Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 331/17.0BELLE |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/08/2022 |
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Relator: | RUI PEREIRA |
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Descritores: | FUNDO DE GARANTIA SALARIAL INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO PRODUÇÃO DE PROVA PROVA TESTEMUNHAL AUDIÊNCIA PRÉVIA DISPENSA DA RESPECTIVA REALIZAÇÃO |
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Sumário: | I – O artigo 87º-B, nº 1 do CPTA é cristalino ao estatuir que “a audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória”. II – O lapso cometido na identificação da norma ao abrigo da qual não haveria lugar à realização da audiência prévia – e, por conseguinte, ao prosseguimento dos autos – não inquina a decisão recorrida, na medida em que uma das finalidades do despacho saneador consiste no conhecimento “das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente” (cfr. artigo 88º, nº 1, alínea a) do CPTA), excepções essas que, a serem julgadas procedentes, têm sempre como consequência o fim do processo, com o consequente não conhecimento do mérito da causa e a absolvição (do réu) da instância (cfr. artigo 89º, nº 2 do CPTA). III – Sendo esse o caso dos autos, a decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA, por no caso não se afigurar essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada, uma vez que a acção iria findar – como veio efectivamente a acontecer – no despacho saneador pela procedência das excepções dilatórias invocadas pela entidade demandada na sua contestação. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO 1. V…, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Loulé contra o Fundo de Garantia Salarial uma acção administrativa, pedindo a declaração de nulidade do acto que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de trabalho. 2. O TAF de Loulé, por decisão datada de 14-7-2021, absolveu a entidade demandada da instância, por intempestividade da prática do acto processual/caducidade do direito de acção. 3. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões: “1. A autora apresentou acção administrativa de impugnação do acto que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de trabalho. 2. O réu Fundo de Garantia Salarial apresentou contestação e deduziu defesa por excepção e por impugnação. 3. Por despacho datado de 25-06-2021 foi a autora, ora recorrente, notificada de que foi dispensada a realização de audiência prévia. 4. Por sentença datada de 14 de Julho de 2017, notificada à ora recorrente a 15-07-2021, o réu foi absolvido da instância por intempestividade da prática do acto processual/caducidade do direito de acção. 5. A autora ora recorrente não se conforma com o despacho recorrido em primeiro lugar porquanto somos do entendimento que se afigura essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada. 6. Os factos carreados para os autos carecem de produção de prova, não se encontrando os presentes autos em condições para serem decididos sem que seja produzida qualquer diligência probatória. 7. Assim como não pode ser dispensada a realização de audiência prévia ao arrepio do disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA. 8. A sentença recorrida é nula viola o disposto no artigo 87º-A do CPTA, a nossa jurisprudência dominante e bem assim as finalidades da audiência prévia. 9. Termos em que e atento o supra exposto deverá a sentença recorrida ser declarada nula e consequentemente deverá ser proferida outra que ordene a realização de audiência prévia em obediência ao disposto no artigo 87º-A do CPTA”. 4. A entidade recorrida, apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegação. 5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer. 6. Com dispensa dos vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, mas com entrega prévia do projecto de acórdão, vêm os autos à conferência para julgamento. II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR 7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. 8. E face ao invocado pela recorrente, constitui objecto do presente recurso apreciar se a sentença recorrida errou ao ter concluído que ocorria a intempestividade da prática do acto processual/caducidade do direito de acção, por se afigurar essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada, não sendo por isso lícita a dispensa da realização de audiência prévia ao arrepio do disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA. III. FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO 9. A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade: a. Em 18 de Outubro de 2016, a entidade demandada exarou ofício dirigido à autora, cujo teor é abaixo reproduzido (cfr. fls. 57 do PA junto aos autos no proc. nº 1/17.0 BELLE): “Pela presente ofício e nos termos do despacho de 27 de setembro de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo do Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V. Exª foi indeferido. O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s): – O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artigo 2º do DL nº 59/2015, de 21 de abril”. b. Em 19 de Outubro de 2016, a autora dirigiu à Directora da Segurança Social de Faro, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte excerto (cfr. fls. 24 a 28 do PA junto aos autos do proc. nº 1/17.0BELLE): “V…, portadora do nº de identificação da segurança social ………, residente em Sítio das H… cp …..a, Hortas, 8800-162 Santa Catarina da Fonte do Bispo, na qualidade de requerente de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho – Fundo de Garantia Salarial, tendo sido notificada do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, de que é sua intenção indeferir o requerido, vem pronunciar-se nos termos do disposto no artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: (…)”. c. Em 25 de Outubro de 2016, a entidade demandada exarou ofício dirigido à autora, e cujo teor é abaixo reproduzido (cfr. fls. 59 do PA junto aos autos do proc. nº 1/17.0BELLE): “Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 24 de outubro de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que, após apreciação da reclamação apresentada, se mantém o indeferimento do requerimento para pagamento de crédito emergentes do contrato de trabalho apresentado por V. Exª. O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s): - A análise do requerimento apresentado por V. Exª ao FGS em 12-9-2016 tem por base a realidade processual existente à data da respetiva apresentação, assim com a legislação em vigor à data do facto, aplicando-se o nº 1 do artigo 3º preambular do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril. Nestes termos, consideramos que a situação identificada por V. Exª não impede a contagem do decurso de um uno desde a cessação do contrato de trabalho, cfr. nº 8 do artigo 2º do NRFGS, ocorrida em 08-01-2013. - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artigo 2º do Dec.-Lei nº 59/2015, de 21 de abril”. d. Em 22 de Novembro de 2016, a autora dirigiu à Directora da Segurança Social de Faro, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte excerto (cfr. fls. 65 a 69 do PA junto aos autos do proc. nº 1/17.0BELLE): “(Imagem no original.) ”. e. Em 2 de Dezembro de 2016, a entidade demandada exarou ofício dirigido à autora, e cujo teor é abaixo reproduzido (cfr. fls. 96 do PA junto aos autos do proc. nº 1/17.0BELLE): “Exmª Senhora, Acusamos a receção da sua comunicação datada de 22-11-2016, a qual mereceu â nossa melhor atenção. No entanto, e considerando que a mesma apenas reflete os elementos que V. Exª carreou para o processo na reclamação datada de 19 de outubro de 2016, cuja a análise por parte destes serviços não veio alterar o sentido da decisão comunicada, ao abrigo do artigo 13º, nº 2 da nova redação do Código do Procedimento Administrativo publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, proceder-se-á ao arquivamento da presente exposição porquanto, como supra se mencionou, no processo já consta análise e decisão emitidas há menos de dois anos, sobre os factos novamente expostos por V. Exª”. f. Em 21 de Junho de 2017, a presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (cfr. fls. 1 dos autos em SITAF). B – DE DIREITO 10. Sendo esta a factualidade relevante dada como assente na decisão recorrida, cumpre agora analisar se a mesma padece dos vícios que a recorrente lhe aponta e que consistem, no essencial, em determinar se ocorreu a caducidade do direito de acção ali apontada, pese embora a recorrente coloque a questão da violação por parte da decisão recorrida do disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA, por se afigurar essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada, não sendo por isso lícita a dispensa da realização de audiência prévia ao arrepio daquelas normas. Vejamos se lhe assiste razão. 11. Percorrendo a petição inicial da acção intentada pela autora, resulta manifesto que esta veio, na qualidade de requerente de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, intentar contra o Fundo de Garantia Salarial uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, que identifica claramente como sendo o despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 2-12-2016, pedindo, a final a declaração da nulidade desse acto e o deferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho. 12. E, como decorre da respectiva contestação, a entidade demandada defendeu-se por excepção, alegando que a decisão definitiva e directamente impugnável era a decisão notificada pelo ofício nº 162406, de 24-10-2016, na medida em que o ofício de 2-12-2016 e o ofício nº 165325, de 28-10-2016, se limitaram a reiterar aquela decisão definitiva, pelo que seriam ambos inimpugnáveis, por terem natureza meramente confirmativa, sustentando também, para o caso de assim não se entender, a caducidade do direito de acção, por esta ter sido intentada fora do prazo de três meses previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA. 13. Pronunciando-se sobre a inimpugnabilidade do acto, a decisão recorrida considerou que a mesma procedia, tendo para tanto tecido as seguintes considerações: “A impugnabilidade contenciosa do acto administrativo está regulada no artigo 51º, nº 1 do CPTA, a qual consome – ainda que não esgote – a definição de acto administrativo prevista no artigo 148º do CPA, i.e., “decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. O acto é impugnável na medida em que tenha efeitos jurídicos externos, independentemente da sua maior ou menor lesividade. Conforme referido no acórdão TCA Norte, de 19.12.2014, proc. nº 00657/11.7BEPNF, “qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, isto é, tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não, face ao disposto no artigo 51º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (a jurisprudência citada tem como fonte o sítio www.dgsi.pt, excepto quando for indicado o contrário). Todavia, o nº 1 do artigo 53º do CPTA, estabelece que “não são impugnáveis os actos confirmativos, entendendo-se como tal os actos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores”. Dito de outro modo, e acompanhando o acórdão do STA, de 18.03.1999, proc. nº 032209, um acto confirmativo pressupõe que seja emanado pela mesma entidade que proferiu a decisão confirmada, com o mesmo objecto e conteúdo, dirigido aos mesmos destinatários, perante os mesmos pressupostos de facto e de direito e por isso sem qualquer força inovatória (cf. igualmente os acórdãos do TCA Norte, de 14.02.2014, proc. nº 03303/10.2BEPRT, e de 20.04.2012, proc. nº 00212/09.1BEMDL). A lei pode exigir requisitos processuais autónomos, nomeadamente a prévia utilização de impugnação administrativa, como condição necessária no acesso à impugnação contenciosa do acto. Segundo o artigo 185º, nºs 1 e 2 do CPA, em regra as impugnações administrativas (reclamação e recurso hierárquico) têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários. Pelo que a impugnabilidade contenciosa da decisão da impugnação administrativa está dependente de saber se esta última tem natureza necessária ou facultativa: no primeiro caso, a decisão sobre a impugnação administrativa é contenciosamente impugnável por constituir a decisão final; no segundo caso, a decisão administrativa é inimpugnável, atenta a facultatividade da impugnação, ainda que a decisão sobre a impugnação administrativa tenha procedido a uma análise mais profunda da questão, mas se limite a reiterar os pressupostos de facto e de direito da decisão reclamada/recorrida (cf. inter alia, acórdãos STA, 24.09.2020, proc. nº 0940/12.4BESNT; TCA Norte, de 11.01.2019, proc. nº 01700/15.6BEPRT; TCA Sul, de 04.07.2019, proc. nº 688/15.8BELSB). No caso dos autos, não se divisa qualquer norma que imponha a reclamação administrativa necessária. Pelo que estamos perante uma impugnação administrativa facultativa (artigo 185º, nº 1 do CPA). E como resulta do ponto E) do probatório, a decisão sobre a reclamação limitou-se a reiterar o acto de indeferimento, não tendo qualquer conteúdo inovatório. Por conseguinte, o acto impugnável é o acto de indeferimento praticado em 18.10.2016, e não o praticado em 25.10.2016, porquanto este interpretou a resposta da autora, formulada em sede de audiência prévia, como se de uma reclamação se tratasse, o que não era o caso (pontos A), B) e C) do probatório)”. 14. Seguidamente, entrando na análise daquilo que identificou como a “intempestividade da prática do acto processual”, a decisão recorrida concluiu o seguinte: “Em relação à caducidade do direito de acção ou intempestividade da prática do acto processual, há que atender que a autora veio pedir a declaração de nulidade do acto. A acção administrativa para a impugnação de actos administrativos pode ou não estar sujeita a um prazo consoante o desvalor jurídico que afecte o acto impugnado seja a anulabilidade ou a nulidade: no primeiro caso, a acção deve ser intentada no prazo de 3 meses; no segundo caso, a propositura da acção não está sujeita a qualquer prazo (artigo 58º, nº 1 e alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). No entanto, há que aferir se o desvalor jurídico é efectivamente a nulidade ou a anulabilidade, e não apenas com base no que a autora alega, sob pena de arbitrariedade na propositura da acção. Note-se, porém, que o juízo sobre o desvalor jurídico dos vícios alegados pela autora tem natureza perfunctória, tão só dirigido à apreciação de uma questão processual, atinente à continuidade da instância, já não quanto ao fundo da questão ou à própria existência do vício alegado, a apreciar em sede de mérito da acção. Conforme referido no Acórdão do TCA Norte, de 01.03.2019, proc. nº 00859/17.2BEPRT, “averigua-se da tempestividade da acção mediante uma proposição hipotética”. Ou seja, cabe apreciar se as razões ou os fundamentos apresentados pela autora, independentemente do respectivo acerto, são suficientemente robustos para franquear a apreciação do mérito da acção. No caso dos autos, a autora não alega qualquer facto ou vício susceptível de configurar a nulidade do acto impugnado. Invoca, sem sustentação, o artigo 18º da Constituição, embora não se vislumbre como e qual o direito, liberdade e garantia alegadamente restringindo, nem muito menos é concretizada a violação de um qualquer conteúdo essencial de um direito fundamental. Ora, cabia à autora o ónus de alegar factos essenciais susceptíveis de sustentar, ainda que perfunctoriamente, a nulidade do acto (artigo 5º, nº 1 do CPC). O que não fez. O vício imputado ao acto assenta, quando muito, em erro nos pressupostos de facto e de direito, seja quanto ao prazo para o requerimento dos créditos a que a autora alega ter direito; seja quanto à lei aplicável. Todavia, em ambos os casos, a haver alguma invalidade, ela será a anulabilidade. Com efeito, a regra é a de os actos administrativos ilegais serem anuláveis. Os actos ilegais apenas serão nulos quando a lei prevê especificadamente essa consequência (artigos 161º, nºs 1 e 2 e 163º, nº 1 do CPA). O que bem se compreende, pois uma vez que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos e a nulidade é invocável a todo o tempo razões de segurança e certeza jurídicas exigem que a partir de determinado período temporal o acto inválido se estabilize no ordenamento jurídico (artigo 162º, nºs 1 e 2 CPA). Por conseguinte, a acção administrativa intentada estava sujeita ao prazo de 3 meses, pois mesmo tratando-se da impugnação de um acto administrativo negativo, isto é, de um acto de indeferimento, em que cabia à autora formular o pedido de condenação à prática do acto devido, os prazos para a propositura da acção são idênticos (artigos 66º, nº 1, 67º, nº 1, alínea b) e 69º, nº 2 do CPTA). A reclamação facultativa foi apresentada em 22.11.2016. Pelo menos desde essa data a autora conhecia o conteúdo do acto de indeferimento proferido em 18.10.2016 (ponto D) dos factos provados). A impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto “…que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar” (artigo 59º, nº 4 do CPTA). Ou seja, o prazo para a impugnação contenciosa do acto suspende-se até à data da notificação da decisão da impugnação, se esta for proferida antes do término do prazo legal para a decisão; ou suspende-se durante o prazo legal quando a prolação da decisão sobre a reclamação ou recurso hierárquico for notificada para além daquele prazo. No caso dos autos, tratando-se de uma reclamação administrativa, o órgão competente tinha 30 dias úteis para decidir a reclamação, por inexistir contra-interessados (artigo 87º, alíneas b) e c), e 192º, nºs 1 e 2 do CPA). A decisão da reclamação foi a 02.12.2016, ou seja, 7 dias úteis após a apresentação da reclamação (ponto E) dos factos provados). No entanto, não se divisa junto do PA qualquer comprovativo da data de notificação das decisões proferidas, incluindo a que recaiu sobre a reclamação, sendo certo que o acto só é eficaz e oponível à autora após a notificação nos termos previstos no artigo 112º do CPA, e que sobre a Administração impende o dever de integridade do processo administrativo (artigos 64º e 160º do CPA). Não podendo a autora ser prejudicada pela omissão de documentos no procedimento administrativo, o período de suspensão do prazo contencioso a considerar é o prazo de 30 dias para que fosse proferida a decisão sobre a reclamação (artigo 84º, nº 6 do CPTA). Donde, a suspensão do prazo contencioso terminou em 04.01.2017, correspondente a 30 dias úteis após o dia 22.11.2016, data em que está demonstrado que a autora tinha conhecimento do conteúdo do acto de indeferimento, sendo assim oponível. A partir de 04.01.2017 passa-se a contabilizar três meses ou 90 dias de forma contínua, nos termos do artigo 59º, nº 1, alínea b) e nº 2 do CPTA. Daqui resulta que o prazo para a propositura da acção terminou em 05.04.2017. A acção foi intentada em 21.06.2017 (ponto F) do probatório). Por conseguinte, é manifesto que a acção é intempestiva. A intempestividade da prática do acto processual consubstancia uma excepção dilatória impeditiva da apreciação do mérito da acção e tem como consequência a absolvição da instância da entidade demandada (artigo 89º, nº 2 e nº 4, alínea k) do CPTA)”. 15. Como deixámos expresso acima (vd. § 10.), no presente recurso a recorrente coloca a questão da violação por parte da decisão recorrida do disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA, por se afigurar essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada, não sendo por isso lícita a dispensa da realização de audiência prévia ao arrepio daquelas normas, quando o que se lhe impunha era a demonstração de que o acto que impugnou era passível de impugnação e que a mesma era tempestiva. 16. Com efeito, resulta do disposto no nº 1 do artigo 87º-A do CPTA o seguinte: “1 – Concluídas as diligências resultantes do preceituado no artigo anterior, se a elas houver lugar, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 87º-C; b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) Proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do artigo 88º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; f) Proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) Programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respectivas datas”. 17. Muito embora a recorrente não identifique qual a dimensão em que considera que a decisão recorrida violou o artigo 87º-A do CPTA, os termos em que estrutura a alegação do recurso e as respectivas conclusões, pretendendo demonstrar que a acção deveria ter prosseguido com a produção da prova que arrolou, permitem-nos concluir que as normas violadas seriam as constantes das alíneas f) e g) do normativo em causa (“proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes” e “programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respectivas datas”). 18. Contudo, o artigo 87º-B, nº 1 do CPTA é cristalino ao estatuir que “a audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória”, como veio efectivamente a acontecer. 19. É certo que no despacho exarado em 25-6-2021, o Senhor Juiz do TAF de Loulé considerou desnecessária a realização de diligências instrutórias sobre factos controvertidos ou carentes de prova (artigo 90º, nº 1 CPTA), justificando a dispensa da realização da audiência prévia com fundamento no disposto nos artigos 7º-A e 87º-B, nº 2 do CPTA, por se considerar desde logo habilitado a proferir saneador-sentença, nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 88º do CPTA, quando a verdadeira razão da não realização da audiência prévia era outra – a prevista no nº 1 do artigo 87º-B do CPTA –, na medida em que era sua intenção findar o processo – como findou – no despacho saneador, pela procedência das excepções dilatórias invocadas pela entidade demandada (cfr. artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, alíneas i) e k) do CPTA). 20. Porém, o lapso cometido na identificação da norma ao abrigo da qual não haveria lugar à realização da audiência prévia – e, por conseguinte, ao prosseguimento dos autos – não inquina a decisão recorrida, na medida em que uma das finalidades do despacho saneador consiste no conhecimento “das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente” (cfr. artigo 88º, nº 1, alínea a) do CPTA), excepções essas que, a serem julgadas procedentes, têm sempre como consequência o fim do processo, com o consequente não conhecimento do mérito da causa e a absolvição (do réu) da instância (cfr. artigo 89º, nº 2 do CPTA). 21. E, sendo esse o caso, manifesto se torna concluir que a decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 87º-A e 87º-B do CPTA, por no caso não se afigurar essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada, uma vez que a acção iria findar – como veio efectivamente a acontecer – no despacho saneador pela procedência das excepções dilatórias invocadas pela entidade demandada na sua contestação. 22. Improcede, nestes termos, o recurso interposto, com a consequente manutenção na ordem jurídica do despacho saneador recorrido. IV. DECISÃO 23. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo deste TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, com a presente fundamentação. 24. Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. Lisboa, 8 de Setembro de 2022 (Rui Fernando Belfo Pereira – relator) (Dora Lucas Neto – 1ª adjunta) (Pedro Figueiredo – 2º adjunto) |