


8. Da Autorização de Residência por Proteção Subsidiária

O artigo 7.º da Lei n.º 27/08 de 30/06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05/05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por proteção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Presumindo-se a nacionalidade marroquina do requerente e tendo em consideração as orientações do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo - "EASO Country of Origin Information Report Methodology”, procedeu-se à recolha de informação atual daquele país conforme mencionado no ponto 7 da presente informação e que também relevam para este ponto 8.
Atendendo a informação recolhida e as considerações tecidas no ponto anterior da presente informação de serviço, também aqui, em sede de análise da autorização de residência por proteção subsidiária, não se afigura que caso regresse ao país de origem, o requerente corra o risco de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
Não indicou qualquer ato persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, e que tornariam a sua vida intolerável no país de origem. Nas declarações invocou apenas ter ausentado do seu país para obter melhores condições de vida e para concretizar o seu sonho de viajar para a europa. Ora como mencionado no ponto anterior, os fatos alegados não têm a relevância persecutória exigida pela lei, não se enquadram nem possuem a gravidade dos atos persecutórios elencados no artigo 5.º da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio.

Tratam-se assim de questões pessoais e económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 62 que, "Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado".
Saliente-se ainda que o requerente declarou expressamente que se regressar ao país, teria quaisquer problemas. O requerente não demonstrou assim a impossibilidade de regressar ao país da sua nacionalidade, por aí ocorrer, em alternativa, uma "sistemática violação dos direitos humanos" ou por correr "o risco de sofrer ofensa grave".
Saliente-se ainda que relativamente à "sistemática violação dos direitos humanos" o requerente não fundamentou o seu pedido de proteção internacional" na existência de condições objetivas de desrespeito sistemático pelos direitos humanos no seu país de origem, que atingissem gravidade suficiente para impossibilitar o seu regresso", aferição da gravidade essa que deveria projetar-se em moldes atuariais e, de certo modo, idênticos ao conceito de perseguição.
No caso do país da nacionalidade do requerente, o Reino de Marrocos, têm sido relatados episódios concretos de violação dos direitos humanos, bem como ilustradas determinadas práticas afrontadoras desses direitos por banda, designadamente, de forças de autoridade. Sucede, todavia, que tais afrontas aos direitos humanos, estão em desacordo com a Constituição e a lei do Reino de Marrocos. Não é possível afirmar, face à informação internacional disponível a às fontes informativas consultadas, que subsiste no Reino de Marrocos um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral, assumindo um grau que se situa e patamar de gravidade. Não é assim possível afirmar a verificação de uma situação de "sistemática violação dos direitos humanos" na aceção pressuposta pelo n.º 1 do artigo 7.º da Lei do Asilo.
Relativamente ao "risco de sofrer ofensa grave" em caso de regresso a Marrocos, atendendo ao estatuído no n.º 2 do artigo 7.º e considerando o panorama da situação política e militar atual de Marrocos, não subsiste qualquer conflito armado, não se observando portanto, os critérios desenhados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Diakité (processo C-285/2, 30/01/2014), para efeitos de determinação da ocorrência de um "conflito armado", nem no Acórdão Elgafaji (processo C-465/07, 17/02/2009) para efeitos de preenchimento do conceito "violência indiscriminada ou generalizada" e respetivo grau de gravidade.
Os factos alegados pelo requerente não demonstram que aquele esteja impedido ou que se sinta impossibilitado de regressar a Marrocos por terem sido violados de forma sistemática os seus direitos humanos essenciais, ou por correr o risco de vir a sofrer uma ofensa grave, nomeadamente pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante ou de a sua vida ou integridade física estar sob ameaça grave decorrente de uma violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

Afigura-se assim, que o presente caso não é elegível para a proteção subsidiária, por incorrer nas alíneas d), e) e h) do n.º 1, do artigo 19º da Lei n.º 27/08, de 30/06, alterada pela Lei nº 26/14 de 05/05.


9. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional infundado, por se enquadrar nas alíneas d), e) e h) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3º da Lei citada.
Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso infundado, por se enquadrar nas alíneas d), e) e h) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05.
Assim, submete-se à consideração do Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto do SEF a proposta acima, nos termos das alíneas d), e) e h) do n.º l do artigo 19º, e n.º 5 do artigo 33º-A, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 05.05.”
– Cfr. fls. 39-48 do PA;
H) – Em 05.11.2020, o Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, proferiu a seguinte decisão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:

“De acordo com o disposto nas alíneas d), e) e h) do n.º 1, do artigo 19º, e no n.º 5 do artº 33-A, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/14 de 05/05, com base na informação n.º 2247/GAR/20 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como A..........., nacional de Marrocos, infundado.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.”
– Cfr. fls. 50 do PA.

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Não existem factos não provados, com interesse para a decisão.

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A convicção que permitiu julgar provados os factos acima descritos formou-se com base na análise crítica dos documentos que constam do processo administrativo (PA), conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos assentes.

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II.2 - De Direito


Conforme delimitado em I.2, entende o Recorrente entende reunir as condições legais para beneficiar de protecção internacional para concessão de asilo nos termos do artigo 3º, ou de protecção subsidiária, nos termos do artigo 7º da Lei do Asilo, que a sentença recorrida não lhe reconheceu.

Posto isto;

O Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, porque acreditamos que assume que as declarações que prestou no procedimento administrativo serão convincentes quanto ao facto de se sentir impossibilitado de regressar ao País de origem e da sua residência habitual, verificando-se assim os motivos para que lhe seja concedida protecção internacional de asilo. Contudo quer nas alegações recursivas quer nas conclusões omite qualquer referência a factos ou circunstâncias que sustentem tal pedido, quer por remissão para o processo administrativo quer para o processo judicial.

Posto isto;

A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio (Lei do Asilo), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou de protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária.

No que concerne ao direito de asilo de acordo com o disposto no artigo 3.º, da Lei n.º 27/2008 de 30 de Junho, este “… é garantido aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (n.º 1). “Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual” (n.º 2).

Prosseguindo o mesmo preceito legal que “Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição (nº 4).

Quanto aos actos de perseguição, terão de constituir, pela sua natureza e reiteração, uma grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais – cf. art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06.

Mais se refira que o art. 18.º, n.º 4, da Lei de Asilo é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor.

O quadro legal admite ainda que a apreciação do pedido seja sujeita a uma tramitação acelerada, nos termos do artigo 19.º, onde se pode ler o seguinte:
1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
(…)
( h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;” (d/n).

O presente pedido de asilo ou de protecção subsidiária que foi formulado pelo Recorrente / Autor foi indeferido com fundamento nas citadas alíneas d) e) e h) do nº 1 do art. 19º - cf. alínea H) do probatório.
Face o quadro legal supra explanado, atentemos no discurso fundamentador da sentença recorrida:
“ …
Constituem, assim, pressupostos do direito de asilo, consagrado nos artigos 33.º, n.º 8, da CRP e 3.º, n.º 1, da Lei de Asilo:
(i) a qualidade de estrangeiro ou apátrida;
(ii) a verificação de atos ou de ameaças graves de perseguição, dirigidos, pelos agentes identificados no artigo 6.º, contra o requerente de proteção internacional, no Estado da sua nacionalidade ou residência habitual; e
(iii) que os atos ou as ameaças de perseguição constituam consequência de atividade exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
São requisitos de concessão do direito de asilo, ao abrigo da norma do artigo 3.º, n.º 2, do mesmo diploma:
(i) a qualidade de estrangeiro ou apátrida;
(ii) a verificação objetiva de um receio fundado de perseguição dirigida, pelos agentes identificados no artigo 6.º, contra o requerente de proteção internacional, no Estado da sua nacionalidade ou residência habitual;
(iii) que a perseguição se verifique em virtude da raça, religião, nacionalidade, ou opiniões políticas do requerente de proteção internacional ou da sua integração em certo grupo social; e
(iv) que o requerente de proteção internacional não possa ou, por esse receio, não queira voltar ao Estado da nacionalidade ou residência habitual.
À luz do que dispõe o artigo 7.º da Lei de Asilo, constituem pressupostos da concessão de autorização de residência, por proteção subsidiária:
(i) a qualidade de estrangeiro ou apátrida;
(ii) o não preenchimento dos pressupostos de concessão do direito de asilo, ao abrigo do disposto no artigo 3.º;
(iii) a existência de impedimento ou sentimento objetivo de impossibilidade de regressar ao país da nacionalidade ou da residência habitual;
(iv) que esse impedimento ou sentimento de impossibilidade resulte da verificação de uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou de uma situação de risco de ofensa grave.
O regime da proteção subsidiária, a que alude o artigo 7.º da Lei de Asilo, constitui corolário do princípio non-refoulement, com aplicação nas situações não contempladas pelo direito de asilo, mas consideradas dignas de proteção internacional em virtude da demonstração, por parte do requerente, de um fundado receio de regresso ao país da sua nacionalidade ou residência habitual, derivado da ocorrência, nesse país, de uma situação caracterizada pela sistemática violação de direitos humanos ou da sua exposição ao risco de sofrer ofensa grave.
A ofensa relevante, para efeitos de enquadramento no regime de proteção subsidiária, deve assumir a característica da gravidade, o que ocorre nos casos em que em que se afigure provável que o requerente da proteção subsidiária enfrente, no país de origem, a aplicação de pena de morte ou execução, a prática de atos de tortura, a aplicação de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes ou a existência de uma ameaça grave contra a sua vida ou integridade física.
Neste caso, de ameaça grave contra a vida ou integridade física, o enquadramento da situação concreta no regime de proteção subsidiária exige que essa ameaça resulte da ocorrência de um estado de violência indiscriminada em situação de conflito armado, internacional ou interno, ou de um estado de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, no país de origem, o que significa que tem que ocorrer um conjunto de circunstâncias objetivas que justifiquem a afetação psicológica do requerente da proteção internacional.
(…)
Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea d), deste diploma, “O requerente deve apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de protecção internacional, nomeadamente” o “Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de protecção internacional”.
Cabe, assim, ao requerente da proteção internacional o ónus de alegação e de prova dos fundamentos justificativos da necessidade de proteção internacional, sendo-lhe legalmente facultada, para esse efeito a possibilidade de prestar declarações, nos termos do artigo 16.º da Lei de Asilo.
Por outro lado, nos termos do artigo 18.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Lei de Asilo, previamente à aplicação do princípio do benefício da dúvida, cabe à Administração – a par do ónus probatório a cargo do requerente de proteção internacional – recorrer a todos os meios ao seu dispor para obtenção dos elementos pertinentes para a análise do pedido, procedendo à recolha da informação disponível sobre o país de origem, relativa aos factos relevantes para a decisão, a obter junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes. Ou seja, à Administração incumbe o dever de auxílio do requerente na recolha da informação relevante e, posteriormente, a ponderação imparcial e objetiva do impacto das circunstâncias individuais do requerente e da situação apurada sobre o país de origem, na avaliação das suas declarações.
O princípio do benefício da dúvida – de que as normas do artigo 18.º, n.º 4, da Lei de Asilo são corolário – assume vocação intrinsecamente instrutória, com aplicação nas situações de manifesta a dificuldade da prova dos factos invocados, desde que, apurada a credibilidade geral do requerente, as suas declarações passem o crivo cumulativo da coerência, plausibilidade e não contrariedade face à generalidade dos factos conhecidos sobre a situação do país de origem.
Contudo, não obstante os pressupostos do benefício da dúvida surgirem – na fase procedimental em que se situa o caso dos autos – flexibilizados por força dos critérios de evidência ínsitos nas várias alíneas do artigo 19.º, n.º 1, da Lei de Asilo, a aplicação deste princípio pressupõe necessariamente a pertinência dos factos que fundamentam o pedido de proteção internacional, sob pena de a sua realização redundar na prática de ulteriores atos inúteis.
No artigo 19.º desta Lei, o legislador nacional estabeleceu que “1 – A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
(…) d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
(…) h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;”.
Conforme resulta das várias alíneas deste artigo, o legislador pretendeu orientar a decisão de não admissão do pedido à fase de instrução por critérios de evidência – o que se compreende, dado que essa decisão se situa numa fase de apreciação liminar –, visando expurgar os pedidos que manifestamente não reúnem os requisitos de concessão de proteção internacional e que, por isso, não comportam qualquer interesse que justifique o prosseguimento do procedimento administrativo.
A disposição do artigo 19.º, n.º 1, alínea d), tem aplicação às situações de morosidade na apresentação do pedido de proteção internacional, impondo a ponderação das circunstâncias pessoais do requerente, designadamente, o contexto da sua entrada e permanência em território nacional, que precedeu a apresentação do pedido.
Por sua vez, na alínea e) deste artigo encontram-se previstas as situações em que os motivos invocados pelo requerente, para fundamentar o pedido de proteção internacional, não permitem configurar a ocorrência de nenhuma das situações contempladas na hipótese das normas dos artigos 3.º e 7.º do mesmo diploma, de modo que o esforço instrutório revelar-se-ia inútil, o que sucede nos casos em que a motivação da saída do país de origem se prende exclusivamente com razões de índole económica, familiar ou outras não relacionadas:
(i) com atos de perseguição perpetrados em razão do exercício de atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; ou
(ii) com atos de perseguição praticados em virtude de motivos raciais, religiosos, políticos de nacionalidade ou de integração em determinado grupo social; ou ainda
(iii) com a ocorrência de uma situação de sistemática violação de direitos humanos ou de risco de ofensa grave.
Por fim, na alínea h) do mesmo artigo refere-se os casos em que o pedido é apresentado após o início de um processo de afastamento coercivo ou de expulsão judicial e visa, exclusivamente, atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão de afastamento do requerente, o que implica, por parte da Administração, o apuramento de circunstâncias que configurem uma utilização abusiva das normas reguladoras da proteção internacional.
Ora, antes de mais, importa referir que o Autor extraiu qualquer consequência jurídica da invocada violação do artigo 6.º da Convenção da Europeia dos Direitos do Homem, não formulando qualquer pedido com base nessa norma, circunstância que impede a respetiva apreciação, sendo certo que, no caso – atento o disposto no artigo 33.º, n.os 1 e 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho –, não lhe assiste razão quando alega que não pôde preparar convenientemente a presente ação, por apenas dispor do prazo de 4 dias, previsto no artigo 33.º-A, n.º 6, da Lei de Asilo, uma vez que, em virtude do deferimento do pedido de apoio judiciário, ao seu defensor é legalmente reconhecida a faculdade de intentar a ação nos 30 dias, seguintes à notificação da sua nomeação.
Vejamos, então, o caso dos autos.
Na decisão em litígio, a Entidade Demandada – convocando a norma do artigo 19.º, n.º 1, alínea e), da Lei de Asilo – considerou, desde logo, o pedido de proteção internacional infundado, por impertinência ou relevância mínima dos factos com que o Autor fundamentou tal pretensão.
Conforme se extrai da Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras n.º 2247/GAR/20, de 05.11.2020 – que contém, por remissão, a fundamentação da decisão impugnada –, a Entidade Demandada concluiu pela falta de enquadramento da situação relatada pelo Autor nas previsões dos artigos 3.º e 7.º da Lei de Asilo, designadamente, com base nas seguintes razões:
(i) o “o relato do requerente ofereceu ao examinador um cenário sem qualquer relevância para a matéria de asilo”, pois “não é possível verificar a existência de qualquer situação de natureza persecutória”, fundamentando o mesmo “a saída do país em questões meramente pessoais, nomeadamente na intenção de concretizar o sonho de vir para a europa”;
(ii) “subjacente ao pedido de proteção apresentado pelo requerente, estão motivos pessoais e económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal”;
(iii) o “requerente não menciona também a existência de qualquer receio futuro em caso de regresso ao seu país, local onde tinha a sua vida organizada, tendo declarado ter um diploma profissional e uma experiencia profissional diversificada em empresas multinacionais como a P......... ou a N..........”;
(iv) o requerente “Não indicou qualquer ato persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, e que tornariam a sua vida intolerável no país de origem”, mas apenas ter-se “ausentado do seu país para obter melhores condições de vida e para concretizar o seu sonho de viajar para a europa”;
v) “Não é possível afirmar, face à informação internacional disponível a às fontes informativas consultadas, que subsiste no Reino de Marrocos um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral” e “considerando o panorama da situação política e militar atual de Marrocos, não subsiste qualquer conflito armado”.
De facto, ao fundamentar o pedido de proteção internacional, o Autor não declarou no procedimento administrativo, nem sequer alegou nos presentes autos, quaisquer factos concretos que configurem a ocorrência de uma situação caraterizada por atos de perseguição que lhe sejam especificamente dirigidos em consequência do exercício, no país da sua nacionalidade, de qualquer atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem quaisquer factos que permitam reconhecê-lo como alvo de perseguição atual, determinada em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou da sua integração em certo grupo social.
Além disso, os factos concretos declarados pelo Autor na entrevista, para fundamentar a necessidade de proteção internacional, assim como as informações oficiosamente recolhidas sobre a situação atual do Reino de Marrocos não permitem concluir pela ocorrência, no país de origem, de uma situação de sistemática violação dos direitos humanos que o afete especificamente, nem pela probabilidade séria de o mesmo se ver confrontado com uma situação de risco de ofensa grave, na aceção consagrada no artigo 7.º, n.º 2, alínea c), da Lei de Asilo, não se verificando, atualmente, a ocorrência de qualquer conflito armado, interno ou internacional, naquele país.
Ao invés, o Autor declarou expressamente que nunca foi membro de organização política, religiosa, militar, étnica ou social, que não desenvolveu atividade a favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, que não se sente ameaçado, nem tem problemas com ninguém, incluindo autoridades, e que não tem qualquer problema em regressar ao país de origem.
Em rigor, as razões que o Autor apresentou para justificar o pedido de proteção internacional prendem-se, essencialmente, com o “o sonho de viajar para a europa”, “à procura de um futuro melhor”, e com a sua intenção de “travar” o afastamento do território nacional.
Como se refere no ponto 62 do Manual ACNUR, “o migrante pode deixar seu país de origem motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, por razões familiares ou de caráter pessoal”, sendo que “se a motivação for exclusivamente económica, trata-se de um migrante e não de um refugiado”.
Efetivamente, analisadas as declarações do Autor, resulta claro que a motivação do pedido de proteção internacional prende-se essencialmente com razões económicas,
não se mostrando, de facto, possível concluir que o mesmo seja um cidadão carecido de proteção internacional, por se encontrar objetivamente, por razões da sua segurança, impedido ou impossibilitado de regressar ao país de origem.
No caso, além de não ter invocado quaisquer factos concretos que configurem uma situação subsumível à previsão das normas dos artigos 33.º, n.º 8 da CRP, 3.º, n.os 1 e 2, e 7.º da Lei de Asilo, constata-se, das respetivas declarações, que o Autor apresentou o pedido de proteção internacional apenas com a intenção de travar o seu afastamento, pelo que bem andou a Entidade Demandada ao aplicar as disposições do artigo 19.º, n.º 1, alíneas e) e h), da Lei de Asilo.
Por conseguinte, independentemente da verificação, no caso concreto, da situação prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 19.º da Lei de Asilo, é de concluir que ao Autor não assiste o direito a obter, da Entidade Demandada, a prática do ato de admissão do pedido de proteção internacional à fase regulada na secção III, do capítulo III, da Lei de Asilo, nem, por conseguinte, a prática do ato de concessão do direito de asilo ou de autorização de residência por proteção subsidiária.
Nesta conformidade, verificados, no caso concreto, os pressupostos de evidência ínsitos nas normas do artigo 19.º, n.º 1, alíneas e) e h), da Lei se Asilo, é de julgar não verificada a alegada violação do princípio do non-refoulement, assim como das disposições dos artigos 33.º, n.º 8, da CRP, 3.º e 7.º da Lei de Asilo, pelo que a presente a ação tem de improceder na totalidade, mantendo-se na ordem jurídica a decisão do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 05.11.2020.”

Entendimento que é de manter não tendo o Recorrente nas suas alegações contrariado o juízo efectuado pelo Tribunal a quo.
Com efeito, continua a não especificar qualquer situação que tenha sido perseguido por quaisquer motivos políticos, religiosos ou outros, nos termos dos artigos 3.º e 5.º da Lei do Asilo ou de molde a que lhe possa ser concedida protecção subsidiária nos termos do art. 7º da mesma lei.
Como foi decidido em recente Acórdão deste TCA no Proc. 770/20.0BELSB, de 24.09.2020, quanto ao País de origem do Recorrente:
No caso do país da nacionalidade do Recorrente, o Reino de Marrocos, anotamos que têm sido relatados episódios concretos de violação dos direitos humanos, bem como ilustradas determinadas práticas afrontadoras desses direitos por banda, designadamente, de forças de autoridade. Sucede, todavia, que tais afrontas aos direitos humanos, estão em desacordo com a Constituição e a lei do Reino de Marrocos. Não é possível afirmar, face à informação internacional disponível e às fontes informativas consultadas, que subsiste no Reino de Marrocos um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral, assumindo um grau que se situe em patamar de gravidade.
Sendo assim, entendemos não ser possível afirmar a verificação de uma situação de “sistemática violação dos direitos humanos” na aceção pressuposta pelo n.º 1 do art.º 7.º da Lei do Asilo.
Afastada esta condição positiva, interessa então averiguar se o Recorrente corre o “risco de sofrer ofensa grave” no caso de regressar a Marrocos.
De acordo com o n.º 2 do art.º 7.º da Lei do Asilo, subsiste “risco de sofrer ofensa grave” nos casos em que, no país de origem, i) possa vir a ser concretizada a aplicação da pena de morte ou execução; ii) nos casos em que o requerente possa ser submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante; e iii) nos casos de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação indiscriminada de direitos humanos, de que resulte ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente de proteção internacional.
Ora, considerando o panorama da situação política e militar atual d e Marrocos, não subsiste qualquer conflito armado, não se observando, portanto, os critérios desenhados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Diakité (processo C-285/12, 30/01/2014), para efeitos de determinação da ocorrência de um “conflito armado”, nem no Acórdão Elgafaji (processo C-465/07, 17/02/2009) para efeitos de preenchimento do que deve entender-se por “violência indiscriminada ou generalizada” e respetivo grau de gravidade”.

Mas sobretudo nas conclusões recursivas não conseguiu o Recorrente infirmar a verificação das condições previstas nas alíneas e) e h) do art. 19º da Lei do Asilo, para que o seu pedido de asilo seja considerado infundado.
Com efeito, não se extraindo das declarações do requerente do pedido de asilo que o mesmo tenha sido perseguido ou gravemente ameaçado de perseguição, não bastando o mero temor subjectivo, para efeitos do art.º 3 da Lei nº 27/2008, ou que o mesmo esteja impedido ou impossibilitado de regressar ao seu país de origem, por sistemática violação dos direitos humanos ou por correr o risco de sofrer ofensa grave, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias. O que conduz ao indeferimento do respectivo pedidos nos termos do art. 19º, nº 1, alínea e) da Lei nº 27/2008, por infundado, como foi decidido pela decisão administrativa impugnada.
Para além de que, o Recorrente encontra-se em território nacional, desde 21.07.2020, e apenas solicitou proteção internacional, em 19.10.2020, numa altura em que sobre ele recaia a decisão de afastamento de território nacional, proferida no processo de afastamento coercivo n.º 59/2000, que corre termos na Direção Regional do Algarve-Faro.

Donde, não tendo invocado ou concretizado quaisquer factos concretos que configurem uma situação subsumível à previsão das normas dos artigos 33.º, n.º 8 da CRP, 3.º, n.os 1 e 2, e 7.º da Lei de Asilo, e tal como decidiu o Tribunal a quo – não questionado pelo Recorrente – este apresentou o pedido de proteção internacional apenas com a intenção de travar o seu afastamento, pelo que bem andou o Tribunal a quo a confirmar a decisão recorrida de considerar o seu pedido de protecção internacional como infundado, atento o disposto no artigo 19.º, n.º 1, alíneas e) e h), da Lei de Asilo.

De todo o exposto improcedem as conclusões de recurso, mantendo-se sentença recorrida.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Sem custas (cf. art.º 84.º da Lei do Asilo).
R.N.

Lisboa, 20 de Maio de 2021



(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que os Juízes Desembargadores Catarina Vasconcelos e Ana Celeste Carvalho (em substituição do 2º adjunto), que integram a presente formação, têm voto de conformidade com o presente acórdão).

Ana Cristina Lameira