Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:192/16.7BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:FUNDOS EUROPEUS;
RESTITUIÇÃO DE FUNDOS;
PRESCRIÇÃO.
Sumário:I. O Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural AGRO, para o período compreendido entre 01/01/2000 e 31/12/2006, foi aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30/10.

II. Ao nível europeu, o Programa Operacional AGRO era regulado por três Regulamentos: (i) o Regulamento CE n.º 1260/1999 do Conselho, de 21/06, referente aos fundos estruturais comunitários; (ii) o Regulamento CE n.º 1257/1999, do Conselho, de 17/05, referente à execução de um dos fundos estruturais, o FEOGA - Orientação e (iii) o Regulamento CE n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com as alterações decorrentes do Regulamento CE n.º 438/2001, de 02/03.

III. O Regulamento CE – EURATOM n.º 2988/95, do Conselho, que estabelece disposições para lutar “contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias”, e que, entre outras, regula a matéria da prescrição relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias, prevê no seu artigo 3.º o prazo de prescrição de quatro anos.

IV. No plano nacional a aplicação do Programa Operacional AGRO foi regulada no D.L. n.º 163-A/2000, de 27/07 e pela Portaria n.º 533-B/2000, de 01/08.

V. Apurando-se a prática de uma infração repetida e que o programa não é plurianual, o prazo de prescrição de quatro anos começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 18/10/2019, que no âmbito da ação administrativa, instaurada por M..........., julgou a ação procedente, anulando a decisão final, datada de 04/04/2016, de ineligibilidade de despesas e consequente dever de reposição das quantias indevidamente recebidas, na quantia de € 11.645,00.


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Formula o aqui Recorrente, IFAP nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 18/10/2019, através da qual foi julgada procedente a acção administrativa, porquanto entendeu o Tribunal declarar a prescrição do procedimento para recuperação das quantias objeto da decisão impugnada, o que implica a anulação desta, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CPA. (…)” pelo que julgou procedente a presente ação, e anulou o ato impugnado e determinou a manutenção do ato que deferiu o apoio.

B. Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável.

C. A Recorrida, M..........., ora A., apresentou candidatura para um projeto de jovem agricultor que foi aprovado em 04-09-2003 ao abrigo do Regulamento que estabeleceu o regime de ajudas a conceder no âmbito da Medida n.º 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas, do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado «Programa Agro», aprovado pela Portaria n.º 533-B/2000, de 1 de Agosto.

D. Em 30-11-2007 em sede de audiência prévia (ref. 3263/DINV/SAG/2007) foi a beneficiária notificada da intenção de recuperação de verbas indevidamente recebidas no valor de € 66.512,55. Este valor resultava quer da exclusão das despesas consideradas inelegíveis, quer do investimento aceite para a aquisição do prédio rústico, nos termos da Circular 2/2004 do Gestor, não poder exceder 30% do investimento total.

E. Após reanálise do IFAP aos fundamentos da reclamação da Beneficiária e após consulta ao Gestor, em 04/04/2016 foi levada a efeito a Decisão Final proferida no procedimento, oficio com a referência nº 003113/2016 DAI-UREC, onde considerando os montantes pagos e os aprovados (após análise) resulta a necessidade de reposição de € 11.603,52.

F. Através da Decisão da Comissão C (2000) 2878, de 30 de outubro, posteriormente alterado pela Decisão C (2008) 4602, de 20 de agosto a Comissão aprovou o Programa Operacional “ Agricultura e Desenvolvimento Rural” que se integra no III Quadro Comunitário de Apoio, de natureza plurianual, com inicio em 2000 e pelo período de 6 anos (artº 14 Reg (CE) 1260/1999), seguindo o respetivo encerramento os trâmites dos artºs 30 a 32 do Reg (CE) 1260/1999., e este programa foi designado a nível nacional por AGRO e o DL 163-A/2000, de 27 de julho estabeleceu as regras gerais de aplicação do Programa AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, sendo que, no domínio do Programa AGRO, foi criada, entre outras, a Medida 1, regulada através da Portaria n.º 533-B/2000, de 1/8.

G. O Programa AGRO a que foi atribuído o CCI 1999PT061PO007 encontra-se encerrado, tendo o IFAP, I.P. sido notificado pela Comissão, do mesmo, em 13 de agosto de 2014, fixando aquela, como data de encerramento do programa o dia 8 de julho de 2014.

H. Dispõe o Artº 3° do mencionado Regulamento n.º 2988/95, que: “1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, referida no n° 1 do artigo 1°. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos. O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa. A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente, tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n°1, do artigo 6°. …”.

I. Ou seja, no citado artigo é expressamente prevista uma exceção à regra geral da prescrição do procedimento (quatro anos a contar da prática da irregularidade), estipulando-se que havendo um programa plurianual o prazo de prescrição corre até ao encerramento do programa, no caso apreço, o prazo de prescrição do procedimento correu até 8 de julho de 2014. Uma vez que, como ficou demonstrado, o programa plurianual, no qual se insere o Programa AGRO ainda estava em vigor aquando da notificação da decisão final impugnada nos presentes autos, verifica-se que o ato impugnado não desrespeitou as regras de prescrição previstas no Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95, razão pela qual, inexiste qualquer tipo de prescrição de procedimento, como invocado pela Recorrida.

J. Para além disso, na situação em apreço inexiste prescrição do procedimento, pois, além de estarmos perante um contrato de execução plurianual, estamos também perante irregularidades repetidas e irregularidades continuadas, ou seja, trata-se de uma irregularidade que nunca foi sanada pela recorrida.

K. Para os efeitos previstos no segundo parágrafo do nº 1, do Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95, uma irregularidade é continuada ou repetida, quando houver por parte do beneficiário de uma ajuda, uma pluralidade de atos ou omissões que violem a mesma disposição de direito comunitário. Nos termos do segundo e terceiros parágrafos do Artº 3º do Reg. (CE, EURATOM), nº 2988/95, “o prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade”.

L. Perante uma irregularidade repetida ou continuada, nos termos do segundo parágrafo, do n° 1, do Artº 3° do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento, apenas começaria a correr a contar da data em que foi posto termo à irregularidade.

M. Uma vez que as irregularidades praticadas pela recorrida, nunca foram supridas, não se pode considerar que tenham cessado, pelo que inexiste desta forma, qualquer tipo de prescrição do procedimento.

N. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar a ação procedente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a sentença recorrida, considerando-se válida decisão a decisão final proferida pelo IFAP.IP.


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A ora Recorrida, não apresentou contra-alegações, nada tendo dito ou requerido.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada pelo Recorrente, resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

Erro de julgamento de facto e de direito quanto à questão da prescrição do procedimento, em violação do artigo 3.º do Regulamento CE – EURATOM n.º 2988/95.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. No dia 04-09-2003, a Autora viu ser-lhe aprovado o direito à atribuição de um subsídio não reembolsável, no valor de € 243.849,07, no âmbito do programa Agro – facto admitido por acordo.

2. O montante do subsídio aprovado foi pago à Autora em quatro tranches, com os seguintes valores e nas seguintes datas – cfr. o artigo 8.º da contestação e documentos de fls. 67, 487, 489, 500, 503, 507, 556, 560, 562, 545 do processo administrativo:

3. A decisão de recuperação foi notificada à Autora por ofício datado de 01/04/2016 (e não 04/04/2016, como por lapso consta da sentença recorrida) – cfr. fls. 3 a 6 do processo administrativo e o artigo 42.º da contestação.

ii. Factos não provados

Não ficaram por provar quaisquer factos que, tendo sido alegados, sejam relevantes para a decisão em face das várias soluções plausíveis de direito.

iii. Motivação do julgamento da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos acima indicados com base na prova pontualmente indicada e na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados.”.


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No uso dos poderes previstos no artigo 662.º do CPC, por serem insuficientes os factos constantes da matéria de facto provada da sentença recorrida para a decisão a proferir, adita-se, neste Tribunal ad quem a seguinte factualidade:

4. Em 28/02/2003 a ora Autora apresentou um projeto de investimento com vista à candidatura de subsídio no âmbito do Programa AGRO (Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural), Medida 1. – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas – Acordo e doc. 2, junto com a petição inicial;

5. Por ofício expedido em 30/11/2007, a ora Autora foi notificada para se pronunciar em audiência prévia, sobre as conclusões do controlo físico e administrativo realizado pela entidade competente, tendo sido detectada uma situação de incumprimento, relativa ao disposto nos artigos 4.º a 8.º do Regulamento (CE) n.º 1257/1999, de 17/05 e as regras de execução estabelecidas pelo Regulamento (CE) n.º 1763/2001, de 06/09, regido a nível nacional pela Portaria n.º 533-B/2000, de 01/08, sendo o montante a devolver no valor de € 66.512,55, acrescido de juros, à data contados em € 7.398,38, no total de € 73.910,93 – Acordo e doc. 2, junto com a petição inicial;

6. A Autora exerceu o direito de audiência prévia em 19/02/2008, nos termos e com o conteúdo constante do doc. 3 junto com a petição inicial, para que se remete e se considera reproduzido, para todos os efeitos;

7. A decisão dada como provada no ponto 3 da matéria de facto determinou a devolução à Autora da quantia no valor de € 11.603,52, mantendo como não elegíveis o desconto do trator no valor de € 7.893,00 s/ IVA e as despesas cujo efetivo pagamento (desconto do cheque) não foi apurado ou foi efetuado após a data de reembolso, sendo atendidas as justificações apresentadas pela Autora em relação à declaração de utilização de máquinas próprias – doc. de fls. 4 junto com a petição inicial, para que se remete e se considera integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de facto e de direito quanto à questão da prescrição do procedimento, em violação do artigo 3.º do Regulamento CE – EURATOM n.º 2988/95

Sustenta o Recorrente o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida quanto à decisão proferida sobre a questão da prescrição do procedimento, invocando a violação do artigo 3.º do Regulamento CE – Euratom, n.º 2988/05, porquanto, ao contrário do decidido, não se verifica a prescrição.

Alega que estabelece o disposto no citado artigo 3.º como regra geral que o procedimento administrativo prescreve decorridos quatro anos após a prática da irregularidade.

Porém, invoca que existem exceções a esta regra, designadamente, quando o programa seja plurianual, haja irregularidades repetidas e continuadas e existirem atos notificados à beneficiária da ajuda que visavam instruir e instaurar o procedimento por irregularidade e existir um ato que suspende a contagem do prazo.

O programa em causa é plurianual, estando em causa o Programa AGRO, Medida 1, regulado pelo D.L. n.º 163-A/2000, de 27/7 e pela Portaria n.º 533-B/2000, de 01/08.

Sendo a data do encerramento do programa o dia 08/07/2014, é esta a data relevante para efeitos do disposto do artigo 3.º do citado Regulamento Europeu.

Ao contrário do decidido na sentença recorrida a data relevante quanto ao início da contagem do prazo de prescrição é a da celebração do contrato, mas nos termos da citada norma regulamentar, essa data conta-se da data em que foi praticada a irregularidade, a qual deve ser entendida como a prática do ato pelo beneficiário da ajuda que constitua uma violação do direito da União e o momento em que ocorre uma lesão ao orçamento da União Europeia.

Só existe lesão para o orçamento da União Europeia no momento em que a ajuda é paga ao beneficiário e não a data da celebração do contrato.

Sustenta que tendo sido apresentados quatro pedidos de pagamento, releva como data em que se inicia a prescrição, o dia em que cessou a irregularidade.

Quanto às irregularidades detetadas constatou-se que certas despesas eram inelegíveis

No demais, alega o Recorrente que se verificam factos interruptivos da prescrição, devido à instrução e instauração do procedimento.

Por último, alega que segundo o citado artigo 3.º do Regulamento CE – Euratom n.º 2988/95, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina o prazo igual ao dobro do prazo de prescrição, sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção.

Vejamos.

Compulsando a matéria de facto que foi dada como provada no julgamento de facto, extrai-se que em 04/09/2003 foi aprovada a atribuição à Autora de um subsídio não reembolsável, no valor de € 243.849,07.

Nos termos da factualidade ora aditada, tal projeto respeita à Medida 1 – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações, do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural – Programa AGRO.

Em 23/04/2004, 11/06/2004, 11/02/2005 e 13/05/2005 foram pagos à Autora os valores de € 25.000,00, € 88.725,78, € 155.046,82 e € 76,47, respetivamente.

Por ofício expedido em 30/11/2007, a ora Autora foi notificada para se pronunciar em audiência prévia, sobre as conclusões do controlo físico e administrativo realizado pela entidade competente, tendo sido detetada uma situação de incumprimento, ao que respondeu em 19/02/2008.

A decisão final, ora impugnada, que veio a determinar à Autora a devolução da quantia no valor de € 11.603,52, veio a ser tomada por ofício datado de 01/04/2016, do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP.

Tendo presente a factualidade em presença decidiu-se na sentença recorrida que quando foi ordenada a restituição das quantias indevidamente recebidas pela Autora, já havia decorrido o prazo prescricional de quatro anos, previsto no artigo 1.º, n.º 1 e no artigo 3.º do Regulamento CE – Euratom n.º 2988/95, do Conselho, de 18/12, segundo o seguinte trecho fundamentador:

Com efeito, considerando, por um lado, o conceito de irregularidade, tal como definido no artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95, e o sentido de lesar para efeitos dessa mesma definição de direito europeu, tal como interpretados, ambos, pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export, C-59/14, EU:C:2015:660; e por outro lado, os factos provados, deve concluir-se que eventual irregularidade que eventualmente fosse de vir a imputar à Autora teria sido praticada, o mais tardar, no momento em que cada pagamento foi feito.

Assim, contado o prazo de prescrição desde o dia seguinte ao último pagamento feito, teria este prazo – caso se provasse que o mesmo foi, como alega o Réu, interrompido pela notificação para efeitos de audiência de interessados no dia 30/11/2007 – terminado a sua contagem às 24:00 do dia 30/11/2011, quando a notificação da decisão impugnada ocorreu apenas no ano de 2016.

À prescrição não obstaria a eventual natureza plurianual da operação em causa, dado que, mesmo admitindo-se que a eventual irregularidade em causa fosse subsumível no regime previsto no segundo período do segundo parágrafo do artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, a extensão do prazo de recuperação por esta disposição proporcionada só iria até às 24:00 do dia 08/07/2014.”.

A questão que ora se coloca para decisão prende-se com os termos do prazo de prescrição do procedimento de irregularidades e de restituição de fundos europeus atribuídos, à luz do Programa AGRO, Medida 1 – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações, de que a ora Autora e Recorrida foi beneficiária.

Esta questão foi objeto de recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), na sequência da apresentação de um pedido de reenvio prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo que, estando em causa a mesma questão fundamental de direito e por facilidade e economia de meios, para ela se remeterá.

De imediato se impõe dizer não assistir razão à Entidade Demandada quanto à questão da prescrição, sendo de manter a decisão recorrida quanto a tal questão.

O Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural, AGRO, relativo às intervenções estruturais comunitárias nas regiões do continente abrangidas pelo objetivo n.º 1 [Alentejo, Algarve, Centro e Norte] e nas regiões abrangidas pelo apoio a título transitório, ao abrigo do objetivo n.º 1 [Lisboa e Vale do Tejo], em Portugal, para o período compreendido entre 01/01/2000 e 31/12/2006, foi aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30/10.

Ao nível do enquadramento normativo europeu, o Programa Operacional AGRO era regulado por três Regulamentos:

(i) o Regulamento CE n.º 1260/1999 do Conselho, de 21/06, referente aos fundos estruturais comunitários;

(ii) o Regulamento CE n.º 1257/1999, do Conselho, de 17/05, referente à execução de um dos fundos estruturais, o FEOGA - Orientação e

(iii) o Regulamento CE n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com as alterações decorrentes do Regulamento CE n.º 438/2001, de 02/03.

A alínea f), do artigo 9.º do Regulamento CE n.º 1260/1999, que estabelece disposições gerais sobre os fundos estruturais, como o programa operacional AGRO, aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30/10, define “Programa Operacional” como “o documento aprovado pela Comissão, que visa a execução de um quadro comunitário de apoio e contém um conjunto coerente de eixos prioritários compostos por medidas plurianuais, para cuja realização se pode recorrer a um ou vários Fundos e a um ou vários dos outros instrumentos financeiros existentes, bem como ao BEI”.

O Regulamento CE – EURATOM n.º 2988/95, do Conselho, que estabelece disposições para lutar “contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias”, e que, entre outras, regula a matéria da prescrição relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias, prevê no seu n.º 1 do artigo 3.º, o seguinte:

“[o] prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1.º. Todavia, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a 3 anos. (…) O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa. (…) A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. (…) Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º.” (sublinhados nossos).

Nos termos estabelecidos no n.º 2 do citado artigo 3.º:

“[o] prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva. Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.”.

Mais se prevê que “[o]s Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos n.ºs 1 e 2.”, segundo o n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento CE – Euratom n.º 2988/95.

No plano nacional, a aplicação do Programa Operacional AGRO foi regulada no D.L. n.º 163-A/2000, de 27/07, cujo seu artigo 1.º dispunha que “[o] presente diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, aprovados no âmbito do III Quadro Comunitário do Apoio para o período de 2000 a 2006 [QCA III].”.

Nos termos deste diploma, no âmbito do referido Programa podiam ser concedidas ajudas em vários domínios, taxativamente elencados no artigo 3.º, entre eles o da modernização, reconversão e diversificação das explorações agrícolas, segundo a sua alínea a).

Tais ajudas seriam objeto de regulamentação específica aprovada por Portaria, segundo o seu artigo 22.º.

Nos termos do artigo 8.º do no D.L. n.º 163-A/2000, de 27/07, essas ajudas concretizavam-se mediante contratos escritos celebrados entre os beneficiários e o atual IFAP, e sujeitos às normas de direito privado.

Especificamente no caso das ajudas à modernização, reconversão e diversificação das explorações agrícolas, o seu regime mostrava-se à data regulamentado pela Portaria n.º 533-B/2000, de 01/08.

De entre os fundamentos do presente recurso, sustenta o Recorrente que o programa AGRO é um programa plurianual e que o prazo de prescrição só terminaria com o encerramento definitivo do programa, segundo o artigo 3.º, n.º 1, 2.ª parte do 2.º parágrafo, do Regulamento CE - Euratom n.º 2988/95, não se verificando a prescrição no presente caso.

Mas sem razão, nos termos que decorrem de vários arestos do STA, sobre a mesma questão fundamental de direito.

Seguindo e acolhendo aqui a fundamentação vertida no Acórdão do STA, datado de 07/06/2018, no Processo n.º 0912/15, por existir total identidade das situações jurídico-materiais e das questões de direito controvertidas, assim como por facilidade e economia de meios:

Como já se disse, no presente recurso vem o Recorrente defender que não ocorreu a prescrição por se tratar de uma ajuda no âmbito de um programa plurianual, sendo aplicável o disposto na 2ª parte do 2º parágrafo do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, de 18.12.95 e por se estar perante irregularidades continuadas ou repetidas.

Sobre a aplicabilidade do prazo de 4 anos fixado no art. 3º nº 1 do Regulamento supra referido, o TJUE, no acórdão de 17.09.2014 pronunciou-se relativamente ao pedido de reenvio deste STA, 2.ª Secção, no Acórdão de 17.04.2013, proc. 398/12 no sentido de que:

“1) O artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho (…), relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos procedimentos instaurados pelas autoridades nacionais contra beneficiários de ajudas da União na sequência de irregularidades verificadas pelo organismo nacional responsável pelo pagamento das restituições à exportação no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA).

2) O prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 aplica-se não apenas aos procedimentos por irregularidades que conduzem à aplicação de sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º deste regulamento, mas também aos procedimentos que conduzem à adoção de medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento. Embora o artigo 3.º, n.º 3, do mesmo regulamento permita que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro ou três anos previstos no n.º 1, primeiro parágrafo, deste artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à data da adoção do referido regulamento, a aplicação de um prazo de prescrição de vinte anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União”.

Também recentemente foi julgado por este STA, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2015, de 26.02.2015, proc. nº 173/13, que o prazo de prescrição relativo às quantias recebidas no âmbito das ajudas comunitários é de quatro anos.

Como se disse no mesmo:

“II - O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, por se tratar de uma norma jurídica diretamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior”.

Não há, portanto, dúvidas que se deve considerar aplicável, no caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento CE, Euratom nº 2988/95, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna - artigo 288º, parágrafo 2º TFUE (face às alterações operadas pelo Tratado de Lisboa) e artigo 8º, n.ºs 3 e 4 da CRP - e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior (cfr. para além do citado acórdão uniformizador, os acórdãos, desta Secção de 30.10.2014, proc. 92/14 e da 2.ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12). Aplicação a que procedeu o acórdão recorrido.”.

Decidindo-se quanto ao prazo de prescrição ser de quatro anos, importa agora decidir sobre a natureza plurianual ou não do Programa AGRO e dos consequentes termos da contagem do prazo de prescrição.

Nos termos do citado aresto do STA: “(…) O Quadro Comunitário de Apoio a Portugal para o período de 2000 a 2006, foi aprovado pela Comissão Europeia através da Decisão C (2000) 762, de 30 de Março.

No âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III) o DL nº 163-A/2000, de 27 de Julho, estabeleceu as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS.

E, dispõe o art 1º deste DL nº 163-A/2000, sob a epígrafe Objecto, o seguinte:

“O presente diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, aprovados no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III).”

Este diploma estabelece, portanto, as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO/Programa), bem como da componente agrícola dos programas operacionais de âmbito regional do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) para o período de 2000 a 2006 integrando intervenções operacionais no âmbito da agricultura e do desenvolvimento rural, enquadradas nos Eixos Prioritários 2 e 3 do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), designadamente o Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural e a Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional.

Como resulta do seu preâmbulo: “Estas intervenções contribuem, ainda, para outras prioridades fixadas no PDR, como sejam as respeitantes à elevação do nível de qualificação dos portugueses e à promoção do emprego, da coesão social e do desenvolvimento sustentável das regiões, assegurando a igualdade de oportunidades.”

No entanto, este programa e as medidas não referem quaisquer acções concretas a executar, estando antes dependentes de concretas candidaturas que sejam formuladas.

Conforme resulta do art. 3º do DL nº 163-A/2000:

“Medidas

1 — No âmbito do Programa AGRO, podem ser concedidas ajudas nos seguintes domínios:

a) Modernização, reconversão e diversificação das explorações agrícolas;

b) Transformação e comercialização de produtos agrícolas;

c) Desenvolvimento sustentável das florestas;

d) Gestão e infra-estruturas hidro-agrícolas;

e) Prevenção e restabelecimento do potencial de produção agrícola;

f) Engenharia financeira;

g) Formação profissional;

h) Desenvolvimento tecnológico e demonstração;

i) Infra-estruturas informativas e tecnológicas;

j) Serviços agro-rurais especializados.”

Não estão, pois, aqui indicadas quaisquer concretas acções a executar, pelo que, e nos termos do Despacho do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, no processo C-491/16, proferido no presente processo, não estamos perante um plano plurianual.

Neste mesmo sentido se pronunciou este STA nos acórdãos de 26.04.2018, processos nº 249/16 e nº 1478/15, cuja argumentação subscrevemos, e, ainda no acórdão de 17.05.2018, proc. nº 24/17.

Mais invoca o recorrente que as irregularidades supra descritas devem ser consideradas como “continuadas ou repetidas”, para os efeitos do segundo parágrafo do nº 1 do art. 3º do Regulamento citado.

Vejamos.

O TJUE, no acórdão C-279/05, em sede de reenvio que pretendia “conhecer os critérios que permitem apreciar se uma irregularidade deve ser continuada ou repetida, na acepção do art. 3º, nº 1, segundo parágrafo, do Regulamento nº 2988/95” (ponto 40), respondeu o seguinte:

“uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário” (ponto 44).

Significa isto que para os efeitos previstos no segmento da norma em questão só se estará perante uma irregularidade continuada ou repetida quando o agente económico pratique actos ou omissões de naturezas similares que violem a mesma disposição de direito comunitário.

Da descrição factual acima transcrita do acórdão recorrido decorre que estamos perante três tipos de operações as quais foram consideradas irregularidades, a saber: 1) (…) 2) a existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras; 3) a inexistência de prova de pagamento de documentos de despesa.

Tais irregularidades ocorreram no dia 19.09.2001, dia 28.03.2002 e dia 21.01.2003, datas da apresentação dos documentos denominados “remessa de documentos comprovativos”. Ou seja, na situação dos autos a recorrida apresentou três pedidos de pagamento instruídos com comprovativos de despesa sendo que, em cada um dos mesmos, se veio a apurar em sede de controlo que as despesas não eram elegíveis (tendo em todos eles ocorrido a violação da Regra de Elegibilidade nº 1).

As irregularidades aqui invocadas reportam-se, pois, a pagamentos de despesa do projecto ocorridas em 2002, 2003 e 2004, respeitantes ao contrato celebrado em 19.07.2001.

A propósito de noção de comportamento repetido diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de Junho de 2015, Processo C-52/14:

“(...) 48. Com a quarta e oitava questões, a analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, é necessário que várias irregularidades tenham entre si uma estreita relação cronológica para serem consideradas constitutivas de uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, e, por outro, de que as irregularidades relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, verificadas em campanhas de comercialização diferentes, que levaram a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante, e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem, podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição.

49. A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.º 41).

50. À luz desta definição, o tribunal de reenvio interroga-se, antes de mais, sobre a necessidade de uma estreita relação cronológica entre duas ou mais irregularidades para estas constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95. No caso, segundo esse tribunal, algumas das operações imputadas à recorrente no processo principal ocorreram unicamente em campanhas de comercialização diferentes.

51. A esse respeito, há que recordar que, como se indica no n.º 24 do presente acórdão, o prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores, devendo estes ter a possibilidade de determinar quais das suas operações estão definitivamente adquiridas e quais podem ainda ser objeto de um procedimento.

52. Ora, as irregularidades não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. Com efeito, numa situação como essa, essas irregularidades distintas não apresentam uma relação cronológica suficientemente estreita. Na falta de um ato de instrução ou de abertura de procedimento da autoridade competente, um operador pode assim legitimamente considerar prescrita a primeira dessas irregularidades. Em contrapartida, essa relação cronológica existe quando o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior a esse prazo de prescrição.

53. Seguidamente, quanto à qualificação das irregularidades em causa no processo principal, cabe ao tribunal de reenvio verificar se, à luz do direito nacional da prova aplicável ao processo principal e desde que não seja posta em causa a eficácia do direito da União, estão reunidos os elementos constitutivos de uma irregularidade continuada ou repetida, recordados no n.º 49 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.º 43). Contudo, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse tribunal, com base nos elementos contidos na decisão de reenvio, os elementos de interpretação suscetíveis de lhe permitir uma decisão.

54. A esse respeito, nomeadamente, verifica-se que as irregularidades imputadas à P........... contribuem todas para o caráter errado das declarações prestadas por essa sociedade quanto à qualificação dada a uma parte da sua produção de açúcar branco, por cujos custos de armazenagem pedia o reembolso (quotas A e/ou B em vez de açúcar C). Assim, essas irregularidades podem constituir uma violação repetida do artigo 13.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1998/78, que impõe ao fabricante de açúcar uma obrigação de declaração das existências elegíveis para o reembolso dos custos de armazenagem.

55. Não se pode, pois, excluir que as irregularidades imputadas à P........... no processo principal constituem no seu conjunto uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que, contudo, cabe ao tribunal de reenvio verificar.

56. À luz destas considerações, há que responder à quarta e oitava questões que o artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. As irregularidades, como as que estão em causa no processo principal, relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, que tenham ocorrido em campanhas de comercialização diferentes, tenham levado a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem constituem, em princípio, uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar. (...)”.

Assim, temos de considerar que o comportamento da recorrida foi repetido com o sentido previsto nos termos supra referidos.

Com efeito, a prática de três actos num intervalo inferior aos referidos 4 anos revela um conjunto ou uma pluralidade (mais do que uma) de actuações ou omissões dilatadas no tempo em violação da mesma disposição de direito comunitário a que alude o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 06.10.2015, no âmbito do supra referido Proc. C-52/14 (cfr. neste sentido o acórdão deste STA de 17.05.2018, acima indicado que aqui seguimos de perto).

Face ao exposto, tendo em consideração que estamos perante uma infracção repetida e que o programa não é plurianual vejamos se já havia decorrido o prazo prescricional.

Quanto ao início do prazo de contagem do prazo prescricional diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 6 de outubro de 2015, Processo C59/14:

“(...) 23. Em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. O artigo 1.º, n.º 2, desse regulamento define o conceito de «irregularidade» como qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta.

24. A prática de uma irregularidade, que faz correr o prazo de prescrição, pressupõe, por isso, o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União.

25. Em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação do direito da União foi detetada após a concretização da lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.

26. Essa conclusão estão em conformidade com o objetivo do Regulamento n.º 2988/95, que, de acordo com o seu artigo 1.º, n.º 1, visa a proteção dos interesses financeiros da União. Com efeito, o dies a quo situa-se na data do facto ocorrido em último lugar, ou seja, quer na data da concretização da lesão, quando esta ocorra após o ato ou omissão que constitua uma violação do direito da União, quer na data desse ato ou omissão, quando a vantagem em causa tenha sido concedida antes do referido ato ou omissão. A prossecução do objetivo de proteção dos interesses financeiros da União estão, por conseguinte, facilitada.

27. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo grego, segundo o qual o dies a quo situar-se-ia no dia da descoberta da irregularidade pelas autoridades competentes. Com efeito, esse argumento colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a data em que as autoridades nacionais tomaram conhecimento de uma irregularidade é irrelevante para o início do prazo de prescrição (acórdão P..........., C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 67).

28. Aliás, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetua e que estão a cargo do orçamento da União (acórdão Ze Fu Fleischhandel GmbH e Vion Trading, C-201/10 e C-202/10, EU:C:2011:282, n.º 44). Admitir que o dies a quo corresponde ao dia da descoberta da irregularidade em causa iria contra esse dever de diligência.

29. Em face destas considerações, há que responder à primeira questão que os artigos 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação de uma disposição do direito da União só foi detetada após a concretização de uma lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que ocorreram tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta. (...)”

No caso dos autos, em 19.09.2001, 28.03.2002 e 21.01.2003 a A., aqui recorrida, remeteu ao então IFADAP documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos de onde constava a irregularidade detectada.

Em 13.05.2003 foi a A. informada de que lhe ia ser “creditada a 3ª Parcela (parte) do subsídio, no montante de €49.879,78 previsto no contrato”.

Assim, o prazo prescricional de quatro anos conta-se a partir 13.05.2003, data em que foi notificado o pagamento à A. da última parte do subsídio, no valor de € 49.879,78, sendo certo que nesta data já tinham sido cometidas as irregularidades pela aqui recorrida, e que estamos perante irregularidades repetidas. Isto é, nesta data já tinham ocorrido os actos do agente económico que constituem violação do direito da União, assim como lesão ao orçamento da mesma.

Pelo que, em 17.01.2006, quando a A. foi notificada pelo IFAP para exercer o direito de audição prévia sobre a intenção de rescisão do contrato, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 4 anos.

Esta notificação para audiência prévia interrompe o prazo de prescrição que estava em curso, começando a correr um novo prazo de prescrição no dia seguinte – 18.01.2006 - § 3º do nº 1 do art. 3º do Regulamento. Sendo certo que com a soma dos dois prazos transcorridos não se atinge o limite máximo aplicável aos casos de prescrição dos procedimentos por irregularidade de direito comunitário (8 anos), previsto no §4º do nº 1 do preceito referido.

Este prazo terminou em 18.01.2010, portanto, muito antes da data em que a Recorrida foi notificada da decisão final de rescisão unilateral do contrato aqui em causa e da ordem de reposição, constante do ofício com a ref.ª 006671/2010 - em 21.06.2010. Ou seja, nesta última data, já se encontrava prescrita a obrigação de restituição das quantias por indevidamente recebidas.”.

No mesmo sentido, vide os Acórdãos do STA, datados de 17/05/2018, Proc. n.º 0914/17 e Proc. n.º 024/17, entre outros, relativos à mesma medida e a outras medidas do programa AGRO.

Tendo presente a doutrina dos citados arestos e aplicando-a ao caso dos autos, decorre o seguinte.

As irregularidades têm-se por cometidas em 2005, data em que ocorreu o último pagamento à Autora, ocorrido em 13/05/2005, iniciando-se a partir dessa data o prazo de prescrição de quatro anos.

Tendo o último pagamento à Autora ocorrido em 13/05/2005, a Autora apenas foi notificada para exercer o direito de audiência prévia em 30/11/2007, decorridos mais de dois anos.

Significa que o facto interruptivo da prescrição, traduzido na notificação à Autora para se pronunciar sobre o projeto de decisão, ocorreu quando ainda não havia decorrido o prazo de prescrição, operando tal efeito interruptivo.

Porém, interrompida a prescrição com a notificação para audiência prévia, a decisão final apenas veio a ser tomada em 01/04/2016.

Assim, aquando a prática do ato impugnado, de modificação unilateral do contrato e a consequente reposição de dinheiros públicos, em 01/04/2016, já se encontrava prescrito o direito exercido pela Entidade Demandada.

Tal permite sustentar a prescrição do procedimento, nos termos do disposto no artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, pois considerando a data em que se considera ter existido o incumprimento, desde a data do último pagamento pela Entidade Demandada, em 13/05/2005, tendo existido a interrupção da prescrição com a notificação da Autora para se pronunciar em audiência prévia em 30/11/2007, a decisão final apenas veio a ser tomada em 01/04/2016, decorrido apenas o prazo de prescrição de 4 anos, contado desde 30/11/2007, como o dobro desse prazo.

Nestes termos, improcede o invocado fundamento do recurso, não incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento de direito alegado, sendo de manter o decidido quanto à questão da prescrição.


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Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural AGRO, para o período compreendido entre 01/01/2000 e 31/12/2006, foi aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30/10.

II. Ao nível europeu, o Programa Operacional AGRO era regulado por três Regulamentos: (i) o Regulamento CE n.º 1260/1999 do Conselho, de 21/06, referente aos fundos estruturais comunitários; (ii) o Regulamento CE n.º 1257/1999, do Conselho, de 17/05, referente à execução de um dos fundos estruturais, o FEOGA - Orientação e (iii) o Regulamento CE n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com as alterações decorrentes do Regulamento CE n.º 438/2001, de 02/03.

III. O Regulamento CE – EURATOM n.º 2988/95, do Conselho, que estabelece disposições para lutar “contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias”, e que, entre outras, regula a matéria da prescrição relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias, prevê no seu artigo 3.º o prazo de prescrição de quatro anos.

IV. No plano nacional a aplicação do Programa Operacional AGRO foi regulada no D.L. n.º 163-A/2000, de 27/07 e pela Portaria n.º 533-B/2000, de 01/08.

V. Apurando-se a prática de uma infração repetida e que o programa não é plurianual, o prazo de prescrição de quatro anos começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos, mantendo-se a sentença recorrida, que julgou procedente a prescrição do procedimento, anulando o ato impugnado.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade e voto de vencido, com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, respetivamente, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)