Decisão Texto Integral: | Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
P.........., devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P [AIMA, I.P.], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 28.1.2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. A Sentença proferida no dia 28 de janeiro de 2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do processo n.º 514/24.7BELSB, contém, salvo o devido respeito pela MMª. Juíza a quo, inequívocos erros de julgamento;
B. Com efeito, ao decidir pela verificação da exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por inadequação do meio processual utilizado, o Tribunal a quo errou na apreciação dos factos submetidos à sua consideração e, consequentemente, na correspetiva interpretação e subsunção jurídica;
C. A acrescer, errou também aquele Tribunal ao considerar que se encontrava esgotado o direito do Requerente de propor a correspetiva ação administrativa, atenta a sua (suposta) intempestividade, em virtude do decurso do prazo de 1 (um) ano, previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA, dessa forma aniquilando por completo o seu acesso a uma tutela jurisdicional;
D. No que respeita à exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por inadequação do meio processual utilizado, padece a sentença recorrida de um erro de julgamento por considerar que não se encontram demonstrados os pressupostos de urgência e de indispensabilidade que caraterizam o meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;
E. Na verdade, no seu requerimento inicial o Recorrente demonstrou de forma exaustiva o preenchimento destes dois pressupostos, circunstância que não mereceu a devida análise por parte deste Tribunal;
F. Em concreto, sobre o pressuposto da urgência, aludiu o Recorrente a quatro fatores donde, a seu ver, se retira a manifesta urgência da sua pretensão, fatores esses que reitera no presente recurso (ver supra):
G. Por seu turno, no que concerne ao pressuposto da indispensabilidade do recurso ao meio processual em apreço, apontou o Recorrente a inadequação de uma providência cautelar e a insuficiência de uma ação administrativa – esta última por implicar a “condenação” do Recorrente à manutenção do atual status quo de lesão de direitos fundamentais por um longo período de tempo – razão pela qual restaria ao Tribunal ad quo admitir a pretensão do Recorrente sob a presente forma excecional de processo;
H. O Recorrente não deixou, de igual modo, de demonstrar estes factos, sem esquecer que grande parte dos mesmos se depreendem à luz das regras da experiência comum – como é o caso da angústia, stress e frustração resultante de ter a vida “em suspenso”, enquanto o procedimento para obtenção dos títulos de residência perdura indefinidamente;
I. Destarte, incorreu a decisão recorrida num erro ao concluir pela inadequação do meio processual utilizado, em virtude de não ter feito uma correta análise (se é que fez alguma) dos factos alegados e demonstrados pelo Recorrente e de, ao mesmo passo, ter ignorado a diversa jurisprudência a favor da idoneidade desta intimação no contexto da inércia da Recorrida na tramitação de pedidos de autorização de residência;
J. Por seu turno, no que concerne ao erro de julgamento relativo à intempestividade para propor a correspetiva ação administrativa, relevante, sobretudo, no contexto da apreciação do pedido subsidiário formulado pelo Recorrente, principia-se por sublinhar que esta apenas foi considerada como forma de lhe permitir algum tipo de tutela jurisdicional, volvido um ano de completa estagnação do seu procedimento para obtenção de título de residência e na convicção de que a Recorrida não irá promover o desenvolvimento deste procedimento (i.e., permitir o agendamento da recolha de dados biométricos), salvo se compelida por decisão judicial;
K. De resto, no contexto do referido pedido subsidiário, o Recorrente não peticionou “só” a convolação em ação administrativa de condenação à prática de ato administrativo, nem tal se afiguraria compaginável com a sua situação, em que, para que o ato final possa ser praticado, impõe-se a adoção da conduta prévia de agendamento e realização da diligência de recolha dos dados biométricos;
L. Ciente deste facto – que terá passado despercebido à Meritíssima Juíza ad quo – o Recorrente peticionou a convolação em “ação administrativa de condenação da Administração à adoção das condutas necessárias e de condenação à prática do ato devido [artigo 37.º, alíneas i) e b) do CPTA], ao abrigo do dever de gestão processual (artigo 7.º-A do CPTA)”;
M. Ou seja, perante a necessidade do sobredito agendamento e da consequente realização da diligência de recolha dos dados biométricos – conditio sine qua non para a prolação do ato administrativo de emissão (ou não) do título de residência – na verdade o prazo previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA não iniciou ainda o seu curso;
N. Portanto, sem deixar de ressalvar o respeito devido, cometeu o Tribunal ad quo um erro palmar ao considerar que tal ação administrativa seria intempestiva, por força do suposto decurso do prazo de um ano que a lei concede para propositura da ação administrativa de condenação à prática de ato administrativo, previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA;
O. A própria Recorrida, aliás, perfilha um entendimento menos penalizador, ao estabelecer que é a efetivação do agendamento presencial num dos seus serviços (“Loja AIMA”) e entrega da documentação em suporte físico – ainda em falta na situação em apreço – que assinala a “abertura do processo ARI”, contando-se a partir daí (e apenas a partir daí) o prazo decisão de 90 dias estabelecido no artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho;
P. Nessa medida, por imperativo prático e legal, reconhecido pela própria Recorrida, não se está, na situação do Recorrente, no momento de exigir (ainda) a prática do ato devido, havendo, a priori, de providenciar pelo agendamento da diligência em falta – i.e., pela adoção das condutas (ou atuação material) necessárias;
Q. Na senda da melhor doutrina e jurisprudência, quando uma ação administrativa tem por objeto a adoção de condutas haverá que entender que não se encontra sujeita a qualquer prazo de caducidade, não lhe sendo aplicável o regime previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA;
R. Deveria, pois, o Tribunal ad quo ter considerado a ação administrativa tempestiva e admitido o pedido subsidiário de convolação, porque atinente a uma cumulação de pedidos concebível à luz do artigo 4.º do CPTA e traduzida, em primeiro lugar, na condenação à adoção de condutas (agendamento e realização da diligência de recolha de dados biométricos), ao abrigo do artigo 37.º, alínea i) do CPTA e, a final, apenas e só após aquele momento, à prática do ato devido (artigo 37.º, alínea b) do CPTA);
S. Por último, do ponto de vista material, negar ao Recorrente o acesso quer à via processual da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, quer, em ultima ratio, à ação administrativa, será negar-lhe o acesso a uma tutela jurisdicional efetiva;
T. Tanto o artigo 20.º como o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição garantem a possibilidade de o cidadão apelar para uma decisão jurisdicional acerca de uma questão que o oponha à Administração;
U. Não é, no entanto, suficiente que a lei assegure essa possibilidade; há que garantir os meios necessários para que a garantia em causa seja efetiva;
V. De facto, de nada vale ao particular que a lei preveja a possibilidade de utilização de meios processuais de caráter urgente – como é o caso da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias – se os pressupostos para o seu deferimento se revelarem de impossível verificação;
W. Ou, mais grave ainda, se, como sucede no caso concreto, os tribunais se recusarem, sequer, a apreciar os fundamentos da intimação peticionada e neguem, a acrescer, o acesso subsidiário ao meio processual não urgente que restaria ao Recorrente;
X. Ora, na situação aqui em apreço – e ao contrário do que resulta da decisão recorrida – o Recorrente está convicto de que o legislador proporcionou ao particular e, em última análise, ao julgador, as ferramentas e mecanismos que possibilitam a concretização material do princípio em referência, através do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109.º a 111.º do CPTA) ou, em ultima ratio e em inferior medida, à ação administrativa;
Y. Em boa verdade, ao recusar-se a fazê-lo com fundamento numa aparente, mas inexistente, verificação de uma exceção de inadequação do meio processual, em primeiro lugar, e de uma exceção de intempestividade do direito de ação, em segundo lugar (e por referência ao meio não urgente), a Meritíssima Juíza ad quo acabou por esvaziar de todo e qualquer substrato o princípio da tutela jurisdicional efetiva, algo que lhe está vedado pela nossa Constituição;
Z. Por fim, a acrescer ao vem dito, o Despacho de rejeição de que ora se recorre, vai também frontalmente contra aquela que é a jurisprudência assente em matéria de apreciação preliminar de um requerimento inicial, segundo a qual, no essencial, o recurso ao despacho de rejeição deve ser a ultima ratio, ou seja, a única solução legalmente admissível face aos elementos, de facto e de direito, que foram levados ao conhecimento do Tribunal – vd. Acórdão do TCA Norte, de 02.10.2020, tirado no processo n.º 01049/20.2BEBRG;
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra decisão judicial que determine a apreciação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias por parte do Tribunal a quo ou, subsidiariamente, que admita a convolação em ação administrativa, nos moldes peticionados no requerimento inicial.».
Notificada para a causa e para o recurso a Entidade recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos (mas com envio prévio a estes do projecto de acórdão), por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à sessão para julgamento.
A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter decidido indeferir liminarmente a petição de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias [doravante apenas IDLG] por não se verificarem os respectivos pressupostos de da indispensabilidade e subsidiariedade deste meio processual e não ser possível a convolação da petição em providência cautelar.
A sentença recorrida não fixou factos.
Das conclusões formuladas pelo Recorrente resulta, em síntese, que: discorda do entendimento do juiz a quo de que não demonstrou urgência e a indispensabilidade para fazer uso da presente acção, tendo feito uma errada análise do que alegou para o efeito e ignorado diversa jurisprudência a favor da idoneidade desta acção de intimação no contexto da inércia da Administração na tramitação de pedidos de autorização de residência; errou na apreciação da intempestividade para propor a correspondente acção administrativa, pedido formulado subsidiariamente para assegurar algum tipo de tutela jurisdicional; sendo que também pediu (cumulou) a adopção da conduta prévia de agendamento para recolha de dados biométricos, que passou despercebido ao juiz a quo, que, para o efeito, deveria ter considerado que o prazo previsto no artigo 69º, nº 1 do CPTA ainda não teve início; a própria Recorrida entende que é a entrega da documentação e suporte físico que assinala a abertura do processo de ARI e a contagem do prazo de 90 dias, previsto no artigo 82º da lei nº 23/2007; deveria ter sido considerado tempestiva a acção relativa ao pedido de condenação à adopção de condutas, ao abrigo do artigo 37º, alínea i) do CPTA; negar o acesso à presente intimação e à convolação em acção não urgente, será negar-lhe o acesso á tutela jurisdicional efectiva, v. artigo 268º, nº 4 da CRP; a decisão recorrida vai contra a jurisprudência que entende que a rejeição liminar deve ser a última solução legalmente admissível face aos elementos, de facto e de direito, que foram levados ao conhecimento do tribunal.
A sentença recorrida indeferiu a petição do Recorrente suportada, designadamente, na seguinte fundamentação de direito:
«Alega o requerente que se encontra à espera de ver instruído/decidido o pedido/candidatura de concessão de autorização de residência para a atividade de investimento que apresentou junto da entidade pública requerida.
Consequentemente, pede que a entidade pública requerida seja intimada a emitir-lhe a correspondente autorização de residência para a atividade de investimento.
Tendo presente esta configuração do litígio, de imediato se impõe dizer que no caso concreto não estão reunidos os requisitos legais acima apontados, desde logo porque o requerente não alegou/provou factos que concitem qualquer situação de urgência carecida de tutela definitiva, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo já (demasiado) longo, relativamente à decisão do seu pedido/candidatura de concessão de autorização de residência para a atividade de investimento.
Para que assim fosse era necessário que do requerimento inicial apresentado se pudesse vislumbrar que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou o pedido de concessão de autorização de residência, mais de (2) dois anos antes da apresentação da presente intimação (16.11.2021 – 24.01.2024), estivesse a pôr em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente algum seu direito, liberdade ou garantia (ou direito análogo).
Com efeito, o requerente não alegou ─ e, consequentemente, não provou ─ que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém (o requerente nada alegou a respeito, em concreto o requerente não concretizou qualquer situação pessoal ou familiar que justifique um tratamento diferenciado por uma particular urgência e premência).
O requerente limitou-se a alegar que planearam e realizaram todos os investimentos e procedimentos que deveriam adotar para que pudessem fixar a sua residência em Portugal, e que estão com a sua vida em suspenso, não conseguindo definir a sua vida familiar, profissional e económica por inércia da entidade pública requerida (Cf. artigos 52.º a 71 do articulado inicial).
Todavia ─ ad exemplus ─ o requerente não indicou a respetiva área de atividade/negócio, como não identificou qualquer contrato de trabalho – ou outro(s) – celebrado, ou a celebrar, que possa estar na iminência de deixar de produzir os seus efeitos por o requerente não ter (ainda) uma autorização de residência para a atividade de investimento emitida.
O requerente também não indicou em que medida é que a sua esposa está a ser prejudicada, como não identificou os concretos constrangimentos a que se refere.
Como assoma evidente, em relação a cada uma dessas alegações o requerente socorre-se de imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação de factos concretos em que se concretizou a violação dos (pretensos) direitos, liberdades e garantias, sejam eles pessoais ou patrimoniais, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, não podendo tais alegações servir de suporte à qualificação de uma situação de especial urgência carecida de tutela definitiva.
Neste pressuposto, entendemos que o requerente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido.
[…]
Donde, dos fundamentos aventados pelo requerente, não deve erigir-se qualquer urgência.
Assim sendo, por não virem alegadas concretas circunstâncias que exijam que a tutela pretendida seja urgentíssima, falece o primeiro pressuposto mencionado: a urgência da tutela requerida.
Tal será bastante para considerar que não estão reunidos os pressupostos processuais específicos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Mas, além disso, a inadequação do meio processual utilizado ressalta ainda de um outro aspeto.
[…]
É dizer, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, só podendo aquele meio ser utilizado quando o mesmo se revele indispensável para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos referidos direitos.
Essa indispensabilidade tem de ser carreada para os autos pelo respetivo requerente.
Primeiro, tem de a alegar. Depois, tem de a provar.
E no caso presente, o requerente não fez nenhuma das duas.
Quando o requerente deverá oferecer, logo com o articulado inicial, prova sumária destes pressupostos de ‘indispensabilidade’, de ‘urgência’, de ‘impossibilidade’ e de ‘insuficiência’, necessários, quer para a admissibilidade do pedido de intimação, quer, depois, para a sua procedência – Neste sentido, Cf. Sofia DAVID, ‘Das intimações. Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos’, Editora: Almedina, 2005, p. 124.
Assim:
Mesmo que se verificasse alguma urgência na tutela requerida, não existe qualquer indício de que essa urgência não pudesse ser acautelada provisoriamente (por meio de tutela cautelar com eventual decretamento provisório da providência a requerer), enquanto o requerente aguarde a decisão de um processo principal condenatório (não urgente).
Ou, dito por outras palavras, o requerente não alegou um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em ação administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, é dizer, que esta ação não é suficiente para assegurar o exercício em tempo útil desse direito.
E nos casos em que essa tutela requerida possa ser efetivamente assegurada pelo recurso aos demais meios processuais, nomeadamente, por ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, o processo de intimação regulado nos artigos 109.º e ss. do CPTA não deve ser admitido.
E disso é exemplo o caso presente, pois que, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, de feição transitória e temporária, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respetiva ação principal.
No caso vertente, o decretamento provisório da providência cautelar, com a consequente apreciação liminar do pedido do requerente, acautela devidamente os seus direitos até à decisão da causa principal, na medida em que, caso lhe seja perfuntoriamente reconhecida a bondade da pretensão que apresentou, estará a partir de então temporariamente munido da autorização que almeja.
Sendo certo que inexiste aqui o fator de irreversibilidade desta concessão da autorização, precisamente por se tratar de uma autorização provisória, característica inerente aos processos cautelares, que relega a resolução definitiva do litígio para a ação principal.
Por outro lado, a manutenção da incerteza quanto à concessão definitiva da autorização de residência até à decisão da ação principal é algo de inerente a este tipo de litígios.
Neste exato sentido, aqui aplicáveis mutatis mutandis, Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.05.2023, proferido no Processo n.º 806/22.0BEALM, de 07.06.2023, proferido no Processo n.º 166/23.1BEALM, de 13.07.2023, proferido no Processo n.º 1151/23.9 BELSB, de 13.07.2023, proferido no Processo n.º 489/23.0 BELSB, e de 13.09.2023, proferido no Processo n.º 924/23.7BELSB, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtca.
Aí se sumariou ─ com o que se concorda ─ que: «A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no artigo 75.º n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04/07, na redação da Lei n.º 18/2022, de 25/08, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respetivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a ação principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respetiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível.».
Termos em que, para lá da falta de comprovada urgência no presente processo, não se encontra verificado também o pressuposto específico da subsidiariedade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Conclui-se, deste modo, que a pretensão do requerente não é credora da intimação prevista no artigo 109.º do CPTA.
Estas circunstâncias importam a verificação de uma exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por inadequação do meio processual utilizado, de conhecimento oficioso, que implica que o requerimento inicial não possa ser liminarmente admitido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 109.º n.º 1 e 110.º n.º 1, ambos do CPTA, e 590.º n.º 1 do CPC.
Todavia, importa ainda indagar da aplicabilidade aos presentes autos do disposto no artigo 110.º-A n.º 1 do CPTA, o que faremos de seguida.
Da aplicação do disposto no artigo 110.º-A n.º 1 do CPTA
O artigo 110.º-A n.º 1 do CPTA foi introduzido no CPTA pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, e prevê a substituição da petição e o decretamento provisório de providência cautelar.
[…]
Ora, tendo em conta o pedido formulado pelo requerente e a alegação apresentada, concluímos que a propositura de uma ação administrativa, mais especificamente, mediante um pedido de condenação à prática do ato devido ─ como meio de reacção à inércia da Administração, seja na apreciação do pedido de concessão de autorização de residência, seja na emissão do correspondente título de residência, nos termos dos artigos 37.º n.º 1 e 2 alínea b), 66.º, e 67.º n.º 1 alínea a), todos do CPTA ─ consubstanciado na concessão da autorização de residência requerida ou na emissão do correspondente título, combinada com a dedução de uma providência cautelar, é o meio processual adequado e suficiente para garantir que não se verifique uma lesão irreversível do direito daquele.
Conforme resulta do requerimento/articulado inicial, o requerente/A. alegou que requereu a autorização de residência a 08.12.2020. Partindo desta data, o prazo regra de (90) dias (úteis) para a Administração decidir o pedido de autorização em causa iniciou-se em 17.11.2021 (1.º dia útil) e completou-se em 24.03.2022, e o prazo de (10) dias (úteis) para a Administração emitir o título de residência em causa iniciou-se em 25.03.20222 (1.º dia útil) e completou-se em 07.04.2022 (Cf. artigos 86.º n.º 1 e 87.º n.º 1 alínea b) e c), ambos do CPA). A presente intimação deu entrada em juízo a 24.01.2024 (Cf. comprovativo de entrega a fls. 1-4 dos autos em paginação eletrónica), com o que o presente articulado/petição seria intempestivo em sede de ação administrativa de condenação à prática de ato administrativo, já que se mostra ultrapassado o prazo de (1) um ano, previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA, o que ocorreu a 08.04.2023.
Neste pressuposto, revela-se totalmente espúria a notificação do requerente para efeitos de substituir a petição inicial, para o efeito de requerer a adoção da providência cautelar adequada à tutela do direito que pretende fazer valer, em virtude do decurso do prazo previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA (à data da propositura da presente intimação ─ como vimos ─ já havia caducado o direito de intentar a ação administrativa a que corresponderiam os pedidos formulados nos presentes autos, artigos 66.º e ss. do CPTA).
Com o que a convolação em providência cautelar terá de ser arredada por se verificar a manifesta ausência de pressupostos processuais da ação principal de que a tutela cautelar claramente dependeria (traduzir-se-ia num ato inútil que a lei processual proíbe, Cf. artigo 130.º do CPC, pois que a situação fáctico-jurídica invocada no requerimento inicial da presente intimação reconduzir-se-ia ao fundamento de rejeição liminar de requerimento cautelar, previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA).
Sobre o decurso do prazo previsto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA vs requisito da urgência da tutela requerida, Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.07.2023, ambos proferidos no Processo n.º 455/23.5BELSB, de que a Juiz Signatária é titular, aqui aplicáveis mutatis mutandis. T
Termos em que no caso presente também não se verificam os pressupostos legais para aplicar o disposto no artigo 110.º-A do CPTA.».
Explicitando,
Dispõe o nº 1 do artigo 109º do CPTA que: “1 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Em face do que, o que é exigido para que seja admissível o uso do meio processual principal, urgente e excepcional que é a IDLG, é que o interessado/requerente alegue factos relativos à sua situação concreta que permitam concluir que necessita efectivamente de uma decisão judicial célere e de mérito que intime a Administração a actuar, positiva ou negativamente, por forma a assegurar o exercício em tempo útil do direito fundamental ou análogo que considera ameaçado.
O que o Recorrente não fez.
Com efeito, o Recorrente, nacional da República da Índia e residente nos Estados Unidos da América, limita-se, na petição, a alegar que, tendo efectuado avultado investimento em território nacional, submeteu em 16.11.2021 no Portal de ARI a sua candidatura de ARI, e requereu o reagrupamento familiar da sua esposa; decorridos os prazos para o efeito, esse pedidos ainda não foram decididos; o que obsta a que possam residir legalmente em Portugal; se mantenha numa situação de incerteza, angústia e stress mental, sem saber se o projecto de residir em família em Portugal se vai concretizar, não podendo planear a sua vida; cada dia que passa é mais um dia sem acesso ao avultado investimento efectuado, que ficará “retido” pelo menos cinco anos munidos de ARI até que possam requerer a nacionalidade portuguesa; e a aprovação do fim do Estatuto de Residente Não Habitual e os consequentes danos para si, caso não obtenha ARI em tempo útil; considerando indispensável o uso da presente acção por a diligência da recolha de dados biométricos não se compadecer com uma tutela provisória e a acção administrativa não urgente o manter na situação em que se encontra por um longo período de tempo.
Ora, a circunstância de ter investido em Portugal, confere-lhe o direito a requerer a ARI e o subsequente reagrupamento familiar, sem que tenha de residir no território nacional para o efeito e, caso não sejam observados [como não foram] os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, tem também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro na mesma situação e nos mesmos termos.
Contudo e no que concerne aos pressupostos de admissibilidade do presente meio processual, afigura-se insuficiente a efectuada alegação de direitos ameaçados – na realidade o Recorrente não tem direito à concessão de ARI, mas uma expectativa em a obter face ao investimento que efectuou em território nacional e desde que observe as demais condições exigidas na legislação aplicável na matéria. Significando que, em rigor, não pode invocar que o seu direito à ARI se encontra ameaçado.
Quanto ao investimento que fez se encontrar retido, não explica que danos ou prejuízos concretos suporta na sua esfera jurídica nem em que moldes lhe é indispensável a obtenção da decisão judicial definitiva referida no nº 1 do artigo 109º do CPTA.
No mais invoca incómodos, geralmente desagradáveis, que implicam o retardamento da execução de projectos, às vezes no modo de vida, mas que se reconduzem àqueles que normalmente um particular experimenta perante a demora na decisão de um pedido que dirigiu à Administração e que não são suficientes ou adequados para dar por verificados os requisitos da especial urgência e indispensabilidade deste meio processual.
Assim, nenhuma censura merece a sentença recorrida na apreciação que efectuou do alegado pelo Recorrente quanto ao (não) preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do uso desta acção excepcional e urgente de intimação.
Quanto ao pressuposto da subsidiariedade, como é referido na sentença, a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via de reacção normal contra a violação ou ameaça de direitos fundamentais, só devendo ser utilizada quando se revele indispensável para permitir o exercício desses direitos em tempo útil. Ou dito de outro modo, não será o meio adequado se o efeito pretendido pelo requerente puder ser obtido mediante a instauração de uma acção administrativa não urgente, associada a uma providência cautelar que assegure a sua utilidade.
O artigo 110º-A do CPTA prevê a possibilidade de convolação da petição em requerimento cautelar se as circunstâncias do caso não justificarem a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, bastando o decretamento desse meio de tutela provisória.
Como dispõem os artigos 112º e 113º do CPTA, uma providência cautelar visa assegurar a utilidade da sentença de procedência que venha a ser proferida na acção principal, de que aquela depende, podendo ser instaurada como preliminar ou como incidente do respectivo processo.
Nenhum prazo se encontra previsto para a sua instauração, mas atenta a característica de dependência de uma acção administrativa principal, autónoma e definitiva, só poderá ser assegurada a sua utilidade se esta tiver sido instaurada dentro do respectivo prazo para o efeito (se sujeita a prazo).
Analisado o caso dos autos, o juiz a quo concluiu pela intempestividade da acção principal e, consequentemente, pela desnecessidade de convidar o Requerente a substituir a petição por requerimento cautelar.
Discorda o Recorrente porquanto, explica, efectuou na petição, à cautela e sem prescindir do entendimento de que a presente acção é o meio idóneo a satisfazer os seus direitos, dois pedidos subsidiários cumulativos de convolação da presente acção de intimação em acção administrativa de condenação da Administração à adopção das condutas necessárias e de condenação à prática do acto devido, ao abrigo do disposto no artigo 37º, alíneas i) e b), do CPTA, respectivamente.
As condutas necessárias pretendidas consistem, conforme alega no recurso, no agendamento de data para recolha de dados biométricos, condição necessária para a prolação do acto administrativo de concessão de ARI, pelo que, na verdade, o prazo previsto no nº 1 do artigo 69º do CPTA, ainda não iniciou o seu curso. O que, acrescenta, decorre do entendimento da própria Entidade recorrida de que é a recolha desses dados e entrega de documentação em suporte físico, que marca o início do prazo legal de decisão do procedimento.
Vejamos,
A Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, foi regulamentada pelo Decreto-Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, actualizado, que, no que concerne à tramitação dos processos de autorização de residência para actividade de investimento, prevê no artigo 65º-J a elaboração de um Manual de procedimentos do SEF.
Nesse Manual consta:
«1. Organização do Processo
O procedimento de ARI inicia-se por requerimento do Interessado (Requerente de ARI).
Antes do processamento formal e instrução do processo, deve ser verificada a seguinte tramitação prévia:
- Registo “online” obrigatório para início do procedimento, que consiste no seguinte; (sublinhado nosso)
(…)
- Confirmação do registo pela Direção/Delegação Regional onde o pedido foi entregue. Para o efeito deve ser solicitado à gest.acessos@sef.pt o acesso ao portal ARI para os funcionários designados para o efeito, e atribuídos os seguintes perfis:
(…)
- Entrega da documentação legalmente exigida e pagamento da taxa de análise no local de atendimento SEF.
Mediante pedido e autorização do Requerente de ARI procede-se, com a entrega do RI, à recolha de dados biométricos que servirão para a (eventual) emissão do título ARI. (…).
Após a tramitação prévia é aberto o processo ARI. // (…)» consultado em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.sef.pt/pt/Documents/Manual_ARI_2017.pdf.
A saber, o registo efectuado pelo Recorrente, em 16.11.2021, através do Portal ARI, “ARI – Candidatura de autorização de residência para actividade de investimento”, corresponde ao primeiro ponto da tramitação, ainda que prévia à formalização e instrução, do processo de ARI a que foi atribuído o nº 04302/ARI/094/21 [v. artigo 19. da petição, com print da referida candidatura com descrição dos documentos juntos e referência à “Situação do Requerimento: Candidatura Aceite”].
Ou seja, o procedimento administrativo para concessão de ARI ao Recorrente foi iniciado com a apresentação da referida candidatura online, ainda que só depois de marcada data para o efeito possa ser apresentado formalmente o pedido de ARI e respectiva documentação em suporte físico.
Tal resulta de um sistema específico de recepção dos pedidos de ARI, certamente pensado para melhorar a organização e funcionamento do então SEF, actual AIMA, para o efeito, que, no caso do Recorrente, não resultou, pois ainda não foi notificado da (nova) data e serviço onde deve apresentar o seu.
O agendamento de data para entrega do pedido de ARI é o segundo ponto previsto no referido Manual da tramitação prévia do processo que culmina com a emissão do título de autorização de residência.
O procedimento de concessão de ARI ao Recorrente encontra-se iniciado, desde a data da apresentação da candidatura no Portal ARI e, sendo uma sucessão ordenada de actos e formalidades [v. o artigo 1º do CPA], o prazo para os praticar ou as observar/cumprir, excepto quanto ao prazo de decisão do procedimento – no caso de 90 dias, por força do disposto no artigo 82º, nº 5 da Lei nº 23/2007 - e na falta de disposição especial ou de fixação pela Administração, será o geral, de 10 dias, previsto no artigo 86º do CPA.
Em face do que não assiste razão ao Recorrente quando afirma que o prazo enunciado no nº 1 do artigo 69º do CPTA, ainda não começou a decorrer.
Também não procede a argumentação de que formulou dois pedidos cumulativos e sucessivos, de condenação à adopção de condutas – o agendamento de data para recolha dos dados biométricos – e o de condenação à prática do acto devido - de emissão da ARI.
Com efeito, e como resulta do exposto sobre a tramitação do procedimento de ARI, o agendamento de data para recolha de dados biométricos consubstancia uma fase deste, necessária para que possa prosseguir os seus termos e chegar ao objectivo final que é a concessão da ARI. Dito de outro modo, não tem autonomia, não é um objectivo em si mesmo, só releva se enquadrado no procedimento.
Donde, o único pedido subsidiário relevante, atendível, efectuado na petição é o de convolação em acção administrativa de condenação à prática do acto devido, no qual se engloba a actuação positiva da Recorrida, consistente na prática de operações materiais necessárias para o efeito, como a do agendamento de data para recolha de dados biométricos e apresentação dos documentos em suporte físico.
O Recorrente não coloca em causa a contagem do prazo de caducidade do direito de acção, efectuada pelo juiz a quo.
Assim, tendo tal prazo tido início e termo antes da instauração da acção administrativa não urgente, considerada idónea para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos que o Recorrente visa prosseguir na presente acção de intimação, revela-se acertado o entendimento do tribunal recorrido de que é inútil convidá-lo a substituir a petição por requerimento cautelar, por não poder ser instaurada acção, ou ser proferida decisão definitiva, sobre o mérito da causa, cuja utilidade pudesse assegurar.
Por fim, alega o Recorrente que o decidido na sentença recorrida implica negar-lhe o acesso à tutela jurisdicional efectiva, v. artigo 268º, nº 4 da CRP e vai contra a jurisprudência que entende que a rejeição liminar deve ser a última solução legalmente admissível face aos elementos, de facto e de direito, que foram levados ao conhecimento do tribunal.
O direito de acesso e tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental que consagra que todos têm direito a aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, para o que a lei deve assegurar os procedimentos judiciais adequados, nos termos previstos nos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP.
O CPTA, densificando aquele direito, consagra, designadamente, no artigo 2º, as formas processuais que os cidadãos têm ao seu dispor para, junto dos tribunais administrativos, tutelar, definitiva ou provisoriamente, os seus direitos e interesses.
Mas o CPTA também regula como esses meios processuais podem ser usados, por quem, contra quem, em que prazo, verificadas que condições ou pressupostos, a respectiva tramitação, etc.
O que significa que o direito à tutela jurisdicional efectiva não é um direito absoluto, susceptível de ser exercido em qualquer caso e sem observar as regras/normas de um processo legalmente estabelecido, não sendo de admitir, por exemplo, o supérfluo, o inútil, o que não observa os pressupostos processuais exigidos para o efeito
Em função do que se um administrado, como o Recorrente, fez uso do meio processual inidóneo, vendo indeferida liminarmente a petição apresentada, e não instaurou a acção adequada à defesa dos seus direitos no prazo legal previsto para o efeito, não ocorre a alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Quanto à alegação de que o indeferimento tácito da petição só deve ocorrer quando outra solução legal não é admissível, somos de referir que os pressupostos de admissão deste meio processual, de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, estão expressos no nº 1 do artigo 109º, prevendo o artigo 110º que, no despacho liminar, a proferir no prazo de 48 horas da abertura de conclusão, o juiz rejeita ou admite a petição, devendo, neste segundo caso, observar também o disposto no artigo 110º-A, todos do CPTA.
Significando que se o juiz, no despacho liminar, verificar que o alegado e pedido na petição não estão em conformidade com o exigido no artigo 109º, que falta um ou os dois pressupostos, de indispensabilidade e de subsidiariedade, deste meio processual, que consubstanciam excepções dilatórias que obstam ao conhecimento do mérito da causa [nos termos do nº 1 do artigo 590º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA], deve rejeitar a petição.
E não mandar aperfeiçoá-la, em especial quando está em causa o incumprimento do ónus de alegar e provar a exigida urgência e indispensabilidade do uso deste meio processual.
Como se verifica no caso em apreciação.
Até porque, não prevendo o nº 1 do artigo 109º um prazo para instauração da presente acção urgentíssima, sempre o interessado poderá voltar a apresentar nova petição corrigida dos elementos considerados omitidos na fundamentação do indeferimento liminar, não sendo afectada a tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Em suma, a sentença recorrida não enferma de qualquer dos erros de julgamento que os Recorrentes lhe imputam, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Atendendo ao exposto o presente recurso não pode proceder.
Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 16 de Outubro de 2024.
(Lina Costa – relatora)
(Marcelo Mendonça)
(Pedro Figueiredo)
Sumariando, nos termos do nº 7 do artigo 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II. A acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via de reacção normal contra a violação ou ameaça de direitos fundamentais, só devendo ser utilizada quando se revele indispensável para permitir o exercício desses direitos em tempo útil;
III. O artigo 110º-A do CPTA prevê a possibilidade de convolação da petição em requerimento cautelar, mas analisado o caso dos autos, o juiz a quo concluiu pela intempestividade da acção principal e, consequentemente, pela desnecessidade de proceder ao convite do Requerente para o efeito;
IV. Alega o Requerente que o agendamento de data para recolha de dados biométricos é condição necessária para a prolação do acto administrativo de concessão de ARI, pelo que, na verdade, o prazo previsto no nº 1 do artigo 69º do CPTA, ainda não iniciou o seu curso;
V. O artigo 90º-A da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho, prevê a ARI, o artigo 65ºJ do Decreto-Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, prevê o Manual de Procedimento da AIMA, IP relativos à tramitação dos processos de ARI, e do teor deste Manual resulta que registo efectuado pelo Recorrente, em 16.11.2021, através do Portal ARI, “ARI – Candidatura de autorização de residência para actividade de investimento”, corresponde ao primeiro ponto da tramitação, ainda que prévia à formalização e instrução, do processo de ARI a que foi atribuído o nº 04302/ARI/094/21;
VI. Assim, o procedimento de concessão de ARI ao Recorrente encontra-se iniciado, desde a data da apresentação da candidatura no Portal ARI e, sendo uma sucessão ordenada de actos e formalidades [v. o artigo 1º do CPA], o prazo para os praticar ou as observar/cumprir, excepto quanto ao prazo de decisão do procedimento – no caso de 90 dias, por força do disposto no artigo 82º, nº 5 da Lei nº 23/2007 - e na falta de disposição especial ou de fixação pela Administração, será o geral, de 10 dias, previsto no artigo 86º do CPA;
VII. Não procede a argumentação do Recorrente de que formulou na petição dois pedidos subsidiários cumulativos e sucessivos, de condenação à adopção de condutas – o agendamento de data para recolha dos dados biométricos – e o de condenação à prática do acto devido - de emissão da ARI, porquanto o referido agendamento consubstancia uma fase deste, necessária para que possa prosseguir os seus termos e chegar ao objectivo final que é a concessão da ARI. Dito de outro modo, não tem autonomia, não é um objectivo em si mesmo, só releva se enquadrado no procedimento;
VIII. O direito de acesso e tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental que consagra que todos têm direito a aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, para o que a lei deve assegurar os procedimentos judiciais adequados, nos termos previstos nos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP, mas não é absoluto;
IX. De acordo com o disposto no artigo 110º do CPTA, se o juiz, no despacho liminar, verificar que o alegado e pedido na petição não estão em conformidade com o exigido no artigo 109º, que falta um ou os dois pressupostos, de indispensabilidade e de subsidiariedade, deste meio processual, que consubstanciam excepções dilatórias que obstam ao conhecimento do mérito da causa [nos termos do nº 1 do artigo 590º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA], deve rejeitar a petição e não promover o seu aperfeiçoamento.
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