Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 169/22.3BELLE |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/13/2022 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | RECLAMAÇÃO DAS DECISÕES DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL EFEITO SUSPENSIVO |
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Sumário: | O efeito suspensivo da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, estende-se apenas ao acto reclamado. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o acto de aplicação do valor de € 85 286,27 ao pagamento do valor em dívida no processo executivo n.º 1112202101255070 e apenso n.º 1112202101255088, veio deduzir o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «I) Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Reclamação, por considerar que os reclamantes invocam que “os autos de execução fiscal estavam suspensos pela existência de um plano prestacional aprovado e condicionado à prestação de garantia, estando pendente uma reclamação contra o número de prestações aprovadas, reclamação essa que tem efeito suspensivo, estando ainda a correr o prazo para prestar a garantia oferecida.”; II) A Mmª Juiz “a quo” considerou no capítulo intitulado “III.1. FACTOS PROVADOS”, a alínea l) assim confirma que em 10.02.2022, a Chefe Adjunta do Serviço de Finanças de Portimão enviou uma comunicação à mandatária dos Reclamantes, que ali reproduz e que sinteticamente respeita à aplicação do cheque nos PEF’s em causa nos autos e à antecipação do plano prestacional: III) Também a alínea o) do probatório confere que “Em 14.02.2022 foi remetido através de comunicação eletrónica à mandatária dos reclamantes, comprovativo de pagamento do valor total de € 115.200,00, efetuado através de guias de pagamento; IV) Considerou a douta sentença recorrida: “Resulta manifestamente dos presentes autos, que os serviços da autoridade tributária e aduaneira, laboraram em erro, quando em 07.02.2022, procederam à penhora do imóvel identificado; V) Sempre com o devido respeito e salvo melhor e douta opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido; VI) Com efeito, sufragamos os fundamentos supra reproduzidos da Reclamação n.º168/22.5BELLE, com as mesmas partes e em tudo idêntica aos presentes autos, que aqui invocamos e que decidiu pela improcedência do pedido; VII) Em síntese, as condições da aplicação do cheque foram do conhecimento dos Reclamantes através da sua mandatária e nada foi dito. VIII) Ao entender que a aplicação do cheque foi efetuada sem que tal tivesse previamente notificado aos Executados, a Mmª Juiz a quo entra em contradição com a alínea o) do probatório; IX) Na presente data, como bem invocou o Mmº Juiz do processo 168/22.5BELLE, as prestações estariam pagas (faltavam 4) e a garantia levantada uma vez que o PEF estaria também findo por pagamento voluntário; X) Na execução fiscal, o direito de nomear bens à penhora considera-se sempre devolvido ao exequente, embora possa o executado fazê-lo desde que admitido pelo órgão da execução fiscal e que desse facto não resulte prejuízo atenta a satisfação do crédito tributário, desde logo por favorecer a rápida, proveitosa e efetiva cobrança do mesmo; XI) O que explica a troca de mails entre o Serviço de Finanças competente e a ilustre mandatária dos reclamantes; XII) Pelo que não existiu qualquer má fé do exequente; XIII) Ao decidir pela procedência do pedido, incorreu a Mmº Juiz a quo em erro de julgamento e violou o disposto nos art.º 59º da LGT, bem como os artigos 215º n.º 4, 264.º e 265º todos do CPPT. Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.» * Os Recorridos apresentaram contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões: «i. À data dos factos, no processo de execução fiscal n.º 1112202101255070, havia sido requerido o pagamento em prestações e oferecida garantia, estando pendente Reclamação Judicial, pugnando no sentido de ser aceite o pagamento em 60 prestações, a qual veio a ser aceite; ii. Tendo tomado conhecimento de que os Recorrentes iriam vender a fracção autónoma acima identificada, no dia 07.02.2022 o serviço de finanças de Portimão apressou-se a penhorar a fracção em causa, para garantia do valor devido nos processos de execução fiscal n.ºs 1112202101255070 e 1112202101255088, ambos respeitantes ao IRS de 2015 e 2017; iii. A escritura pública de compra e venda da fracção autónoma, agendada para 07.02.2022, teve de ser adiada para o dia 11.02.2022, uma vez que a Autoridade Tributária não permitiu que as guias de IMT e de IS fossem emitidas atempadamente – correndo o risco de que os adquirentes perdessem o interesse na aquisição da fracção, com os prejuízos que isso poderia trazer aos Recorrentes; iv. O Serviço de Finanças de Portimão notificou os Recorrentes da penhora da fracção no dia 07.02.2022, informação à qual estes apenas tiveram acesso no dia 14.02.2022; v. O Serviço de Finanças de Portimão não notificou os Recorrentes da decisão de aplicação do produto da venda do imóvel ao pagamento parcial dos valores em dívida; vi. O Serviço de Finanças de Portimão informou a Mandatária dos Recorrentes, por email, da intenção de aplicação do valor de aqui em causa ao pagamento parcial do processo de execução fiscal ao abrigo do qual foi realizada a penhora; vii. O Serviço de Finanças de Portimão não notificou validamente a Mandatária dos Recorrentes da decisão de aplicação do valor, sendo que, ainda que o tivesse feito no dia 10.02.2022, não haveria tempo útil para lançar mão de qualquer mecanismo cautelar; viii. Finalmente, o Serviço de Finanças de Portimão enviou à Mandatária dos Recorrentes, por email, cópia do cheque e das guias de pagamento e informou-a de que os cheques haviam sido aplicados no pagamento dos valores em dívida, a saber, o cheque n.º …….. do BPI, no valor de €115.200, foi aplicado (i) no pagamento da guia modelo 50 no valor de €85.286,27, no processo de execução fiscal n.º 1112202101255070, e na guia modelo 50 no valor de €29.913,73, no processo de execução fiscal n.º 1112201901000489; ix. Os Recorrentes não se conformaram com a decisão de aplicação do valor aqui em causa, tanto que apresentaram reclamação contra a mesma; x. A falta de notificação dos Recorrentes e da sua Mandatária é ilegal e gera ineficácia do acto praticado, o qual deve ser revogado; xi. A conduta do Serviço de Finanças de Portimão é ilegal e inconstitucional, por violação dos artigos 196.º e seguintes do CPPT, 55.º da LGT e 266.º da CRP, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica, pelo que deverá determinar-se a anulação da decisão de aplicação do valor de €85.286,27 a pagamento e a sua restituição aos Recorrentes, na medida em que o plano de pagamento em prestações se encontra garantido. Termos em que, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se a decisão recorrida e, em consequência, manter-se a decisão de anulação da aplicação do valor de €85.286,27 a pagamento parcial do valor em dívida, bem como a restituição do mesmo aos Recorrentes.» * A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. * Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento: i) ao julgar ilegal o acto de aplicação do montante de € 85 286,27 ao pagamento da dívida no processo executivo n.º 1112202101255070, na consideração de que o processo de execução fiscal estava suspenso; ii) por violação do disposto nos art.º 59.º da LGT, bem como dos artigos 215.º n.º 4, 264.º e 265.º todos do CPPT. * III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «Atendendo aos documentos juntos aos autos, à prova por admissão e às regras de experiência comum, dou como provados os factos seguintes: * Na sentença fez-se a seguinte menção: «Face à prova produzida inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções aduzidas integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito das partes.» Consta ainda da mesma sentença que «A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos juntos aos autos pelas partes e das informações oficiais, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.» * s) Em 17 de Junho de 2022 a Autoridade Nacional da Aviação Civil, certificou além do mais «que se encontra registada, no RAN, desde 15 de abril de 2022, uma terceira hipoteca voluntária, outorgada, em 8 de junho de 2022, pela S…, S.A., como devedor hipotecário, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, no Serviço de Finanças de Portimão como credor hipotecário, para garantia do pagamento em prestações de dívidas de P… e C…, exigida nos processos executivos ns° 1112202101255070 e 1112202101255088, no montante máximo garantido de €703.080,64 (setecentos e três mil e oitenta euros e sessenta e quarto cêntimos).» * Por se considerar relevantes na apreciação da situação em apreciação e por resultarem documentalmente provados nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, aditam-se ao probatório os seguintes factos:t) A hipoteca identificada no ponto anterior foi registada no Registo Aeronáutico Nacional (RAN) e incidiu sobre o avião terrestre plurimotor, marca British Aerospace PLC, modelo Jetstream 3200, ano de fabrico 1989, com o número de série de fabricante 857, marcas de nacionalidade e matrícula CS-DVQ, equipado com dois motores marca Garret, modelo TPE 331-12UHR-402H, com os números de série do fabricante P-66037C e P-66258C; u) sobre o avião identificado no ponto anterior incidem outras duas hipotecas a favor da Fazenda Pública para garantia do pagamento de dívidas em execução noutros processos de execução fiscal no montante máximo garantido de € 380 075,06 e 374 850,90; * III – 2. De direito
Para melhor percebermos o circunstancialismo no âmbito do qual o recurso foi deduzido, importa ter presente o seguinte: Os recorridos apresentaram reclamação, nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT, contra «a decisão de aplicação do valor de € 85.286,27 ao pagamento do valor em dívida no processo executivo n.º 1112202101255070». Alegaram que requereram o pagamento da dívida em prestações, o que veio a ser autorizado, condicionado, no entanto, à prestação de garantia. Mais alegaram que estava pendente a decisão da reclamação que deduziram, nos termos do artigo 276.º do CPPT, contra o acto que autorizou o pagamento em 60 prestações, ali pretendendo ver ampliado para 150, o número de prestações do plano de pagamento. Sustentaram o entendimento de que a pendência de tal reclamação «tem efeito suspensivo e subida imediata, estando ainda a correr o prazo para prestar a garantia oferecida.» pelo que « O Ofício que determinou a penhora do bem imóvel alienado, com cujo produto da venda foi realizado o pagamento, mencionava que a penhora se realizava para garantia - e referia poder ser requerido o pagamento em prestações, quando tal requerimento, como é do conhecimento do serviço de finanças, já fora requerido e o número de prestações encontrava-se em discussão em sede própria» concluindo que «a aplicação de valores a este processo se encontra ferida de ilegalidade». Concluíram com o pedido de anulação do acto praticado pelo órgão de execução fiscal que determinou a aplicação do valor de € 85 286,27 ao pagamento do valor em dívida no processo executivo n.º 1112202101255070 e a consequente restituição do referido montante aos Reclamantes. A sentença sob recurso julgou a reclamação procedente e, em consequência, determinou a anulação do acto de aplicação do valor de € 85 286,27 no âmbito do referido PEF determinando ainda a restituição do mesmo aos Reclamantes. Para assim decidir, sustentou-se o Tribunal recorrido nos seguintes fundamentos: «Decorre da factualidade provada que em 15.12.2021 a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro proferiu decisão através da qual autorizou o pagamento do processo de execução fiscal n.º 1112202101255070, em 36 prestações mensais e autorizou a constituição de hipoteca voluntária sobre a aeronave modelo PC-6/B2-H4 com a designação “D-Fogo” e o nº de série 936 cujo valor de mercado é de € 920.000,00/€ 950.000,00, com a concessão de prazo de 30 dias para a finalização da constituição de hipoteca, isto é sob a condição prevista no nº 2 do artigo 195º CPPT e ainda a ampliação para 30 dias do prazo para a sua apresentação, nos termos do n.º 7 do artigo 199º CPPT [cfr. alíneas a) a c) supra]. Os Reclamantes contestaram daquele ato, apenas na parte relativa ao número de prestações mensais, tendo acabado por ser revogada a referida decisão, na parte relativa ao número de prestações [cfr. alíneas a) a e) supra]. Das decisões que recaíram sobre o pedido de pagamento em prestações apresentadas pelos Reclamantes resulta que foi aceite como garantia a hipoteca de uma aeronave em valor suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda. E por essa razão os Reclamantes realizaram todas as diligências necessárias ao registo da hipoteca, a qual veio a acontecer [cfr. alíneas a) a e) e s) supra]. Para além desta atuação, a autoridade tributária e aduaneira para além de receber o produto da venda da fração autónoma dos Reclamantes, aplicou o produto dessa venda, no próprio dia da venda, a saber 11.02.2022, nos termos em que bem entendeu, aplicando a quantia de € 85.286,27 para pagamento da dívida exequenda do processo de execução fiscal n.º 1112202101255070, sem que tal tivesse previamente notificado aos Executados [cfr. alíneas a) a p) supra]. E ainda que a garantia não tivesse sido aprovada ou que os Reclamantes não tivessem tido condições para a prestar, então a autoridade tributária e aduaneira deveria tê-los notificado para regularizar a situação, à luz da decisão de 15.12.2021, no âmbito da qual a garantia oferecida foi aceite [cfr. alíneas a) a p) supra]. Deste modo, impunha-se à autoridade tributária, em face das circunstâncias do caso, que no cumprimento do princípio da boa-fé verificasse se a garantia aprovada já tinha sido constituída e aguardado pela resposta dos Reclamantes antes de penhorar o imóvel melhor identificado nos presentes autos e sobretudo antes de proceder à aplicação do valor da venda [cfr. alíneas a) a s) supra]. Nos termos acima descritos, procede a reclamação apresentada, o que a seguir se determinará.» Na apelação que nos vem dirigida alega a Fazenda Pública o seguinte: «I) Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Reclamação, por considerar que os reclamantes invocam que “os autos de execução fiscal estavam suspensos pela existência de um plano prestacional aprovado e condicionado à prestação de garantia, estando pendente uma reclamação contra o número de prestações aprovadas, reclamação essa que tem efeito suspensivo, estando ainda a correr o prazo para prestar a garantia oferecida.”;» Importa clarificar que o Tribunal recorrido não julgou procedente a reclamação «por considerar que os reclamantes invocam que “os autos de execução fiscal estavam suspensos». O tribunal decidiu julgando os factos e aplicando o que considerou ser o direito aplicável ao caso e não por considerar o que os reclamantes invocam. O raciocínio que desenvolveu pode estar errado, por assentar em erro de julgamento dos factos ou em erro de julgamento de direito. Na verdade, a questão central que se impunha ao Tribunal recorrido resolver era a de saber se o acto de aplicação do montante de € 85 286,27 no pagamento da dívida exequenda em cobrança no processo de execução fiscal n.º 1112202101255070 (PEF) é ilegal, importando para o efeito, atender à causa de pedir invocada pelos reclamantes. Os reclamantes invocaram que consideram que o PEF estava suspenso e assim sendo, a referida aplicação era ilegal por violação do disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, mais concretamente do princípio da legalidade tributária bem como, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade consagrados no artigo 59.º da LGT. Antes de mais, uma vez que do teor da sentença recorrida parece resultar uma imprecisão sobre o acto objecto da reclamação importa clarifica-lo. Em 7/02/2022 foi efectuada a penhora da fracção autónoma identificada em i), na mesma data foi efectuado o seu registo e remetida a notificação da penhora e citação pessoal aos executados, ora recorridos. Contudo, este acto não integra o pedido de anulação. Com a venda da referida fracção efectuada em 11/02/2022 pelos próprios executados a terceiros, a Fazenda Pública comunicou à Conservatória do Registo Predial de Portimão a «desistência da penhora». Na verdade, o órgão da execução procedeu ao levantamento da penhora e ao cancelamento do seu registo. Este acto de penhora sobre o imóvel não integra o pedido de anulação formulado na petição inicial. O pedido formulado nos autos constitui o pedido de anulação do acto que determinou a aplicação do valor de € 85 286,27 ao pagamento do valor em dívida no processo executivo n.º 1112202101255070 e a sua consequente restituição aos reclamantes. Comecemos então, pela questão de saber se o PEF estava ou não suspenso (conclusão I e V)). O Tribunal recorrido começa por afirmar que decorre da factualidade provada que foi proferida decisão através da qual o órgão da execução autorizou o pagamento do PEF em prestações e autorizou a prestação de garantia através da constituição de hipoteca sobre uma aeronave melhor identificada no ponto c) da matéria de facto. Declara ainda o Tribunal a quo que «Os Reclamantes contestaram aquele acto, apenas na parte relativa ao número de prestações mensais tendo acabado por ser revogada a referida decisão na parte relativa ao número de prestações [cfr. alíneas a) a e) supra]» para depois retirar uma ilação errada quanto às consequências a extrair daquela afirmação e quanto ao objecto do processo. Senão vejamos. Os reclamantes reclamaram daquele acto apenas quanto à decisão de autorizar o pagamento em 36 prestações, sendo certo que tal acto foi revogado pelo órgão da execução fiscal sendo de assinalar que foi proferido outro acto autorizando o pagamento em 60 prestações. Este acto também foi objecto de reclamação nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT. É nesta acção que os reclamantes sustentam a sua tese de que o processo de execução se encontrava suspenso. Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 278.º do CPPT, «a reclamação referida no n.º 3 suspende os efeitos do acto reclamado (…)» O que resulta da factualidade apurada é que o acto que decidiu o número de prestações a pagar bem como sobre a garantia a prestar com vista à suspensão do processo, apenas foi reclamado quanto ao número de prestações aprovadas e não quanto à obrigação de prestação de garantia, o qual, por falta de reclamação se consolidou. Na falta de prestação de garantia no prazo concedido, de 30 dias, o processo de execução fiscal não estava suspenso, apesar de decorrer contencioso em que se discutia o número de prestações a que seria subordinado o cumprimento do plano de pagamento. O efeito suspensivo daquela reclamação estende-se apenas ao número de prestações a que o plano de pagamento ficaria subordinado. Nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º 8 do CPPT «A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.» Conforme resulta do disposto no artigo 198.º, n.º 3 e artigo 199.º n.º 8 do CPPT, em consonância de resto com o que se refere na informação de cuja fundamentação se apropriou o órgão da execução fiscal, com o despacho de concordância de 15/12/2021, foram os ora recorridos notificados, com a advertência de que a falta de prestação de garantia dentro do prazo «origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido (nº 8 do artº 199º do CPPT)». Assim sendo, na medida em que não havia sido prestada a garantia aprovada, no prazo determinado pelo órgão de execução, o processo de execução fiscal não estava suspenso. Deste modo, ao decidir que «Resulta manifestamente dos presentes autos, que os serviços da autoridade tributária e aduaneira, laboraram em erro, quando em 07.02.2022, procederam à penhora do imóvel identificado. Isso mesmo resulta claro do e-mail enviado em 04.02.2022, no qual o Chefe do serviço de finanças de Portimão informou não existir garantia aprovada para efeitos de suspensão do processo de execução em causa [cfr. alíneas g) a h) supra]» incorre em erro de julgamento. Por um lado, porque estava legitimada a actuação do órgão da execução quanto à prossecução dos termos normais do processo de execução (salientando-se que apesar de não estar em causa nos autos o acto de penhora do imóvel, constituiu um acto conforme com as normas citadas). Por outro lado, por infirmar a informação prestada pelo referido órgão quanto à inexistência de «garantia aprovada para efeitos de suspensão do processo de execução em causa». O errado julgamento efectuado quanto à verificação da suspensão do PEF parece decorrer de o Tribunal ter pressuposto que havia sido prestada garantia. Contudo, em bom rigor tal só veio a suceder mais tarde, ainda que sem autorização do órgão da execução. A legalidade dos actos praticados pelo órgão da execução fiscal deve ser apreciada, em princípio, à luz dos factos ocorridos à data da sua prática. A prestação de garantia não tem efeitos retroactivos. Por tal motivo, é errado o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo quando declara que «Das decisões que recaíram sobre o pedido de pagamento em prestações apresentadas pelos Reclamantes resulta que foi aceite como garantia a hipoteca de uma aeronave em valor suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda. E por essa razão os Reclamantes realizaram todas as diligências necessárias ao registo da hipoteca, a qual veio a acontecer [cfr. alíneas a) a e) e s) supra].»
Na verdade, a garantia oferecida pelos reclamantes, ora recorridos e aceite pelo órgão da execução por despacho de 15/12/2021, consubstanciava-se na constituição de hipoteca sobre a aeronave identificada no ponto c) do probatório. Estava em causa a constituição de hipoteca voluntária sobre a «aeronave modelo PC-6/B2-H4 com a designação “D-Fogo” e o nº de série 936 cujo valor de mercado é de € 920.000,00/€ 950.000,00» a prestar em 30 dias após a notificação do referido despacho. Apenas em 18/05/2022 os reclamantes requereram a substituição da garantia quanto ao seu objecto, cuja apreciação aguardava a apresentação de elementos complementares para decisão (cf. ponto r) da matéria de facto). Em 15/04/2022 havia sido constituída pela S…, S.A. hipoteca sobre avião, objecto de registo em 8/06/2022 (embora na certidão emitida pela ANAC se refira a ordem inversa, trata-se de lapso manifesto, na medida em que o registo não pode preceder cronologicamente a constituição a hipoteca) conforme resulta da al. s) dos factos provados. A referida hipoteca incidiu sobre «avião terrestre plurimotor, marca British Aerospace PLC, modelo Jetstream 3200, ano de fabrico 1989, com o número de série de fabricante 857, marcas de nacionalidade e matrícula CS-DVQ, equipado com dois motores marca Garret, modelo TPE 331-12UHR-402H, com os números de série do fabricante P-66037C e P-66258C» (cf. ponto t) da matéria de facto provada objecto de aditamento). Em 21/06/2022 os reclamantes vieram informar os autos que foi constituída a aludida hipoteca. Do que se deixou dito, fácil é de concluir que, em bom rigor, não havia garantia prestada e assim sendo, o processo de execução fiscal não estava suspenso. Só após a constituição da hipoteca se poderia equacionar a referida suspensão e ainda assim, por ter sido constituída sobre aeronave diferente da que foi oferecida e aceite, a suspensão ficaria condicionada à concordância da administração tributária, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 199.º, n.º 2 do CPPT, já que depende da avaliação sobre a sua idoneidade nos termos do n.º 6 do mesmo preceito legal, na medida em que se trata de outro bem. Em súmula, à questão colocada de saber se o acto de aplicação do montante de € 85 286,27, é ilegal por se verificar a suspensão do processo de execução fiscal, importa responder negativamente. Uma vez que à data da sua aplicação, o processo executivo de que estes autos constituem apenso, não estava suspenso, tendo em consideração que havia decorrido o prazo para a prestação da garantia oferecida, através de hipoteca voluntária sobre a aeronave identificada no ponto c) do probatório, e que a prestação da garantia dependia exclusivamente da iniciativa dos executados, não estava o órgão da execução fiscal impedido de prosseguir com a execução, procedendo à penhora de bens para garantir a cobrança da dívida. Actuação que, além de dar cumprimento ao disposto no artigo 199.º n.º 8 do CPPT, está em consonância com o que dispõem os artigos 36.º, n.º 3 da LGT e 85.º, n.º 3 do CPPT que estabelece o princípio geral de que a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos previstos na lei, nem suspender a execução fiscal fora dos casos previstos na lei. Ora, partindo de errado julgamento sobre a questão de saber se o processo de execução fiscal estava ou não suspenso, toda a decisão fica afectada pelo vício de errado julgamento de facto e de direito, na medida em que a sua apreciação foi efectuada nessa perspectiva. Daqui resulta a procedência do recurso e a consequente revogação da decisão recorrida julgando-se improcedente a reclamação. Consideram-se as demais conclusões prejudicadas. * No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa. Atendendo à procedência do recurso, considera-se que foram os recorridos que deram causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, devem ser condenados nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte). * IV - CONCLUSÕES O efeito suspensivo da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, estende-se apenas ao acto reclamado. * V - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Primeira Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação.
Custas pelos recorridos em ambas as instâncias. Lisboa, 13 de Outubro de 2022.
Ana Cristina Carvalho - Relatora Hélia Gameiro – 1ª Adjunta Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta |