Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:182/23.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:06/20/2024
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
JUÍZOS CONCLUSIVOS
INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL
PERICULUM IN MORA
Sumário:Se o requerente da providência cautelar se limita a invocar genericamente juízos conclusivos e que se afiguram desprovidos de conteúdo do ponto de vista da verificação do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal, é correto o indeferimento da produção de prova testemunhal e considerar-se não verificado o requisito do periculum in mora.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
J.....instaurou providência cautelar contra o Município de Grândola, visando a suspensão da eficácia do ato de 29/05/2023, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Grândola, que determinou a posse administrativa e a execução coerciva da demolição de construção ilegal.
Por decisão de 25/09/2023, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou improcedente a providência cautelar e absolveu a entidade requerida do pedido.
Inconformado, o requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“a) O presente Recurso, vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente o peticionado pelo Requerente e ora Recorrente, em sede Processo Cautelar manifestando, assim a sua discordância da douta sentença que na sua opinião se mostra inquinada e de alguns vícios;
b) O Recorrente veio em sede de Processo Cautelar , requerer ao Tribunal “a quo” que julgasse o pedido formulado de suspensão da eficácia do ato administrativo que ordenou a demolição de um seu edificado em propriedade sua, por parte do Município de Grândola;
c) Fundamentou o seu pedido na violação, por parte do Município, d entre outros , dos princípios da igualdade, proporcionalidade;
d) A ordem de demolição e de posse administrativa apenas atingiu a esfera jurídica do Recorrente, não se dirigindo também a outros proprietários na mesma posição, sendo que na sua opinião este ato praticado pela Administração é inteiramente parcial e discriminatória;
e) O Tribunal considerou que a Entidade Administrativa não violou aquele princípio constitucional de igualdade perante a lei, dando por provado a que a Entidade recorrida , por alegação sua trazida para os autos, deu notícia de outros processos a decorrer no mesmo tribunal.
“(…)No entanto, deve ser salientado que para além dessa alegação ser genérica, não sento sido concretizada no plano dos factos , resulta indiciariariamente provado nos autos que o Município adotou semelhantes medidas relativamente a demais proprietários do Bairro em causa(cfr. supra, pontos 19 e 20)”;
E do lado do requerido “ Este facto, além de ser do conhecimento do Requerente –tanto mais que algumas testemunhas que indicou serem também partes em ações judiciais do género dos presentes autos-é do conhecimento do próprio tribunal, pois as referidas ações correm na mesma unidade orgânica”( artigo 70º da oposição);
f) Estamos perante um flagrante erro de julgamento, quando o Tribunal, na sua decisão não fundamentou, como era seu dever, a matéria dada como provada, bem, como existe uma nítida omissão de pronúncia;
g) Foi junta a prova documental e pedida também a inquirição de testemunhas que o ora Recorrente arrolou no seu requerimento inicial;
h) O Tribunal entendeu não ouvir as testemunhas arroladas, tendo achado suficiente a prova documental para o julgamento da causa;
i) O Tribunal ao dispensar a prova testemunhal , limitou-se à prova documental quedando-se num formalismo positivista, nada suficiente para o bom julgamento da causa;
j) A prova indicada pelo Recorrente deveria ter passado pelo crivo do julgamento da matéria de facto, o que o habilitaria a um julgamento mais objetivo equilibrado da causa;
k) A prova testemunhal poderia habilitar o Tribunal a pronunciar-se , como é seu dever, pela violação do princípios da Razoabilidade, Adequação e Proporcionalidade do ato administrativo, ao menos no que concede aos poderes discricionários da Administração e até ao próprio ato vinculado;
l) Estes princípios obriga a administração a “rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis coma a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações do exercício da função administrativa
“(…) Trata-se , como é fácil de perceber numa primeira leitura, não só de um “limite” expresso ao exercício do poder discricionário, mas também de um “limite” ao exercício de poderes vinculados decorrentes de “limites” à interpretação normativa adotada pela Administração, aquando do exercício da função executiva” - Vide Susana Tavares da silva da FADUC , in Comentários ao Novo Código Do Procedimento Administrativo-“ O Princípio da Razoabilidade”;
m) Impunha- se que o Tribunal se debruçasse sobre estes princípios, atento o disposto no artigo 8º do CPA, o que não fez;
n) Limitou o seu raciocínio à existência de um ato vinculado, decorrente da lei;
o) Salvo o devido respeito, por opinião contrária, o Tribunal no atual sistema do Direito Administrativo tem o dever e poder de se pronunciar sobre a “bondade” das soluções da Administração, apenas limitado pelo princípio Constitucional da separação de poderes;
p) Neste sentido o TCA-Norte em acórdão proferido em 20.03.2015 (Proc. 01527/14.2 BEBRG)” Pois que a razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providencia administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado”;
q) A sentença recorrida está também, neste aspeto, inquinada de vício de pronuncia – artigo 615º, nº 1 do CPCivil, o que a torna nula;
r) Tendo em consideração tais princípios, o ato vinculado deveria ser sindicado pelo Tribunal, no que respeita à também razoável interpretação da norma pela Administração, no momento da aplicação da lei;
s) Não pode ser afastado pelo Tribunal a verificação destes basilares e constitucionais princípios, quanto à interpretação do ato vinculado, retirando-lhe um certo invólucro de intangibilidade jurisdicional;
t) Tendo em observância, como se disse, pelo princípio constitucional da separação de poderes;
u) Teríamos, assim, presente o entendimento do “Bonnus Pater Família”, o homem médio dotado de uma sã razoabilidade para a aferição da bondade das soluções adotadas pela Administração;
v) Assim, entendia-se melhor o aceso ao direito e à justiça, pela observância dos princípios da adequação e proporcionalidade, que poderia legitimar ou não a execução de um ato violento da Administração Autárquica, como no caso em apreço -artigos 7º e 8 do CPTA e artigo 18º da Constituição das República Portuguesa;
w) Violou, assim, a douta sentença ora em crise, de entre outros, que V. Exas. doutamente suprirão, os artigos 7º e 8º do CPTA, 615º, nº 1 do CPCivil, artigos 2º, 18º, 65º e 111º da CRPortuguesa.
Termos em que, com todos os mais de direito aplicáveis, deve proceder o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida substituindo-se por douto acórdão que dê seguimento ao processo com a produção da prova que o caso merece”.
A entidade requerida apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“I.
Vem o Recorrente, interpor recurso da decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a providência cautelar requerida, absolvendo o Município de Grândola do pedido.
II.
O Recorrido discorda, com o devido respeito, dos fundamentos apresentados no Recurso da decisão proferida, que nenhum reparo merece.
III.
A Sentença proferida encontra-se devidamente fundamentada, aplicando corretamente a lei ao caso concreto, decidindo de forma justa e equitativa.
IV.
É manifesto que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, que, como sabemos, são cumulativos, pelo que, em face da não verificação de um deles, não podia o Tribunal a quo decidir de outra forma senão rejeitando a providência cautelar requerida.
V.
O conteúdo do ato administrativo cuja eficácia o Recorrido pretende ver suspendida é um ato vinculado perante a impossibilidade de legalização, como decorre do Artigo 106.º do RJUE.
VI.
Quanto ao invocado Princípio da Ilegalidade, contrariamente ao que é alegado pelo Recorrente, o Município de Grândola tem vindo a proceder de forma igualitária perante as ilegalidades urbanísticas verificadas na zona onde se insere o prédio do Autor, facto que é do conhecimento do Tribunal a quo, havendo já dezenas de ações administrativas interpostas por outros proprietários, que, aliás, correm na mesma unidade orgânica.
VII.
O Autor limitou-se a invocar a violação do Princípio da Igualdade, de forma genérica, sem concretizar o que alega e, ainda assim, tal facto, a ser verdade, nunca poderia influenciar a decisão proferida, na medida em que, repetimos, estamos perante um ato de conteúdo vinculado.
VIII.
A Sentença proferida fundamenta devidamente a dispensa da realização da prova testemunhal, nos termos do Artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, usando da faculdade de poder deixar de ordenar a realização de todas as diligências de prova, quando entenda que as mesmas não se revelam necessárias.
IX.
Os factos trazidos aos autos pelas partes resultam, na íntegra, da prova documental, pelo que a realização da produção da prova testemunhal se revelaria inútil e apenas serviria para retardar a decisão final.
X.
A matéria factual que o Recorrente pretendia suportar com a prova testemunhal em nada alteraria a factualidade que releva para a verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, pelo que as diligências de prova requeridas são manifestamente desnecessárias, principalmente num processo cautelar, que deve ser célere e urgente.
XI.
Assim, não podia o Tribunal a quo decidir de outra forma senão pela improcedência da providência cautelar requerida.
XII.
A Sentença recorrida não enferma de qualquer ilegalidade ou incorreta interpretação e aplicação legal, motivo pelo que deverá o Recurso interposto ser totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a Sentença proferida.”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em síntese, que não se indicia o requisito do periculum in mora, tendo a decisão ora sob recurso procedido de forma correta à interpretação dos factos e aplicação do direito.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se:
- é nula a sentença por omissão de pronúncia;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao considerar não verificado o requisito periculum in mora.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

a) da nulidade da sentença

Invoca o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao que se alcança, por falta de fundamentação quanto à decisão de facto, por ter dispensado a prova testemunhal e não se ter pronunciado quanto à violação dos princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade do ato administrativo.
A invocada nulidade está prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, consta da matéria de facto indiciariamente assente a motivação subjacente à respetiva decisão.
No mais, o aqui recorrente nem sequer explicita que eventuais factos não foram levados ao probatório.
Por outro lado, a Mma. Juiz a quo pronunciou-se quanto à produção de prova, entendendo ser desnecessário proceder à realização de outras diligências de prova, nomeadamente da requerida inquirição das testemunhas arroladas, pelo que a dispensou.
E ao decidir não estar verificado o requisito do periculum in mora, não tinha o Tribunal a quo de se pronunciar quanto à violação dos princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade do ato administrativo, porquanto a falta daquele requisito acarretava desde logo a improcedência da providência cautelar.
Como tal, à evidência, não procede a invocada nulidade.


b) do erro de julgamento

Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
[N]ão só não são concretizados e individualizados factos que permitam aferir da existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e/ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal, como a factualidade indiciariamente assente rechaça a argumentação de que está em causa o alegado direito à habitação do Requerente e/ou que ocorrem alegados prejuízos patrimoniais): cfr. DL n.º 555/99, de 16 de dezembro - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – RJUE; art. 120º do CPTA e alínea A) a K) supra.
Na exata medida em que o alegado direito à habitação não pode estar em causa quando, claramente, resulta dos autos que o Requerente reside no Estoril e não na parcela de terreno integrada no prédio com a área de 149.620,00m2, inscrito na matriz rústico n.º 4, secção L, da freguesia de Melides, Concelho de Grândola, denominado de Jogo da Bola: cfr. alínea A) a K) supra, sobretudo alínea J) – introito RI e procuração e alínea D).
No que concerne aos invocados prejuízos patrimoniais importa sublinhar que o Requerente alegou ter gasto todas as suas economias e que a demolição acarretará danos patrimoniais, todavia, não logrou quantificar tais prejuízos, desconhece-se que economias estão em causa, nem foi feita qualquer prova documental da aquisição do terreno e/ou da edificação; alegados custos com instalação ramal de água, quanto gastou, etc, como se desconhece a composição do agregado familiar e bem assim o rendimento do mesmo: cfr. alínea A) a K) supra e factos não provados (vide v.g. o alegado e não provado no articulado sob o n.º 11º; 12º, 13º; 22º, 28º e 31º todos do RI).
Destarte, como decorre dos autos e o probatório elege é, pois, possível indiciariamente reconhecer como genérica, eventual e hipotética a alegação de receio da constituição de uma situação de facto consumado e/ou da produção de prejuízos para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal e revelando-se tal receio e/ou tais prejuízos meramente eventuais ou hipotéticos e, no caso, também não verificados, não são prejuízos sérios que o Tribunal possa ponderar, não podendo, portanto, ser considerados como constituindo fundado receio ou prejuízo de difícil reparação: neste sentido vide Acs. TCA de 17.1.2002, proc. n.º 11058/01, e de 4.8.2011, proc. n.º 7591/11, e Acs. do STA de 22.1.2003, proc. n.º 01936/02, disponíveis www.dgsi.pt. e alínea A) a K) supra.
Isto é, não preenchem o requisito relativo ao perigo na demora, posto que para efeitos de aferição do periculum in mora apenas relevam os prejuízos efetivos, atuais, certos e iminentes: neste sentido vide Acs. TCA de 17.1.2002, proc. n.º 11058/01, e de 4.8.2011, proc. n.º 7591/11, e Acs. do STA de 22.1.2003, proc. n.º 01936/02, disponíveis www.dgsi.pt. e alínea A) a K) supra.
Por outro lado, sempre se dirá que consideradas até as regras de experiência comum, mostrar-se-á admissível que, com a eventualidade da ordenada demolição o Requerente possa sofrer algum grau de comprometimento dos interesses que defende, PORÉM, tal não significa, por si só, que, no caso concreto, indiciariamente se verifique fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de prejuízo de difícil reparação, dado que os autos demonstram que o receio de constituição de uma situação de facto consumado não é fundado, nem bem assim foi - como se lhe impunha – alegada factualidade que permitisse ao Tribunal concluir pelo difícil ou impossível restauro dos prejuízos (que repete-se, não se mostram, no caso, provados): cfr. art. 120º n.º 1 do CPTA; art. 342º do CC; alínea A) a K) supra.
Neste sentido, importa ainda ter presente que: “…articular os factos concretos, e prová-los de forma sumária, é ónus do requerente. Avaliar a sua verosimilhança e concluir, a partir deles, o dito fundado receio, é função do julgador (…) A lei processual, ao exigir apenas prova sumária dos factos não deixa de os exigir. (…). Apenas a prova, sublinhemos, é sumária, e não a articulação dos factos, que é indispensável como em qualquer outro processo …”: cfr. Acórdão do TCA Norte de 2010-12-16, processo n.º 461/10.0 BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
Ademais, a alegação e prova dos prejuízos é questão distinta da alegação e prova da dificuldade de reparação dos mesmos e/ou do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, acrescendo a segunda à primeira: vide Acórdão do TCA Sul de 2017-11-23, processo n.º 165/17.2BEBJA, disponível em www.dgsi.pt; art. 120º do CPTA; alínea A) a K) supra.
A indiciária conclusão do infundado receio de constituição de uma situação de facto consumado é reforçada quando, perante a factualidade assente, se verifica que, notificado da intenção da demolição, o Requerente nada disse em sede de audiência prévia, adotando conduta silene e reiterando assim comportamento omissivo e incumpridor das normas legais e regulamentares aplicáveis: cfr. art. 121º do Código de Procedimento Administrativo - CPA; v.g. art. 4º; art. 23º e art. 107º todos do RJUE; art. 120º do CPTA e alínea A) a K) supra.
Dito de outro modo, não obstante não ignorar o Requerente (que, regista-se, assume as funções de Presidente da Assembleia Geral da APMJB) que adquiriu uma parcela de terreno num prédio rústico (sem urbanização e sem regularização urbanística e sem regularização fundiária do lugar denominado “Jogo da Bola”); não obstante não ignorar o Requerente que para construir era necessário encontrar-se munido das necessárias licenças/autorizações municipais, ainda assim diligenciou e construiu e manteve as construções edificadas sem licenciamento e não legalizáveis, e mesmo depois de notificado no respetivo procedimento gracioso, nada fez no sentido de, tempestivamente, tentar regularizar tal situação: cfr. RJUE; alínea A) a K) supra.
Deste modo, ao alegar na presente sede cautelar fundado receio de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, nos termos em que o faz e, para mais, alicerçando a sua pretensão em circunstâncias, que - como bem demonstram os autos -, são a final decorrentes das suas anteriores e voluntárias condutas (repete-se: v.g. aquisição de uma parcela de terreno num prédio rústico sem urbanização, sem regularização urbanística e sem regularização fundiária denominado lugar “Jogo da Bola”; edificação de construções sem licença camarária e não legalizáveis; manutenção da conduta de incumprimento da intimação de demolição) o Requerente está, objetivamente, a defender posição jurídica em contradição com o comportamento que anteriormente assumiu, o que se traduz numa situação de venire contra factum proprium, vedada pelos ditames do principio da boa fé e ainda impeditiva do preenchimento do requisito do periculum in mora: cfr. art. 6º-A do CPA; RJUE; art. 120º do CPTA; e alínea A) a K) supra.
Ponto é que da factualidade trazida à lide e, seguramente, em face da descrita situação em que o Requerente voluntariamente se colocou, não resultam factos objetivos e verosímeis ou circunstâncias suficientemente determinadas e suscetíveis de convencer o Tribunal da ocorrência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, não inspirando ainda os factos sumariamente assentes fundado receio de que quando se decidir na ação principal seja já impossível, se for caso disso, de proceder à restauração natural”.
Ao que contrapõe o recorrente o seguinte:
- o seu pedido assenta na violação, por parte do Município, dos princípios da igualdade e da proporcionalidade;
- não devia ter sido dispensada a prova testemunhal, que habilitaria o Tribunal a pronunciar-se quanto à violação do princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade do ato administrativo,
- o ato vinculado deveria ser sindicado pelo Tribunal, com observância dos princípios da adequação e proporcionalidade.
Vejamos então.
A tutela cautelar visa concretizar o direito a uma tutela judicial efetiva, com a decretação judicial de medidas adequadas a prevenir a lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, salvaguardando o efeito útil da decisão definitiva a proferir em sede de ação principal.
Está, pois, em causa uma regulação provisória do litígio, a propósito do que se fala na provisoriedade da tutela cautelar, assim como da sua instrumentalidade relativamente à ação principal.
Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, a providência cautelar é adotada quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos habitualmente designados por periculum in mora e fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio e na aparência do bom direito da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, concluiu-se na decisão recorrida que não se verificava, em função da factualidade trazida à lide e da situação em que o requerente voluntariamente se colocou, designadamente a aquisição de uma parcela de terreno num prédio rústico sem urbanização, sem regularização urbanística e sem regularização fundiária, a edificação de construção sem licença camarária e não legalizável e a manutenção da conduta de incumprimento da intimação de demolição.
E em boa verdade, não se consegue alcançar que censura atribui o recorrente a esta decisão, atentas as conclusões da sua peça recursiva.
Apenas se retira das mesmas uma patente inconformidade com o despacho que dispensou a produção de prova testemunhal.
À parte da questão da violação dos sobreditos princípios, que apenas teria de ser apreciada em sede de verificação do requisito do fumus boni iuris, prejudicada pela resposta ao requisito do periculum in mora, seria de censurar o referenciado despacho, caso o recorrente tivesse invocado factualidade relevante que o pudesse integrar.
Algo que é patente não ter sucedido.
Percorrido o requerimento inicial que apresentou, apenas se alega no respetivo artigo 11.º que ‘tudo investiu das suas economias para a aquisição do terreno para aí instalar uma casa modesta em madeira assente em estacas de cimento e de escassas dimensões e sempre amovível a todo o momento’. E já na parte jurídica, alega que ‘o periculum in mora traduz-se nos efeitos patrimoniais da demolição do imóvel’, não tendo alternativa ‘para obter, quer por compra, quer por aquisição, ou até por arrendamento, outra habitação/residência para si e para o seu agregado familiar, atentas as suas dificuldades económicas, vivendo só do seu parco rendimento de trabalho’.
À luz do que se encontra efetivamente demonstrado, que está em causa uma segunda habitação do recorrente, tais alegações, para além de conclusivas, afiguram-se desprovidas de conteúdo do ponto de vista da verificação do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os requerentes visam assegurar no processo principal.
Como tal, bem andou a Mma. Juiz a quo ao decidir indeferir a produção de prova testemunhal e ao considerar não verificado o requisito do periculum in mora.

Em suma, cumpre negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida que julgou não verificado o requisito do periculum in mora e consequentemente indeferiu a providência requerida.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2024
(Pedro Nuno Figueiredo - relator)

(Lina Costa)

(Marta Cavaleira)