Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2593/05.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:RUI A.S.FERREIRA
Descritores:DEDUÇÃO DE CUSTOS
Sumário:I– O fundamento de invalidade do ato por fundamentação a posteriori não tem sentido quando estamos no domínio da impugnação administrativa, pois esta fase procedimental, que é dialógica, permite precisamente complementar, corrigir ou ajustar a decisão, passando essas modificações a integrar a mesma. Isso é ainda válido após o termo do uso prévio obrigatório dos meios impugnatórios administrativos e é válido quando eles são mobilizados de forma voluntária.
II– Resulta da conjugação das normas dos artigos 17º, 23º, 41º, nº 1, a. h), e 98º, nº 3, al. a), do CIRC, na redação vigente em 1994, que o direito à dedução dos custos depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: o custo estar contabilizado, a contabilização estar suportada em documento e esse documento enquadrar-se no conceito de “documento justificativo”, a dedução não estar proibida por norma legal expressa, cabendo ao sujeito passivo o ónus de comprovar a existência material do custo e a sua essencialidade para o exercício da atividade sujeita a imposto.
III– Assim, além dos custos afastados do direito á dedução por norma legal expressa (artigo 41º do CIRC), não são dedutíveis os custos não documentados, considerando-se que os mesmos são insuscetíveis de prova exclusivamente não documental.
III– Os custos documentados, quando assentes em documentos e outros meios de prova admissíveis apenas justificarão o direito à dedução (integrando-se no conceito de “documentos justificativos”) se forem idóneos para comprovar a existência material do custo e se forem indispensáveis para a atividade, isto é, se existir alguma relação congruente, direta ou indireta, mediata ou imediata, entre o custo e o exercício da atividade empresarial (nexo de empresarialidade) sujeita a tributação.
IV– O conceito de custo é um dos resultados da análise dos fluxos gerados pela atividade empresarial na ótica económica ou produtiva, dado que o mesmo é sempre um consumo de bens ou de serviços, que não se confunde com o conceito de despesa ou com o conceito de pagamento, que resultam da análise dos fluxos na ótica financeira ou na ótica de caixa, respetivamente.
V- Tendo sido exibidas as faturas emitidas pelo prestador de serviços, bem como documentos de pagamento, cuja autenticidade não foi objetivamente questionada, complementadas por declarações de parte e depoimentos testemunhais que levaram a julgar provado que as operações faturadas resultam de um contrato de prestação de serviços de consultoria relacionados com a apresentação dos hipermercados, desenho de layouts, partilha de técnicas de vendas, trocas de conhecimentos sobre métodos de potenciar o interesse do consumidor relativamente a determinados produtos, nomeadamente, com o modo de preparação de expositores e com a colocação dos objetos num determinado espaço com impacto sobre o potencial comprador, através de conferências telefónicas, formação técnica presencial, deslocações aos pontos de venda, partilha de informação documental, reuniões presenciais nas instalações da sociedade adquirente desses serviços, não se pode concluir, como fez o tribunal recorrido, que o interessado não comprovou os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 23º do CIRC por se entender que aqueles documentos não habilitam a AT a verificar o integral pagamento da dívida ao prestador dos serviços nem a indispensabilidade dos referidos custos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 2593/05.7BELRS 1/2
Tribunal Central Administrativo Sul
Av. 5 de outubro, n.º 202, 1050 - 065 Lisboa
Telef. 21 7922300 Fax: 21 7960295 -E-mail: lisboa.tca@tribunais.org.pt
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 2ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

J.........., SGPS, SA, (doravante “Recorrente”), na qualidade de líder do Grupo J.........., veio interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [IRC] e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 1994, no total de € 10.528.052,72, e contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na qual se discutira a legalidade de duas correções ao lucro consolidado efetuadas em procedimento de inspeção: uma, relativa à falta de prova da indispensabilidade dos custos suportados com a aquisição de serviços de consultadoria prestados pela sociedade R.........., Inc. e de serviços adquiridos intragrupo, e outra, relativa à dedução de prejuízos reportados de 1993.
A sentença julgou procedente a impugnação na parte relativa à correção referente aos prejuízo e condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante dessa anulação, e manteve o ato tributário na parte em que incidiu sobre as correções aos custos.
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Nas suas alegações do recurso, a Recorrente formulou conclusões das quais se retira que discorda da sentença pelos seguintes motivos:
a) não fez correta valoração da prova testemunhal produzida (conclusões 1 a 24 das alegações);
b) errou ao aceitar o indeferimento da reclamação com fundamentos diferentes e até antagónicos com a fundamentação do ato tributário (conclusões 25 a 33 das alegações);
c) errou na interpretação e aplicação do disposto no artigo 23º do CIRC, dado que a indispensabilidade do custo com assessoria se encontra documentalmente comprovada (conclusões 34 a 52 das alegações).
A recorrente concluiu pedindo a revogação da sentença e sua substituição por decisão que julgue a impugnação procedente, com todas as consequências legais e atribuindo ao recurso o valor de € 591.186,33.
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A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações
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O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
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2. QUESTÕES A DECIDIR:
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (CPC), o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente no âmbito das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Para este efeito, “questões” são os problemas de facto ou de Direito cuja resolução é pedida ao tribunal, os quais não se confundem com os “argumentos” invocados pelas partes e que, na sua perspetiva, servem de fundamento para a solução pedida por elas.
Questão tributária, ou de natureza tributária, é aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito tributário, inscritas no domínio da atividade tributária da administração (Acórdãos do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13, de 21/3/2012, proc. nº 0189/11; de 27/5/2009, proc. nº 0119/08; de 2/4/2009, proc. nº 0987/08).
No que se refere ao recurso interposto pela Impugnante são as seguintes as questões a decidir:
a) Verifica-se erro de julgamento na valoração da prova testemunhal produzida?
b) Verifica-se erro de julgamento, na parte em que a sentença admitiu a produção de fundamentação a posteriori no procedimento de reclamação graciosa?
c) Verifica-se erro de julgamento relativo à interpretação e aplicação dos requisitos de dedutibilidade dos custos nos termos do artigo 23º do CIRC?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO
3.A. - De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
A) Em 1994, a Impugnante tinha por objeto a gestão de participações sociais em sociedades na área da distribuição a retalho e era a sociedade dominante de um conjunto de sociedades tributadas pelo regime do lucro consolidado, constituído entre outras, pela F.......... – Hipermercados, S.A. - acordo;

B) A tributação pelo lucro consolidado do grupo J.......... iniciou-se em 1993 e a sociedade F.......... – Hipermercados, S.A. passou a integrar o perímetro de consolidação no ano de 1994 - acordo;

C) A F.......... – Hipermercados, S.A. foi constituída em 1988 e tinha como atividade principal o comércio a retalho em Supermercados e Hipermercados. No exercício de 1993 desenvolvia a sua atividade em três lojas, passando para seis em 1994, e para nove em 1995 e possuindo em 1996 onze estabelecimentos - acordo;

D) Em 1994, o Grupo J.......... não tinha, conhecimento e know-how específico sobre o negócio da grande distribuição a retalho, ao contrário do que acontecia no pequeno comércio a retalho, atividade que o Grupo prosseguia de forma já consolidada através da sociedade P......... – , S.A. - alegado e não contestado e declarações de parte;

E) A F.......... – Hipermercados, S.A. decidiu, contratar os serviços da R.......... Inc., relativos a consultoria relacionados com a apresentação dos hipermercados, desenho de layouts, partilha de técnicas de vendas, trocas de conhecimentos sobre métodos de potenciar o interesse do consumidor relativamente a determinados produtos, nomeadamente, com o modo de preparação de expositores e com a colocação dos objetos num determinado espaço com impacto sobre o potencial comprador, através de conferências telefónicas, formação técnica presencial, deslocações aos pontos de venda, partilha de informação documental, reuniões presenciais nas instalações da F.......... – Hipermercados, S.A. - alegado e não contestado e declarações de parte;

F) A F.......... – Hipermercados, S.A. cessou o vínculo comercial que havia estabelecido com a sociedade R.......... Inc. no momento em que se reconheceu munida de todo o know-how necessário para a prossecução da mesma - depoimento de parte;

G) A colaboração da sociedade R.......... Inc., implicou a deslocação a Portugal de vários colaboradores desta entidade, designadamente de nacionalidade brasileira, às instalações da F.......... – Hipermercados, S.A. e nas três lojas adquiridas em 1993 - depoimento de parte e da testemunha;

H) Determinados levantamentos em dinheiro contabilizados, consubstanciaram, na prática, adiantamentos por conta dos serviços faturados a final à sociedade R.......... Inc., funcionando como um «pocket money» para as despesas (hotéis, refeições e deslocações) dos colaboradores de nacionalidade brasileira em Portugal - depoimento de parte e da testemunha;

I) O pagamento das despesas referidas em H) era aprovado superiormente pelo diretor de loja e pelo diretor financeiro - depoimento de parte e da testemunha;

J) Ao abrigo do despacho datado de 22/01/1996, e em conjugação com o exame efetuado pela IGF ao exercício de 1993, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária, realizaram um exame à escrita do sujeito passivo F.......... - Hipermercados S.A., em sede de IRC/IRS dos exercícios de 1993 e 1994 e IVA - cfr. RIT a fls. 605 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

K) Do Relatório referido em J) destaca-se o seguinte:
«7. ANÁLISE DE CUSTOS IMPUTADOS À CLASSE 6 DO POC
7.3 TRABALHOS ESPECIALIZADOS
Feita uma amostragem de documentos desta rubrica de despesas, detetaram- se imputações de custos à classe de contas 62.20 por fornecimentos de serviços de consultoria da firma R........., cujo suporte de lançamento contabilístico se cingia a mero documento de transferência bancária dos respetivos valores.
Detetada essa irregularidade, foi analisada exaustivamente a respetiva conta, nos Exercícios de 1993 e 1994, permitindo assim verificar, que a maioria dos custos assumidos fiscalmente nessa conta, enfermavam dessa anomalia. (…)
No que concerne ao Exercício de 1994, também carecem de suporte documental na imputação de custos da referida conta, as transferências bancárias que totalizaram 76.631.321$00, conforme relação discriminativa em anexo n.º 13, e que se acresce ao Resultado do Exercício de 1994.
Também no Exercício de 1994, da análise da conta ........., detetou-se o débito de 43.505.375$00, através de documento interno de Operações Diversas 9712140 de 31/12/94, que veio a ser estornado conforme documento interno de Operações Diversas 9712140 de 31/12/94, por contrapartida da conta 62.20.36.03, tendo sido creditada a conta 27.30.05. Com mesma fundamentação legal conferida pelo Artigo 41.º n.º 1 alínea h) do CIRC, se acresce o referido montante ao Resultado do Exercício de 1994.» - cfr. pág. 32 do referido RIT;

L) Em 09/03/1999, foi emitida a liquidação n.º ............, relativa ao exercício de 1994, no valor a pagar de € 10 528 052,72 (2.110.685.065$00) - cfr. documento 1 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

M) A Impugnante procedeu ao pagamento integral da liquidação referida em L) nos seguintes momentos: em 28/4/1999, a quantia parcial de 14 902 713$00 (relativa à parte não contestada da liquidação); em 29/3/2001, a quantia de 54.421,55 € (por efeito de uma correção ao valor não contestado; em 20/12/2002, a quantia de 6 568 737,95 € de imposto e 66 126,26 de custas ao abrigo do regime especial de pagamento previsto no Dec. Lei n.º 248-A/2002, de 14/11- cfr. comprovativos de pagamento juntos como documento 3 da PI;

N) Em 28/04/1999, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi instaurada sob o n.º .................., e indeferida por despacho datado de 17/10/2005 - cfr. consulta do respetivo processo apenso ao suporte físico dos autos;

O) A Impugnante juntou com a petição da reclamação graciosa referida em N), cópias dos documentos designados Invoice, datados entre janeiro de novembro de 1994 emitidos pela R......... Inc. à F.......... Hipermercados S.A.; extrato da contabilidade e extrato de conta ......... - fornecimentos de serv. Externos de R......... Inc, da F.......... Hipermercados S.A. - cfr. documento 1, 2 e 3 da reclamação graciosa em apenso ao suporte físico dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;

P) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa referido em N), a Impugnante foi notificada Através do ofício n.º ............, de 18/05/2005 para apresentar cópia: dos documentos comprovativos do pagamento das faturas emitidas pela R......... Inc. juntas ao processo e do contrato havido entre a ora reclamante e a sociedade R......... Inc. referido nas faturas - cfr. fls. 191 do respetivo processo de reclamação graciosa;

Q) Em resposta à notificação referida em P) a Impugnante juntou cópias dos documentos justificativos dos pagamentos - cfr. fls. 193 a 236 do respetivo processo de reclamação graciosa;

R) Da informação relativa ao projeto de decisão da reclamação graciosa referida em N), a fls. 260 a 272 do respetivo processo, destaca-se o seguinte:
«26. Da análise efetuada aos elementos remetidos, posteriormente, pela reclamante em sequência da notificação referida no n.º 21 e 22 supra, constata-se que:
26.1 O valor contabilizado na rubrica “.............” (Esc.76.631.321) é efetuado com base nos documentos justificativos de pagamento - compare-se a fls.41 e 42 dos autos, onde se verifica que são os montantes resultantes dos documentos justificativos de pagamento que incrementam a referida conta de custos. Tal apreciação, resulta dos factos que infra se evidencia:
26.1.1 existem mais pagamentos do que o montante constante das faturas de prestação de serviços e que foram contabilizados como custos (pagamentos efetuados entre 1994.09.28 e 1994.11.04 - fls. 41 e 42 dos autos);
26.1.2 não foi tido qualquer cuidado na aplicação de critério valorimétrico referido no ponto 5.2.1., isto é, “As operações em moeda estrangeira são registadas ao câmbio da data considerada para a operação e não ao câmbio da data do pagamento da operação, como vem a contabilizar a ora reclamante.
26.1.3 Nos próprios documentos justificativos de pagamento, verifica-se, que os mesmos foram diretamente contabilizados em custos, através da classificação contabilística aposta no documento (ou a custos diferidos, que posteriormente seriam transferidos para custos).
26.2 A numeração das faturas emitidas pelo seu fornecedor não é sequencial, veja-se as faturas n.ºs ......... e ......... (a fls. 33 e 16 dos autos) têm datas anteriores a faturas com números inferiores (a fls. 26 a 32 dos autos);
26.3 Os pagamentos são sempre efetuados antes da data das faturas;
26.4 Quase todos os documentos justificativos de pagamento apresentados são ordens de transferência bancária a favor de um terceiro que não o fornecedor (a fls.212, 215, 218, 222, 223, 226, 227, 229, 235 e 236 dos autos), ou compras de divisas (que não torna possível a identificação do destinatário) - a fls. 209, 214, 216, 219, 220, 228, 233 dos autos, ou notas de lançamento a referir emissão de cheques (para pagamento a um fornecedor estrangeiro) - a fls.213, 221, 225, 230 dos autos.
26.5 Apenas para os lançamentos registados na conta de custos ante referida com os doc. n.ºs 9702........., 9703........., 9703.......... e 3100........, com datas de 1994.02.28, 1994.03.31, 1994.03.31 e 1994.04.30, respectivamente - que supostamente, se referem às faturas n.º ......., ............, ............, ......., ........., ......... e ........., é possível encontrar documentos justificativos de pagamento (transferências bancárias) cujo destinatário é o prestador de serviços, isto se se entender que “R........." (nome aposto no documento bancário) deva ser entendido como se de “De R......... Inc." se tratasse. (…)
32. Embora a ora reclamante apresente faturas que diz justificar o saldo apresentado na conta “.............” - cuja sua emissão nos parece pouco coerente (ver n.º 26.2 da presente informação), os elementos que vem juntar posteriormente (justificativos de pagamento) não comprovam que tais despesas vieram a ser efetuadas, logo, não confirmando por si, a ocorrência dos respectivos custos.
33. Cabe, igualmente, à ora reclamante provar a indispensabilidade dos custos contabilizados como prestação de serviços. Da leitura do descritivo da fatura, não é possível verificar que tipo de serviços foram prestados (uma vez que está subjacente um contrato havido entre a reclamante e o prestador de serviços) nem questionar da sua indispensabilidade.
34. Sendo que foi solicitado em ofício supra referido (n.º 21 da presente informação), que fosse o mesmo contrato trazido ao processo, contudo a ora reclamante não o fez juntar aos autos, não dando qualquer explicação para tal facto.
35.Ora, tendo presente o artigo 23.º do CIRC, era importante que a ora reclamante fizesse prova inequívoca do tipo de custos em que incorreu, bem como provasse a indispensabilidade do mesmo para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC. Prova essa que manifestamente não produz no presente processo.
36. Nestes termos, considera-se a correção efetuada pela IT devida àquela data, uma vez que a reclamante não apresentou os documentos respectivos. Agora, em sede de reclamação graciosa, após apresentação dos documentos por parte da reclamante, é-se da opinião, que referida correção deve ser mantida, nos termos do artigo 23.º do CIRC.» - cfr pág. 8 a 11 da referida informação;

S) Da informação referida em R), destaca-se também o seguinte:
«Da correção no montante de Esc.43.505.375
37. Relativamente a esta correção, a ora reclamante, em sede de direito de audição aquando o procedimento inspetivo, refere que este montante diz respeito “(...) a um valor estimado (conta a pagar) relativo a prestações de serviços devido pela sociedade F.......... à J..........” - fls.238 dos autos, agora, em sede de reclamação graciosa, refere tratar-se, simplesmente, “de prestações de serviço devidas pela sociedade F.......... à J..........”;
38. E acrescenta, a ora reclamante, que o valor em epígrafe, foi contabilizado por lapso na conta “............. - Fornecimentos e Serviços Externos - R......... Inc." e que posteriormente foi transferido correctamente para a conta de custos correspondente. Certo é, que não deixa, por essa razão, de ser um custo não documentado.
39. Ora, a correção foi efetuada nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, a entender-se: “Não são dedutíveis , para efeito de determinação do lucro tributável (...) os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial”, logo, o que está em causa, não é a transferência entre contas de custos, mas sim o documento justificativo da efetivação do débito devido pela sociedade F.......... à J.......... (operação a que se refere a ora reclamante).
40.Vem, a ora reclamante apresentar as notas de lançamento da referida transferência entre contas (junto aos autos a fls. 44), porém, tais documentos, não podem ser aceites como justificativos da prestação de serviços efetuada entre as duas sociedades, não comprovando por si, a existência da operação entre as duas partes. Desta forma, à semelhança do que foi referido pela IT, tais custos não podem ser aceites nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 41° do CIRC.» - cfr. pág. 11 da referida informação;

T) Da decisão da reclamação graciosa referida em N), destaca-se ainda o seguinte:
«Do contraditório
4. Vem, a ora reclamante juntar ao processo três faturas, que na sua opinião comprovam o valor do débito registado pela F.......... na conta ............. e posteriormente transferido para a conta 62203603, de forma a justificar a ausência de documento justificativo, referido no n.º 39 do projecto de decisão da reclamação graciosa.
Da apreciação
5. Segundo a ora reclamante (empresa dominante do grupo), o montante de Esc.43.505.375 resulta de um valor estimado pela empresa dominada F.........., relativamente a serviços a prestar pela J........... Quer isto dizer, que supostamente, em data posterior haveria de ser regularizado pelo débito correspondente a serviços prestados pela J........... 6. A ora reclamante junta faturas suas emitidas em nome da sociedade F.......... relativas a serviços prestados no exercício de 1994 (cf. Fls. 282 a 284 dos autos), por considerar que as mesmas comprovam o valor do débito.
7. Da sua análise, constata-se que os valores constantes da fatura não são coincidentes com o valor contabilizado como estimativa.
8. A ora reclamante não faz qualquer evidência de que as referidas faturas se encontram relacionadas com a estimativa registada, ou seja, não juntou quaisquer outros elementos, que demonstrem que o valor estimado foi regularizado ou anulado aquando da contabilização das respectivas faturas.
9. Acresce, ainda o facto incongruente de as faturas apresentadas serem datadas, a primeira de 1994.06.30 e as outras duas de 1994.12.31, e a data do registo da alegada estimativa ser coincidente com esta última data, 1994.12.31. Levantando-se uma questão pertinente: o que levou a F.......... a constituir uma estimativa de valores a pagar, quando os mesmos foram faturados em data anterior ou na mesma data da sua constituição?
10. Nestes termos, não ficou provado de que estamos perante os documentos justificativos do custo contabilizado com base em estimativas, mantendo-se o fundamento que sustenta a correção, de acordo com o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC. (…)
12. Assim, tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão constante a fls. 241 a 253, propõe-se que o mesmo se convole em definitivo.» - cfr. págs. 1 e 2 da informação a fls. 286 e 287 do processo de reclamação graciosa;
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Refere-se ainda na sentença recorrida:
« Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados ».

Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
« A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, e no depoimento de parte e da testemunha, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Os depoimentos da parte e da testemunha afiguram-se sérios e credíveis em virtude das suas razões de ciência.: em 1994 exerciam funções na sociedade F.......... Hipermercados S.A., a primeira como responsável da tesouraria e a segunda como chefe de contabilidade.
Todavia, revelaram-se também por um lado generalistas, porque não corroborados com a apresentação de documentos por parte da Impugnante, sequer a titulo de exemplo, e aos quais se referiram, como o contrato celebrado com a R.......... Inc.; ou o pagamento dos adiantamentos de despesas aos colaboradores da R.......... Inc., que afirmaram com certeza serem autorizadas superiormente face aos valores em causa; ou sobretudo, relativos à reconciliação desses pagamentos de despesas com as faturas da R.......... Inc., que foi descrito como o procedimento seguido pela Tesouraria.
Por outro lado, o conhecimento que revelaram da sociedade R.......... Inc., revelou-se indireto, uma vez que não intervieram na sua escolha e contratação, e, portanto, não corroboraram a afirmação de que era uma empresa especialista na área da distribuição, em particular, em superfícies de grande dimensão; não distinguindo as distintas designações mencionadas; apelando sobretudo à memória das faturas cujo pagamento e contabilização processaram, respetivamente.
Relativamente a alguns aspetos, como o caso dos colaboradores da R.......... Inc., foram imprecisos, o que não deixa de ser compreensível também face ao tempo decorrido desde os factos em causa. ».
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3.B. - De Direito
Antes do mais, cumpre delimitar claramente o objeto do presente recurso:
Não há dúvida de que a impugnação visou anular a liquidação de IRC de 1994 que incidiu sobre dois tipos de correções efetuadas em procedimento de inspeção:
a) – recusa da dedução de custos relativos à aquisição de serviços de consultoria prestados pela sociedade americana (Miami, EUA) “R.........., Inc.” à sociedade participada “F..........”, no total de €76.631.321$00 ou € 382.235,42, com fundamento no facto de a imputação dos custos se encontrar fundado apenas nos documentos das transferências bancárias [artigo 41º, nº 1, al. h), do CIRC], o mesmo sucedendo quanto aos serviços que totalizam 43.505.375$00 ou € 217.003,89.
b) – recusa da dedução de prejuízos reportados do ano 1993.
A sentença determinou a anulação da liquidação na parte referente à correção aludida em b), pelo que o presente recurso se refere exclusivamente aos custos aludidos em a), no total de € 120.136.696$00 ou € 599.239,31.
No entanto, o próprio sujeito passivo referiu, no doc. 1 anexo à reclamação graciosa, a fls. 15 e 16 do PA apenso, que apenas pagou € 584.258,00 porque a sociedade americana cessou de lhe prestar serviços, ficando por pagar a quantia restante.
Sendo assim, do total de custos contabilísticos, no montante de € 599.239,31, a agora recorrente pagou € 584.258,00 permanecendo o restante como “divida por pagar”.
Sendo assim, o montante das correções sob discussão soma € 599.239,31.
Além disso, importa apurar a ordem pela qual as questões decidir hão de ser apreciadas pelo Tribunal.
Assim, uma vez que o Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) apenas regula, no seu artigo 124.º, a ordem de conhecimento, na sentença, dos vícios imputados aos atos impugnados, mas não a ordem do conhecimento das questões a resolver pelo Tribunal, há que recorrer ao Código de Processo Civil – cfr. o artigo 2.º, alínea e), do CPPT -, que, no n.º 1 do seu artigo 608.º, determina que “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica”.
Nesses termos, este Tribunal fixa a seguinte ordem de conhecimentos das questões a decidir acima sintetizadas:
a) – Do erro na valoração da prova produzida (conclusões 1 a 24 das alegações);
b) – Do erro na aceitação de fundamentação a posteriori (conclusões 25 a 33 das alegações);
c) – Do erro na interpretação e aplicação do artigo 23º do CIRC(conclusões 34 a 52 das alegações).
Apreciando:
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A) - Do erro na valoração da prova testemunhal e documental produzida;
Quanto a essa questão, as conclusões da recorrente são as seguintes:
«6. A Recorrente não pode, ademais, conformar-se com a matéria de facto dada como provada nos termos que exporá adiante, porquanto o julgamento desta e, em especial, os factos que o Tribunal não considerou como provados, influíram diretamente no julgamento da matéria de Direito relevante.
7. No entender da Recorrente, da prova (documental e testemunhal) produzida resultou demonstrada e esclarecida toda a factualidade por si descrita na sua petição inicial, mormente, e no que releva para a apreciação do presente recurso, que os serviços faturados pela R.........., Inc. à Impugnante foram efetivamente prestados, assim como todo circunstancialismo que presidiu à sua escolha e determinação e, bem assim, os seus valores e fundamentos.
8. Como motivação de facto da sua decisão, o Tribunal a quo assumiu uma análise dos depoimentos das testemunhas, análise essa manifestamente instável e insegura, exprimindo muito pouca clareza nos fundamentos da decisão, uma vez que, como veremos, a análise dos depoimentos foi efetuada em função do que melhor serve a tese da AT.
9. Inicialmente, importa mencionar que o Tribunal a quo considerou os depoimentos prestados foram “sérios e credíveis” (p. 23 da sentença recorrida) em razão de terem desenvolvido funções na Impugnante à data dos factos e tiveram conhecimento e intervenção direta e imediata nalguns deles.
10. No entanto, o Tribunal a quo parece ter obviado esta credibilidade, por entender existir uma falta de corroboração destes depoimentos com outros elementos relevantes de teor documental.
11. Da inquirição da parte A...., resultaram os seguintes desideratos com relevância para a apreciação da causa:
a. A parte tinha um vínculo laboral com a Impugnante à data dos factos, tendo conhecimento direto dos factos e estando, como tal, em plena capacidade para poder contribuir com o seu património cognoscitivo sobre os mesmos;
b. Eram adiantados montantes aos colaboradores da R.................. Inc. (que era a mesma entidade que a R.... & Associados) por força de estes se encontrarem deslocados do seu país funcionando como pocket money para fazer face aos gastos dessa deslocação;
c. Existia um contrato de prestação de serviços entre esta sociedade e a Impugnante, ora recorrente;
d. Os fundamentos para a escolha desta sociedade para a prestação destes serviços prendiam-se com a ausência de conhecimentos por parte da Impugnante no setor que se propunha a operar, em especial o dos hipermercados, carecendo, como tal, de orientação e consultoria externa para levar a cabo esse trabalho de implementação;
e. Os serviços prestados por esta entidade correspondiam precisamente a atos de consultoria próprios deste tipo de trabalho, como a formação profissional e a demonstração dos métodos de implementação do negócio em causa.
12. Por sua vez, da inquirição da testemunha AA....resultou essencialmente que:
a. Existia um contrato de prestação de serviços entre esta sociedade e a Impugnante, ora recorrente;
b. Motivos da escolha da sociedade em causa para prestação dos mencionados serviços;
c. Teor dos respetivos serviços entre os quais se enquadram a formação profissional e a demonstração dos métodos de implementação do negócio em causa.
13. Em face do exposto, a Recorrente apresenta como elenco da factualidade que desenvolveu nos autos e que considera dever ter constado do probatório, todos os factos por si alegados na sua PI e nas suas alegações, por ser suscetível de ter conduzindo o Tribunal recorrido a refutar a relevância dos “indícios” do Relatório de Inspeção e a uma decisão de sentido oposto à que proferiu.
14. O Tribunal a quo não dar como provado que os gastos em causa se encontravam devidamente justificados e documentados por força de três vetores relevantes:
a. Ausência do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Impugnante e a R.................., Inc. (p. 36 da sentença recorrida) que não permite aferir o teor destes serviços e os fundamentos dos levantamentos em dinheiro;
b. Ausência de prova das autorizações superiores para proceder aos adiantamentos e pagamentos antecipados (p. 38 da sentença recorrida);
c. Ausência de prova de que se tratava de que a R.................., Inc. era uma empresa especialista na área da distribuição.
15. Ora, em primeira linha, o Tribunal a quo ainda que tenha considerado a prova testemunhal como séria e forte, não retira desta qualquer ilação por ausência de corroboração desta com outros documentos.
16. É certo, conforme se explanou acima através das citações da prova testemunhal produzida, que quer a parte quer a testemunha aclararam todas as circunstâncias colocadas em causa pela sentença recorrida, designadamente, os motivos que fundaram a contratação desta sociedade, a existência de um contrato de prestação de serviços e a existência de autorizações superiores para proceder às transferências em causa.
17. O Tribunal a quo parece exigir uma teoria de corroboração ao abrigo da qual um determinado meio de prova produz efeitos caso seja corroborado por um outro.
18. Na ótica do Tribunal recorrido a prova testemunhal apenas poderá valer se for acompanhada de outros meios de prova que apontem no mesmo sentido.
19. Note-se que não se está sequer perante uma circunstância em que há provas dissidentes ou contraditórias, que apontem em sentidos diversos pelo que ainda mais imperscrutável se torna a conclusão do Tribunal ao considerar que os depoimentos são sérios, convincentes e têm razão de ciência e, ulteriormente, não retirar deles as devidas conclusões.
20. E, sempre se diga (sem prejuízo da sua devida explanação quanto ao Direito mobilizável) que a Recorrente tinha o “documento comprovativo paradigmático” correspondente às faturas.
21. Fica-se assim numa circunstância de tremenda dúvida: ou o Tribunal a quo entende que a prova de determinados factos apenas pode ser efetuada por via documental; ou aceita os demais meios de prova e deles retira as conclusões necessárias para alcançar o respetivo efeito que desencadeará a aplicação das normas jurídicas.
22. Caso se considerasse estar em causa factos que apenas podiam ser atestados por via documental, cabia ao próprio Tribunal, ao abrigo do poder-dever de gestão processual, convidar a Impugnante a ter juntado esse documento numa fase prévia do processo, antecipatória mesmo da audiência destinada à inquirição de testemunhas.
23. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 393.º do Código Civil, nem sequer seria admissível a produção de prova testemunhal porquanto apenas seria possível a prova do facto jurídico por via documental e se excluiriam os demais meios de prova com força diversa.
24. Não sendo, obviamente, esse o caso, e não tendo procedido o Tribunal da referida forma, apenas lhe caberia ter apreciado a prova testemunhal devidamente
Sobre a modificabilidade da matéria de facto impugnada, preceitua o artigo 662º do CPC que o tribunal de recurso pode-deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Porém, nas situações em que essa modificação esteja dependente da reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, como é o caso das declarações de parte e dos depoimentos testemunhais, o tribunal recorrido apenas intervém se o recorrente tiver cumprido o triplo ónus de impugnação, nos termos do artigo 640º, nº 1, do CPC, caso em que deverão ser levados em conta todas as provas que constem do processo.
O citado artigo 640.º do CPC refere que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
Para efeitos de cumprimento da impugnação da matéria de facto no concreto domínio da prova testemunhal, sujeita à livre apreciação do juiz que presidiu à diligência da sua produção, tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.
Sem prejuízo do que ficou dito, realça-se que a jurisprudência tem sido uniforme no sentido de que se devem moderar as exigências formais de acordo com os princípios da proporcionalidade e do acesso à tutela jurisdicional efetiva.
Além disso, a dúvida subsistente no conhecimento dos factos sujeitos à livre apreciação deve resolver-se dando prevalência ao princípio da imediação.
Atentando nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões, verifica-se que a Recorrente convoca o aditamento de factos que pretende ver julgados provados, tendo em vista que esses factos sejam levados em conta na ponderação do Direito a aplicar quanto às questões essenciais que invocou.
No tribunal a quo foram ouvidos os seguintes depoimentos (ata de 24/1/2024):
De: A...., que, na qualidade de administradora da impugnante, prestou declarações de parte;
De: AA...., que disse ser, na altura dos factos chefe da contabilidade da sociedade F...........
A recorrente pretende que se dê como provada a seguinte matéria de facto:
i) Com base nas declarações de parte:
a. …
b. Eram adiantados montantes aos colaboradores da R.................. Inc. (que era a mesma entidade que a R.... & Associados) por força de estes se encontrarem deslocados do seu país funcionando como pocket money para fazer face aos gastos dessa deslocação;
c. Existia um contrato de prestação de serviços entre esta sociedade e a Impugnante, ora recorrente;
d. Os fundamentos para a escolha desta sociedade para a prestação destes serviços prendiam-se com a ausência de conhecimentos por parte da Impugnante no setor que se propunha a operar, em especial o dos hipermercados, carecendo, como tal, de orientação e consultoria externa para levar a cabo esse trabalho de implementação;
e. Os serviços prestados por esta entidade correspondiam precisamente a atos de consultoria próprios deste tipo de trabalho, como a formação profissional e a demonstração dos métodos de implementação do negócio em causa.
ii) Com base no depoimento da testemunha, responsável pela contabilidade da sociedade F..........:
a. Existia um contrato de prestação de serviços entre esta sociedade e a Impugnante, ora recorrente;
b. Motivos da escolha da sociedade em causa para prestação dos mencionados serviços;
c. Teor dos respetivos serviços entre os quais se enquadram a formação profissional e a demonstração dos métodos de implementação do negócio em causa.
Quanto ao facto de existir um contrato de prestação de serviço com a sociedade “R.......... Inc”, conforme afirmado em ambos os depoimentos, isso já resulta provado nos factos E e F do probatório, que referem que a sociedade F.......... decidiu contratar serviços de consultoria prestados pela sociedade R.......... Inc e que a certa altura cessou o vínculo comercial estabelecido entre ambas.
Quanto à natureza e conteúdo dos serviços prestados pela sociedade R.......... Inc, já consta do facto E do probatório que se tratava de serviços de consultoria relacionados com a apresentação dos hipermercados, desenho de layouts, partilha de técnicas de vendas, trocas de conhecimentos sobre métodos de potenciar o interesse do consumidor relativamente a determinados produtos, nomeadamente, com o modo de preparação de expositores e com a colocação dos objetos num determinado espaço com impacto sobre o potencial comprador, através de conferências telefónicas, formação técnica presencial, deslocações aos pontos de venda, partilha de informação documental, reuniões presenciais nas instalações da F.......... – Hipermercados, S.A.
Quanto aos motivos que levaram a sociedade F.......... a efetuar essa contratação, afigura-se que essa motivação subjetiva não é relevante em face dos factos objetivos já descritos .
Em face do exposto afigura-se que, quanto a isso, não se justifica qualquer alteração à matéria de facto, desde que esta seja interpretada no sentido acima referido.
Quanto ao alegado pagamento de adiantamentos, na forma de pocket money entregue aos trabalhadores deslocados em Portugal em serviço da sociedade americana, o Tribunal a quo considerou que o depoimento da parte se mostrou, nessa parte, generalista, porque não corroborado com a apresentação de documentos, e, por outro, o depoimento fundou-se em conhecimento indireto revelado sobre a sociedade prestadora dos serviços, embora admita que a imprecisão relativa a alguns aspetos, como o caso dos colaboradores da R.......... Inc., não deixa de ser compreensível em face do largo período decorrido desde os factos em causa.
Vejamos:
Este Tribunal também considera que a situação descrita – pagamentos de adiantamentos à empresa de consultoria americana sob a forma de pocket money entregue aos trabalhadores deslocados em Portugal em serviço da sociedade prestadora dos serviços - aparenta ser algo anómala, já que regra geral compete à sociedade contratada fazer face às despesas da deslocação dos respetivos trabalhadores, sobretudo quando o serviço é prestado no estrangeiro. Sem prejuízo dessa relativa anormalidade, o Tribunal considera que tal modo de contratar ainda cabe no âmbito da liberdade negocial, na qual não deve haver intromissões injustificadas, designadamente quando não existam indícios fundados de fraude.
Assim este Tribunal não encontra motivo racional adequado para negar o facto alegado pela parte. Divergindo da fundamentação expressa na sentença recorrida, não se afigura que a afirmação “A sociedade F.......... adiantava montantes aos colaborados da sociedade R.......... Inc. (que era a mesma entidade que a R.... & Associados), por força de estes se encontrarem deslocados do seu país, funcionando como pocket money para fazer face aos gastos dessa deslocação”, seja demasiado “generalista” por falta de documentos de suporte, ou que tal afirmação se funde em conhecimento indireto quanto ao funcionamento da sociedade americana.
Na verdade, para saber que a sociedade F.......... pagava adiantamentos à sociedade R.......... Inc. bastava conhecer o que se passava na referida sociedade portuguesa, o que sucedia com os autores de ambos os depoimentos, dado que um administra a sociedade dominante do grupo e o outro era o chefe do setor da contabilidade da sociedade F.......... na altura desses factos, pelo que ambos teriam necessariamente conhecimento direto dos factos.
Por isso, perante a prova por declarações de parte e a prova testemunhal produzida, este Tribunal considera que o Tribunal a quo não emitiu justificação racional adequada para recusar o facto em causa e que, erradamente não o considerou provado, mas não levou aos factos não provados.
Em suma, este Tribunal julga procedente o fundamento agora sob análise apenas quanto a este facto, que, por isso, adita ao probatório com a seguinte redação e numeração:
U – Em 1994, a sociedade F.......... adiantava montantes aos colaborados da sociedade R.......... Inc. (que era a mesma entidade que a R.... & Associados), por força de estes se encontrarem deslocados do seu país, funcionando como pocket money para fazer face aos gastos dessa deslocação – cf. declarações de parte, que se afigurou ser credível e coerente e fundado em conhecimento direto e pessoal da administradora da impugnante que o produziu”;
Fixada a matéria de facto, cumpre agora prosseguir com a análise dos restantes fundamentos.
*
B) - Do erro na aceitação de fundamentação a posteriori;
Relativamente a essa questão a recorrente formulou as seguintes conclusões:
« 25. Por fim, cumpre deixar uma nota que os factos ora em contenda referem-se ao exercício de 1994 e que apenas neste momento chegaram antiguidade, etc.
26. Relativamente à documentação dos gastos, o Tribunal a quo entendeu, neste campo que se mantiveram os termos da decisão da Autoridade Tributária em ambas as sedes, considerando que apenas com a apresentação dos documentos comprovativos de determinados atos se pode considerar que a AT está plenamente investida das capacidades para se pronunciar sobre a questão de fundo, o que só veio a ocorrer verdadeiramente no momento da Reclamação Graciosa.
27. Como ponto de partida, importa mencionar que os argumentos da fundamentação de um ato tributário poderão ser desenvolvidos nas várias fases do procedimento administrativo não podendo, no entanto, vir a ser acrescentados ou absolutamente inovados em momento diverso da emissão do ato em questão a fundamentação deve ser contemporânea do ato porquanto é esta que permite a sua sindicabilidade e, do mesmo modo, que deverá delimitar o seu objeto e finalidade, sendo nesse momento que o próprio sujeito passivo deve tomar pleno conhecimento dos factos que lhe são imputados (o que decorre do artigo 77.º da LGT).
28. Quer isto dizer que não poderá sustentar a legalidade de uma liquidação com base em fundamentos que não resultem da fundamentação do ato, especialmente quando estes cheguem a ser diversos ou até mesmo contraditórios.
29. No concreto caso, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, ainda que tenha constatado a devida documentação das despesas da Recorrente incorridas com os serviços da R.................., Inc, em especial por força da apresentação das faturas e documentos de pagamento, manteve a liquidação com base em novos argumentos referentes à não indispensabilidade destas despesas com base no artigo 23.º do CIRC que não havia sido sugerido inicialmente.
30. Ao contrário do que vem alvitrado pelo Tribunal a quo, as realidades referentes aos artigos artigo 41.º n.º 1 alínea h) e 23.º do CIRC não são uma e a mesma questão, outrossim, referindo-se a vestes diversas de um mesmo problema e que não se podem confundir nem permitir que se fundamente com base num ou outro normativo.
31. Na verdade, a decisão de indeferimento da Reclamação consagrou, direta ou indiretamente, a total irrelevância dos argumentos aduzidos na fundamentação do ato, mantendo-o, no entanto, por força de outros fundamentos que, ainda que conexos, não se referem à mesma questão e corresponde, naturalmente, a uma realidade diversa.
32. No fundo, um ato de liquidação que nasceu por força da disposição da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, veio a ser mantido por mera insistência da Autoridade Tributária, mesmo após a demonstração do cumprimento dos requisitos do citado normativo, com base no disposto no artigo 23.º do CIRC que não havia sido suscitado anteriormente.
33. A decisão da Reclamação ao assentar em factos diversos da Fundamentação, ao invés de declarar a ilegalidade do ato, pelo menos com base na indicação errónea dos pressupostos legais, optou conscientemente por não reconhecer os flagrantes vícios de fundamentação do relatório subjacente à liquidação em causa
Ou seja: a Recorrente considera que tendo o ato tributário sido praticado com fundamento na falta de suporte documental adequado para justificar o registos dos custos e tendo apresentado, no âmbito da reclamação graciosa, os documentos de prova que a AT considerara em falta, não podia a AT manter o ato com fundamento novo, agora por tais documentos ainda não serem suficientes para comprovar a indispensabilidade dos custos, designadamente por não ter sido apresentado o contrato de prestação de serviços que permita confirmar o tipo de serviços e se os mesmos se encontram relacionados com a atividade empresarial da sociedade F...........
Sobre isso, a sentença recorrida pronunciou-se do seguinte modo:
« No caso em apreço,
Como se retira do probatório, as correções subjacentes à liquidação impugnada, ora em apreciação, tiveram lugar, por força do disposto na al. h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC. Segundo os SIT carecem de suporte documental a imputação de custos da referida conta, as transferências bancárias que totalizaram 76.631.321$00; porquanto o documento de suporte do lançamento contabilístico se cingia ao documento de transferência bancária dos respetivos valores contabilizados.
O mesmo se verificava quanto ao débito de 43.505.375$00, porquanto o suporte dos respetivos lançamentos eram documentos internos.
Mais se retira que foi apenas através da reclamação graciosa que a Impugnante apresentou à AT as faturas, extratos de conta e comprovativos de pagamento, relativos aos lançamentos corrigidos pelos SIT.
Apesar de solicitado, a Impugnante não juntou o contrato de prestação de serviços celebrado com a R......... Inc..
Ora, uma vez apresentados documentos que a Impugnante entende comprovativos dos custos desconsiderados por não devidamente documentados, impunha-se à AT, pronunciar-se sobre os mesmos, com vista a apreciar e decidir os fundamentos da reclamação graciosa e, portanto, se os custos desconsiderados se encontram então, devidamente documentados, por força dos documentos apresentados na reclamação graciosa.
Foi este o alcance da pronúncia da AT em sede de decisão da reclamação graciosa n.º .................., da qual se retira a conclusão de que para a AT tais custos, não resultam devidamente documentados, e, portanto, segundo o disposto no artigo 41.º, n.º 1, al. h) do CIRC não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável. Assim sendo, tendo sido mantida a liquidação impugnada através da decisão da reclamação graciosa, nos termos e pelas razões que o foi, não se trata de fundamentação a posteriori do ato de liquidação ora impugnado. Após a análise dos documentos apresentados pela Impugnante em sede de reclamação graciosa, a AT concluiu que a Impugnante não logrou provar que os custos desconsiderados se encontram devidamente documentados. Por conseguinte, e independentemente do mérito da conclusão alcançada pela AT, a decisão da reclamação graciosa não extravasou o objeto recortado pela Fundamentação dos SIT, demonstrando a Impugnante nos presentes autos ter tido conhecimento de todos os motivos que justificam o ato de liquidação impugnado;
Nem sustenta a legalidade do ato em motivos completamente diferentes dos invocados pelos SIT.
Através dos termos da decisão da reclamação graciosa, a AT analisou os documentos apresentados apenas naquele procedimento, à luz do disposto no artigo 41.º, n.º 1, al. h) do CIRC, tendo concluído que os custos em questão, não resultavam devidamente documentados, a fim de serem aceites para efeitos fiscais.
Por conseguinte, a decisão da Reclamação graciosa não é ilegal por violação dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º da LGT, determinante da ilegalidade da liquidação.
Acresce que os vícios do procedimento da reclamação graciosa - que no caso concreto se entende não se verificarem, não são suscetíveis de invalidar o ato de liquidação.
Atentos os fundamentos destas correções, o que é suscetível de determinar a anulação da liquidação impugnada na respetiva parte, é se os referidos lançamentos contabilísticos se encontram devidamente documentados, para efeitos da sua dedutibilidade para efeitos fiscais.
Razões pelas quais, não assiste razão à Impugnante quanto a este fundamento da presente impugnação.».
Decidindo:
Está em causa a questão relativa à legalidade da fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa.
Ora, é pacifico que a fundamentação formal deve ser expressa e acessível (artigo 268º, nº 3, da CRP) e que, para isso, deve consistir num texto escrito, contemporâneo do ato, que contenha a indicação dos motivos que levaram o decidente a decidir como decidiu expostos de maneira clara, suficiente e congruente, podendo consistir em mera declaração de concordância com fundamentos que integrem atos já levados ao conhecimento do mesmo destinatário (artigo 77º da LGT).
Ou seja: é pacifico que, tal como a fundamentação tácita, a fundamentação sucessiva ou a posteriori é inadmissível.
No caso concreto, não se discute a validade formal que consta do Relatório de inspeção, ou seja, que o ato se fundou no facto de os custos se encontrarem contabilizados com suporte em mero documento de transferência bancária, que a AT considerou insuficiente para servir de “documento justificativo”.
O que se discute é, unicamente, a validade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que constatou que existem documentos externos – faturas e documentos de pagamento - de suporte ao registo de tais operações, resolve manter o ato por considerar que esses documentos ainda não são suficientes para cumprir os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 23º do CIRC.
Este Tribunal, acompanhando o decidido no Tribunal Tributário de Lisboa, considera que não ocorreu a invocada ilegalidade, na medida que não se está perante uma fundamentação a posteriori.
Na verdade, é inegável que o sujeito passivo tem o direito de reclamar contra a liquidação e, sendo caso disso, de apresentar os documentos cuja falta determinou as correções subjacentes à liquidação reclamada. Do mesmo modo, a AT tem o poder-dever de apreciar os factos invocados na reclamação graciosa e de valorar a prova apresentada, e, com base nisso, proferir uma decisão fundamentada, tudo nos termos da lei (cf. artigos 266º da CRP e 55º da LGT).
Ora, uma vez que os documentos em causa – faturas e documentos de pagamento - não foram apresentados antes da liquidação, é manifesto que a fundamentação desse ato não poderia referir-se à sua validade e conteúdo. Assim, uma vez que esses documentos só foram exibidos pela primeira vez já no âmbito da reclamação, é manifesto que só então a AT estava a habilitada a pronunciar-se sobre eles.
Isso mesmo consta nos pontos 24 e 25 do parecer subjacente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, onde a AT refere expressamente que a reclamante apresentou, em sede de reclamação graciosa, as cópias dos documentos que serviram de base aos custos apresentados na rubrica #............., traduzidos em cópias de faturas emitidas pelo referido prestador de serviços sito em Miami, Estados Unidos da América (ponto 24) e que a “admitir-se tais documentos apresentados como prova documental de tais registos contabilísticos, agora em sede de reclamação graciosa, por ter presente o principio da cooperação e boa fé, surte a necessidade de se efetuar sobre os mesmos uma breve análise, uma vez que a inspeção tributária, conforme foi referido anteriormente, ficou impossibilitada de o fazer” (ponto 25). A referida análise consta do ponto 26, de 26.1 a 26.5.
Obviamente, tanto na ação de inspeção como na reclamação graciosa aquilo que se discutia era o direito de o sujeito passivo deduzir aquelas importâncias a título de “custos fiscais”.
Assim, se por um lado, o artigo 41º , nº 1, al. h), do CIRC, invocado no Relatório da ação inspetiva, refere que as despesas não documentadas e as não devidamente documentadas não conferem o direito à dedução, isso não é incompatível ou contraditório com o facto de, existindo documentos de suporte, o artigo 23º do CIRC impor a verificação de dois requisitos de que depende tal dedução: que os custos se encontrem comprovados e que os mesmos se mostrem indispensáveis para a continuidade da atividade ou para a obtenção dos lucros sujeitos a tributação.
Conforme referido no Ac. STA de 12/10/2022, proferido no processo nº 02777/10.6BEPRT, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a909448b3b7619 ca802588de004980ee?OpenDocument&ExpandSection=1, “a anulação de um acto por falta ou deficiência da fundamentação compreende-se pela necessidade de assegurar ao sujeito passivo o direito fundamental de defesa perante actos de autoridade. O sujeito passivo só pode reagir perante uma decisão cujos fundamentos conhece e não perante uma cujos fundamentos desconhece. E a fundamentação a posteriori é inadmissível, porque não tem sentido que a entidade administrativa possa, na pendência do meio impugnatório judicial, vir motivar a decisão que praticou anteriormente. Isso seria premiar uma infracção retirando-lhe o efeito com que a lei comina as violações das garantias dos administrados. Mas este fundamento de invalidade por fundamentação a posteriori não tem sentido quando estamos no domínio da impugnação administrativa, pois esta fase procedimental, que é dialógica, permite precisamente complementar, corrigir ou ajustar a decisão, passando essas modificações a integrar a mesma. Isso é ainda válido após o termos do uso prévio obrigatório dos meios impugnatórios administrativos e é válido quando eles são mobilizados de forma voluntária.”.
Pelo exposto, este Tribunal julga improcedente o fundamento agora sob análise.
*
C) – Do erro na interpretação e aplicação do artigo 23º do CIRC;
A Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«34. Quanto à documentação dos gastos, considerou o Tribunal a quo que a correção em causa o mesmo que apresentadas as faturas e os extratos contabilísticos referentes aos gastos ora em apreço (referentes à R.................., Inc e referentes às provisões internas), que tais gastos não se encontram devidamente documentados por força da falta de demonstração do contrato de prestação de serviços em causa, dos levantamentos em dinheiro e por conta da discrepância dos valores contabilizados e das faturas apresentadas.
35. Relativamente aos primeiros, importa mencionar que à data, o conhecimento profissionalizado nestas matérias em Portugal era notoriamente reduzido para a realidade em que se propunha a operar a Recorrente pelo que esta optou por contratar os serviços da R.................., Inc, sociedade destinada a consultoria nesta matéria, de origem brasileira, mercado onde existia já um amplo conhecimento destas matérias. Este serviço era uma mais-valia para o negócio da Recorrente tendo servido de base para que, daí em diante, esta pudesse desenvolver a sua atividade com o sucesso que lhe é reconhecido até aos dias de hoje. No âmbito destes serviços, os empregados da R.................., Inc deslocavam-se a Portugal para efetuar tais formações e conferências, estando contratualizado que além dos valores pagos diretamente à R.................., Inc, emergiriam também valores que a própria J.......... adiantava aos trabalhadores desta para o seu dia-a-dia por força da deslocação a que estavam adstritos.
36. Foi este o motivo pelo qual por várias vezes surgem levantamentos em dinheiro que funcionavam como adiantamentos aos serviços a faturar e que funcionavam como pocket money para as despesas dos trabalhadores deslocados em Portugal.
37. Em face do exposto, afigura-se como absolutamente óbvio que os respetivos documentos contabilísticos da sociedade F.......... nunca poderiam cruzar em pleno com as faturas da R.................., Inc, uma vez que se trata de duas realidades diversas: na fatura em questão apenas se encontravam os valores finais determinados pela sociedade de consultores.
38. Os adiantamentos de dinheiro e a efetivação do câmbio de pagamento, assim como a alegada discrepância entre o valor dos custos e as faturas encontra-se precisamente nesses mesmos adiantamentos.
39. Como é normal nestes casos, parte das despesas de pessoal são suportados pelo próprio beneficiário do serviço que opta por efetuar adiantamentos e pagamentos antecipados que serão, adiante, refletidos na dedução ao valor final.
40. Este facto justifica que os pagamentos tivessem sido realizados a favor de terceiros que não a própria sociedade contratada tendo em vista o pagamento a um dos técnicos que aceitava as quantias em nome e por conta da empresa R.................., Inc.
41. A lei faz depender a não documentação da inidoneidade ou inexistência do documento justificativo do próprio gasto que, conforme ditou, corretamente o Tribunal a quo, paradigmaticamente será a fatura onde se encontra atestado o gasto em causa.
42. Ora, a Recorrente, além das faturas, juntou também os respetivos documentos contabilísticos internos que servem como forma de demonstrar precisamente a diferença que se mencionou acima.
43. A Recorrente juntou o documento primordial comprovativo da existência de um gasto, a fatura, onde se encontram circunscritos os respetivos valores, assim como a identificação dos factos e do prestador em causa. Juntou, ademais, os documentos contabilísticos internos de lançamentos das despesas referidas, que, conforme se viu dos contributos acima mencionados, podem ser tomados como documentos comprovativos de gastos para este efeito, assim como arrolou a devida prova testemunhal, pelo que não se pode considerar que o gasto não se encontra comprovado.
44. Por fim, quanto à indispensabilidade do gasto, o tribunal a quo veio a proferir uma decisão quanto a este fundamento nos mesmos termos e em atendo-se exclusivamente às conclusões que efetuou quanto à temática da documentação dos gastos.
45. Em face dos amplos contributos citados, há que concluir que se afiguram como indispensáveis todos os gastos que, direta ou indiretamente, possam contribuir para a realidade empresarial no seu todo e fazer alcançar de algum modo o lucro a que se encontra dirigido o intuito empresarial.
46. Conforme se viu, o artigo 23.º do CIRC não tem outra veste que não seja a de exigir uma de conexão fática ou económica do gasto com a atividade da empresa em questão, correspondendo a uma necessidade de que o gasto não esteja consignado a fins extraempresariais, ou seja, que não corresponda a uma diminuição patrimonial imotivada no âmbito operacional da sociedade que o contrai.
47. Assim sendo, não permite este normativo que a AT esteja legitimada a requerer do contribuinte autênticas satisfações respeitantes à justificação económica das operações, ou que, em consequência das mesmas, venha a desconsiderá-las por efeito de uma mera interferência nas decisões próprias de gestão da sociedade.
48. O artigo 23.º do CIRC não concede à AT um poder discricionário de controlo da dedutibilidade fiscal dos custos empresariais, ou seja, não lhe confere um poder de se imiscuir nas legitimas opções de gestão empresarial. A AT esta vedada de entrar neste poder discricionário sob pena de se colocar em causa a admissão como custos fiscais todos os decaimentos gerados no exercício da atividade do sujeito passivo, porque reputados de inconvenientes, não usuais ou vertidos em maus negócios.
49. A Recorrente contratou os serviços, explanou os seus motivos, e documentou-os devidamente, tendo, como tal, cumprido o ónus da prova conexo com o artigo 23.º do CIRC que, ao contrário do alvitrado pelo Tribunal a quo, assume a natureza de emanação própria do dever de colaboração imposto aos dois sujeitos da relação jurídica tributária.
50. E, a final, a exigência de comprovação excessiva em que o Tribunal a quo opta por incorrer acaba por violar frontalmente não só os normativos referentes à liberdade de gestão como, em última ratio, o princípio de iniciativa e propriedade privada.
51. A sentença recorrida, erradamente, reconduz a decisão ao que se disse acima fazendo-os ser um mesmo problema, tecendo, a final, que a não documentação impele a impossibilidade de aferir a indispensabilidade, o que não se pode compreender porquanto a empresa comprovou a existência do gasto, explicitou a sua materialidade e conexão com a sua atividade, pelo que é absolutamente incompreensível exigir este esforço renovado.
52. Ora, se a Recorrente comprovou o gasto, com documentação admissível nos termos que se expôs acima, e efetuou a explanação das divergências entre esses documentos nada mais lhe cabe fazer para potenciar a sindicabilidade dos gastos pela AT, pelo que, também nesta sede, errou a sentença recorrida.».
Quanto a essa questão, a sentença recorrida referiu o seguinte:
«No caso concreto, era necessário que a Impugnante demonstrasse e comprovasse que em 1994 foi a firma R........., Inc. que através dos seus profissionais prestou os serviços mencionados e nos montantes contabilizados como custo, cujo documento de suporte à contabilidade foram apenas comprovativos de transferências bancárias, tanto que estas, por natureza, podem ser relativas a quaisquer bens ou serviços, que só documentação complementar pode esclarecer e comprovar.
Acresce que perante uma despesa não documentada - como resultou da ação inspetiva - não era possível à AT aferir a sua indispensabilidade ao objeto social da empresa.
Com a apresentação da reclamação graciosa, subsiste a não documentação suficiente e necessária (devida) dos custos contabilizados, porquanto, como referiu a AT e a Impugnante não logrou invalidar:
Existem mais pagamentos do que o montante constante das faturas de prestação de serviços e que foram contabilizados como custos (pagamentos efetuados entre 1994.09.28 e 1994.11.04); Não foi tido qualquer cuidado na aplicação de critério valorimétrico, isto é, “As operações em moeda estrangeira são registadas ao câmbio da data considerada para a operação e não ao câmbio da data do pagamento da operação, como contabilizado.
Nos próprios documentos justificativos de pagamento, verifica-se, que os mesmos foram diretamente contabilizados em custos, através da classificação contabilística aposta no documento (ou a custos diferidos, que posteriormente seriam transferidos para custos).
A numeração das faturas emitidas não é sequencial, (como é o caso das faturas n.ºs ......... e ......... (a fls. 33 e 16 do processo de reclamação graciosa) têm datas anteriores a faturas com números inferiores (a fls. 26 a 32 do processo de reclamação graciosa), o que como referido pode ser alheio à Impugnante, mas evidencia irregularidades na emissão das mesmas; Os pagamentos são sempre efetuados antes da data das faturas, o que se afasta da prática comercial;
Quase todos os documentos justificativos de pagamento apresentados são ordens de transferência bancária a favor de um terceiro que não o fornecedor (a fls.212, 215, 218, 222, 223, 226, 227, 229, 235 e 236 do processo de reclamação graciosa), ou compras de divisas (que não torna possível a identificação do destinatário) - a fls. 209, 214, 216, 219, 220, 228, 233 do processo de reclamação graciosa, ou notas de lançamento a referir emissão de cheques (para pagamento a um fornecedor estrangeiro) - a fls.213, 221, 225, 230 do processo de reclamação graciosa.
Apenas para os lançamentos registados com os doc. n.ºs 9702........., 9703........., 9703.......... e 3100........, com datas de 1994.02.28, 1994.03.31, 1994.03.31 e 1994.04.30, respectivamente - que supostamente, se referem às faturas n.º ......., ............, ............, ......., ........., ......... e ........., é possível encontrar documentos justificativos de pagamento (transferências bancárias) cujo destinatário é o prestador de serviços, e mesmo nestes casos, se se entender que “R........." (nome aposto no documento bancário) deva ser entendido como se de “De R......... Inc." se tratasse, não tendo a Impugnante esclarecido as destintas designações
E, mais abaixo, continua:
«A AT não pôs em causa que a F.......... – Hipermercados, S.A. tenha contratado serviços para melhor organizar as suas lojas e que, portanto, se destinavam à sua actividade operacional, e enquanto tal eram adequados e necessários àquela actividade, e respetivo volume de negócios.
Ou que com a contratação desses serviços, a F.......... – Hipermercados, S.A. entendeu gerir o seu negócio da forma mais adequada e conveniente, pagando por eles o seu preço justo.
O que a AT concluiu e demonstrou foi que carecem de suporte documental a contabilização de custos nos montantes de 76.631.321$00, e de 43.505.375$00, conclusão que subsbiste nos presentes autos.
E como já referido, perante uma despesa não documentada, não é possível aferir a sua indispensabilidade na organização.
Note-se que como a Impugnante não deixa de referir, é “com estas explicações”, que cumpriu o ónus ligado ao 23.º do CIRC.
Não refere, porque não apresenta, quaisquer documentos que conjugados entre si, contradigam o evidenciado pela AT.
O ónus compreendido no artigo 23.º do CIRC e replicado quanto à comprovação no artigo 41.º do CIRC, não se assume apenas como um dever de colaboração da parte dos contribuintes.
Desde logo, em função das regras gerais de repartição do ónus da prova, previstas nos artigos 74.º e 75.º LGT, sem prejuízo das regras especificas em casos tipificados e excepcionais.
Depois, porque do princípio da liberdade de gestão e consequente não ingerência das entidades públicas, conjugados com o disposto no artigo 23.º do CIRC e as competências inspetivas da AT, necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, atualmente previstas no artigo 63.º da LGT, não se retira qualquer violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático e o Direito de Iniciativa e Propriedade Privada (arts. 2.º, 61.º e 62.º, da CRP).
Em conclusão,
Ainda que a decisão de contratação dos serviços da R.......... seja, em si mesma, insindicável pelo Fisco; que a Impugnante não tenha com essa prestação de serviços enriquecido o património pessoal dos sócios, em detrimento do empresarial e os serviços descritos se insiram no normal exercício da actividade da F.......... Hipermercados S.A.,
In casu, os custos contabilizados, titulados por pagamentos ao abrigo desta invocada, mas não demonstrada prestação de serviços, não são custos aceites para efeitos fiscais, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, al. h) do CIRC, porquanto não resultam documentados, também nos presentes autos.
E, por conseguinte, relativamente a uma despesa não documentada, não é possível aferir a sua indispensabilidade, nos termos do artigo 23.º do CIRC.».
Decidindo:
O artigo 23º do CIRC dispunha, à época, que:
Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
A lei não fornecia qualquer chave para a interpretação do conceito de custos ou gastos comprovadamente indispensáveis, mas a jurisprudência foi sendo afinada no sentido de que essa expressão contém dois pressupostos legais para a dedução dos custos: por um lado exige uma prova e, por outro, uma indispensabilidade, ambas referidas ao gasto.
Portanto, o custo dedutível é aquele que foi materialmente incorrido e que, ao mesmo tempo, é indispensável para a realização dos proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.
A prova da materialidade da existência dos custos não costuma gerar muitas dificuldades (exceto no caso das faturas falsas, acusação que não está sob análise).
Sobre a indispensabilidade dos custos, tanto a doutrina como a jurisprudência têm considerado que a mesma depende da existência de alguma conexão empresarial, ou seja, da relação entre o gasto e os fins sociais da empresa, o que sucederá, designadamente, quando a própria lei o imponha (como sejam os gastos com matérias-primas, instalações e pessoal e outros gastos operacionais). No entanto, na generalidade dos casos a existência dessa conexão empresarial tem sido apreciada casuisticamente, sem que tenha sido possível estabelecer critérios objetivos universais.
Conforme Acórdão do STA de 29/3/2006, proferido no processo nº 01236/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3815a0627c533ab58025714700557219?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1: À luz do vigente CIRC, pode desde logo afirmar-se que, a todas as luzes, constitui um custo indispensável o gasto que a própria lei imponha. Mesmo pelo critério mais limitativo – o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos – este tipo de despesa é elegível. Não obstante, há que atender a que nem todos estes custos, cuja incursão a empresa não possa evitar, são dedutíveis – lembre-se a derrama, que a lei exclui dos custos dedutíveis, e que motivou larga produção jurisprudencial.
Mas já ninguém discute que os gastos com as remunerações ao pessoal, posto que o empresário tem a obrigação legal – e contratual – de pagar os salários aos seus trabalhadores, e que o trabalho constitui um factor de produção, seja um custo fiscal. É claro aos olhos de todos que o trabalho é indispensável quer para produzir proveitos quer para a manutenção da força produtora.
Não é, porém, a lei que determina quantas pessoas deve um dado empresário empregar, e qual a remuneração que lhes deve atribuir, desde que acima do mínimo que estabelece. Poderá, então, discutir-se a indispensabilidade do montante salarial pretextando que a empresa emprega pessoal prescindível, ou que paga salários superiores ao preciso? Os critérios de gestão serão questionáveis pelo Fisco e apreciáveis pelo juiz, de modo a excluírem-se, para efeitos de tributação, despesas que efectivamente foram suportadas pelo sujeito passivo?
A resposta negativa parece óbvia. A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”:
Conforme acima referido, o artigo 23º do CIRC faz depender o direito à dedução dos custos da verificação cumulativa de dois requisitos: “comprovação” da existência material dos custos e “indispensabilidade” dos mesmos para a atividade da empresa.
Esses dois requisitos significam, que o sujeito passivo interessado em exercer o direito à dedução tem o ónus (artigos 74º, nº 1, da LGT) de provar os factos em que assenta o direito que invoca (direito à dedução), ou seja, de provar a existência objetiva do custo (requisito “comprovação”) e que entre essa despesa e a atividade empresarial existe algum tipo de relação direta ou indireta, mediata ou imediata (requisito “indispensabilidade”), que afaste a conclusão de que a quantia em causa foi desviada para fins totalmente alheios ao objeto social, designadamente para os sócios ou gerentes ou respetivos familiares ou terceiros relacionadas com essas pessoas físicas.
O requisito “comprovação” cumpre-se através da exibição de “documento justificativo” a que alude o artigo 98º, nº 3, al. a), do CIRC, segundo o qual “na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte: todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”.
Como se sabe, os sujeitos passivos de IRC estão obrigados a possuir contabilidade regularmente organizada nos termos das leis vigentes, designadamente de acordo com o Plano Nacional de Contabilidade (POC) e com as exigências do CIRC e do CIVA. Para isso, a contabilidade deve refletir todas as operações, onerosas ou gratuitas, ativas ou passivas, realizadas pelo sujeito passivo, distinguindo claramente as sujeitas a tributação das restantes (artigos 98º, nº 1, e 17º, nº 3, do CIRC) não sendo permitidos atrasos superiores a 90 dias (artigo 98º, nº 3 e 4, do CIRC).
Os lançamentos que não se encontrem suportados em qualquer documento (interno ou externo) devem ser qualificados como “confidenciais ou não documentados”, forma extrema da falta de documentos justificativos. Essa situação é fiscalmente considerada tão grave que as despesas “confidenciais ou não documentados” não são dedutíveis [artigo 41º, nº 1, al. h), do CIRC] e, cumulativamente, são tributadas autonomamente com uma taxa de 10% (artigo 4º do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho) ou de 25% (na redação dada pelo artigo 29º da Lei nº 39-B/94, de 27 de dezembro).
Não será esse o caso dos custos ou gastos suportados em algum documento, ainda que este seja considerado não claramente justificativo da operação (despesas não devidamente documentadas), que apenas serão afastadas do direito à dedução por força do referido artigo 41º e 23º, nº 1, requisito da comprovação, do CIRC.
Ou seja: os custos fiscais têm necessariamente de estar registados na contabilidade e suportados em documentos e estes têm necessariamente de ser considerados “documentos justificativos”.
Sucede que a lei não define expressamente o que são “documentos justificativos”, embora se perceba facilmente, recorrendo à característica exigida à informação contabilística de qualidade referida como “fiabilidade[segundo a qual a contabilidade deve estar livre de erros, omissões e juízos prévios ou preconceitos, pelo que deve registar fiel e objetivamente todas as operações reais, mas apenas essas; para ser considerada fiável, a informação deve obedecer a 5 requisitos: neutralidade, representação fidedigna, primado da substância sobre a forma, prudência e plenitude], que são os únicos documentos que cumprem os requisitos fiscais para o conhecimento, com clareza, certeza e exatidão, das operações contabilizadas, e que, por isso, permitem o exercício do direito à dedução.
Ou seja, esses documentos devem ser idóneos para servirem de “prova” da materialidade da operação de que dão testemunho.
Por isso, em regra, consideram-se documentos justificativos de uma transação comercial a fatura do fornecedor e recibo do pagamento se este já foi efetuado, confirmável através dos movimentos nas contas Caixa e Bancos. Ou seja, as operações consideram-se justificadas, fora dos casos de fraude, com documentos externos harmoniosamente complementados por documentos e registos internos.
Em regra, as operações não se consideram devidamente justificadas se estiverem contabilizadas com base apenas em documentos internos, embora, nesse caso, a dedutibilidade da despesa deva ser analisada casuisticamente.
Portanto, o “documento justificativo” é o “documento” (artigo 362º do C. Civil) idóneo para comprovar, sem margem para dúvidas, a efetiva existência e real valor da operação tal como está contabilizada. Sendo certo que a mera contabilização formalmente correta não é determinante da aceitação do registo, é frequente (é a regra geral) que o referido documento de suporte contabilístico só seja considerado “justificativo” se, cumulativamente, for possível verificar-se a sua “complexidade coerente” (fatura e nota de encomenda e guia de transporte + cheque ou outro meio de pagamento documentado) e não se suscitar dúvida fundada sobre a idoneidade do emitente dessa documentação, designadamente quanto à sua capacidade empresarial e financeira para a prática da operação tal como está faturada [por isso, o utilizador da fatura deverá, à cautela, procurar “conhecer” mais ou menos concretamente a pessoa com quem está a negociar, conforme a probabilidade de virem a ser suscitadas dúvidas acerca da materialidade da operação: - uma vez que a falta de cuidado pode ser muito onerosa, o utilizador de faturas deve averiguar se o fornecedor/emitente está fiscalmente registado para o exercício daquela atividade, se possui instalações, o respetivo local e meios humanos e materiais concretamente usados, se existem rumores sobre honorabilidade duvidosa, especialmente quanto à possibilidade de praticar furto ou recetação].
Assim, uma fatura falsa - entendendo-se como tal toda aquela que descreve operação que não corresponde exatamente à realidade material a que se refere, designadamente quantos aos sujeitos, valores, quantidades ou natureza dos bens ou serviços - não é “documento justificativo”, mesmo que se encontre contabilizada, na contabilidade do emitente e do utilizador, de maneira formalmente irrepreensível. Os princípios da verdade material e da prevalência da substância sobre a forma afirmam perentoriamente que um documento falso não perde a falsidade pelo facto de ter sido emitido e contabilizado de forma correta.
Regressando ao caso concreto, verifica-se que inicialmente o sujeito passivo não exibiu documentos justificativos das operações em causa, o que determinou a atuação da AT, no sentido de proceder às correções dos custo e emissão de liquidação adicional agora sob litígio.
Isso não significa que os registos se encontravam “não documentados”, como refere repetidamente a sentença recorrida, mas em claro erro. A própria AT reconheceu no procedimento de inspeção que os registos se encontravam suportados em documentos de pagamento; ou seja, que se trata de despesas “não devidamente documentadas”.
Posteriormente, no exercício do direito de reclamação graciosa, o sujeito passivo exibiu documentos externos, designadamente as faturas e documentos de pagamento, visando comprovar a existência efetiva das operações registadas contabilisticamente e declaradas fiscalmente como custos dedutíveis nos termos do artigo 23º do CIRC.
Nessa altura, a AT procedeu à análise dos requisitos de dedutibilidade e, não discutindo já o facto de que existe contabilização e de que existe suporte documental, concluiu que os documentos exibidos ainda não merecem a qualificação de “documentos justificativos”.
No já referido ponto 26 do parecer subjacente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a AT refere os seguintes argumentos:
a) – existem mais pagamentos (efetuados entre 28/9/1994 e 4/11/1994) do que o montante constante das faturas;
b) – não foi tido qualquer cuidado na aplicação do critério valorimétrico, dado que registou as operações em US dólares ao câmbio da data da operação em vez de usar oi câmbio da data do respetivo pagamento;
c) – a contabilização dos custos foi efetuada diretamente com base nos documentos de pagamento;
d) – comparando a numeração e data das faturas agora exibidas verificação que a emissão não é rigorosamente sequencial (as faturas nº ......... e ......... têm datas anteriores a faturas com numeração inferior);
e) – os pagamentos são sempre efetuados antes da data das faturas;
f) – quase todos os documentos justificativos de pagamentos (exceto os que se referem supostamente às faturas nº ....... a ......., ......... e .........) são ordens de transferência bancária a favor de terceiros ou compras de divisas ou notas de lançamento a referir a emissão de cheques, sem que permitam estabelecer uma relação certa com a sociedade R.......... Inc.;
No ponto 32 do mesmo parecer, a AT considera que os documentos apresentados, destinados a comprovar os pagamentos, não comprovam que tais despesas vieram a ser efetuadas e, logo, não confirma a ocorrência dos respetivos custos; do mesmo modo, nos pontos 33 a 36 do mesmo parecer consta que a AT considerou que a falta de exibição do contrato de prestação de serviço , expressamente solicitada, inviabiliza a verificação da sua indispensabilidade por não ser possível verificar qual o tipo de serviços foram prestados.
Em consequência, a AT concluiu que os referidos custos não são fiscalmente dedutíveis por a isso obstar o disposto no artigo 23º do CIRC.
Ora, como se sabe, a atividade comercial carateriza-se pela formação de diversos fluxos de bens e meios de pagamento, os quais podem ser analisados sob três óticas distintas: i) ótica financeira, que observa as operações reais que originam obrigação de pagar dividas (despesas ou saídas de dinheiro ou outros meios de pagamento) e direitos de receber dividas (receitas ou entradas de meios financeiros); ii) ótica económica ou produtiva, ligada ao consumo de bens e serviços para incorporação na atividade e à transformação e incorporação de materiais na atividade produtiva, que origina gastos ou custos (diminuição de capital próprio devido ao consumo ou incorporação de materiais existentes no armazém) e perdas (diminuição do capital próprio devido a deterioração ou desperdícios dos materiais existentes, que são componentes negativas do lucro, ou proveitos ou rendimentos (aumentos de capital próprio gerados pela produção/venda de bens e da prestação de serviços) e ganhos (aumentos do capital próprio por outras causas, como valorização extraordinária de ativos), que são componentes positivas do lucro; e iii) ótica monetária ou de caixa, que observa a entrada e saída de dinheiro da esfera da empresa (saídas de caixa ou de bancos), ou seja, pagamentos (saídas ou exfluxos de meios líquidos de pagamento) e recebimentos (entradas ou influxos de meios de pagamento).
Assim, na apreciação dos custos não é metodologicamente correto misturar a ótica económica ou produtiva, a que pertencem, com a ótica financeira, que observa a formação de despesas, ou com a ótica monetária ou de caixa, que observa os pagamentos efetuados.
Como se sabe, a existência do custo não depende do efetivo pagamento. Há gastos/custos sempre que se consome um bem ou serviço, independentemente do pagamento, e há pagamento aquando do exfluxo ou saída de meios líquidos de pagamento, independentemente do momento que ocorreu o gasto/custo e a respetiva despesa. A falta de pronto pagamento de uma despesa gera uma obrigação financeira designada “divida a pagar”, independentemente de ainda não estar vencida ou de já estar em mora.
Portanto, em princípio, estando comprovada existência do custo através de faturas e outros documentos complementares sem que seja discutida a sua falsidade, deve considerar-se que esse custo é contabilisticamente dedutível.
Por força dos artigos 17º e 23º do CIRC, para que tal custo seja dedutível é necessário que, além daquela comprovação, se verifique que o custo é indispensável, no sentido de que tem alguma relação direta ou indireta, mediata ou imediata, com a atividade sujeita a imposto.
Do ponto de vista tributário, as faturas exibidas apresentam as anomalias indicadas pela AT, isto é, no essencial, apresentam falta de coerência numérica e temporal.
No entanto, isso não determinou, por parte da AT, qualquer dúvida acerca da autenticidade material dos documentos ou das operações subjacentes.
Do mesmo modo, a sentença recorrida reconheceu que ficou devidamente provado que subjacente a essas faturas está um contrato de prestação de serviços, celebrado entre a sociedade F.........., pertencente ao grupo liderado pela impugnante, e a sociedade americana “R.........., Inc.”, que visou a aquisição de serviços de consultoria relacionados com a apresentação dos hipermercados, desenho de layouts, partilha de técnicas de vendas, trocas de conhecimentos sobre métodos de potenciar o interesse do consumidor relativamente a determinados produtos, nomeadamente, com o modo de preparação de expositores e com a colocação dos objetos num determinado espaço com impacto sobre o potencial comprador, através de conferências telefónicas, formação técnica presencial, deslocações aos pontos de venda, partilha de informação documental, reuniões presenciais nas instalações da F.......... – Hipermercados, S.A. e que, posteriormente, foi cessada essa relação empresarial, presumindo-se que tal relação subsistiu no período em causa nos autos (ano 1994).
Por isso, tem de se considerar que a AT e o Tribunal a quo erraram na parte em que consideraram que não se verifica o requisito relativo à comprovação da existência dos custos com tal contrato.
Em rigor, a existência do contrato não se comprova exclusivamente por via documental, embora se reconheça que essa é a “prova rainha”. Na verdade, o princípio da liberdade de forma negocial ou da autonomia da vontade (artigo 405º do CC) não proíbe, antes admite, a existência de contratos não escritos, desde que a sua existência seja comprovada por qualquer outro meio de prova admissível em Direito.
Em face do exposto, este Tribunal entende que a alegada falta de comprovativo do pagamento e a falta de exibição de contrato escrito não obstou ao conhecimento integral da operação comprovada por meio das faturas, cuja autenticidade material não foi posta em causa.
Por outro lado, sabendo-se que estão em causa prestações de serviços de consultoria relacionados com a apresentação dos hipermercados, desenho de layouts, partilha de técnicas de vendas, trocas de conhecimentos sobre métodos de potenciar o interesse do consumidor relativamente a determinados produtos, nomeadamente, com o modo de preparação de expositores e com a colocação dos objetos num determinado espaço com impacto sobre o potencial comprador, através de conferências telefónicas, formação técnica presencial, deslocações aos pontos de venda, partilha de informação documental, reuniões presenciais nas instalações da F.......... – Hipermercados, S.A, tem de se concluir necessariamente que está verificado também o requisito relativo à indispensabilidade dos custos.
Logo, impõe-se concluir que a Recorrente logrou provar ambos os requisitos de que depende a dedutibilidade dos custos, conforme disposto no artigo 23º do CIRC.
Ou seja: nos termos acima expostos, este Tribunal julga procedente o fundamento agora sob análise, na medida em que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro, na parte em que considerou que estamos perante uma situação de “gastos não documentados” e que, portanto, impossibilitam a verificação do requisito da indispensabilidade, quando, na verdade, se tratava, no inicio, de gastos “não devidamente documentados” que foram, em procedimento de reclamação graciosa, complementados com faturas e documentos de pagamento, de novo complementados no presente processo judicial por meio de prova testemunhal e declarações de parte, que, no seu conjunto, constitui prova suficiente para justificar o direito à dedução nos termos do artigo 23º do CIRC.
*
Quanto à correção de custos no montante de € 43.505.375,00, a sentença recorrida referiu o seguinte:
«Esta correção foi efetuada nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, logo, e como refere a AT, o que está em causa, não é a transferência entre contas de custos, que a Impugnante justificou e esclareceu, mas que os SIT já haviam constatado.
É sim, o documento justificativo da efetivação do débito devido pela sociedade F.......... à J...........
A Impugnante apresentou na reclamação graciosa as notas de lançamento da referida transferência entre contas (a fls. 44 do respetivo processo) e em sede de audição prévia três faturas.
Porém, como concluiu a AT, tais documentos, não podem ser aceites como justificativos da prestação de serviços efetuada entre as duas sociedades, não comprovando por si, a existência da operação entre as duas partes.
É a Impugnante que refere que o montante de Esc. 43.505.375 resulta de um valor estimado pela F.........., relativamente a serviços a prestar pela J...........
Assim sendo, em data posterior haveria de ser regularizado pelo débito correspondente a serviços prestados pela J...........
No entanto, das faturas apresentadas, constata-se, como constatou a AT, que os valores constantes das faturas não são coincidentes com o valor contabilizado como estimativa.
Mais, a Impugnante não evidencia que as referidas faturas se encontram relacionadas com a estimativa registada, ou seja, não juntou quaisquer outros elementos, que demonstrem que o valor estimado foi regularizado ou anulado aquando da contabilização das respectivas faturas.
Acresce, ainda o facto de as faturas apresentadas serem datadas, a primeira de 30/05/1994 e as outras duas de 31/12/1994, e a data do registo da alegada estimativa ser coincidente com esta última data, 31/12/1994.
Na presente impugnação fica então, por responder cabalmente à questão levantada na decisão da reclamação graciosa: o que levou a F.......... a constituir uma estimativa de valores a pagar, quando os mesmos foram faturados em data anterior ou na mesma data da sua constituição?
Razões pelas quais, concluímos que não foram apresentados os documentos justificativos e comprovativos do custo contabilizado com base em estimativas, no montante de Esc.43.505.375.
Em conclusão,
Os documentos apresentados pela Impugnante não permitem identificar os dados essenciais das operações, nem apreender os elementos essenciais das mesmas (os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação), e dos mesmos não resulta evidenciada a necessária e indiscutível conexão com os registos contabilísticos cuja comprovação foi solicitada.
Ficando por demonstrar tais elementos, resta concluir que estes custos não se encontram comprovado, do ponto de vista documental, não assistindo, portanto, razão ao Impugnante quanto a esta correção.».
A Recorrente não formulou conclusões relativas a esta questão nem impugnou a respetiva matéria de facto.
Sendo assim, este tribunal não pode emitir qualquer pronúncia, considerando-se essa questão definitivamente decidida, conforme acima já se disse.
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4 - DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Conceder parcial provimento ao recurso, na parte referente à correção dos custos inerente ao contrato de prestação de serviços, no montante de € 382.235,42, e revogar a sentença recorrida nessa parte, com as demais consequências legais;
- Custas pelas partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 36% para a Recorrente, com dispensa da obrigação de pagamento do remanescente da taxa de justiça em 90%, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº7, do RCP, estando a requerida não sujeita a taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado (artigo 7º, nº2, parte final, do RCP).
- Valor do Recurso: € 591.186,33 (= € 6.568.737,00 x 9% .= valor da causa x % do decaimento 1ª instância).
-Registe e Notifique.
Lisboa, em 7 de novembro de 2024 – Rui. A. S. Ferreira (Relator), Isabel Silva e Tiago Brandão de Pinho (Adjuntos)