Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15442/25.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FINDO
RELAÇÃO CONTRATUAL
Sumário:I - A sucessão de atos e formalidades que, no âmbito da relação contratual, se dirigem à prática dos atos aplicação de sanções contratuais ou à resolução (sancionatória), correspondem a procedimentos administrativos em si mesmos, pelo que, à asserção da natureza da informação – procedimental ou não procedimental – em causa, importa aferir se os mesmos, e não a relação contratual a que respeitam, se encontram findos;
II - Verificando-se que não houve lugar a um procedimento administrativo que conduziu à decisão de resolução contratual, não recai sobre a Requerida o dever de prestar tal informação;
III - Estando em causa o direito à informação não procedimental, o direito de acesso é livre.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:


1. Relatório

A… — A…, Lda. (doravante A., Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E. (doravante SPMS, Recorrida ou Requerida), peticionando:

“Ser a Entidade Requerida intimada a, em prato razoável, emitir e remeter à aqui Requerente, a informação/ documentação administrativa não procedimental solicitada no seu pedido de informação de 6 de fevereiro de 2025, e melhor descrita no artigo 2.° do presente Requerimento Inicia”.

Em 14 de maio de 2025, o referido Tribunal julgou a ação improcedente.

Inconformada, a Autora interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“1. O Tribunal a quo decidiu julgar a presente intimação improcedente, tendo considerado, na Sentença recorrida, que a informação do tipo solicitada era procedimental e que, por isso, não sendo a Recorrente interessada, para efeitos do artigo 82.º do CPA, nem tendo um interesse legitimo, de acordo com o disposto no artigo 85.º, não poderia ter acesso à mesma. Contudo, não se pode concordar com essas mesmas conclusões vertidas pelo Tribunal a quo. Vejamos.
2. Em primeiro lugar e ao que parece, na sentença proferida pelo Tribunal a quo este ignorou que à data da sua prolação (19 de maio de 2025), a execução de três dos presentes contratos (116/2024, 134/2024, 135/2024) já se encontrava concluída – visto o seu término estar previsto para o dia 30.04.2025, conforme afirmou a própria Recorrida na sua resposta.
3. O que significa que, em relação aos referidos contratos, a questão subjacente aos presentes autos, já não se podia colocar, pois dúvidas não existiam de se estar perante procedimentos administrativos findos e, por isso, informação do tipo não procedimental, sujeito ao regime da LADA, mormente ao seu artigo 5.º que permite o acesso por qualquer pessoa (singular ou coletiva), sem necessidade sequer de justificação do interesse.
4. Recorde-se que, na sentença proferida, o Tribunal a quo refere expressamente que a aqui Recorrente “pretende obter informação relativa a um processo administrativo que não está findo, uma vez que os contratos não foram integralmente executados.”
5. Contudo, reitera-se, o mesmo não corresponde à verdade em relação aos três contratos supra identificados cuja data de término estava prevista para o dia 30.04.2025.
6. Em consequência, e em relação a esses três contratos já findos, a Recorrida não poderia sequer ter invocado, como fez, a aplicação do artigo 6.º, n.º 3 da LADA, pois essa norma só se aplica a “processos não concluídos” o que não corresponde ao caso dos 3 contratos supra identificados, cujo prazo de vigência já terminou.
7. E essa mesma factualidade implicava, pelo menos, a procedência da presente intimação em relação a três (dos quatro) contratos solicitados – o que não se verificou.
Sem conceder,
8. Ainda que assim não fosse, que os referidos contratos não estivessem findos (e que apenas um se encontrasse ainda fase de execução), continua a ser entendimento da aqui Recorrente que está em causa nos autos o acesso a informação do tipo não procedimental e que, por isso, deve aplicar-se o regime previsto da LADA, mais concretamente o artigo 5.º que permite o acesso por qualquer interessado, sem necessidade de enunciar qualquer justificação, à documentação administrativa.
9. De facto, a informação solicitada não é relativa a um procedimento administrativo em curso, mormente à execução daqueles contratos pelos atuais cocontratantes (que cederam na posição contratual do anterior adjudicatário M…UNIPESSOAL LDA., doravante, apenas M…).
10. Efetivamente, a Requerente não pediu acesso a informação relativa à execução de contratos em curso; antes pediu acesso a documentos que certamente integram outros procedimentos administrativos, já findos e que culminaram com a decisão da Recorrida de rescisão contratual e aplicação de sanções contratuais à empresa M… – sendo toda a informação solicitada precisamente sobre isso (e sobre as comunicações que foram feitas em relação a essa matéria).
11. Na verdade, terá efetivamente de ter existido a abertura de um procedimento administrativo “sancionatório” que culminou com a decisão de rescisão contratual e a aplicação de sanções contratuais à empresa M… – o que nada tem a ver com o procedimento administrativo de execução dos contratos identificados, pois em momento algum a Requerente teve a pretensão de ter acesso a documentos relativos a essa matéria (caso contrário, teria solicitado acesso p.ex., a própria documentação relativa à cessão da posição contratual verificada nos contratos ou documentos de trabalho, atas das reuniões, faturas e comprovativos de pagamento, …).
12. E isso mesmo decorre do artigo 308.º do CCP, onde se pode ler que:
“1 - A formação dos atos administrativos emitidos no exercício dos poderes do contraente público não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código do Procedimento Administrativo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior a aplicação de sanções contratuais através de ato administrativo, a qual está sujeita a audiência prévia do cocontratante, nos termos previstos no Código do Procedimento Administrativo.
3 - O contraente público pode, todavia, dispensar a audiência prévia referida no número anterior se a sanção a aplicar tiver natureza pecuniária e se encontrar caucionada por garantia bancária à primeira solicitação ou por instrumento equivalente, desde que haja fundado receio de a execução da mesma se frustrar por virtude daquela audiência.
13. O mesmo significa dizer que a aplicação de sanções contratuais segue um procedimento administrativo específico que culmina com a prática de um ato administrativo autónomo (neste caso de rescisão contratual e aplicação de sanções contratuais) que, aliás e como bem saberá a Requerida, pode até ser autonomamente impugnado.
14. Assim, por tudo isso, a Requerente entende que não se pode aplicar sequer o artigo 6.º, n.º 3 da LADA para justificar a recusa da entrega dos documentos por si solicitados, uma vez que estes fazem parte de um procedimento que já se encontra concluído, pois culminou com a referida decisão de rescisão contratual (que terá implicado as posteriores notificações, nomeadamente ao IMPIC) e que em nada contende com a eventual execução dos contratos ainda em curso.
15. E, assim sendo, reitera-se o acesso à documentação solicitada deve ser feito tendo por base o regime da LADA, mormente o seu artigo 5.º que permite o acesso por parte de qualquer pessoa, sem necessidade sequer de enunciar qualquer interesse. 16. Tendo, por isso, a Requerente direito de acesso à informação e não podendo, por isso, haver dúvidas de que a Requerida deverá ser intimada a dar satisfação à pretensão da Requerente, num prazo razoável, nos termos do artigo 108.º, n.º 1 do CPTA.
17. Por fim, importa ainda referir que, mesmo que se entendesse estar em causa nos autos informação do tipo procedimental, por dizer respeito a um contrato alegadamente em curso (o que não se concede por todos os motivos supra expostos) ainda assim, e apesar da aqui Recorrente não ser diretamente interessada no procedimento de execução contratual sempre teria, ao contrário também do que conclui o Tribunal a quo, um interesse legitimo, para efeitos do artigo 85.º do CPA, que lhe permitisse o acesso aos documentos.
18. Efetivamente, e conforme dita a jurisprudência, “No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos, sendo que, como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente, dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação.” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 2232/18.6BELSB, de 18 de fevereiro de 2020, disponível em www.dgsi.pt.
19. Bastando, para se considerar como interesse legitimo para efeitos da referida norma, por exemplo, a seguinte factualidade Tendo a Recorrida tido intervenção em procedimento pré-contratual aberto pela Recorrente, e desenvolvendo a sua atividade no domínio em que a Recorrente apela a candidaturas para efeitos de celebração de contratos, encontra-se justificado o interesse e o acesso à informação e documentos relativos a determinada atividade contratual da Recorrente.”
20. Ora, no caso dos autos, é também precisamente essa factualidade que se verifica. Repare-se que quer a Recorrente quer a empresa em questão, alvo da rescisão contratual com a SPMS, atuam no mesmo setor de mercado e, inclusive, foram muitas vezes concorrentes em procedimentos promovidos pela Recorrida. Vejam-se, como exemplo:
a) Procedimento para a aquisição de serviços para a evolução tecnológica e funcional da componente de serviços centrais de apoio à prescrição, prestação e acesso aos resultados de MCDT (PRR (ref. SPMS 20240108)
b) Aquisição de solução para o desenvolvimento e implementação da nova plataforma central de gestão do sistema de atribuição de produtos de apoio (SAPA) na área da saúde, para o Pilar 3 – Reforma dos SI disponibilizados (ref. SPMS 20240368);
c) Aquisição de solução para plataforma de gestão de multibenefícios na saúde para o Pilar 3 - Reforma dos SI disponibilizados aos profissionais de saúde (PRR) (ref. 20240372).
21. E, mais do que isso, nesses mesmos procedimentos onde concorreram em simultâneo, verificou-se a situação de a aqui Recorrente, classificada em 2.º lugar, não fosse a decisão de revogação da decisão de contratar proferida pela Requerida em todos eles, poder vir a ceder na posição contratual da empresa M… – tendo, por isso, todo o interesse em conhecer os moldes como esse processo de incumprimento se processou (não só porque isso poderá dar origem a que venha a ser adjudicatária em procedimentos pré-contratuais promovidos pela SPMS, como ainda porque, sendo potencial adjudicatária nesses procedimentos, importa-lhe precaver situações de incumprimento contratual).
22. Efetivamente, tendo, nesses procedimentos, a aqui Recorrente impugnado as referidas decisões de revogação de contratar, caso as mesmas sejam anuladas, a aqui Recorrente poderá ainda vir a ser adjudicatária nesses procedimentos – o que justifica especialmente o seu interesse.
23. Em consequência, mesmo que se entendesse que a informação em causa seria do tipo procedimental e, por isso, que lhe seria aplicável o regime previsto no CPA, ainda assim, a Requerente tinha interesse legitimo nela aceder, nos termos e para efeitos do artigo 85.º do CPA.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser a sentença recorrida substituída por outra que julgue procedente a intimação, e que intime a Recorrida a prestar a informação solicitada pela Recorrente.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A. O Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento na apreciação da matéria de direito, quanto ao tipo de informação administrativa em causa, nem quanto ao (inexistente) interesse legítimo da Recorrente.
B. A título vestibular, cumpre salientar que o presente recurso jurisdicional vem interposto pela Recorrente do segmento decisório da Sentença recorrida que julgou improcedente a ação de intimação para a prestação de informação relativa a três dos quatro contratos objeto dos presentes autos.
C. Com efeito, nas suas alegações de recurso, bem como nas suas Conclusões 2 a 7, a Recorrente considera que a Sentença recorrida é esteada num pretenso erro de julgamento, mas apenas na parte em que julgou improcedente a ação de intimação para obtenção de informação relativa aos Contratos 116/2024, 134/2024 e 135/2024, e não na parte em que julgou improcedente a ação de intimação para obtenção de informação relativa ao Contrato 158/2024.
D. Como nas alegações de recurso se pode ler, a Recorrente refere o seguinte:
“Em primeiro lugar e ao que parece, na sentença proferida peio Tribunal a quo este ignorou que à data da sua prolação (19 de maio de 2025), a execução de três dos presentes contratos (116/2024,134/2024,135/2024) já se encontrava concluída - visto o seu término estar previsto para o dia 30.04.2025, conforme afirmou a própria Recorrida na sua resposta.
(J Em consequência, e em relação a esses três contratos já findos, a Recorrida não poderia sequer ter invocado, como fez, a aplicação do artigo 6.°, n.° 3 da LADA, pois essa norma só se aplica a "processos não concluídos" o que não corresponde ao caso dos 3 contratos supra identificados, cujo prazo de vigência já terminou.
E essa mesma factualidade implicava, pelo menos, a procedência da presente intimação em relação a três (dos quatro) contratos solicitados - o que não se verificou'.
E. Portanto, relativamente a esse segmento decisório da Sentença recorrida, que julgou improcedente a presente ação de intimação para obtenção de informação relativa ao Contrato 158/2024, não remanesce dúvida de que a Recorrente se conformou com o mesmo.
F. Por outras palavras: o presente recurso incide sobre a apreciação efetuada pelo Tribunal a quo relativamente à informação respeitante apenas aos Contratos 116/2024, 134/2024 e 135/2024, e não sobre a que respeita ao Contrato 158/2024.
G. Nestes termos, porque a Recorrente não assaca nenhum pretenso erro de julgamento à Sentença recorrida no que respeita à improcedência da ação de intimação para obtenção de informação relativa ao Contrato 158/2024, com o qual se conformou, é curial concluir que a decisão judicial se tornou, quanto a esta matéria, definitiva em relação à Recorrente.
H. Ou seja, ao não recorrer deste segmento decisório, a Recorrente aceitou tacitamente a decisão recorrida em alusão.
I. De salientar também que, quer à data de pedido de informação administrativa, de 06.02.2025 (cfr. Facto provado 1), que a Recorrente apresentou junto da Recorrida, quer à data de propositura da presente ação de intimação, em 13.03.2025 (cfr. Facto provado 5), os aludidos Contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 estavam em curso, conforme, aliás, a própria Recorrente reconhece.
J. Porque na Sentença recorrida se apreciou um pedido de intimação relativo a Contratos que se encontravam, inquestionavelmente, em curso, é evidente que a aludida Sentença não incorre em qualquer erro de julgamento.
K. Seja como for, durante a pendência dos presentes autos, caso a Recorrente considerasse que os Contratos em alusão estariam a terminar, ou já teriam terminado, podia ter alertado o Tribunal a quo para essa superviência, porquanto em tempo, antes de a Sentença ser prolatada (independentemente de qual pudesse a vir a ser o seu desfecho), o que, a Recorrente, todavia, não logrou fazer.
L. Observe-se que a Recorrente também podia ter requerido aditamento de novos pontos à matéria de facto dada como provada, o que, de novo, não fez.
M. Neste particular, porque a Recorrente não fez oportunamente uso dos vários expedientes processuais que tinha ao seu dispor para alcançar o fim que pretendia, não pode vir agora, salvo melhor opinião, por via do presente recurso, a pretexto de um alegado erro de julgamento da Sentença recorrida, procurar colmatar tais lapsos, que são da sua exclusiva responsabilidade.
N. Na realidade, refira-se que, através do presente recurso, a Recorrente revela a sua real intenção: sob a roupagem do recurso, a Recorrente apresenta, na verdade, um novo pedido de intimação relativo aos Contratos 116/2024, 134/2024 e 135/2024.
O. Naquilo que, obviamente, significará um uso impróprio e abusivo deste meio processual (leia-se, recurso).
Sem conceder,
P. Mesmo que assim não se entenda - o que se equaciona apenas a benefício do raciocínio -, não é verdade que a Recorrida tenha afirmado na sua Resposta à presente ação de intimação que os aludidos Contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 terminavam a 30.04.2025.
Q. A Recorrida teve o ensejo de esclarecer na sua Resposta que os referidos Contratos tinham prazo de execução previsto até 30.04.2025, a menos que fossem obtidas as respetivas autorizações de encargo plurianual relativamente aos valores solicitados para 2025 (autorizações solicitadas à tutela), caso em que os referidos contratos poderiam vigorar até se esgotarem os valores transitados para 2025, isto é, até 31.12.2025 (cfr. artigos 10° e 15.° da sua Resposta).
R. Portanto, não foi demonstrado, nos presentes autos, que os contratos em questão já tivessem terminado.
S. A Sentença recorrida não incorreu, pois, em qualquer erro de julgamento, não merecendo, a este propósito, qualquer censura.
T. Por outro lado, como ficou demonstrado na Resposta à presente intimação e facilmente se depreende da matéria de facto provada, os Contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, são contratos que foram celebrados na sequência de Concursos Públicos.
U. A documentação peticionada subsume-se à noção de documento administrativo, estabelecida no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), subalínea ii), da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto ("LADA"), em concreto a “Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados.
V. A regra geral em matéria de acesso a documentos administrativos está inscrita no artigo 5.°, n.° 1, da LADA, que estabelece que, " sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo".
W. Porém, apesar de a regra geral em matéria de acesso a documentos administrativos, prevista no artigo 5.°, n.° 1, da LADA, ser a do livre acesso, é a própria lei que prevê situações de ponderação ou de restrição de acesso.
X. Nesse sentido, estabelece o artigo 6.°, n.° 3, da LADA que, "[o] acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar.."
Y. Como é evidente, a documentação a que a Recorrente pretende ter acesso trata-se de documentação relacionada com "Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados, a que alude o artigo 3.°, n.° 1, alínea a), subalínea ii), da LADA.
Z. Porque a documentação solicitada pela Recorrente se trata de documentação relacionada com contratos públicos, em fase de execução, é curial concluir que a LADA não é aplicável, por força do disposto no predito artigo 6.°, n.° 3.
AA. Neste sentido, já se pronunciou a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, entre outros, no Parecer n.° 475/2024, ao referir que:
" 10. Assim, a regra é o livre acesso, salvo algum elemento específico que não possa ser facultado, mas cujo indeferimento tem de ser fundamentado e comunicado à requerente nos termos do artigo 15.°, n.° 1 alínea c), da LADA.
11. O mesmo é aplicável a toda a documentação respeite à execução contratos públicos"’ (destaque e sublinhado nossos).
BB. Portanto, conforme a Recorrida oportunamente esclareceu na sua Resposta, "tratando-se de documentação respeitante a contratos, cuja execução se encontra em curso, designadamente de contratos públicos, aplica-se, no que diz respeito ao respetivo acesso, a legislação específica desses contratos, isto o CCP, e/ou o Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), mas não a LADA'”.
CC.Com efeito, dispõe o artigo 1.°, n.° 4, da LADA, que, “[a]presente lei não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica, designadamente quanto: a) Ao regime de exercício do direito dos cidadãos a serem informados pela Administração Pública sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados e a conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, que se rege peio Código do Procedimento Administrativo”.
DD. Ora, no domínio da contratação pública, estatui o artigo 465.° do CCP, que, "[a] informação relativa à formação e à execução dos contratos públicos é obrigatoriamente publicitada no portal dos contratos públicos, através de fichas conforme modelo constante de portaria dos membros do Governo responsáveis peias áreas das finanças e das obras públicas.
EE. Ou seja, para dar cumprimento ao disposto no referido artigo 465.° do CCP, as entidades adjudicantes devem, obrigatoriamente, publicitar no Portal Base os elementos referentes à formação dos contratos públicos nos termos definidos na Portaria n.° 318-B/2023, de 25 de outubro, que aprova os modelos de dados a transmitir no âmbito do funcionamento e da gestão do portal dos contratos públicos "Portal BASE", na sua versão atual.
FF. Neste particular, o artigo 4.°, n.° 1, da referida Portaria, estabelece que:
1 - O Portai BASE disponibiliza informação sobre:
(…)
d) A formação e a execução dos contratos públicos, incluindo:
i) A explicitação precisa e completa dos bens, serviços ou obras objeto do contrato;
ii) Código CPV;
iii) Preço base do procedimento;
iv) Identificação dos convidados nos procedimentos não concursais;
v) Identificação do adjudicatário e dos restantes concorrentes;
vi) Identificação dos candidatos;
vii) Preço contratual;
viii) Data da decisão de adjudicação, da celebração do contrato, de início de execução e de fecho do contrato;
ix) Prazo de execução;
x) Compra pública estratégica;
xi) Preço total efetivo;
xii) A identificação de impugnações do procedimento;
xiii) A publicitação dos contratos, incluindo anexos e aditamentos, com
exceção das informações que se relacionem com segredos de natureza
comerciai, industrial ou outra e das informações respeitantes a dados pessoais;
xiv) A identificação das partes do contrato;
xv) A identificação das entidades concessionárias;
xvi) Prazo de execução do contrato;
xvii) Causas de extinção do contrato".
GG. Ora, a Recorrida deu cumprimento ao disposto no CCP e na Portaria n.° 318- B/2023, de 25 de outubro, publicitando os contratos e os elementos enunciados no Portal Base, com exceção de informação respeitante à extinção, porquanto, repita-se, no presente caso, não ocorreu a extinção de nenhum dos Contratos.
HH. Com efeito, o pedido da Recorrente é, na realidade, de cumprimento impossível porquanto não ocorreu qualquer rescisão dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, pelo que, naturalmente, não existe qualquer decisão / deliberação da Recorrida nesse sentido.
II. De todo o modo, nem o CCP, nem a Portaria n.° 318-B/2023, de 25 de outubro, impõem a publicitação da documentação solicitada pela Recorrente.
JJ. Documentação essa que, de resto, não faz parte integrante dos contratos em alusão, não constituindo anexos ou aditamentos aos mesmos.
KK. De qualquer forma, importa referir que o objeto da intimação não é o acesso aos contratos propriamente ditos, nem a eventuais modificações.
LL. Assim, afigura-se que a documentação requerida integra o regime do direito à informação, regulado pelo CPA.
MM. Neste conspecto, impunha-se à Recorrente o ónus de demonstrar o interesse legítimo no conhecimento dos elementos visados, nos termos e para efeitos do artigo 85.°, n.° 1, do CPA, o que não logrou fazer.
NN. Foi justamente isso que o Tribunal a quo reconheceu, de forma absolutamente cristalina e irrepreensível.
OO. Mostra-se assim absolutamente acertada a análise e conclusão do Tribunal a quo na Sentença quando se refere que:
“Na situação sub judice, estando em causa a fase de execução do contrato, sujeitos da relação jurídica procedimental são o contraente público e o co- contratante.
Acresce, como resulta da factualidade apurada, que a Requerente não participou nos procedimentos concursais, referentes aos contratos identificados no requerimento dirigido à Entidade Requerida em 06.02.2025 (factos provados n°s 1 e 4).
Pelo que, não tendo a Requerente feito prova da respectiva legitimidade procedimental, enquanto sujeito da relação jurídica procedimental para o acesso à documentação solicitada, não demonstrando um interesse legítimo no conhecimento dos elementos solicitados, urge concluir pela improcedência da sua pretensão, como seguidamente se decidirá”.
PP. Resulta assim evidente que a Sentença recorrida não incorre em qualquer erro de julgamento.
QQ. Por fim, importa salientar que a Recorrente nunca invocou, nem tampouco demonstrou, nem no pedido de informação administrativa, de 06.02.2025 (cfr. Facto provado 1), que apresentou junto da Recorrida, nem na presente ação de intimação, que intentou a 13.03.2025 (cfr. Facto provado 5), o interesse legítimo no conhecimento dos elementos visados, nos termos e para efeitos do predito artigo 85.°, n.° 1, do CPA.
RR. Porém, procura fazê-lo agora, pela primeira vez, através do presente recurso, aportando factos novos, sobre os quais o Tribunal a quo nunca teve a oportunidade de se pronunciar.
SS. Com efeito, a pretensão da Recorrente pressupõe que o Tribunal ad quem tome em consideração, hic et nunc, em sede de recurso, os factos novos ora invocados e, deste modo, dar os mesmos, eventualmente, como provados, apesar de nunca terem sido sequer alegados em 1.a instância.
TT. Portanto, a conclusão que se extrai é a de que a Recorrente imputa um erro de julgamento à Sentença recorrida com os seguintes fundamentos: por um lado, (i) porque o Tribunal a quo não considerou a existência de um alegado interesse legítimo da Recorrente, que esta, todavia, nunca logrou invocar, nem tampouco demonstrar, em sede de 1.a instância, e, por outro lado, (ii) porque o Tribunal a quo deveria ter considerado, e não o fez, os factos novos que a Recorrente invoca agora, pela primeira vez, em sede de recurso.
UU. Seja como for, cumpre sublinhar que a justificação do interesse legítimo ora apresentada pela Recorrente assenta, essencialmente, na circunstância de a Recorrente e as empresas cocontratantes dos Contratos objeto dos presentes autos, segundo alega a Recorrente, “atuarem no mesmo setor de mercado e, inclusive, foram muitas vezes concorrentes em procedimentos promovidos peia Recorrido'.
VV. Salvo melhor opinião, é irrelevante a circunstância de as referidas empresas atuarem no mesmo setor do mercado e a invocação de outros procedimentos de contratação pública desenvolvidos pela Recorrida.
WW. Com efeito, esses outros procedimentos têm por objeto realidades distintas e requisitos técnicos próprios, não sendo possível generalizar como é feito nas alegações de recurso.
XX. Independentemente de a Recorrente e de as empresas cocontratantes dos aludidos Contratos poderem atuar no mesmo setor de mercado, a Recorrente não é, no caso vertente, uma operadora económica concorrente dos cocontratantes dos Contratos em apreço.
YY. Sob outro prisma: a atividade prosseguida pela Recorrente não coincide com a atividade abrangida pelos referidos Contratos em alusão e pelos procedimentos pré-contratuais que lhes deram origem.
ZZ. De resto, e conforme resulta dos factos que foram dados como provados, a Recorrente não participou nos procedimentos concursais, relativos aos Contratos em alusão (cfr. Facto provado 4).
AAA. Aliás, o próprio excerto do Acórdão citado pela Recorrente, e reproduzido nas alegações de recurso, confirma tudo quanto se expendeu supra, na medida em exige como pressupostos do interesse legítimo, por um lado, que (i) a "Recorrida (tenha) tido intervenção em procedimento pré-contratual aberto peia Recorrente”' e, por outro lado, (ii) que desenvolva “a sua atividade no domínio em que a Recorrente apeia a candidaturas para efeitos de celebração de contratos'.
BBB. Ora, como ficou demonstrado, a Recorrente não só não participou nos Concursos Pblicos que deram origem aos Contratos em apreço, como a atividade que prossegue não é a que foi posta à concorrência e que foi objeto dos referidos procedimentos.
CCC. Improcede, pois, a alegação de que o Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento quanto a esta matéria.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.:
Deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a Sentença de 14.05.2025, nos precisos termos julgados.”

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

As partes foram notificadas do parecer Ministério Público.

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

“1) Em 06.02.2025, a Requerente remeteu aos serviços da Entidade Requerida, requerimento, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)



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(...)" - cfr. doc. n° 1 junto com a petição inicial;
2) O requerimento referido no ponto antecedente foi recebido pela Entidade Requerida em 07.02.2025 — facto não controvertido;
3) Através de oficio registado sob o n° 1138, datado de 25.02.2025, a Entidade Requerida remeteu à Requerente informação, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)





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(...)"— cfr. doc. n° 3 junto com a petição inicial;
4) A Requerente não participou nos procedimentos concursais, relativos aos contratos identificados no requerimento identificado no ponto 1) — facto não controvertido
5) Em 13.03.2025, a presente Intimação deu entrada neste Tribunal - cfr. comprovativo de entrega junto a fls. 1 do SITAF.


3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,

“Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.”


3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,

“O Tribunal fundou a sua convicção com base na análise dos documentos juntos aos autos devidamente identificados em relação a cada facto.”

4. Fundamentação de direito

A Recorrente insurge-se contra a sentença que julgou improcedente o seu pedido de intimação da Requerida/Recorrida a fornecer-lhe “cópia dos procedimentos administrativos que culminaram na rescisão dos contratos” celebrados entre a Requerida e a empresa M… Unipessoal, Lda. correspondentes aos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, “bem como na aplicação das respetivas sanções contratuais, nomeadamente: a. Cópia da decisão da SPMS de rescisão contratual e aplicação de sanções contratuais; b. Cópia da notificação à M… Unipessoal, Lda. da rescisão contratual e da aplicação de sanções contratuais; c. Cópia do comprovativo de recebimento do valor das sanções contratuais; d. Cópia da comunicação ao IMPIC do respetivo incumprimento contratual e das sanções contratuais aplicadas”.
Para tanto sustenta que, opostamente ao decidido, não estamos perante informação de tipo procedimental a que fosse aplicável o disposto no artigo 6.º, n.º 3 da LADA, mas sim não procedimental, sujeita ao regime do artigo 5.º da LADA, porquanto, à data de prolação da sentença, a execução de três dos contratos (116/2024, 134/2024 e 135/2024) já se encontrava concluída por o seu término estar previsto para 30.4.2025.
Mais aduz que, ainda que os referidos contratos não estivessem findos (e que apenas um se encontrasse em fase de execução), sempre seria aplicável o artigo 5.º da LADA porquanto a informação em causa não se reporta à execução de contratos em curso, mas sim aos procedimentos administrativos especificamente sancionatórios (findos) que culminaram na rescisão contratual e de aplicação de sanções contratuais.
Considera que, mesmo que se aceitasse estarmos perante informação procedimental por respeitar a contratos em curso, tem, ao abrigo do disposto no artigo 85.º do CPA, interesse legítimo na informação porquanto a Recorrente e a entidade co-contratante da Recorrida atuam no mesmo setor de mercado e foram concorrentes em procedimentos promovidos pela Recorrida, nos quais a Recorrente, 2.ª classificada, não fosse a revogação da decisão de contratar, teria sucedido na posição contratual da M…, tendo, portanto, interesse em conhecer os moldes em que se deu o incumprimento contratual nos referidos contratos.
Como ponto prévio importa clarificar que, opostamente ao alegado pela Recorrida em sede de contra-alegações, o presente recurso não incide, apenas, sobre a decisão de não assistir à Recorrente o direito à informação requerida relativamente aos contratos 116/2024, 134/2024 e 135/2024, excluindo o contrato 158/2024. Resultando de uma leitura manifestamente deficiente do recurso a conclusão quanto à aceitação da decisão no que respeita ao pedido de informação sobre o contrato 158/2024.
Recorda-se que “na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações nelas escritas” (entre outros, o Ac. do STA de 27.4.2016, proferido no processo 0431/16, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1aa45cb220ac208a80257fa7003c01f9?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1).
Ora, lidas as alegações e conclusões do recurso, um declaratário normal não retira das mesmas qualquer suporte para a leitura realizada pela Recorrida.
Em primeiro lugar, porque o pedido formulado nas alegações – “ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser a sentença recorrida substituída por outra que julgue procedente a intimação, e que intime a Recorrida a prestar a informação solicitada pela Recorrente” – abrange todo o segmento decisório. Portanto sem diferenciar a informação que foi requerida.
Em segundo lugar, porque o que se evidencia é, em face das páginas 4 e 5 e conclusões 2 a 7, que quanto aos contratos 116/2024, 134/2024 e 135/2024, para demonstrar a sua tese de estarmos perante informação não procedimental, a Recorrente argumenta que os mesmos já se encontravam findos. O que, não sucedendo quanto ao contrato 158/2024, justifica a sua exclusão desta linha de argumentação.
Mas, já na conclusão 8 e da página 5 das alegações, em que refere “[a]inda que assim não fosse, que os referidos contratos não estivessem findos (e que apenas um se encontrasse ainda fase de execução)”, se revela que, a partir dali, a argumentação quanto ao erro de julgamento que aponta à sentença se dirige, não apenas àqueles três contratos, mas sim à totalidade da informação por si requerida.
Ou seja, a Recorrente imputa, efetivamente, o erro de julgamento à sentença na sua integralidade, respeitante, pois, ao juízo de improcedência quanto ao seu direito à informação requerida no pedido de 6.2.2025. Sem que, portanto, exista qualquer aceitação da sentença no que respeita à informação relativa ao contrato 158/2024.
Advoga, ainda, a Recorrida um “uso impróprio e abusivo” do recurso no sentido de, não tendo a Recorrente alertado o Tribunal a quo para o termo dos contratos antes da prolação da sentença ou o aditamento de novos factos supervenientes, desse meio fazendo uso dos expedientes processuais ao seu alcance para obter a sua pretensão, não poderia vir, agora, sob o pretexto de um erro de julgamento colmatar os lapsos da sua responsabilidade.
Sem prejuízo de a Recorrida nenhum efeito extrair desta alegação, designadamente para efeitos de condenação da Recorrente como litigante de má fé [artigo 542.º, n.º 2 al. d) do CPC], importa considerar que não se vislumbra qualquer uso impróprio e abusivo do recurso. Limita-se a Recorrente a recorrer com vista a obter a revogação da decisão que foi desfavorável à sua pretensão.
Se, para tanto, alega factos que não foram considerados pelo tribunal a quo, nomeadamente porque não atempadamente alegados, no que poderá resultar é na eventual improcedência do recurso. Mas tal não evidencia qualquer utilização abusiva do recurso.
Feito este esclarecimento impõe-se, agora, voltarmo-nos para o mérito do recurso.
A questão em dissídio prende-se, em primeira linha, com a qualificação da informação em causa, como procedimental ou não procedimental. O Tribunal a quo, considerando ter havido lugar à cessão de posição contratual do cocontratante para o concorrente ordenado em lugar subsequente, ao abrigo do artigo 318.º-A do Código dos Contratos Públicos (enquanto alternativa à resolução contratual), retirando daí que os contratos se encontravam em fase de execução contratual, concluiu estar em causa o direito à informação procedimental. E, nessa medida, reclamando, ao abrigo do artigo 85.º do CPA, um interesse legítimo no conhecimento dos elementos solicitados, entendeu que a Requerente dele não dispunha por não ter participado nos procedimentos concursais, referentes aos contratos identificados no requerimento.
O direito à informação administrativa desdobra-se no direito à informação procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo preceito (que corresponde a um direito à informação não procedimental, cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5ª ed., pág. 903). Direitos que visando primacialmente objetivos diversos, no primeiro caso, a informação sobre procedimentos administrativos, numa perspetiva de conhecimento das incidências procedimentais, e, no segundo, o acesso aos registos e arquivos administrativos, numa dimensão de administração aberta a todos os cidadãos, determinam que sejam também diferenciados os regimes jurídicos que lhes correspondem (neste sentido, entre outros, o Ac. STA de 25.02.2009, proferido no processo n.º 998/08).
Ou seja, o direito à informação abrange a informação procedimental (vg. arts. 82.º a 85.º do CPA) e a informação não procedimental (vg. art.º 17.º do CPA e art.º 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, Lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, doravante apenas LADA), sendo que a primeira “reporta-se a factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concerto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” e a segunda “respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos” (cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 903).
O primeiro equívoco que se evidencia na decisão recorrida é a consideração de que, para o efeito de saber se estamos perante um procedimento administrativo em curso ou findo, (apenas) releva a asserção quanto à vigência ou termo da relação contratual.
Tal conclusão desconsidera que no desenvolvimento ou execução dessa relação contratual, designadamente no exercício dos poderes do contraente público (artigo 302.º do CCP), pode haver lugar a procedimentos administrativos – entendidos como a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública (artigo 1.º, n.º 1 do CPTA) – específicos (e autónomos), dirigidos à emanação da vontade do contraente público (no seio dessa mesma relação contratual) seja por via da prática de um ato administrativo, seja de uma declaração negocial.
É o caso, nomeadamente, da aplicação de sanções contratuais, nas quais se incluem as de natureza pecuniária, a resolução sancionatória [329.º do CCP] e a cessão da posição contratual por incumprimento do cocontratante [318.º-A do CCP], ou da resolução unilateral [artigo 302.º, al. e) do CCP].
E daí que, como alega a Recorrente, a sucessão de atos e formalidades que, no âmbito da relação contratual, se dirigem à prática dos atos aplicação de sanções contratuais ou à resolução unilateral do contrato, correspondem a procedimentos administrativos em si mesmos. Portanto, ainda que relativos à execução contratual e que têm lugar no seio da relação contratual, procedimentos administrativos que se autonomizam por visarem uma específica finalidade.
Sem prejuízo é certo que, no caso da resolução do contrato, na medida em que esta opera extinção do contrato [artigo 330.º, al. c) do CCP], além de consubstanciar o termo do procedimento administrativo de resolução, também constitui o fim da relação contratual em si mesma.
Ora, importa considerar que o objeto do pedido de informação respeita aos documentos administrativos integrantes dos procedimentos administrativos (i) de rescisão dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024 celebrados com a M… Unipessoal, Lda. e (ii) de aplicação de sanções contratuais, abrangendo as decisões de aplicação de sanções contratuais, notificação destas ao cocontratante, de recebimento do valor das sanções contratuais e da comunicação ao IMPIC do respetivo incumprimento contratual e das sanções contratuais aplicadas.
Estão, pois, em causa os procedimentos administrativos que, respeitando à relação contratual que terá sido estabelecida entre a Requerida e a M… Unipessoal, Lda., conduziram à aplicação de sanções contratuais e à resolução. Do que decorreria, ainda que se aceitasse (apenas) a relevância da extinção da relação contratual, que, em princípio, tendo sido requerida informação relativa a procedimentos administrativos que respeitam a contratos que terão sido extintos – por via da sua resolução -, a informação em causa seria de natureza procedimental.
O que sucede nos autos é que, à luz da alegação vertida na resposta da Requerida, naqueles contratos, não obstante o incumprimento pelo cocontratante das suas obrigações reunir os pressupostos para a resolução dos contratos, não foi operada a resolução, concretamente de natureza sancionatória (artigo 333.º do CCP). Antes, ao abrigo do disposto no artigo 318.º-A do CCP, procedeu a Requerida à cedência da posição contratual do cocontratante aos concorrentes ordenados em 2.º lugar nos procedimentos pré-contratuais que precederam a celebração dos contratos.
Ora, no que respeita à documentação requerida quanto à rescisão, ou melhor resolução, dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, a problemática não se situa, como entendeu o Tribunal a quo, em saber se o contrato se encontra ou não vigente. Antes o que se evidencia é a própria inexistência do procedimento administrativo que conduziu à resolução dos contratos e da decisão de resolução contratual, porquanto (apenas) existiu um procedimento que culminou na cessão da posição contratual por incumprimento do cocontratante e, consequentemente, um ato do contraente que operou a cessão da posição contratual ao abrigo do disposto no artigo 318.º-A, n.ºs 1 e 4 do CCP.
Só que o objeto do pedido da Requerente, além de visar os procedimentos administrativos de aplicação de sanções contratuais, apenas se reporta à rescisão (ou, corretamente, resolução) dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024 celebrados com a M… Unipessoal, Lda.. Pelo que se não houve lugar a um procedimento de resolução dos contratos, nem à prática de decisões de resolução, naturalmente que nenhuma informação a tal respeito há a prestar à Requerente.
É que “o direito à informação procedimental, tal como preconizado no CPA, e o direito de acesso aos documentos administrativos, enunciado na LADA, dependem, respectivamente, de actos ou procedimentos que tenham sido praticados, com existência, e de documentos administrativos já produzidos” (Ac. deste TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 2806/23.3BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/0ea62a1252141e9980258b07003b3318?OpenDocument&Highlight=0,26%2F2016). Pelo que, limitando-se, nessa parte, o pedido da Recorrente a informação que não existe, correspetivamente não se pode impor à Requerida a sua prestação.
Resta-nos, portanto, a informação que respeita aos procedimentos de aplicação de sanções contratuais, abrangendo as decisões de aplicação de sanções contratuais à M…, Unipessoal Lda., sua notificação, comprovativo de recebimento do valor das sanções contratuais (quando revistam natureza pecuniária) e comunicação ao IMPIC do incumprimento contratual pela M… Unipessoal, Lda. e das sanções contratuais aplicadas.
Quanto a esta documentação a alegação da Requerida não se reconduz à sua (in)existência, mas sim à consideração de estarmos perante informação procedimental por respeitar a contratos em execução.
Só que à luz das considerações supra tecidas quanto à resposta a dar à questão de sabermos se estamos ou não perante um procedimento administrativo findo ou em curso, bem se vê o erro em que a Recorrida e o Tribunal a quo incorreram.
É que o procedimento administrativo de aplicação de sanções contratuais, ainda que se desenvolva no seio da relação contratual e a esta respeite, corresponde, como dissemos, a um procedimento administrativo em si mesmo, cujo termo ocorre, em princípio (atenta a possibilidade de impugnação administrativa), com a prática do ato (final) sancionatório ou da decisão de não aplicação de sanção contratual.
Daí que, ainda que a relação contratual que subjaz àquele procedimento sancionatório não se tenha extinguido, nem por isso deixa a informação a ele respeitante, quando se encontre findo, de revestir a natureza de informação não procedimental.
Acrescente-se que, no caso dos autos, nem se poderia sequer considerar que, verdadeiramente, a relação contratual entre a M… Unipessoal, Lda. e a Requerida não tenha findado.
Isto é, os contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, à data em que foi requerida a informação, encontravam-se, é certo, em curso, por força da cessão da posição contratual da cocontratante originária. Pois que a cessão da posição contratual corresponde a uma forma de transmissão das obrigações, no caso alternativa à resolução contratual, em que se opera uma alteração dos seus sujeitos, que não prejudica a identidade da relação – “a relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário: successio non producit novum ius sed vetus transfer” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, págs. 385 e seguintes) – e sem que o contrato deixe de produzir efeitos, ao contrário da resolução, cuja consequência é a destruição dos efeitos do contrato e a sua consequente cessação.
Contudo, “[v]erifica-se a extinção subjectiva da relação contratual, quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar da modificação dos sujeitos.
Transferida a relação contratual para o cessionário, verifica-se a sua extinção subjectiva relativamente ao cedente, cessam quaisquer direitos e deveres entre cedente e cedido; a desvinculação completa do cedente é um efeito natural, automático, do contrato, estabelecendo-se entre cessionário e cedido os direitos e obrigações integrados na relação contratual cedida, no estado de evolução em que esta, no momento da cessão, se encontrava na titularidade do cedente; tem como principal efeito a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido, na relação contratual básica, tal como esta existe à data da cessão; o cessionário torna-se o único titular da posição contratual, passando a pertencer-lhe, por esse motivo, os créditos e os débitos, integrados na relação contratual transmitida, encabeçados no cedente no momento da cessão” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31.1.2012, proferido no processo 4078/10.0TBLRA.C1).
E é, por isso, de admitir que, também para o efeito de aferir se estamos (ou não) perante um procedimento administrativo findo se considere a extinção subjetiva da relação contratual estabelecida entre a Recorrida e a M… Unipessoal, Lda.. De tal forma que a informação a ela exclusivamente respeitante, incluindo a reportada aos eventuais procedimentos de aplicação de sanções contratuais, reveste a natureza de informação não procedimental.
Situamo-nos, pois, opostamente ao que entendeu o Tribunal a quo, no seio do exercício do direito à informação não procedimental, regulado pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, em que se dispensa a invocação ou demonstração de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa.
Não se nega que o direito de informação não procedimental - direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitucionalmente –, tal como o direito à informação procedimental, não é um direito absoluto. Encontrando-se sujeito a restrições e limitações, previstas quer na Constituição, que no n.º 2 do seu artigo 268.º as identifica como relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer no regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA, Lei n.º 26/2016 de 22 de agosto), designadamente as consagradas no seu artigo 6.º.
Todavia, a recusa de acesso «deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria esses valores. Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) ato de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflete (ou não) a exatidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do ato e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adotada» (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15).
No caso dos autos, a Recorrida nada alegou ou fundamentou que justificasse qualquer restrição de acesso à informação não procedimental requerida, ancorando a sua defesa no erróneo entendimento de estarmos perante informação procedimental para o efeito de exigir da Recorrente, que não constituía um interessado no procedimento a que respeita a informação requerida, um interesse legítimo no conhecimento dos elementos a que pretendia ter acesso (ao abrigo do artigo 85.º, n.º 1 do CPA).
Só que, como vimos, a informação requerida é não procedimental e, sendo-o, “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo” (artigo 5.º, n.º 1 da LADA).
Impondo-se, pois, que a Recorrida forneça à Recorrente cópia dos documentos que integram os procedimentos administrativos de aplicação de sanções contratuais à M… Unipessoal, Lda., no âmbito dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, nomeadamente, cópia da decisão da SPMS de aplicação de sanções contratuais, cópia da notificação à M… Unipessoal, Lda. da aplicação de sanções contratuais, cópia do comprovativo de recebimento do valor das sanções contratuais e cópia da comunicação ao IMPIC das sanções contratuais aplicadas.

Da condenação em custas

Tendo o Recorrente obtido parcial provimento no recurso, são o Recorrente e o Recorrido considerados vencidos na medida do decaimento, sendo responsáveis pelas custas da ação e do recurso na proporção desse decaimento que se computa em 50% para a Recorrente e 50% para a Recorrida (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida apenas na parte em que julgou improcedente o pedido de intimação ao fornecimento de cópias dos documentos integrantes dos procedimentos administrativos de aplicação de sanções contratuais à M… Unipessoal, Lda., no âmbito dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024;
b. Intimar a Recorrida, SPMS, a fornecer à Recorrente cópias dos documentos integrantes dos procedimentos administrativos de aplicação de sanções contratuais à M… Unipessoal, Lda., no âmbito dos contratos 116/2024, 134/2024, 135/2024 e 158/2024, nomeadamente, cópia da decisão da SPMS de aplicação de sanções contratuais, cópia da notificação à M… Unipessoal, Lda. da aplicação de sanções contratuais, cópia do comprovativo de recebimento do valor das sanções contratuais e cópia da comunicação ao IMPIC das sanções contratuais aplicadas.
c. Condenam-se a Recorrente e a Recorrida nas custas da ação e do recurso na proporção desse decaimento que se computa em 50% para cada uma.


Mara de Magalhães Silveira
Lina Costa
Joana Costa e Nora