Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2768/24.0BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/10/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE TUTELA CAUTELAR DIREITO À AQUISIÇÃO DA CIDADANIA LIGAÇÃO A PORTUGAL |
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Sumário: | I - Em matéria de aquisição de nacionalidade, não é possível a tutela cautelar, pois que a aquisição da cidadania a título provisório permitiria que o beneficiado exercesse direitos exclusivos dos cidadãos portugueses sem ter esse estatuto de cidadão, e tal exercício seria apto ao estabelecimento na ordem jurídica de situações de vantagem, com reflexos na esfera jurídica de terceiros, que seriam irreversíveis em caso de improcedência da acção principal. II - Pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando e provando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português, está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO L…, nacional do Brasil, residente no Brasil, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P.. Pede a intimação da entidade demandada a decidir o seu pedido de aquisição de nacionalidade e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a intimar a entidade demandada a decidir, no prazo de 30 dias úteis, o pedido de atribuição de nacionalidade do autor. O réu interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “I. A Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio urgente de tutela jurisdicional efetiva, assumindo um caráter restrito quanto ao seu objeto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes; II. Essa natureza subsidiária traduz-se na conclusão de que a via normal de reação será a propositura de uma ação administrativa não urgente - neste caso, de condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA - já que em matéria de nacionalidade não se afigura adequado o decretamento de uma providência cautelar; III. É o que resulta da doutrina e jurisprudência maioritárias, bem como, claramente, do disposto nos artigos 26º da LN e 62º do RN; IV. Nessa medida, não foram alegados e comprovados factos que, concretizem de forma real, efetiva, atual o pressuposto da especial urgência, bem como bem como o da indispensabilidade da utilização do meio de tutela jurisdicional em causa, para assegurar em tempo útil o regular exercício dos direitos integradores do estatuto da nacionalidade/cidadania portuguesa e europeia invocados pelo Requerente; V. Esta alegação aplicada a alguém que tem cidadania brasileira (ou outra que fosse) e residiu toda a sua vida no país onde nasceu e do qual é nacional, traduz-se a nosso ver, numa alegação totalmente ilegítima do ponto de vista jurídico; VI. Porque, não residindo em Portugal, não lhe é aplicável o princípio da equiparação vertido no artigo 15º da CRP, sendo também claro que o pedido da nacionalidade portuguesa por aquele formulado não se configura como um direito subjetivo, mas como uma mera expetativa, ainda que juridicamente protegida; VII. Insistimos, por isso, que se verifica nos presentes autos uma EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo Recorrido, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do CPTA e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do CPC, estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA; PARALELAMENTE: VIII. A CRCentrais e outros serviços do IRN IP, debatem-se atualmente com uma gravíssima carência de meios humanos e materiais, situação que, objetivamente, obsta ao cumprimento dos prazos legalmente previstos para a análise, decisão e feitura dos respetivos registos, prazos esses que, atenta a especialidade da matéria, revestem caráter meramente “indicativo” e/ou “ordenador”; IX. Perante tal circunstancialismo, e por imperativo de justiça e em obediência aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade (artigos 3º, 6º, 8º e 9º do CPA), foi determinado que os processos entrados na CRCentrais fossem analisados e decididos por ordem de entrada, independentemente da qualidade dos requerentes ou do seu mandatário, salvo os casos de urgência excecionalíssima, devidamente comprovada, exemplificados na Deliberação do Conselho Diretivo do IRN IP, de 27/10/2022 aplicável, também, à feitura dos registos dos processos de nacionalidade com decisão favorável; X. Sendo certo que a concessão de prioridade na tramitação, decisão e registo dos pedidos de nacionalidade deferidos não encontra base legal, nem na lei da nacionalidade e respetivo regulamento, nem na lei administrativa geral; XI. Desde sempre, mas sobretudo desde que o atraso se tornou objetivamente grave e dificilmente ultrapassável, que a CRCentrais, bem como os restantes serviços do IRN IP que trabalham com nacionalidade pugnam por cumprirem, o melhor possível, os princípios da legalidade, igualdade, da justiça, da boa administração, entre outros princípios a que a sua atuação está sujeita. A deliberação do Conselho Diretivo do IRN IP sobre a urgência é disso um dos corolários; XII. Também por isso mesmo cremos que devem ser os serviços públicos administrativos que analisam e decidem os pedidos de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade, no cumprimento do princípio da boa administração e do dever de decisão (artigos 5º e 13º do CPA), a estabelecer os critérios para uma tramitação mais célere, eficaz e eficiente daqueles pedidos decidindo, nomeadamente, quanto às circunstâncias atendíveis para aceitar pedidos de urgência, com vista à melhor organização e capacidade de resposta do serviço a prestar à Comunidade; XIII. As decisões relativas à concessão ou não de prioridades processuais por parte da Administração, decisões que não se configuram como atos administrativos, enquadrar-se-ão no domínio de reserva da função administrativa, relevando ao nível do mérito ou da oportunidade e não ao nível da legalidade administrativa determinando, assim, que a margem de livre decisão quanto à atribuição ou não de prioridade a um processo administrativo, não deverá ser suscetível de controlo de legalidade e, consequentemente, não deverá ser suscetível de controlo judicial. É o que decorre do disposto nos artigos 111.º da CRP e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA; XIV. Até porque a mencionada Deliberação do IRN IP, mostra-se uma deliberação emitida por órgão competente para o efeito5 , proporcional, ponderada e justa, sopesando em termos razoáveis os interesses público e particulares em conflito, visando não só evitar as entropias graves que milhares de pedidos de urgência acarretam para os serviços que se encontram quase à beira da rutura como já exposto, mas visando, também, no cumprimento do princípio da igualdade, disciplinar e balizar as decisões sobre tais pedidos, tornando-as mais transparentes e equitativas; XV. A situação factual da Administração quanto à matéria da nacionalidade, resulta de um percurso e de um contexto cada vez mais negativo que já expusemos até à saciedade; infelizmente é esta a realidade dos serviços que trabalham com a matéria; mas isso não significa, minimamente, qualquer vontade de “normalizar” tal situação excecional e gravíssima; XVI. Por último, sempre diremos que o IRN IP e a CRCentrais não incumprem os prazos por incompetência e ou desleixo: simplesmente, como já se descreveu, a situação apresenta-se muito grave e dificilmente ultrapassável a breve prazo, constituindo-se desanimadora e desestimulante, reconhecemos, para todos aqueles que pretendem ser portugueses; ainda assim a Administração, neste caso, tudo tem feito para melhor servir os cidadãos portugueses e estrangeiros, não obstante as imensas dificuldades atrás referidas e amplamente concretizadas na nossa Resposta/Contestação já constante destes autos.” O autor respondeu à alegação do recorrente, contendo as suas alegações as seguintes conclusões: “I. A situação do A. carecia de proteção urgente e célere, a qual era incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, não tendo o R. atentado devidamente no facto de estarmos perante um direito fundamental, que necessita, no caso concreto, de uma tutela urgente através de uma decisão de mérito, indispensável a assegurar o seu exercício em tempo útil, face ao perigo de lesão grave e irreversível, como alegado e comprovado; II. O A. deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impendia, fundamentando e provando a má atuação da administração e os prejuízos presentes e futuros; III. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, concluiu-se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas que o A. entende ter direito) e em consequência, do seu direito fundamental à nacionalidade, perante os prejuízos presente e futuros, de irreparáveis, se tivermos em conta o estado de saúde frágil do A. e cujo reconhecimento e concessão em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o seu exercício efetivo; IV. Assim, não restam dúvidas que a Conservatória e em geral os serviços que analisam e decidem pedido de nacionalidade, têm violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais estão vinculados, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA; V. O procedimento de aquisição da nacionalidade por naturalização do A. encontrava-se a correr seus termos na Conservatória dos Registos Centrais desde 26 de agosto de 2022, verificando-se que, face ao tempo já decorrido e de acordo com os prazos processuais estabelecidos no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, foram ultrapassados os prazos com vista à emissão de uma decisão em tempo útil; VI. Foram violados todos os prazos processuais com vista à análise e decisão do pedido de aquisição da nacionalidade, prazos que se encontram previstos, para os procedimentos de aquisição da nacionalidade por naturalização, no mencionado artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, que contém normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa; VII. Pelo que o facto da Conservatória não ter proferido decisão final e lavrado o respetivo registo de nascimento necessário a provar a nacionalidade portuguesa do Requerente, dentro do prazo legal, como previsto no artigo 27º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade, ofendeu o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias que são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas; VIII. Este facto implicou um perigo acrescido da lesão dos direitos do A. inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente; IX. Pese embora o A. não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao A., pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável; X. A Deliberação do Conselho Diretivo do IRN, IP, datada de 27 de outubro de 2022, retificada pela Deliberação do mesmo Conselho de 18 de janeiro de 2023 deve ser interpretada como tendo sendo aplicável aos casos em que existem pedidos de tramitação urgente do procedimento de atribuição, aquisição, perda ou consolidação da nacionalidade sempre que ainda não tenha decorrido o prazo previsto por lei para que seja proferida a decisão, pois que também não pode a mencionada Deliberação ignorar que no exercício das suas funções deve obedecer ao princípio da legalidade, não podendo descurar o princípio da confiança e da certeza que os administrados cumpridores da Lei têm em relação às normas em vigor quando dirigem um pedido à Administração; XI. O A. não deve arcar com as consequências que advêm do facto da administração se encontrar a funcionar de uma forma deficiente no que toca à análise, instrução, decisão dos processos de nacionalidade e feitura dos registos, dado que esta se encontra vinculada ao princípio da legalidade e da eficiência, o que forçadamente se traduz no respeito pelos prazos legalmente previstos para a tramitação dos procedimentos de nacionalidade e pela busca dos melhores meios para se organizar de forma a não prejudicar os interesses dos administrados, como decidido na sentença proferida em 31 de dezembro de 2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no proc.º 3368/22.4BELSB; XII. Sendo o direito da nacionalidade um direito fundamental, o A. ao pedir a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização tinha já um direito fundamental e não uma mera expectativa, correspondendo o direito fundamental à nacionalidade ao direito a não ser privado dela, bem como no direito a aceder à nacionalidade portuguesa, como entendido no Ac. nº 106/2016 do Tribunal Constitucional; XIII. Pelo que o direito fundamental à nacionalidade não pode ser confundido com o princípio da equiparação previsto no artigo 15º da Constituição da República Portuguesa; XIV. Os prejuízos presentes e futuros do A. são relevantes, o que achamos lamentável por parte de quem deveria dominar o direito na sua componente humanista e se tivermos em conta que a própria Constituição da República portuguesa não faz qualquer distinção entre portugueses a quem tenha sido atribuída a nacionalidade e os a quem foi concedida a mesma - como se tal comparação fosse possível em virtude de se realçar que a nacionalidade está intimamente ligada ao exercício da cidadania, não cabendo essa comparação no caso aqui em apreço, remetendo para uma comparação que aqui não tem lugar, ainda mais quando estamos a falar de um direito fundamental, característica do direito à nacionalidade; e XV. O Código do Procedimento Administrativo é aplicável em sede da atividade do conservador que analisa e decide procedimentos de atribuição, aquisição, perda e consolidação da nacionalidade, caraterizando-se a sua decisão como ato administrativo e sendo os seus atos e omissões passíveis de recurso nos termos dos artigos 184º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, bem como pela via contenciosa, quer através de ação administrativa, quer através de ação de intimação; XVI. O que no remete forçosamente para o atraso no cumprimento dos prazos processuais, o que faz incorrer a administração no incumprimento do dever de decisão, como resulta dos artigos 13˚, 128˚ e129˚ do CPA, a que acresce a violação do Direito fundamental à nacionalidade, situação com a qual nenhum Estado de Direito pode condescender, e cujo exercício foi reposto, e bem, pela douta sentença proferida em 04 de novembro de 2024, não tendo sido ainda lavrado o assento de nascimento do requerente, única forma de provar a nacionalidade e de exercer na sua plenitude o direito que lhe foi concedido; XVII. Assim, estamos perante uma situação de incumprimento da decisão, posto que nos termos do artigo 143º, nº 2, al) a) do CPTA – questão que a recorrida nem sequer abordou! -o recurso em sede de ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias tem efeitos devolutivos, “justificando-se pelas razões de especial urgência que estão na base da utilização desse específico meio processual, sendo que a aplicação do regime-regra, protelando a emissão de uma decisão definitiva sobre a pretensão do autor, inutilizaria, na prática, a eficácia do meio processual”; XVIII. Pelo que estamos perante uma manifesta violação do estipulado no artigo 158ºdo CPTA, na medida em as decisões dos Tribunais Administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas, pelo que qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo 159º do mesmo diploma;” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por ter considerado verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados: “1. O Requerente tem nacionalidade brasileira, tendo nascido em ……..1957 – cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.; 2. O Requerente é descendente de judeu sefardita português, de acordo com o certificado nº 1…/2020, emitido pela Comunidade Israelita de Lisboa em 07.03.2024 - cfr. documento n.º 2 junto com a p.i.; 3. Em 26.08.2022, o Requerente solicitou à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, por ser descendente de judeu sefardita português - cfr. fls. 1 e 2 do PA; 4. Em 27.07.2022, o Requerente requereu à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa tramitação prioritária do seu pedido de nacionalidade devido a padecer de problemas de saúde - cfr. fls. 3 do PA; 5. Em 04.04.2023, o requerimento indicado no ponto antecedente foi alvo de indeferimento – cfr. fls. 3 do PA; 6. O Requerente é reformado por invalidez, em virtude de padecer de uma cardiopatia grave - cfr. documentos n.º 3, n.º 4 e n.º 5, juntos com a p.i.; 7. Em 28.11.2018, foi reconhecido clinicamente que o Requerente, estando exposto a um quadro de stress, tal situação configura um risco significativo de probabilidade de mortalidade - cfr. documento n.º 4 junto com a p.i.; 8. Em 2020, através de uma biópsia, foi detetada no Requerente uma massa cancerígena maligna na próstata - cfr. documento n.º 6 junto com a p.i.; 9. Em 13.06.2020, o Requerente foi submetido a uma cirurgia no qual retirou da próstata parte da célula cancerígena - cfr. documento n.º 8 junto com a p.i.; 10. Em 12.04.2024, o Requerente desenvolveu diabetes tipo 1, tendo de tomar medicação diária - - cfr. documento n.º 9 junto com a p.i.; 11. Até à presente data, não foi proferida decisão quanto ao pedido mencionado no ponto 3 – facto admitido por acordo.” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO No caso em apreço, tendo sido pedida a intimação da entidade demandada a decidir o pedido de aquisição de nacionalidade que lhe foi dirigido pelo autor e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa, a sentença recorrida, julgando verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, intimou a entidade demandada a decidir, no prazo de 30 dias úteis, o pedido de atribuição de nacionalidade do autor. Considerou o Tribunal recorrido que as circunstâncias de o autor ter 65 anos de idade à data do pedido e 67 anos actualmente, de sofrer de cardiopatia grave e diabetes tipo 1 (tendo sido detectada no mesmo, em 2020, uma massa cancerígena maligna na próstata, posteriormente removida através de cirurgia), de estar exposto a um quadro de stresse e sofrer um risco significativo de probabilidade de mortalidade, e de ser reformado por motivo de invalidez, indiciam a indispensabilidade de prolação de uma decisão de mérito urgente, com vista à protecção do seu direito à nacionalidade, devendo gozar de prioridade relativamente a outros interessados que se dirigem aos serviços da Conservatória com o mesmo propósito, não sendo possível o decretamento de uma providência cautelar para atribuição de nacionalidade portuguesa a título provisório, e podendo o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa ser comprometido com a demora de uma ação administrativa de condenação à prática do acto legalmente devido, por omissão do dever de decidir. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, imputando erro de julgamento de direito à sentença recorrida, alegando que, considerando a natureza subsidiária da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, a via normal de reação no caso será a propositura de uma ação administrativa não urgente de condenação à prática de ato devido, já que em matéria de nacionalidade não se afigura adequado o decretamento de uma providência cautelar. Mais defende que não foram alegados e comprovados factos que concretizem os pressupostos da especial urgência e da indispensabilidade da utilização do meio de tutela jurisdicional em causa, para assegurar em tempo útil o regular exercício dos direitos integradores do estatuto da nacionalidade/cidadania portuguesa e europeia invocados pelo requerente, e que, não residindo em Portugal, não é aplicável ao autor o princípio da equiparação vertido no artigo 15.º da CRP, além de que o pedido da nacionalidade portuguesa por aquele formulado não se configura como um direito subjetivo, mas como uma mera expetativa, ainda que juridicamente protegida. Considera ainda o recorrente que a concessão de prioridade na tramitação, decisão e registo dos pedidos de nacionalidade deferidos não encontra base legal, nem na lei da nacionalidade e respetivo regulamento, nem na lei administrativa geral, devendo ser os serviços públicos administrativos que analisam e decidem os pedidos de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade, no cumprimento do princípio da boa administração e do dever de decisão (artigos 5º e 13º do CPA), a estabelecer os critérios para uma tramitação mais célere, eficaz e eficiente daqueles pedidos decidindo, nomeadamente, quanto às circunstâncias atendíveis para aceitar pedidos de urgência, com vista à melhor organização e capacidade de resposta do serviço a prestar à comunidade, sendo as decisões relativas à concessão ou não de prioridades processuais por parte da Administração decisões que não se configuram como atos administrativos, enquadrando-se no domínio de reserva da função administrativa, relevando ao nível do mérito ou da oportunidade, e não ao nível da legalidade administrativa, pelo que não são susceptíveis de controlo judicial, nos termos dos artigos 111.º da CRP e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA. Vejamos. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. Volvendo ao caso em apreço, em matéria de aquisição de nacionalidade não é possível a tutela cautelar, pois que a aquisição da cidadania a título provisório permitiria que o beneficiado exercesse direitos exclusivos dos cidadãos portugueses sem ter esse estatuto de cidadão. Efectivamente, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Constituição, há direitos que estão exclusivamente reservados para os cidadãos portugueses (como acontece com os direitos políticos e o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico). Ora, o estatuto de cidadão português é incompatível com o exercício de direitos dos cidadãos portugueses a título provisório (ao abrigo de uma providência cautelar decretada a favor de quem ainda não adquiriu a cidadania portuguesa) porquanto tal exercício seria apto ao estabelecimento na ordem jurídica de situações de vantagem, com reflexos na esfera jurídica de terceiros, que seriam irreversíveis em caso de improcedência da acção principal. E, ao contrário do que o recorrente afirma, foram alegados e demonstrados factos caracterizadores de uma situação de ameaça do direito à aquisição da cidadania portuguesa que só pode ser evitada através do processo urgente da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Com efeito, resulta do probatório que o autor, à data da sentença recorrida, tinha mais de 67 anos de idade, era reformado por invalidez em virtude de padecer de uma cardiopatia grave, tendo sido reconhecido clinicamente que, estando exposto a um quadro de stress, tem um risco significativo de probabilidade de mortalidade, tendo sido já submetido a cirurgia para retirada de uma massa cancerígena maligna na próstata, detectada em 2020, padecendo ainda de diabetes tipo 1. Assim, considerando a idade avançada e o estado de saúde do autor, caracterizado por patologias graves, a sua pretensão de aquisição da cidadania reclama uma decisão urgente, sob pena de, através de uma acção administrativa de tramitação normal (não urgente), com a demora inerente à mesma, e face à previsível degradação do estado de saúde do autor (em função da sua idade e do tipo de patologias de que padece), não poder ser garantida a tutela jurisdicional efectiva que se impõe, concluindo-se, assim, por uma situação de ameaça daquele direito. Não sendo possível no caso a tutela cautelar – como acima referido -, só através do processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, de natureza urgente, se pode evitar a situação de ameaça do direito à aquisição da cidadania. É certo que o autor não reside em Portugal, não beneficiando, por isso, do princípio da equiparação, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.” Todavia, pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português (facto que se provou, aliás), está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa. Na verdade, o direito à cidadania, contido no n.º 1 do artigo 26.º, abrange, tanto o direito dos portugueses a não serem arbitrariamente privados da cidadania portuguesa, como o direito dos estrangeiros com uma ligação a Portugal (por terem conhecimento suficiente da língua portuguesa, ou ascendência/descendência com residência em Portugal ou com nacionalidade portuguesa, ou por terem prestado serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade, ou por serem descendentes de judeus sefarditas, nos termos do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade) a acederem à cidadania portuguesa – cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, O direito fundamental à cidadania portuguesa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 277-279, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, de 24.02.2016 (in https://www.tribunalconstitucional.pt). O direito à aquisição da cidadania portuguesa constitui, assim, uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), embora “exigindo dos poderes públicos uma atitude interventiva, no sentido de criar as condições jurídicas para a sua efectivação”, sendo “um direito a prestações jurídicas por parte do Estado”. Assim, nesta dimensão, o artigo 26.º não é uma norma exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário, estando concretizada na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), que sujeita a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos estrangeiros por naturalização - para além dos demais requisitos constantes do referido artigo 6.º, cuja demonstração se impõe para que a mesma seja concedida - à demonstração de uma ligação a Portugal. Tendo o autor demonstrado esta ligação, não estamos perante uma mera expectativa jurídica, como defende o réu; antes perante um verdadeiro direito. Estamos, assim, face a uma situação jurídica individualizada que caracteriza o direito à aquisição da cidadania portuguesa, cujo conteúdo normativo se encontra suficientemente concretizado na lei para ser jurisdicionalmente exigível através da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Finalmente, quanto à alegada atribuição de carácter urgente – com a consequente prioridade – à decisão do pedido do autor por parte do Tribunal, cumpre referir que o Tribunal se limitou a constatar a existência de uma situação de urgência e a enquadrá-la nos pressupostos de recurso a um meio processual, legalmente previsto, de natureza urgente, não tendo o mesmo estabelecido quaisquer critérios para acelerar a tramitação e a decisão do pedido, pelo que também neste ponto não assiste razão ao recorrente. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto. Sem custas. Lisboa, 10 de Abril de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Lina Costa Ricardo Ferreira Leite |