Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 36251/24.9BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 10/09/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PRESSUPOSTOS |
| Sumário: | I - Sendo o recorrente cidadão indiano residente na Índia, não goza o mesmo do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, consagrado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. II - Não assiste aos cidadãos estrangeiros um direito a fixar residência em Portugal, só podendo os mesmos residir em Portugal se lhes for autorizada essa residência nos termos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. III - Não se pode concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente se não for alegada factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de autorização de residência impede o desenvolvimento de uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia. IV - Reconduzindo-se a alegação somente a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa de ver decidido o seu pedido no prazo legal, não se pode concluir por uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental. V - Não tendo sido alegados factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M…, de nacionalidade indiana, residente na Índia, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a “1. No prazo não superior a dez dias úteis: a. Confirmar e admitir a candidatura do Requerente; b. Receber o Requerente num agendamento para entrega do pedido de concessão de ARI no local de atendimento da AIMA, entrega da documentação legalmente exigida e recolha de dados biométricos. ii. No prazo não superior a 90 dias úteis: a. Analisar e decidir sobre o pedido de concessão de ARI do Requerente b. Emitir o documento único de cobrança para o pagamento da taxa de emissão dos títulos de residência, os quais serão pagos no prazo legal. c. Emitir o título de residência do Requerente”. Subsidiariamente, pede que “Seja a Entidade Demandada condenada à prática do ato devido e a adotar todas os atos materiais necessários à admissão da candidatura do Requerente à disponibilização de agendamento para apresentação da documentação e recolha de biométricos pelo Requerente dentro do prazo que entender cabível, bem como impor sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso.” Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. O recorrente é requerente de uma autorização de residência para investimento (ARI), ao abrigo do exposto no n.° 1 do artigo 90.°-A da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, que estabelece o Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros doravante designada, abreviadamente, por Lei dos Estrangeiros, e da alínea d) do artigo 3.° da mesma Lei. B. O recorrente (requerente) já é titular do pedido de ARI, que já foi aceite (e deferido pela Lei), pela AIMA, motivo pelo qual resta apenas uma mera formalidade do AIMA, que se traduz na recolha de dados biométricos da pessoa, ora recorrente. C. Todavia, como se demonstrou em sede de intimação o SEF encontra-se de "portas fechadas" a agendamentos e nem sequer os aceita ou lhes dá entrada, impedindo os interessados de manifestar as suas pretensões e, dessa forma, de darem prosseguimento ao procedimento legalmente previsto — Cf., ainda, artigo 53.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA). D. A situação descrita na intimação do recorrente (e familiares) corresponde a uma denegação dos direitos e o defraudar desse dever, constitui um obstáculo de facto a que os interessados apresentem sequer os seus assuntos à Administração. E. É, pois, aqui que se constata o constrangimento que impede o requerente e familiares de verem tramitado a autorização de residência para a atividade de investimento (o seu pedido/candidatura já foi aceite e deferida por força da Lei) uma vez que sem aquele agendamento, o requerente e familiares não conseguem obter a recolha de dados biométricos e, por conseguinte, não conseguem o cartão que atesta que a sua autorização de residência se encontra válida em Portugal e no estrangeiro (pese embora a mesma autorização de residência já se encontre deferida e aceite pels AIMA!). F. No caso em apreciação, tendo o requerente e familiares submetido todo o processo e documentação necessária há mais de 1 ano - aludido na intimação - conclui-se que o prazo de (l0) dez dias úteis para ulterior tramitação do procedimento se mostra inexoravelmente ultrapassado. G. Não se desconhece que o presente processo constitui um modo de pressão sobre um serviço que o próprio legislador terá reconhecido que se encontra sem a necessária capacidade de resposta. H. Todavia, essa não é uma utilização abusiva do processo, e a pressão em causa justifica-se, no mínimo, por uma omissão administrativa que não encontra qualquer justificação legal no seio da relação jurídica administrativa que se estabeleceu entre o requerente e a Administração. I. E é dessa relação — da sua regulação — que deve cuidar este Tribunal e não operar no sentido oposto de denegar JUSTIÇA J. Sempre se dirá, antecipadamente, que existem processos em tudo semelhantes (com os mesmos pressupostos) e a correr neste mesmo Tribunal, em que o entendimento e visão dos juízes (felizmente) não limita os direitos fundamentais dos visados e, por isso, existe a citação da AIMA e a sua condenação a atuar - pelo facto de não agendarem em tempo (períodos de inércia superiores a 12 meses) - na recolha de dados biométricos e reagrupamento familiar, vide processos: 1475/23.5BELSB, 1542/23.5BELSB e 1541/23.7BELSB (este último com os mesmo pressupostos e factualidade): K. É, no fundo, o basilar e, olvidado (no despacho liminar de que se recorre), princípio da aplicação e interpretação uniforme do Direito [artigo 8°, n° 3, do Código Civil] de que estamos a falar — denegado pelo mesmo Tribunal -, tendo em conta que nos presentes autos nos encontramos perante a mesma factualidade essencial e o mesmo quadro jurídico, nenhum motivo se vislumbra para que o mesmo Tribunal não possa seguir a fundamentação aduzida nas decisões já proferidas que apreciaram as questões idênticas à dos presentes autos. L. Nem sequer foi produzida prova testemunhal, como poderá o Requente provar o que quer que seja? M. A prova documental segundo o Tribunal, é insuficiente, mas depois não permite a prova testemunhal, o que acarreta a nulidade da decisão, de per si. - Da nulidade da sentença: Da não inclusão de factos alegados/provados pelo Tribunal (erro de julgamento) e falta de fundamentação (artigo 659°, n° 2 do Código do Processo Civil): N. Além disso, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, o recorrente alegou, demonstrou e provou que a inexistência de atuação da AIMA, e a inexistência de marcação/agendamento, coloca em causa gravemente a tutela de vários direitos liberdades e garantias do ora recorrente (vide docs. juntos com a intimação - 1 a 5 e o alegado nos artigos 9 a 68 da intimação do requerente). O. Consequentemente os direitos fundamentais que já existem na esfera do recorrente, pelo facto da autorização de residência se encontrar validada e deferida, e a ela inerentes estão pura e simplesmente a serem denegados pela simples falta de não marcação de recolha de dados biométricos. P. Trata-se de uma violação grosseira da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho baseada numa preterição de formalidade legal pelo estado - a recolha dos biométricos e consequente emissão do cartão. Q. Neste caso temos pessoas com autorização de residência que estão impedidas de usar e efectivar os seus direitos fruto de uma falta - grosseira - do estado português (AI MA), que os impede de residir e de fazer a sua vida em Portugal. R. Assim, sob pena de violação dos artigos 2.° e 52.°, ambos da CRP, cujo conteúdo normativo se encontra determinado no ordenamento infra constitucional nos artigos 3.°, n.° 1, 8.°, 53.° e 104.° do CPA, não se concebe que o Tribunal recorrido não reconheça como urgente e imediatamente tutelável o facto de existir na esfera jurídica do recorrente e familiares um direito de residência (em Portugal) e o direito de circulação (entre outros), que depende há mais de 12 meses da emissão do seu título de residência (sendo necessária a recolha de dados biométricos), pelo AIMA. 5. Até porque o direito de petição, consagrado no artigo 52.° da CRP, encontra-se concretizado na Lei 43/90, de 10/08. T. Assim, temos necessariamente de concluir (o que deveria ter sido aliás concluído pelo Tribunal a quo) que o direito de apresentar pedidos à administração, na medida em que se filia diretamente no artigo 2.° da CRP, há-de estar acessível aos estrangeiros que dele necessitem para defender direitos que a lei lhes confere (por força do princípio da equiparação plasmado no artigo 15.° da CRP). U. O direito dos administrados exigirem que a administração se pronuncie sobre as suas pretensões num prazo razoável decanta-se diretamente do artigo 266.°, n.° 1, da CRP, e na legislação ordinária este direito encontra-se aflorado nos artigos 5.° e 59.° do CPA V. Ora, nos termos do disposto no artigo 82.°, n.° 1 da Lei 23/2007, o prazo de que a Administração dispõe para decidir o peticionado é de 90 dias. Note-se que, igualmente após a data em que deveria ter ocorrido a recolha dos dados biométricos, se mostra consumido o prazo de 90 dias para decisão) e, à data da instauração da intimação o prazo de decisão já se encontrava amplamente ultrapassado. W. Assim, atento o disposto no artigo 82.°, n.° 1 da Lei 23/2007, artigo 13.° CPA e 266.°, n.°s 1 e 2 da CRP, só se pode concluir que: - é devida a prática de ato (decisão), por parte da entidade requerida, na medida em que o prazo de decisão do pedido formulado pelo Requerente, se encontra largamente ultrapassado. - Da falta de fundamentação: X. Salvo o devido respeito que, merece opinião do tribunal recorrido, a interpretação efetuada do 13 da CRP, ao caso concreto do recorrente, ofende o princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP) projetado na garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 20° da Constituição, na medida em que, sem visar a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, restringem o direito de acesso à justiça e aos tribunais. Y. Denegar o acesso à intimação dos autos (e citação da AIMA), com base no artigo 15° da CRP, porque supostamente o visado e lesado (recorrente), não reside habitualmente em Portugal (por inércia da AIMA, diga-se), ataca essencialmente, a garantia de acesso à tutela judicial. Z. Mais grave é a nítida falta de fundamentação para chegar a tal conclusão pelo Tribunal recorrido. AA. Por outro lado, o tipo de autorização de residência requerida não obriga à residência em Portugal, pelo que este argumento não deveria nunca ser levantado pelo Tribunal. E a ser, recorde-se que seria sempre imputável aos serviços (SEF/AIMA) ou mesmo ao estado português a não residência do ora requerente, pois foi este mesmo Estado (como já se referiu antes) que não recolheu os biométricos nem emitiu o cartão, este ónus é do estado não do requerente que tudo fez para que esta recolha fosse marcada. BB. Só resta um proforma (recolha de dados biométricos) para se efetivar e reconhecer-se o seu direito à residência, na qualidade de residente por investimento em Portugal. Seria, no mínimo, pouco razoável e até inconstitucional não se lhe reconhecer também o direito de acesso à justiça, nos mesmo moldes dos residentes/ou nacionais. CC. O raciocínio do tribunal a quo, assim, limita gravemente a capacidade de circulação do recorrente, bem como a capacidade de exercício de todos os seus direitos existentes, e limita, inclusivamente, o investimento efetuado pela recorrente em Portugal — que poderá não conseguir manter os requisitos impostos pela Lei dos Estrangeiros, por inércia do SEF/AIMA — no simples agendamento de uma data para desempenho de uma mera formalidade. DD.Além de mais, sempre se dirá que no que à Constituição Portuguesa diz respeito, há um triângulo normativo que, não circunscreve o âmbito de titularidade dos direitos fundamentais e que é composto pelos artigos 12°, 14° e 15° da Constituição. O princípio da universalidade está consagrado no primeiro enunciado da Constituição dedicado aos Direitos e Deveres Fundamentais — artigo 12°, que reza assim: "Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição". EE. Importa ainda elucidar que, a nosso ver, sendo as entidades públicas as primeiras destinatárias das normas constitucionais nesta matéria, independentemente do modo e do lugar de atuação escolhido, esta vinculação impõe-se e por isso o artigo 18°, n° 1, da CRP, na parte em que prevê a vinculação das entidades públicas aos direitos fundamentais como direitos de todos, foi alegado e demonstrado, na medida em que incumbe ao SEF/AIMA atuar, nos termos da Lei e em prazo razoável (o que não fez). Dos pressupostos da intimação dos autos — "urgência" e tutela "urgente" - artigo 109.° do CPTA: FF. Mais lamentável é o Tribunal recorrido ignorar, ainda, se a lesão do direito causa prejuízo apenas a esse direito ou se produz consequências danosas em outros direitos (ou seja, a lesão de um direito pode ocasionar a lesão de outros direitos, o que também terá repercussão numa "contagem de tempo" entre o acto lesivo e a propositura da acção). GG. Em síntese, o despacho/sentença liminar recorrido assentou o seu julgamento numa interpretação do artigo 109.° do CPTA que não corresponde inteiramente ao nele preceituado, conduzindo a uma errada perspetivação dos pressupostos previstos nesse preceito. HH. Existe, por motivos óbvio, urgência em obter uma recolha dos dados biométricos (e posterior) autorização de residência, para circular livremente em Portugal, e além disso o direito à educação e circulação dos seus filhos em Portugal (e na UE) não pode esperar, por uma decisão tramitada nos moldes de uma ação administrativa, como sugere o Tribunal recorrido. II. Ademais, o investimento efetuado pela Recorrente — e consequente verificação dos requisitos para a autorização de residência de investimento — pode assim ficar comprometido, irremediavelmente, com a inércia do SEF. Da violação do disposto no artigo 110-A do CPTA. JJ. A acrescer, e mais preocupante, num estado de direito, é o facto do Tribunal recorrido, (através de uma questão puramente processual/formal — e que viola o artigo 110.º- A do CPTA, como veremos) não vislumbrar como urgente (e erradamente) que esteja a ser violado o artigo 45° da carta dos direitos Fundamentais da EU, no seu n° 2 quando refere que: "Pode ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro." KK. Estamos efetivamente, perante uma situação civil e pessoal do Recorrente e dos seus familiares e que carece (urgentemente) de tutela requerida, situação que nem sequer foi analisada no despacho liminar. LL. A tudo isto acresce o facto do Tribunal recorrido deixar assim para outro Tribunal/Juiz a "obrigação" — urgente - de decidir sobre a vexata quaestio dos autos, na medida em que, salvo o devido respeito se olvidou de analisar o caso concreto dos autos, à luz do artigo 110.°-A do CPTA, como se impunha. MM. Resulta claro, que o Tribunal a quo não configurou/valorou a convolação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do art. 110°-A do CPTA, nem tampouco se pronunciou sobre tal possibilidade, não trazendo a juízo os seus argumentos, posição e fundamentação jurídica. NN.Entendendo o tribunal a quo que a intimação era improcedente, mas sem que se avaliasse se a mesma poderia ser convolada em procedimento cautelar, pois o mesmo tribunal deveria ter dado às partes a oportunidade para exercer o contraditório sobre tal solução - não discutida. 00. Tendo o Tribunal a quo decidido sem ouvir as partes sobre uma solução jurídica, omitido um ato processual relevante prescrito por lei, ou seja, a garantia do contraditório prevista no art. 3°, n° 3 do CPC (por exemplo). PP. O Tribunal não teve em conta o alegado pelo recorrente, nomeadamente quanto aos factos concretos que exigem uma decisão que obrigue o SEF/AIMA a agendar uma simples data de recolha de dados de biométricos. Nem tampouco ponderou, como devia, globalmente a situação trazida ao seu julgamento. QQ. Mais grave ainda é o facto do Tribunal a quo incorrer em erro de julgamento manifesto, ao não ponderar sequer a convolação da intimação em processo cautelar, pois que, nos termos do CPTA tal é um dever do Juiz (vide n° 2 do artigo 110-A do CPTA) — não uma mera faculdade como a Juiz de turno quer fazer crer no seu despacho liminar. RR. O despacho liminar recorrido violou o disposto nos arts. 109° e 110°-A do CPTA, arts. 13.° 15.° 20°, n.° 5, 26° e 44° da CRP e art. 3.°, n.°s 1 e 2 do CPC. SS. Do exposto resulta que, se o juiz considerar que o alegado e pedido na p.i não estão em conformidade com o exigido no artigo 109° do CPTA, deve: Fixar prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar; ou TT. Quando, seja de reconhecer que existe uma situação de especial urgência que o justifique, o juiz deve, no mesmo despacho liminar, e sem quaisquer outras formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência cautelar que julgue adequada, sendo, nesse caso, aplicável o disposto no artigo 131.° CPTA; UU. Nesta conformidade, por se encontrarem verificados os pressupostos de recurso ao presente processo de intimação, aplicando o disposto no n.° 1 do artigo 110.°-A do CPTA, seria de julgar, no mínimo, verificada a possibilidade de aproveitamento ou convolação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do art. 110°-A do CPTA.” A entidade recorrida não respondeu à alegação da recorrente. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida não fixou factos. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. Considerou-se na mesma que o requerente não alegou factos relativos à sua situação concreta que indiciem que seja necessário ser proferida uma decisão de mérito urgente, não logrando realçar a indispensabilidade do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, além de que, não residindo o requerente em Portugal, mas sim na Índia, não lhe são reconhecidos os direitos fundamentais de que se arroga ser titular, não sendo aplicável o princípio da equiparação previsto no artigo 15º da CRP, que apenas abrange os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, concluindo que os meros incómodos, decorrentes da inércia da entidade requerida e da falta de informação do estado do processo, alegadamente sofridos pelo requerente, não são suficientes para concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia. Mais considerou inaplicável ao caso a prerrogativa prevista no artigo 110.º -A, n.º 1, do CPTA, uma vez que tal norma pressupõe a alegação no requerimento inicial de uma situação de urgência para o decretamento da providência, alegação que não foi feita. Insurge-se o recorrente contra o assim decidido. Começa por alegar que estão em causa os seus direitos a residir em Portugal e à educação dos seus filhos, a liberdade de circulação, reconhecida no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e o direito de petição. Alega ainda que, denegar o acesso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, com base no artigo 15.º da CRP, por o requerente não residir em Portugal viola a garantia de acesso à tutela judicial, não só porque o tipo de autorização de residência requerida não obriga à residência em Portugal, mas também porque, a ser assim, sempre a falta de residência do requerente seria imputável aos serviços (SEF/AIMA) ou mesmo ao estado português por não ter recolhido os dados biométricos nem ter emitido o cartão de residência. Por fim, alega que a sua situação concreta não foi devidamente analisada à luz da norma do artigo 110.º-A do CPTA. Vejamos. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. Volvendo ao caso em apreço, ao contrário do que afirma o recorrente, não decorre da sentença recorrida que é a residência em Portugal que sustenta o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; diferentemente, o que se extrai da decisão é que, não residindo o recorrente em Portugal, não lhe são reconhecidos os direitos fundamentais de que se arroga ser titular, não sendo aplicável o princípio da equiparação previsto no artigo 15.º da CRP, que apenas abrange os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Na p.i., o recorrente alega, em abstracto e de forma conclusiva, que a demora na decisão do seu pedido de autorização de residência viola os seus direitos de livre circulação e de fixar residência em Portugal. Ora, os direitos que o recorrente invoca não lhe assistem. Efectivamente, apenas gozam do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, consagrado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os cidadãos da União, podendo ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro – cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo -, não sendo o recorrente cidadão da União, nem residindo legalmente no território de um Estado-Membro, pelo que não é o mesmo titular de tal direito. Também não lhe assiste um direito a fixar residência em Portugal, só podendo os cidadãos estrangeiros residir em Portugal se lhes for autorizada essa residência nos termos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. Enfim, naturalmente que, em face do princípio da tutela jurisdicional efectiva (consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), assiste ao recorrente o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, mas tal direito não corresponde à verificação dos pressupostos de recurso ao meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, na medida em que do mesmo não resulta a indispensabilidade do recurso a tal meio processual para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia de que o recorrente seja titular. Pois bem, para se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se ao recorrente que alegasse factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de autorização de residência o impedia de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia, que lhe assistisse efectivamente, o que, manifestamente, não fez, não só reconhecendo que reside fora de Portugal, mas também omitindo quaisquer factos dos quais se pudesse extrair aquela indispensabilidade. Na verdade, a alegação do recorrente reconduz-se a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa - legítima, aliás – de ver decidido o seu pedido no prazo legal. Todavia, isso não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental, necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Assim, atenta a falta de alegação de factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. O recorrente invoca também a nulidade da decisão por a prova documental ter sido considerada insuficiente sem que tenha sido permitida a prova testemunhal e por falta de fundamentação. Todavia, a falta de concretização de tal vício obsta à sua apreciação, na medida em que, nem é feita referência a qualquer factualidade que carecesse de prova testemunhal – estando em causa a aferição dos pressupostos da intimação, sem chegar ao conhecimento do mérito da causa -, nem se mostra minimamente consubstanciada a falta de fundamentação da decisão, tanto mais que, atenta a alegação do recorrente, é evidente que o mesmo compreendeu – ainda que não aceite – os fundamentos em que assentou a decisão. Finalmente, o recorrente alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento porquanto não procedeu à convolação da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do artigo 110.º-A do CPTA. Mas também neste ponto não lhe assiste razão. Nos termos do n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, “Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.” Como notam Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 903, prevendo o n.º 1 do artigo 110.º a rejeição liminar da petição por falta de verificação dos pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não é possível convolação quando não esteja preenchido o primeiro dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º, o da indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. Quer dizer, a convolação apenas pode operar se, estando preenchido tal pressuposto – ou seja, revelando-se indispensável uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, se concluir que é possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar. No mesmo sentido, decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 07.04.2022, proferido no processo n.º 036/22.0BALSB (in www.dgsi.pt), no qual se conclui que, quando o uso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se revele indispensável, o artigo 110.º-A do CPTA não impõe a convolação do processo numa providência cautelar. Retornemos ao caso em apreço. Ainda que a sentença não se refira expressamente a esse ponto, aflora-o na citação que faz de passagem do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.04.2023, proferido no processo n.º 036/22.0BALSB, a saber: «…não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando os requerentes «… não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.». Esta fundamentação vai de encontro àquilo que acaba de se expor, no sentido em que obstam à convolação as circunstâncias de o autor não ter alegado uma situação de facto carente de tutela urgente, e de não lhe assistir o direito que invoca, de livre circulação em Portugal, não se mostrando, assim, verificado o primeiro dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Não estando demonstrada a indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, impõe-se a rejeição liminar da petição, não tendo lugar o convite à substituição da petição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, pelo que bem andou a sentença recorrida ao assim determinar. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 09 de Outubro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marta Cavaleira Marcelo Mendonça |