Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 850/24.2BELLE |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | PAULA FERREIRINHA LOUREIRO |
| Descritores: | PRÉ-CONTRATUAL APLICAÇÃO DO MODELO DE AVALIAÇÃO AVALIAÇÃO QUANTITATIVA E QUALITATIVA DISCRICIONARIEDADE FUNDAMENTAÇÃO |
| Sumário: | I. Sendo certo que, atenta a fundamentação exarada pelo júri nos relatórios preliminar e final, se perceciona a razão da concreta pontuação atribuída no factor Adequação/Qualidade às propostas da Recorrida e da contrainteressada no que se refere aos lotes 1 e 2, já o mesmo não se pode dizer quanto às avaliações qualitativas de “bom” e de “muito bom” que esteiam aquela avaliação quantitativa de, respetivamente, 75 pontos e 100 pontos. II. Efetivamente, porque o júri entendeu, quanto à proposta da contrainteressada, valorizar aquele sobredito factor com a avaliação de “muito bom”, atribuiu-lhe a correspondente pontuação de 100 pontos. Por seu turno, porque o júri entendeu, quanto à proposta da Recorrida, valorizar aquele factor Adequação/Qualidade com a avaliação de “bom”, atribuiu-lhe a correspondente pontuação de 75 pontos. Tudo, como estipulado na cláusula 12.ª e no Anexo II do PC. III. Ora, decorre do Anexo II do PC que, quanto ao factor Adequação/Qualidade nos lotes 1 e 2, o júri está vinculado a avaliar os bens ofertados nas propostas em questão quanto «entre outros pontos, as Forras, o Núcleo, as Pegas de manipulação e a Mobilização do Utilizador». O que quer dizer que, a diferenciação da avaliação qualitativa das propostas empreendida pelo júri há-de, seguramente, ter resultado da indagação e valoração que o mesmo júri realizou quanto aos bens descritos nas propostas, e tendo por referência os aspetos elencados: «entre outros pontos, as Forras, o Núcleo, as Pegas de manipulação e a Mobilização do Utilizador». IV. Porém, percorridos os relatórios preliminar e final, constata-se que, para além do resultado qualitativo de “muito bom” e “bom”, não se encontra explicitada qualquer razão que justifique a diferente apreciação qualitativa das propostas. Isto é, não está expresso em lado algum dos atos do júri os motivos pelos quais os bens descritos na proposta da contrainteressada são melhores do que os bens descritos na proposta da Recorrida, ou porque os bens da proposta desta são qualitativamente inferiores aos bens incluídos na proposta da contrainteressada. V. Em suma, o júri silencia completamente os fundamentes genéticos da diversidade da apreciação qualitativa que exarou nas tabelas relativas à aplicação do modelo de avaliação às propostas admitidas, nunca ensaiando qualquer argumentação estribadora duma maior valorização dos bens constantes da proposta da contrainteressada, ou duma desvalorização dos bens constantes da proposta da Recorrida, incluindo a enumeração dos aspetos a atender, e que possa refletir o percurso intelectual realizado pelo júri e, racionalmente, compreender a valoração construída pelo mesmo júri. VI. É certo, e consabido, que a valorização qualitativa e quantitativa dos factores e subfactores de uma proposta constitui um percurso intelectual que envolve uma certa margem de discricionariedade em atenção aos inevitáveis influxos valorativos presentes em tal labor. VII. Todavia, e precisamente por estar presente uma certa margem de liberdade na apreciação avaliativa, intensifica-se a exigência de fundamentação do resultado da avaliação empreendida, que reclama a enumeração de motivos lógicos, racionais e coerentes no sentido de clarificar, explicar e credibilizar a decisão do júri. VIII. Diga-se, ainda, que esta margem de liberdade merece repressão anulatória quando do seu exercício emergem ilações, conclusões ou pontuações que assentam em pressupostos errados ou incorretos, ou que intrinsecamente se apresentem ilógicas, incoerentes, irracionais ou inadequadas. E similar cominação deve ser também concedida na situação de silenciamento dos motivos que ancoram o particular sentido decisório, especialmente, em matéria de discricionariedade valorativa. IX. O caso versado corresponde, claramente, à última das elencadas situações, isto é, à ausência de fundamentação da avaliação qualitativa realizada pelo júri quanto ao factor Adequação/Qualidade das propostas que a Recorrida e a contrainteressada apresentaram aos lotes 1 e 2. X. E a inexistência dessa fundamentação não só impede a compreensão da diferente pontuação atribuída pelo júri àquele factor das propostas em discussão para os ditos lotes, como compromete a defesa eficaz e adequada dos interesses e direitos da Recorrida, mormente, em termos impugnatórios. XI. Pelo que, os atos adjudicatórios proferidos para os lotes 1 e 2 merecem anulação, atenta a falta de fundamentação da avaliação qualitativa relativa ao factor Adequação/Qualidade das propostas apresentadas para os lotes 1 e 2. XII. A consequência a extrair deste julgado, para além, é claro, da improcedência do recurso, é a necessidade de ser retomado o procedimento concursal, renovando-se a avaliação das propostas admitidas, desta feita, com o expurgo do vício que determinou a anulação dos identificados atos adjudicatórios. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SUBSECÇÃO DE CONTRATOS PÚBLICOS DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Unidade Local de Saúde do Algarve, EPE (Recorrente) vem, na presente ação de contencioso pré-contratual contra si proposta pela sociedade ..... , Ld.ª (Recorrida), e em que figuram como contrainteressadas as sociedades ..... , Ld.ª e ..... , Ld.ª, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 25/07/2025 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos da qual a presente ação foi julgada parcialmente procedente e, em suma, foi anulado o ato de adjudicação quanto aos Lotes 1 e 2 do concurso e condenada a Recorrente a excluir a proposta da contrainteressada ..... , Lda., tendo os demais pedidos julgamento de improcedência. Anote-se que a Recorrente veio, na vertente ação, peticionar o seguinte: «a) Ser anulado o ato final de adjudicação, com necessária classificação das propostas em conformidade com a lei de ambos os lotes a concurso; b) Ser a R. condenada a excluir a proposta apresentada pela concorrente ..... , ..... , S.A.; c) Ser a R. condenada a excluir a proposta apresentada pela concorrente “..... ..... , Lda.”; d) Ser a R. condenada a adjudicar a proposta apresentada pela A.» O Tribunal recorrido, como se disse, julgou a ação parcialmente procedente, sucedendo, por isso, que a Recorrente discorda do assim julgado, tendo apresentado recurso jurisdicional. Neste recurso jurisdicional, a Recorrente formula as seguintes conclusões: «1ª- A sentença na alínea a) considerou procedente o pedido de anulação do ato de adjudicação dos Lotes 1 e 2 do concurso, por provada a violação de lei e princípios da contratação pública. 2ª- Considerou o Tribunal que a decisão do Júri relativamente ao factor Adequação/Qualidade (AQ), expressa nas tabelas anexas ao Relatório Preliminar é meramente conclusiva, nela constando o valor atribuído e o cálculo do valor ponderado de modo que impossibilita a compreensão da decisão, nomeadamente a avaliação sobre forras, núcleo, pegas de manipulação, utilização e mobilização do utilizador não tendo o Júri deixado expresso o iter cognoscitivo da pontuação atribuída no Relatório Final. 3ª- E que, tal omissão, em matéria de contratação pública viola os princípios da transparência e da igualdade, que impõem o amplo acesso no procedimento ao maior número de interessados em contratar, segundo critérios claros e previamente definidos, de modo que não permitam interpretações suscetíveis de determinar discriminações entre concorrentes. 4ª- Na ação a Autora peticionou a anulação do ato final de adjudicação, com necessária classificação das propostas em conformidade com a lei de ambos os lotes a concurso. 5ª- Pela análise da matéria dada como provada nos pontos 2, 3, 4, 11, 12, 13, 14 e 15 verifica-se que a proposta de classificação e a adjudicação foram levadas a cabo por quem tinha legitimidade para propor e para decidir a adjudicação e que o Júri na avaliação do item A/Q cumpriu o Caderno de Encargos. 6ª- A classificação no item A/Q foi vertida na grelha/mapa de pontuação de acordo com o determinado nas peças do procedimento e da ata constam as valorações atribuídas a cada item pelo que não há qualquer ilegalidade do procedimento tendo sido cumprido o disposto nos art. 74º, 75º e 139º do CCP. 7ª- Ao Júri estava vedado criar uma densificação que exorbitasse do previsto no conteúdo das peças do procedimento aprovadas e levadas ao conhecimento dos concorrentes sob pena de violação do princípio da estabilidade das regras concursais. 8ª- O Júri está estritamente vinculado às peças do procedimento pelo que a criação de densificação por aquele constituiria uma violação do princípio da legalidade. 9ª- A autora não impugnou as peças do procedimento nem no decurso do procedimento nem na sua ação pelo que não colocou em crise o critério de adjudicação. 10ª- O que teria como consequência que qualquer nova adjudicação teria de ser realizada de acordo com as peças do procedimento em vigor que a Autora considerou que violavam o princípio da transparência, da justiça, da equidade, da concorrência e da prossecução do interesse público. 11ª- Na avaliação do item A/Q o Júri, composto por enfermeiros, com conhecimento técnico sobre a utilização dos colchões, a sua manipulação e sobre a sua utilização pelos doentes fez a avaliação dos itens relativos à A/Q dentro do âmbito da sua discricionariedade técnica, ou seja, da possibilidade de escolha de uma solução entre várias possíveis. 12ª- Trata-se de apreciação técnica subjetiva, legítima e legal pelo que não foi violado o princípio da legalidade tendo o Júri cumprido as normas da contratação pública, aplicando as cláusulas do CE relativas à classificação do item A/Q. 13º- Os critérios de avaliação do item A/Q, foram previamente conhecidos e nunca impugnados pela Autora, nem no decurso do contrato nem na ação judicial. Termos em deve ser revogada a decisão judicial recorria e, em consequência, improceder o pedido de anulação do ato de adjudicação dos Lotes 1 e 2 do concurso para que se faça JUSTIÇA.» A Recorrida ..... , notificada para tanto, apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pelo não provimento do presente recurso. * O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer de mérito.II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Considerando as alegações de recurso da Recorrente e respetivas conclusões, importa apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do estipulado no art.º 139.º do CCP. Concretamente, o que se encontra em discussão é apurar se ocorre erro de avaliação e pontuação da proposta da Recorrida ..... no que se refere aos lotes 1 e 2, especificamente, quanto à pontuação atribuída ao factor Adequação/Qualidade, por não se encontrarem explicitadas as razões que fundam a atribuição de uma pontuação menor do que a que foi atribuída naquele factor à proposta apresentada pela contrainteressada ..... . Note-se, que o Tribunal recorrido, para além da pronúncia anulatória, condenou ainda a ora Recorrente a excluir a proposta da contrainteressada ..... no que concerne ao lote 2. Sucede que, este segmento decisório do julgado não se encontra impetrado no recurso agora em apreciação. O que significa que, a decisão de condenação na exclusão da proposta daquela contrainteressada para o lote 2 transitou em julgado, nada havendo a apreciar e decidir quanto a tal na vertente sede recursiva. III. FACTUALIDADE CONSIDERADA PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA Atentando na circunstância de que o presente recurso não contém qualquer impetração no que concerne à factualidade elencada na sentença a quo e que, examinada a mesma bem como os termos recursivos, inexiste necessidade de proceder a qualquer alteração daquela factualidade, remete-se, in totum, para a constelação fáctica coligida na sentença recorrida, consonantemente com o disposto no art.º 663.º, n.º 6 do CPC. VI. APRECIAÇÃO DO RECURSO A Recorrente veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 25/07/2025, nos termos da qual a presente ação de contencioso pré-contratual foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi anulado o ato de adjudicação emitido a favor da contrainteressada ..... quanto aos lotes 1 e 2, e condenada a Recorrente a excluir a proposta da contrainteressada ..... relativamente ao lote 2. Anote-se que a Recorrida ..... veio propor a presente ação, pedindo o seguinte: «a) Ser anulado o ato final de adjudicação, com necessária classificação das propostas em conformidade com a lei de ambos os lotes a concurso; b) Ser a R. condenada a excluir a proposta apresentada pela concorrente ..... , ..... , S.A.; c) Ser a R. condenada a excluir a proposta apresentada pela concorrente “..... ..... , Lda.”; d) Ser a R. condenada a adjudicar a proposta apresentada pela A.» O Tribunal recorrido, como se disse, julgou a ação parcialmente procedente, sucedendo, por isso, que a Recorrente discorda do assim julgado, tendo apresentado recurso jurisdicional. A Recorrente vem, assim, disputar o julgamento realizado pelo Tribunal a quo, por entender que ocorre erro de julgamento, concretamente, no que concerne à anulação dos atos de adjudicação atinentes aos lotes 1 e 2 por falta de fundamentação das pontuações atribuídas pelo júri às propostas da Recorrida ..... e da contrainteressada no que tange ao factor Adequação/Qualidade. Apreciemos então. Os atos adjudicatórios impugnados pela Recorrida foram emitidos pela Recorrente Unidade de Saúde Local no âmbito do concurso público para aquisição de colchões e superfícies dinâmicas. O critério de adjudicação definido foi a da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade multifactor, composto por uma relação de factores, de acordo com o modelo de avaliação estipulado no Anexo II do Programa do Concurso (doravante, apenas PC), em consonância com o determinado na cláusula 12.ª do PC. Nos termos do mencionado Anexo II ao PC (cfr. pontos 2 e 3 do probatório), o modelo de avaliação das propostas desenrola-se através da apreciação e pontuação de 4 factores: i) o preço, com uma ponderação de 40%, ii) a Adequação/Qualidade, com uma ponderação de 50%, iii) a garantia, com uma ponderação de 5%, e iv) o prazo de entrega, com uma ponderação de 5%. No que concerne ao factor Adequação/Qualidade, o dito Anexo II estabelece, para os lotes 1 e 2, que em tal factor «será avaliado, entre outros pontos, as Forras, o Núcleo, as Pegas de manipulação e a Mobilização do Utilizador», consagrando ainda uma tabela de avaliação desse factor, nos termos da qual seriam atribuídos 100 pontos se a avaliação daqueles aspetos correspondesse a “muito bom”, 75 pontos se a avaliação correspondesse a “bom”, 50 pontos se a avaliação correspondesse a “razoável” e 25 pontos se a avaliação correspondesse a “mau”. Acrescente-se que, conformemente ao art.º 39.º do Caderno de Encargos (somente CE em diante), foi estipulado para os lotes 1 e 2 as características que se seguem (cfr. pontos 5, 7 e 8 do probatório): - Lote 1- aquisição de 4 colchões de berço: a) Dimensões: 1060x600x60; b) Núcleo em espuma de 30kg/m3; c) Costurada por pontos e com fecho. - Lote 2- aquisição de 211 colchões de cama: 1. características do colchão: a) Medidas 190cm (com variação de - 5cm) por 85cm de largura, altura 15 cm mínimo; b) Interior viscoelástico; c) Superfície facilmente descontaminável; d) Prevenção de úlcera de pressão; e) Ter capa exterior; 2. características da forra do colchão: a) impermeável; b) Facilidade de resistência ao desenvolvimento de microrganismos; c) Permeável ao vapor de água; d) Extensível em todos os sentidos; e) Substituível (com fecho éclair); f) Fecho éclair coberto; g) Resistente e durável; h) Facilidade de manuseamento; i) Indicações inscritas na forra quanto ao posicionamento do utente e peso máximo do utilizador; J) Costuras com soldadura ultrassónica; k) ignífugo; 3. características físicas do interior (mínimas): a) Densidade: 50 Kg/m3 (ISO 845); b) Resiliência: 60% (alta resiliência); c) Deformação permanente a 75%: Max 5,0% (ISO 1856); d) Suporte de Carga ILD 65%: superior a 340 N (ISO 2439); e) Tensão de ruptura 130% (ISO 7898); f) Ignífugo (ISO 3795). A Recorrida e a contrainteressada ..... apresentaram propostas a ambos os lotes, sendo que, a adjudicação de ambos os lotes foi emitida a favor da contrainteressada. Com efeito, no que concerne ao lote 1, a proposta da Recorrida ficou graduada em 2.º lugar, com uma pontuação de 68,78 pontos, enquanto a proposta da contrainteressada obteve 77,00 pontos. Especificamente no que se refere ao factor Adequação/Qualidade, a proposta da ora Recorrida foi pontuada com 75 pontos, correspondente à avaliação qualitativa de “bom”, enquanto que a proposta da contrainteressada obteve a pontuação de 100 pontos, correspondente à avaliação qualitativa de “muito bom”. Já no que tange ao lote 2, a proposta da Recorrida logrou ser pontuada com a pontuação de 82,20 pontos, ficando graduada em 3.º lugar, e a proposta da contrainteressada obteve 92,27 pontos globais, ficando graduada em 1.º lugar. No factor Adequação/Qualidade, a proposta da ora Recorrida foi também pontuada com 75 pontos, correspondente à avaliação qualitativa de “bom”, enquanto que a proposta da contrainteressada obteve também a pontuação de 100 pontos, correspondente à avaliação qualitativa de “muito bom”. Importa relembrar, neste ensejo, que a sentença recorrida condenou a ora Recorrente a excluir a proposta graduada em 2.º lugar no lote 2, o que justifica o interesse da Recorrida ..... em obter a anulação da adjudicação, por possuir a expectativa de vir a obter a adjudicação deste lote 2 a seu favor. A ora Recorrida ..... veio, então, apresentar a presente ação pré-contratual, impugnando a adjudicação daqueles lotes 1 e 2 à proposta da contrainteressada ..... , por entender que- e além do mais-, ocorre erro na avaliação e pontuação da sua proposta no que se refere àqueles lotes 1 e 2, especificamente, quanto à pontuação atribuída ao factor Adequação/Qualidade, por não se encontrarem explicitadas as razões que fundam a atribuição à proposta da Recorrida de uma pontuação menor do que a que foi atribuída naquele factor à proposta apresentada pela contrainteressada ..... . E o Tribunal recorrido, nesta particular problemática, acompanhou a visão da Recorrida ..... , reconhecendo assistir-lhe razão, motivo pelo qual procedeu à anulação dos atos adjudicatórios atinentes aos lotes 1 e 2. A Recorrente Unidade Local de Saúde, naturalmente, não se conforma com o julgado, reclamando que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, especificamente por afronta ao disposto nos art.ºs 74.º, 75.º e 139.º do CCP. Atentemos ao que a sentença recorrida ponderou neste ensejo, e às ilações que extraiu: «(…) A Autora considera existir um lapso na ordenação das propostas para o Lote 1 e Lote 2 do procedimento, decorrente da classificação atribuída quanto ao fator Adequação/Qualidade (AQ), por considerar que a proposta que apresentou para cada um dos lotes é a mais competitiva e a que melhor respeita a prossecução do interesse público em causa. Entende que o fator Adequação/Qualidade (AQ), que é um dos fatores da fórmula de cálculo do critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, não se encontra desenvolvido nas peças do procedimento, conduzindo a uma avaliação subjetiva do júri sobre as características do produto, como “forras”, “núcleo”, “pegas de manipulação” e “utilização e mobilização do utilizador”, sem qualquer objetividade ou possibilidade de escrutínio da avaliação. Afirma que para ambos os Lotes a concurso, não são observáveis quaisquer diferenças justificáveis da diferente avaliação das propostas apresentadas pela Autora e pela ..... . Razão pela qual alega a violação dos princípios da contratação pública, consagrados na Constituição e na legislação comunitária, como o princípio da transparência, justiça, equidade, concorrência e prossecução do interesse público, também previstos no art.º 1.º-A do CCP, para além da violação das regras do art.º 74.º e art.º 75.º do CCP, sobre o critério de adjudicação. Alude, ainda, ao vício de violação de lei por falta de fundamentação, ao alegar que a decisão do júri sobre a pronúncia apresentada em audiência prévia se limita a reiterar o teor das conclusões do Relatório Preliminar, afirmando que a proposta apresentada apenas cumpre o mínimo obrigatório, não sendo merecedora da valoração máxima, de modo que se entende lacónico. (…) Assim, Perante as referidas normas e atendendo a que dos autos não resulta que o Júri tenha usado da prerrogativa de apresentação dos equipamentos, cumpriria compreender o exercício feito pelo Júri para a classificação dos aspetos das propostas a ter em consta sobre a Adequação/Qualidade (AQ), quanto às “forras”, “núcleo”, “pegas de manipulação” e “utilização e mobilização do utilizador”, fosse a partir das fichas do produto ou informação técnica dos equipamentos propostos, ou pela declaração exigida para a avaliação desse fator Mas, no caso, esse juízo não se encontra expresso, nem na proposta de decisão, nem a decisão proferida a final, após o exercício de audiência prévia da Autora, em que a questão foi suscitada e acerca da qual o Júri admitiu o cumprimento pela Autora de todas as características técnicas exigidas no Caderno de Encargos para os produtos dos Lotes 1 e 2, limitando-se a remeter para o proposto no relatório preliminar no que concerne à avaliação sobre a qualidade dos equipamentos, do seguinte modo. “Mais se informa que em resposta à pronúncia efetuada pela empresa ..... , Lda., o júri em reunião proferiu as seguintes considerações: 1. Referente à pronúncia, o concorrente afirma que cumpre com todas as características técnicas obrigatórias e que portanto não deveria ter sido penalizado na qualidade. Ora como consta na clausula 39ª do Caderno de Encargos, "sob pena de exclusão, o equipamento, bens e serviços ou quaisquer outras prestações que integram a aquisição, instalação, formação e colocação ao serviço dos equipamentos objeto do contrato, têm de apresentar os seguintes caraterísticas técnicas e todas as certificações, normas, requisitos ou outros aspetos o que devam obedecer cada um dos seus componentes e o conjunto", ora, caso o concorrente não cumprisse com as características técnicas obrigatórias o mesmo seria excluído e tal caso não se sucedeu porque o mesmo cumpria com tudo no caderno de encargos. A avaliação feita, foi com base na qualidade do equipamento, que apesar de cumprir com o mínimo obrigatório, o Júri determinou ser inferior e não merecedora de pontuação 100, tal como explicado no relatório preliminar. 2. Pelo exposto acima, o Exmo. Júri decidiu não aceitar a pronúncia apresentada pelo concorrente ..... , Lda..” Em rigor, do relatório preliminar apenas se afere a pontuação atribuída a cada proposta, conforme consta dos quadros anexos, assentes no probatório, de um modo que não permite compreender quais as características quanto às “forras”, “núcleo”, “pegas de manipulação, utilização e mobilização do utilizador”, que foram consideradas para a pontuação globalmente atribuída sobre o fator Adequação/Qualidade (AQ), em causa nos autos, Não se mostrando possível o escrutínio da decisão, como exigível para o efetivo cumprimento dos princípios e normas que enformam o regime da contratação pública. Porquanto, Prevê-se no art.º 1.º-A do CCP “Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação.” Sobre o critério de adjudicação estabelece o n.º 1 alínea a) do art.º 74.º do CCP que quando a adjudicação seja feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de multifator, como é o caso, o critério de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar. Caso em que, segundo a norma do n.º 2 do preceito, deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas nos termos do artigo 139.º, que remete para a exigência de pontuações parciais, atribuídas pelo júri através da aplicação de expressão matemática ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respetivo atributo. Caso os fatores e subfatores do critério de adjudicação não possam traduzir-se em números, por respeitarem a aspetos qualitativos da execução do contrato, decorre do art.º 139.º, n.º 3 do CCP, que estes devem ser definidos em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos. No caso, esses atributos foram previstos, mas de um modo que não se encontra densificado, permitindo compreender o que é que o Júri considera serem “forras”, “núcleo”, “pegas de manipulação” e “utilização e mobilização do utilizador” de maior ou de menor qualidade, dentro da escala qualitativa de “mau”, “razoável”, “bom” e “muito bom”, para o efeito de atribuição da cotação correspondente à escala de 25, 50, 75 ou 100 pontos. Efetivamente, a lei confere à entidade adjudicante a margem de discricionariedade na escolha e ordenação dos fatores de avaliação, assim como nos respetivos coeficientes de ponderação, para a determinação da proposta economicamente mais vantajosa, em consonância com as valorações próprias do exercício da função administrativa, como a Entidade Demandada defende. Não obstante, a margem de discricionariedade conferida por lei não consubstancia um espaço de escolha arbitrária, encontrando-se necessariamente sujeita às vinculações que decorrem dos princípios gerais da atividade administrativa, consagrados no art.º 266.º da Constituição e dos princípios da contratação pública, especialmente previstos no art.º 1.º-A do CCP, como são, entre outros, os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da concorrência ou da transparência, bem como o dever de fundamentação. Ora, No presente caso a divergência não reside no critério de adjudicação decidido ou na ponderação de cada um dos fatores da fórmula, não tendo sido posta em causa a regra do concurso. A divergência reside na avaliação da proposta da Autora quanto a um dos fatores do critério de adjudicação, da qual a Autora discorda, por entender que os produtos apresentados não são de qualidade inferior à dos apresentados pela ..... , tratando-se de produtos concorrentes, mas de qualidade similar. Similitude evidenciada pela prova testemunhal produzida, que o Tribunal entende ser de atender nos termos da motivação expressa sobre o meio de prova. O certo é que da matéria de facto provada resulta evidente que a decisão do Júri quanto à atribuição do fator Adequação/Qualidade (AQ), expressa nas tabelas anexas ao Relatório Preliminar, é meramente conclusiva, nela constando o valor atribuído e o cálculo do valor ponderado, de modo que impossibilita a compreensão da decisão, nomeadamente a avaliação prevista para o efeito, sobre as “forras”, o “núcleo”, as “pegas de manipulação” ou a “utilização e mobilização do utilizador”. Muito embora o Júri não tenha revelado dúvidas acerca da Adequação/Qualidade (AQ) dos produtos apresentados, não tendo feito uso da possibilidade de apresentação do equipamento regulada na cláusula 40.º da Parte II do Caderno de Encargos, não deixou expressa a razão da avaliação ou o iter cognoscitivo da pontuação atribuída no Relatório Preliminar, nem fundamentou a decisão de manutenção dessa proposta no Relatório Final, limitando-se a reiterá-la, sem apreciar as questões suscitadas na pronúncia da Autora. Para além da fundamentação exigível à prática de atos administrativos que afetem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, conforme previsto nos art.º 151.º e 152.º do CPA, em matéria de contratação pública impõem-se as regras de definição do critério de adjudicação e avaliação das propostas, previstas nos art.º 74.º, 75.º e 139.º do CCP, e impõem-se especialmente, entre outros, princípios estruturantes da contratação pública, como princípio da concorrência, o princípio da transparência e o da igualdade, que impõem o amplo acesso no procedimento ao maior número de interessados em contratar, segundo critérios claros e previamente definidos, de modo que não permitam interpretações suscetíveis de determinar discriminações entre os concorrentes. Tais imposições legais não se mostram cumpridas no procedimento em causa. Termos pelos quais o Tribunal conclui que não pode deixar de assistir razão à Autora quanto aos vícios invocados, por falta de fundamentação e violação de princípios da contratação pública, para o pedido de anulação do ato de adjudicação dos Lotes 1 e 2, que se decide procedente. (…)» Ora, o julgado pelo Tribunal a quo não padece dos erros imputados pela Recorrente, não merecendo, aliás, qualquer censura, nem quanto ao percurso fundamentador espraiado, nem quanto ao resultado decisório que culmina a lógica argumentativa apresentada. Como dimana da explanação consignada na sentença impetrada, e de resto decorre da fundamentação exarada pelo júri nos relatórios preliminar e final, é certo que se perceciona a razão da concreta pontuação atribuída no factor Adequação/Qualidade às propostas da Recorrida ..... e da contrainteressada ..... no que se refere aos lotes 1 e 2 . Efetivamente, porque o júri entendeu, quanto à proposta da contrainteressada, valorizar aquele sobredito factor com a avaliação de “muito bom”, atribuiu-lhe a correspondente pontuação de 100 pontos. Por seu turno, porque o júri entendeu, quanto à proposta da Recorrida ..... , valorizar aquele factor Adequação/Qualidade com a avaliação de “bom”, atribuiu-lhe a correspondente pontuação de 75 pontos. Tudo, de resto, como estipulado na cláusula 12.ª e no Anexo II do PC. Sucede, contudo, que se é percetível a causa da diferenciação da avaliação quantitativa atribuída às propostas agora em confronto (reitere-se, quanto ao factor Adequação/Qualidade relativamente aos lotes 1 e 2), já o mesmo não se pode dizer relativamente à apreciação qualitativa. Realmente, decorre do Anexo II do PC que, quanto ao factor Adequação/Qualidade nos lotes 1 e 2, o júri está vinculado a avaliar os bens ofertados nas propostas em questão quanto «entre outros pontos, as Forras, o Núcleo, as Pegas de manipulação e a Mobilização do Utilizador». O que quer dizer que, a diferenciação da avaliação qualitativa das propostas empreendida pelo júri há-de, seguramente, ter resultado da indagação e valoração que o mesmo júri realizou quanto aos bens descritos nas propostas, e tendo por referência os aspetos elencados: «entre outros pontos, as Forras, o Núcleo, as Pegas de manipulação e a Mobilização do Utilizador». Porém, percorridos os relatórios preliminar e final, constata-se que, para além do resultado qualitativo de “muito bom” e “bom”, não se encontra explicitada qualquer razão que justifique a diferente apreciação qualitativa das propostas. Isto é, não está expresso em lado algum dos atos do júri os motivos pelos quais os bens descritos na proposta da contrainteressada são melhores do que os bens descritos na proposta da Recorrida ..... , ou porque os bens da proposta desta são qualitativamente inferiores aos bens incluídos na proposta da contrainteressada. E o mistério adensa-se quando atentamos no discurso exarado pelo júri no relatório final a propósito da pronúncia da agora Recorrida ..... , visto que, ao invés de, nessa oportunidade, estabelecer a diferenciação qualitativa dos bens descritos nas propostas, acaba por, de certo modo, parificá-los ao dizer que os bens da proposta da Recorrida cumprem os requisitos mínimos obrigatórios (tal como os da contrainteressada), mas que a qualidade do equipamento é «inferior e não merecedora de pontuação 100», porém, sem nunca explicitar o fundamento dessa diferente apreciação qualitativa. Refira-se, de resto, que o júri neste relatório final remete para explicações constantes do relatório preliminar que, em bom rigor, são inexistentes, pois que o que se encontra no relatório preliminar são tabelas relativas à aplicação do modelo de avaliação às propostas admitidas, e das quais nada mais consta do que a indicação da avaliação qualitativa de “muito bom” e “bom”, e a correspondência da atribuição de 100 pontos e de 75 pontos, respetivamente. Em suma, o júri silencia completamente os fundamentes genéticos da diversidade da apreciação qualitativa que exarou nas tabelas relativas à aplicação do modelo de avaliação às propostas admitidas, nunca ensaiando qualquer argumentação estribadora duma maior valorização dos bens constantes da proposta da contrainteressada, ou duma desvalorização dos bens constantes da proposta da Recorrida, incluindo a enumeração dos aspetos a atender, e que possa refletir o percurso intelectual realizado pelo júri e, racionalmente, compreender a valoração construída pelo mesmo júri. É certo, e consabido, que a valorização qualitativa e quantitativa dos factores e subfactores de uma proposta constitui um percurso intelectual que envolve uma certa margem de discricionariedade em atenção aos inevitáveis influxos valorativos presentes em tal labor. Todavia, e precisamente por estar presente uma certa margem de liberdade na apreciação avaliativa, intensifica-se a exigência de fundamentação do resultado da avaliação empreendida, que reclama a enumeração de motivos lógicos, racionais e coerentes no sentido de clarificar, explicar e credibilizar a decisão do júri. Diga-se, ainda, que esta margem de liberdade merece repressão anulatória quando do seu exercício emergem ilações, conclusões ou pontuações que assentam em pressupostos errados ou incorretos, ou que intrinsecamente se apresentem ilógicas, incoerentes, irracionais ou inadequadas. E similar cominação deve ser também concedida na situação de silenciamento dos motivos que ancoram o particular sentido decisório, especialmente, em matéria de discricionariedade valorativa. Ora, o caso versado corresponde, claramente, à última das elencadas situações, isto é, à ausência de fundamentação da avaliação qualitativa realizada pelo júri quanto ao factor Adequação/Qualidade das propostas que a Recorrida e a contrainteressada apresentaram aos lotes 1 e 2. E a inexistência dessa fundamentação não só impede a compreensão da diferente pontuação atribuída pelo júri àquele factor das propostas em discussão para os ditos lotes, como compromete a defesa eficaz e adequada dos interesses e direitos da Recorrida ..... , mormente, em termos impugnatórios. Pelo que, e talqualmente como a sentença recorrida concluiu, os atos adjudicatórios proferidos para os lotes 1 e 2 merecem anulação, atenta a falta de fundamentação da avaliação qualitativa relativa ao factor Adequação/Qualidade das propostas apresentadas para os lotes 1 e 2. A consequência a extrair deste julgado, para além, é claro, da improcedência do recurso, é a necessidade de ser retomado o procedimento concursal, renovando-se a avaliação das propostas admitidas, desta feita, com o expurgo do vício que determinou a anulação dos identificados atos adjudicatórios. * Desta feita, atentando no supra julgado, impera assentar que a sentença recorrida revela-se correta e acertada, não sendo merecedora da censura que lhe vem dirigida pela Recorrente. E, sendo assim, cumpre negar provimento ao recurso e confirmar a sentença na parte em que foi impetrada.V. DECISÃO Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo recurso a cargo da Recorrente, de acordo com o previsto no art.º 527.º do CPC. Registe e Notifique. Lisboa, 6 de novembro de 2025, ____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro – Relatora ____________________________ Helena Telo Afonso ____________________________ Jorge Martins Pelicano |