Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:827/07.2BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:ART. 281º DO CPC
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
(FALTA) INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE HERDEIROS, CONTRADITÓRIO
COLIGAÇÃO DE AUTORES
Sumário:I. A habilitação de herdeiros de uma das partes no processo, constitui, designadamente, um ónus dos sucessores da parte falecida e o incumprimento daquele ónus reclama um juízo de valoração e ponderação do tribunal.
II. A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do CPC pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.
III. O juiz ao decidir julgar deserta a instância deverá, em princípio, dar lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, com inerente audiência prévia das partes, desde que a parte interessada não devesse ter conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de notificação oportunamente realizada, que o processo aguardaria o seu impulso processual sob tal cominação.
IV. A pluralidade de partes do lado activo não afasta in casu a extinção total da instância por deserção, visto que se retira da leitura conjugada dos artigos 260.º, 262.º, al. a), 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, 276.º, n.º 1, al. a), e 351.º, n.º 1, do CPC que, mesmo nestes casos, a instância só pode prosseguir com a sua regularização através do obrigatório incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Comum)

I. RELATÓRIO

.... , co-Autora, e .... (co-Autor), vieram intentar a presente acção administrativa contra o Município de Almada e outros (contra-interessados), na qual peticionam, a final, a anulação do Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n°. .... , emitido pelo Vereador do Urbanismo, Mobilidade e Fiscalização Municipal da Câmara Municipal de Almada, .... , registado em 03 de Novembro de 2006 na Câmara Municipal de Almada.

Em 23-12-2024, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada foi proferida Decisão (Sentença), que julgou “a instância deserta, nos termos do artigo 281.º n.º 1, e declaro a sua extinção, ao abrigo do artigo 277.º al. c), ambos do CPC (aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA)”.

Inconformada, veia a co-Autora, .... , interpor o presente recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as suas Alegações com a formulação das seguintes conclusões:

A.- Despacho em apreço é nulo, por violação da Lei;
B.- Pois, é requisito essencial e defendido pela jurisprudência, a prolação de despacho prévio por parte do Tribunal, de advertência à parte para a necessidade de exercício do seu impulso processual, (Ac. de 10-12-2019, T. Relação Porto, Pº.nº.21927/15.0T8PRT.P1);
C.- O Despacho de 15-07-2024 reconheceu, em consequência do falecimento de um dos Autores, que não foram as parte alertadas para a necessidade do impulso processual e, na sua falta a consequência processual a ser aplicada.
D.- O Tribunal a quo no Despacho 15-07-2024 admite que o devia ter feito, mas nada fez;
E.- Pelo que a falta de advertência constitui nulidade processual ;
F.- Deve o Tribunal advertir as partes, com base nos princípios da boa gestão processual, para as consequenciais legais da falta de impulso processual, pois, qualquer despacho, que omita tal advertência deve ser de nenhum efeito;
G.- Deve, também, o prazo, após a devida advertência, ser de 6 (seis) meses, devendo o mesmo ser contado a partir do dia em que a parte é notificada do despacho, que o alerte para a necessidade do impulso processual e, para as consequências legais na falta deste.
H.- Nesta senda refere o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de junho de 2019, no processo número 6241/17, “… que tal prazo se conta a partir do momento em que é notificado o despacho que alerte para a necessidade do impulso processual…”
I.- E sob pena de nos repetirmos, “Em decorrência do princípio da boa gestão processual e do dever de prevenção que dele emerge, o prazo de 6 meses contase, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do impulso.” (Ac. de 10-12-2019, do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº. 21927/15.0T8PRT.P1);
J.- Não pode pois, o Tribunal admitir que não fez a devida advertência e vir apenas conceder o prazo de 10 dias, para findos os quais, declarar a deserção da instância;
L.- No entanto e, sem conceder, no período de 10 dias, até, foi entregue a Escritura de Habilitação de Herdeiros, verificando-se, pois, impulso processual nos autos;
M.- Não se verifica nos autos falta de impulso processual, pelo menos falta de impulso relevante ou que possa servir de fundamento para extinção da instância;
N.- A ação foi proposta por dois Autores diversos;
O.- Ora, falecendo um dos Autores e ninguém se habilitando a suceder-lhe, quanto a esse Autor e ao pedido por si formulado, a instância pode extinguir-se, mas mantém-se quanto às restantes partes;
P.- Pelo que deve a ação prosseguir quanto à Recorrente;
Q.- Os Tribunais têm o dever de administrar a Justiça, em relação a todas as questões que lhe são postas, nos termos do art.º 152.º C.P.C. R.- Sendo este um imperativo Constitucional, nos termos do art.º 202.º da C.R.P., que prevê que compete aos Tribunais a obrigação de administrar a Justiça.
S.- A extinção da ação, na sua totalidade consubstancia verdadeira denegação da Justiça, em clara violação da Lei, nomeadamente, os art.ºs 152.º e 281.º do C.P.C. e os art.ºs 2º., 3º., 12.º, 13.º e 202.º da C.R.P.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente Recurso e, em consequência deve revogar-se o Despacho recorrido e substituir-se por outro que mande prosseguir os autos quanto às restantes partes, nos termos expostos”.

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Notificadas as contra-partes, somente o Réu Município de Almada apresentou Contra-alegações tendo concluído assim:
“I. A A e ora Recorrente imputa à sentença o vício de violação de lei consubstanciado na violação dos artigos 152º e 281º do CPC.
II. Contudo, nenhuma razão assiste à Recorrente. Com efeito
III. Em nenhum dos dispositivos contidos no artigo 281º do CPC se encontra a obrigação, que a Recorrente alega não ter sido cumprida, de o Tribunal advertir as Partes para a necessidade promoverem o impulso processual.
IV. Essa desnecessidade de advertência dirigida às Partes acha-se bastamente fundamentada com recurso para a remissão para a jurisprudência fixada pelo Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 12.01.2021, no âmbito do Procº nº 13761/18.1T8LSB.L2-2 e pelos ensinamentos dados por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código do Processo Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, página 573), ambos no sentido de que aquela advertência, não sendo obrigatória, pode acontecer, fixando-se um prazo adicional razoável para a prática do ato.
V. Acresce que também o STJ, pelo Acórdão de Uniformização da Jurisprudência nº 2/2025, proferido em 23.01.2025, no âmbito do Procº nº 4368/22.0T8LRA.C1.S1, veio decidir, em definitivo, que “I ¯ A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal. II ¯ Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”.
VI. Por força da disciplina prevista no nº 1 do artigo 281º do CPC, a falta de impulso processual por mais de 6 meses tem por efeito a deserção da instância, com a sua consequente extinção.
VII. Esta causa e o seu efeito eram “seguramente do conhecimento [da A], por força do regime jurídico aplicável”.
VIII. Como resulta ínsito do mencionado aresto uniformizador da jurisprudência, o facto de esta causa e o seu efeito serem “seguramente do conhecimento [da A], por força do regime jurídico aplicável”, afasta a necessidade de “adequada notificação”.
IX. O que o Tribunal não pode dispensar, como também resulta do mesmo Acórdão Uniformizador da Jurisprudência, é o “cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte…”.
X. Obrigação que o Tribunal “a quo” cumpriu, com a prolacção do Despacho de 15.07.2024. XI. Por aqui se conclui, desde já, que a sentença não padece do imputado vício de violação de lei.
XII. Também não e acha violado o artigo 152º do CPC.
XIII. Cabe ainda dizer que a junção aos autos, pela A, da escritura de habilitação de herdeiros não consubstancia qualquer impulso processual que pudesse ter o efeito de obstar à deserção da instância e ao seu consequente efeito extintivo, porquanto não foram cumpridos os formalismos previstos na lei adjectiva”.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo”.
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O DMMP notificado nos termos e para efeitos dos artigos 146º e 147º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Srs. Juízes Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão

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I.1- Do objecto do Recurso /Das questões a decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140º, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Atentas as conclusões recursivas, o que importa aferir é se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual e erro de julgamento de Direito, ao declarar deserta a instância.
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II – Fundamentação

A sentença recorrida não fixou matéria de facto.
Do seu teor e da consulta dos autos no SITAF, resulta o seguinte circunstancialismo processual:
i) Em 17.10.2023, foi junta aos autos, pela co-autora, ora recorrente, certidão de óbito do co-autor .... , falecido em dia 8 de Outubro de 2023 – cf. fls. 1178 e 1184 processo electrónico SITAF;
ii) Obtido conhecimento nos autos do seu falecimento, por despacho de 20 de novembro de 2023 (cfr. fls. 1193 do SITAF), foi determinada a suspensão da instância;
iii) O referido despacho foi notificado aos Il.’s Mandatários das partes no dia 21 de novembro de 2023 (cfr. fls. 1194 e ss. do SITAF);
iv) Em 15.07.2024, foi proferido despacho, do qual se destaca:
“ (…)
Verifica-se que, tendo sido proferido despacho que determinou a suspensão da instância em consequência do falecimento do Autor .... , nos termos do artigo 270.º, n.º 1 do CPC, não foram as partes alertadas para a necessidade do seu impulso processual e a consequência processual aplicável em consequência da sua falta (cf. fls. 1193 dos autos).
Não tendo sido efetuada a advertência para a consequência legal pela falta de impulso, poderá o Tribunal fixar um prazo adicional razoável para a prática do ato (neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 13761/18.1T8LSB.L2-2 de 12.01.20231 , e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código do Processo Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, página 573). Assim sendo, atento o falecimento de um dos Autores, notifique as partes para requererem o que tiverem por conveniente, sendo que, caso nada seja dito ou requerido no prazo de 10 dias, será declarada a extinção parcial da instância quanto ao Autor falecido, conforme o disposto no artigo 281.º, n.º 1 do CPC.”.
v) O despacho precedente foi notificado às partes (vide fls. 1203 a 1208 SITAF);
vi) Em 24.10.2024 foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
“Da deserção:
Reitero a segunda parte do despacho de 15 de julho de 2024 (de fls. 1201 e ss. do SITAF), com exceção da cominação aí referida. Neste sentido, notifique as partes para requererem o que tiverem por conveniente, sendo que, caso nada seja dito ou requerido no prazo de 10 dias, será declarada a deserção da instância, conforme o disposto no artigo 281.º n.º 1 do CPC” – cf. fls. 1213 SITAF;
vii) Na sequência do despacho precedente, veio a co-autora .... juntar aos autos cópia do certificado da Escritura de Habilitação de Herdeiros, por óbito de .... – cf. fls. 1221 e ss. SITAF.


Cumpre apreciar e decidir:

Ø Da nulidade processual

Do argumentário da Recorrente ressalta que esta suscita a ocorrência de nulidade processual em virtude de o Tribunal a quo ter alegadamente omitido a advertência às partes “para a necessidade do impulso processual e, na sua falta a consequência processual a ser aplicada” – conclusão C).
Acontece que, tal como sustentou o Tribunal a quo:

No recurso interposto é invocado, para o que por ora releva, que o “Despacho em apreço é nulo, por violação da Lei”, consubstanciada, se bem se entende, na alegada falta de advertência relativamente à necessidade de impulso processual e suas consequências. Todavia, tal como dimana da tramitação do processo (cuja instância estava suspensa a aguardar que fosse promovido o incidente de habilitação relativo ao coautor .... ), as partes foram expressamente advertidas de que, caso não fosse dado o devido impulso processual, seria declarada a extinção da instância, conforme o disposto no artigo 281.º n.º 1 do CPC (cfr. despacho de fls. 1213 do SITAF, proferido em 24 de outubro de 2024). Neste sentido, salvo melhor opinião, considero que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe vem assacada e sustento-a nos seus exatos termos”.
Com efeito, basta confrontar o iter processual supra descrito para se concluir pela falência dos argumentos da Recorrente, pois, não só, o Tribunal fez a aludida advertência (vide ponto iv) do probatório), como teve o cuidado de reiterar (vide ponto vi), tendo a Recorrente somente junto cópia da escritura de habilitação de herdeiros, sem suscitar qualquer incidente.
Pelo que nesta parte improcede.

Ø Do mérito

É jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que a habilitação dos sucessores nos termos do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, al. a) e 351.º do CPC constitui um ónus dos sucessores da parte falecida e o incumprimento daquele ónus reclama um juízo de valoração e ponderação do tribunal – cf. jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ac. 05.05.2022. P. 1652/16.5T8PNF.P1.S1, e de 12.01.2021, P. 3820/17.3T8SNT.L1.S1, mas também do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.02.2023, P. 0706/12.1BEAVR.

A decisão recorrida assentou na seguinte fundamentação de direito:
Nos termos da lei processual aplicável – Para o que por ora releva, nos termos do artigo 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, é aplicável o CPC de 2013 – sendo de sublinhar que, à data de entrada em vigor da referida Lei (1 de setembro de 2013), o hodierno processo já não se encontrava na fase dos articulados -, no caso do decesso de uma das partes, a suspensão da instância só cessa uma vez notificada a decisão judicial que considera habilitado(s) para prosseguir com a demanda o(s) sucessor(es) da pessoa falecida (cfr. artigo 276.º n.º 1 al. a) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA). Assim, no caso dos presentes autos, impunha-se que fosse promovido o incidente de habilitação relativo ao coautor .... , o que poderia ter sido desencadeado quer por qualquer das partes sobrevivas, quer por qualquer dos seus sucessores (cfr. artigos 351.º e ss. do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA). Tal como dimana do referido regime adjetivo, não sendo dado o devido impulso processual no prazo de seis meses, extingue-se a instância (cfr. artigos 276.º al. c) e 281.º n.º 1 al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA).
Tal como sumariado no recente Ac. do TRL, de 04-04-2024, proferido no processo n.º 3705/19.9T8FNC.L1-2, e disponível em www.dgsi.pt , “A deserção da instância decorre, nos termos do art.º 281.º, n.º 1, do CPC, da falta de impulso processual, por negligência das partes, decorridos mais de 6 meses, tratando-se de uma causa de extinção da instância [cf. art.º 277.º, al. c), do CPC] cuja razão de ser se prende com os princípios do dispositivo, da celeridade processual e da autorresponsabilidade das partes. // O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, tal como previsto no art.º 3.º, n.º 3, do CPC. Mas quando da tramitação do processo já resultar objetivamente evidenciado que os autos ficaram a aguardar que a parte viesse praticar um ato de que dependia o normal andamento do processo, não há que notificá-las, de novo, para se pronunciarem especificamente a respeito de uma questão cujo conhecimento já estava, por assim dizer, «na calha».
É o que sucede no caso dos autos, tendo sido proferido e notificado aos mandatários das partes o despacho que determinou a suspensão da instância em virtude do óbito do Autor [cf. artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 276.º, n.º 1, al. a), do CPC]. Efetivamente, muito embora com a morte do mandante se verifique, em regra, a caducidade do mandato, fica ressalvada a manutenção dos seus efeitos quando dessa caducidade possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros (cf. art.º 1175.º do CC), sendo de considerar que se está perante um caso de pós-eficácia das obrigações ou um dever decorrente do princípio geral da boa fé consagrado no art.º 762.º, n.º 2, do CC, ficando o mandatário obrigado a informar os herdeiros em termos tais que estes possam atuar em conformidade com os seus interesses. Como decorridos mais de seis meses após aquela notificação, nenhum dos ora identificados herdeiros do falecido Autor veio deduzir o referido incidente, em ordem a que fossem habilitados para, na posição deste último, prosseguir o processo, ou requerer fosse o que fosse em ordem à superação de eventual dificuldade prática, é de concluir - sem que tal constitua uma afronta aos princípios do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) - que a paragem do processo se deveu à negligência dos herdeiros do falecido Autor, estando verificados todos os pressupostos da deserção.” (Sublinhados nosso) “.
No caso sub judicio, já decorridos os seis meses, e atento o despacho de fls. 1201 do SITAF, o Tribunal considerou, ao abrigo dos princípios da cooperação e da boa-fé processual, advertir expressamente as partes da possibilidade de deserção da instância, caso não fosse dado o necessário impulso processual (cfr. despacho de fls. 1213 e ss. do SITAF).
Até ao momento, o incidente de habilitação da parte falecida não foi promovido – cabendo referir que, na sequência do despacho de fls. 1213 do SITAF, a Il. Mandatária da coautora .... se limitou a remeter mensagem de correio eletrónico, juntando cópia do certificado da Escritura de Habilitação de Herdeiros, por óbito de .... (cfr. fls. 1221 e ss. do SITAF).
Em suma, portanto, há cerca de um ano e um mês que o processo se encontra estagnado a aguardar que seja deduzido incidente de habilitação relativo ao coautor .... . Rege o artigo 281.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, que, no processo declarativo, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (os quais são contados de forma contínua, nos termos do artigo 138.º n.º 1 do CPC).
Pelo exposto, verificando-se que o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de seis meses, julgo a instância deserta, nos termos do artigo 281.º n.º 1, e declaro a sua extinção, ao abrigo do artigo 277.º al. c), ambos do CPC (aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA).”

E o assim bem fundamentado e decidido é para manter, em virtude de as razões alegadas no recurso não serem adequadas ou pertinentes para o infirmar.
Para além da jurisprudência aí citada, tem plena transposição para o caso em apreço, o recente Acórdão do STJ, de 13.03.2025, proferido no Proc. 4284/22.ST8GDM.P1.S1 [consultável in www.dgsi.pt como a demais jurisprudência citada no presente acórdão] cujo sumário se transcreve:
“Aplicando-se ao caso dos autos a orientação constante do ponto II do AUJ n.º 2/2025, considera-se que, não podendo os autores ignorar que, por força do regime aplicável (art. 276.º, n.º 1, do CPC), o processo se encontrava a aguardar o impulso processual que lhes competia nos termos do art. 351.º, n.º 1, do CPC, o decurso do prazo previsto no art. 281.º, n.º 1, do CPC, sem nada virem requerer ou promover aos autos, designadamente sem virem promover a habilitação de herdeiros, determina a aplicação da cominação do n.º 1 do art. 281.º do CPC (a extinção da instância por deserção) sem necessidade de audiência prévia”.

Como aí se expendeu:
“Está em causa a interpretação do n.º 1 do art. 281.º do CPC no qual se dispõe o seguinte: «considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses», conjugado com o previsto no art. 269.º, n.º 1, alínea a), do CPC (a instância suspende-se «[q]uando falecer ou se extinguir alguma das partes (…)» e no art. 351.º, n.º 1 («A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes»).
Mais concretamente, está em causa apurar se, notificados o(s) autor(es) do despacho de 13.10.2023 que declarou a suspensão da instância por motivo de falecimento da ré e decorridos mais de seis meses sem que viessem promover a habilitação de herdeiros, se deve ter também como verificado o pressuposto subjectivo (negligência do(s) autor(es)) previsto no n.º 1 do art. 281.º do CPC, sem necessidade da sua prévia notificação.
Pela sua especial relevância para a resolução da questão recursória, importa referir ter presente que, muito recentemente, o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão uniformizadora (AUJ n.º 2/2025, publicado no Diário da República, Iª Série, de 26.02.2025):
«I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.
II - Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.». [negrito nosso]
Na fundamentação deste acórdão pode ler-se o seguinte:
(…)
O que significa basicamente, e em termos práticos, que ao decidir julgar deserta a instância deverá, em princípio, haver lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia das partes, desde que a parte interessada não devesse ter conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de notificação oportunamente realizada, que o processo aguardaria o seu impulso processual sob tal cominação.
(Sufraga-se, desta forma e inteiramente, a corrente jurisprudencial consolidada e firme do Supremo Tribunal de Justiça de que se deu notícia supra e à qual se adere sem dúvidas ou hesitações).
Atente-se, a título de exemplo paradigmático, no caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte em conformidade com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
O despacho do juiz declarando a suspensão da instância é notificado à parte, aguardando os autos pela promoção do incidente de habilitação que permitirá fazer cessar a suspensão nos termos gerais do artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
A parte tem, ou deverá ter, neste contexto, a perfeita consciência de que, força do regime jurídico aplicável, deverá impulsionar nos autos o incidente de habilitação nos termos gerais do artigo 351.º do Código de Processo Civil.
Se nada faz no processo, passados seis meses e um dia, o juiz deverá desde logo julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem qualquer necessidade de exercício do contraditório que, neste circunstancialismo, deixa de ser justificável”.

Tal como ocorre na situação sub iudicio.
Tanto mais que, como atrás se aludiu, o Tribunal a quo teve, não só o cuidado de alertar as partes para o acto processual que se impunha, como, desde a suspensão da instância, decretada em 20.11.2023, até à decisão recorrida, de 23.12.2024, decorreu mais de um ano sem que tivesse sido promovido o incidente que se impunha perante o falecimento de uma das partes, in casu coautor.
Nem foram alegadas, quer durante a primeira instância, como no presente recurso, quaisquer dificuldades que justificassem a falta de impulso processual, tanto mais que o acto de que depende o prosseguimento do processo, que se traduz na simples entrega do requerimento inicial de habilitação de herdeiros [sendo também certo que o falecimento do co-autor ocorreu a 08.10.2023, ou seja, mais de um ano antes da decisão recorrida].
Assim sendo, estão preenchidos os requisitos cumulativos da deserção:
i. a paragem do processo por mais de seis meses, visto que o processo se encontra sem o impulso devido das partes desde 20-11-2023, sendo a decisão recorrida de 23.12.2024;
ii. a paragem resulta de negligência das partes, pois mesmo após terem sido alertadas para a possível deserção da instância, não foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros nem foram trazidos aos autos informações e elementos de prova que permitissem concluir pela inexistência de uma conduta processual negligente.

Por fim, importa referir que a pluralidade de partes do lado activo não afasta in casu a extinção total da instância por deserção, visto que se retira da leitura conjugada dos artigos 260.º, 262.º, al. a), 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, 276.º, n.º 1, al. a), e 351.º, n.º 1, do CPC que, mesmo nestes casos, a instância só pode prosseguir com a sua regularização através do obrigatório incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida.
Com efeito, como afirma o Tribunal Constitucional, «[s]e, em vez de um só autor houver uma pluralidade de autores, os que sobreviverem podem também promover a habilitação dos sucessores do falecido. É que a não verificação do resultado proposto pela lei – regularização da instância – implica desvantagens para todos eles: a paralisação no andamento do processo. A lei processual manifesta, assim, no n.º 1 do artigo 351.º do CPC, interesse na continuidade da causa, impondo, ou melhor propondo, a todos os sujeitos processuais sobrevivos e aos sucessores do falecido a necessidade de substituírem a parte falecida para que a ação possa prosseguir. (…)» [cf. ac. n.º 604/2018, P.º 1137/15].
Os artigos referidos, em especial o art. 276.º, n.º 1, al. a), o art. 269.º, n.º 1, al. a), o art. 270.º, n.º 1, 1.ª parte, e o art. 351.º, n.º 1, do CPC são claros na instituição de um ónus processual, a promoção do incidente de habilitação de herdeiros, que recai sobre «qualquer das partes que sobreviverem», e quando a lei diz “qualquer” dos sobreviventes di-lo também para significar que, mesmo havendo pluralidade de autores ou de réus, a habilitação pode [tem de] ser deduzida por qualquer um dos autores ou por qualquer um dos réus que sobreviverem, sob pena de, não o fazendo, os interessados se sujeitarem ao correspondente risco de extinção da instância em consequência do não exercício em tempo devido do poder que lhes é conferido.
Daí que, como refere o citado Ac. do Tribunal Constitucional, «se diga que o incidente de habilitação de herdeiros tem carácter obrigatório, no sentido de que enquanto a habilitação não for decretada, a ação não prossegue (Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado Vol. I, pág. 575)», estando em causa «um “acidente” no desenvolvimento do direito de ação, que as normas dos artigos 270.º e 351.º convertem em ónus impendente sobre qualquer das partes sobrevivas».
A lei pretende que o processo continue a correr com a intervenção do sucessor da pessoa falecida, ainda que esta estivesse acompanhada por outro sujeito do lado activo da relação processual, razão pela qual, para alcançar esse desideratum, impõe à parte ou partes sobrevivas o dever de notificar e provar o facto da morte, sob pena de se inutilizarem os actos praticados no processo.
Note-se, por fim, que a lei, neste âmbito, não estabelece qualquer distinção, consoante haja ou não pluralidade de partes do lado activo, não cabendo ao Tribunal fazer uma distinção quando a lei não o faz (cf. art. 9.º, n.º 2, do Cód. Civil).
Daí que, ainda que se verifique uma pluralidade de autores e de pedidos, em caso de falecimento de um deles, sem que no prazo de 6 meses o incidente de habilitação dos respectivos sucessores dê entrada no processo por acção de qualquer um dos autores sobrevivos, se imponha julgar extinta a instância relativamente a todos os pedidos e não apenas quanto ao ou aos pedidos formulados pelo autor falecido.
Assim, in casu a deserção extinguirá totalmente a instância e não apenas na parte relativa ao interesse do autor falecido. Porquanto, a lei, mormente a norma contida no artigo 270º do CPC, não distingue se a parte falecida ou extinta se apresenta só ou coligada ou em litisconsórcio, necessário ou voluntário, fazendo recair o ónus de prosseguir com a tramitação dos autos à parte que restar.
No caso em apreciação, do lado de quem instaurou a acção, estão (estavam) dois autores, pessoas singulares. Com o falecimento do autor, cumpria à autora sobreviva, não só juntar a certidão de óbito, como mediante habilitação, a sua substituição pelos respectivos herdeiros, ou demonstrar que estes inexistem, ou apresentar razões que possam ser consideradas como justo impedimento para prosseguir com o processo, antes de decorrer o prazo de 6 meses, cominado para a extinção da instância por deserção, nos termos do artigo 281º do CPC.
O juiz a quo declarou a suspensão da instância, por morte do coautor, e notificou depois disso as demais partes com a advertência de que a inércia em promover o incidente de habilitação de herdeiros - que indicou ser obrigatório, no caso de falecimento, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 276º do CPC - poderia determinar a extinção por decurso do prazo de deserção, de seis meses, indicando as normas aplicáveis.
No que foi claro, quanto à posição que assumiu na gestão do andamento do processo, em observância do dever de gestão processual e do princípio da cooperação, previstos, respectivamente, nos artigos 6º, nº 1 e 7º, nº 1, do CPC, de que, a partir da notificação do correspondente despacho, o ónus de prosseguir com o processo passou para as partes que, representadas por mandatários, não o podiam desconhecer.
E tanto que ficaram cientes desse seu dever que a Ilustre Mandatária da coautora/ora Recorrente veio juntar a escritura de habilitação de herdeiros mas sem deduzir o incidente de habilitação, que permitiria prosseguir com o processo.
Quando a suspensão da instância ocorre por falecimento de uma das partes, apenas cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o respectivo sucessor – cfr. a referida alínea a) do nº 1 do artigo 276º.
A negligência a que se refere o artigo 281º do CPC é a que resulta objectivamente dos autos (negligência processual ou aparente): se às partes sobrevivas e/ou aos sucessores, impendia o dever de promover a habilitação de herdeiros do A. falecido, em seis meses, para o processo prosseguir e não o fizeram, nem apresentaram justificação aceitável ou adequada, forçoso é concluir que agiram ou omitiram o/s acto/s devido/s para o efeito, de forma negligente.
Verificando-se os pressupostos, objectivo [de falta de impulso processual] e subjectivo [de tal inércia ser causada por negligência das partes], previstos no artigo 281º, nº 1 do CPC, sempre teria de ser declarada extinta a instância por deserção, tal como entendeu o Tribunal a quo.
Atento o exposto a decisão recorrida tem de se manter. Com o que improcederá o presente recurso.
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III – Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
R.n.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025
Ana Cristina Lameira (Relatora)
Marcelo Mendonça

Marta Cação Rodrigues Cavaleira