Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:728/17.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:REVISÃO OFICIOSA;
PRESSUPOSTOS;
REJEIÇÃO LIMINAR;
NÃO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PEDIDO.
Sumário:1. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.°, nº 2, da CRP e 55.° da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei;
2. O “erro imputável aos serviços” constante do artº 78º, nº 1 da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro.
3. Se do pedido de revisão constam como causa de pedir a preclusão de prazos de liquidação oficiosa, bem como que o sujeito passivo não teve qualquer actividade no ano a que se reporta a liquidação podendo a matéria tributária fixada oficiosamente colidir com o princípio constitucional da tributação real, a decisão de rejeição liminar proferida com fundamento na falta de causa de pedir abrangida no conceito de “erro imputável aos serviços” enferma de erro nos pressupostos.
4. A falta de apensação aos autos do processo administrativo de revisão em si mesmo constitui mera irregularidade processual; no entanto, se os factos que se destina a documentar se revelarem susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa, tal falta constitui nulidade secundária com virtualidade invalidante dos subsequentes termos do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

C..........., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão de rejeição liminar que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC/2008.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.89).

Nas alegações de recurso, o Recorrente formulou as seguintes e doutas conclusões:
«
1.º
Vem o presente recurso interposto sobre a douta sentença prolatada pela 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou a impugnação improcedente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.
2.º
Estava em causa a liquidação de Irc do ano de 2008 que consiste numa liquidação oficiosa de Irc no valor de 86,387,00 €, que inclui o valor de juros compensatórios no montante de 1.643,78€, da sociedade H........... – ........... Limitada, pessoa colectiva número ............
3.º
Na sua impugnação judicial o ora recorrente requereu a apensação do processo de execução
fiscal N.º ...........- e de todo o processo administrativo respectivo da revisão
oficiosa, incluindo a notificação que foi efectuada à devedora originária, para se aferir da
sua validade formal e substancial, nos termos expostos.
4.º
Ora, acontece que, nem sequer foi dado qualquer despacho sobre o requerido, nem foi junto o
processo de execução fiscal, mas apenas e somente o mandado de citação, que faz parte da reclamação e do recurso hierárquico, tendo afinal sido junto apenas, o PAT.
5.º
Constitui isto a omissão de um acto processual de prova que gera a nulidade da sentença.
6.º
O ora recorrente imputava como erro imputável aos serviços, exigir o pagamento da liquidação de IRC, por reversão, a um simples sócio, constituindo violação grosseira do artigo 23.º da LGT.
7.º
Para a douta sentença recorrida que além de padecer da ilogicidade conclusiva em função dos
acórdãos que fundamentam essa conclusão, a Administração Fiscal reverter uma dívida contra
alguém que não faz parte das pessoas que o poderiam ser, não é um erro imputável aos serviços!
Mas,
8.º
“Erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.
9.º
E é também uma violação dos pressupostos de direito porquanto se fizermos uma minuciosa
triagem do PAT que foi junto, chegamos à conclusão que em nenhum momento se indica como e onde, é que a Fazenda Pública foi buscar o ora recorrente como legal representante?!
10.º
Retira-se de fls. 25 do PAT, onde se escreve “e legal representante…” E por artes mágicas – já
está, é legal representante!! Mas mais, na parte em que se lê “Nos termos_________, são responsáveis subsidiários pela dívida exequenda e acrescido as pessoas seguintes:” mas não há seguintes, pois nada está escrito!!
11.º
Chega-se à conclusão que, qualificar-se alguém como legal representante com base em elementos nenhuns, não é um erro imputável aos serviços!
12.º
Para a douta sentença recorrida, alguém não ser o sujeito de uma determinada relação tributária, não constitui ilegalidade da liquidação, pois, meter-se a pessoa “X” como legal representante de alguém e logo o sujeito da relação tributária, é julgado como uma exigibilidade e não como uma ilegalidade da liquidação!
13.º
Estando a incidência que engloba os sujeitos, integrada no princípio da legalidade tributária,
tal significa que é matéria de ilegalidade da liquidação.
14.º
Estando também a matéria da regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade
tributárias englobados nesse princípio, tal significa que é matéria de ilegalidade da liquidação, porque a liquidação é matéria da legalidade tributária.
15.º
A nossa jurisprudência engloba mesmo no conceito de erro imputável aos serviços, a autoliquidação, o conhecimento oficioso, a violação do princípio da tributação do rendimento real e mesmo, a falta de personalidade jurídica tributária não se configura como uma excepção dilatória do processo judicial, mas antes, como uma ilegalidade que afecta negativamente a relação jurídica tributária substantiva.
16.º
Em resumo, o que a douta sentença recorrida se limitou a reproduzir de uma forma mais ampla, transcrevendo acórdãos, sem o assumir expressamente, o que afinal consta da informação da Inspectora Tributária Estagiária constante de fls. 40 do PAT.
17.º
A douta sentença recorrida considera também que, a falta de fundamentação, ou fundamentação deficiente, que afinal foi o que se alegou no recurso hierárquico, pois são coisas diferentes, além de precisar de ser provada é também um vício de forma.
18.º
O mesmo raciocínio quando à inexistência de actividade e o não cumprimento do direito de audição prévia.
19.º
Também a douta sentença recorrida quando escreve sobre o art.º 78.º da L.G.T. e o quadro legal previsto na alínea b) do artigo 82.º, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º, ambos do CIRC, dizendo que não padecem de qualquer ilegalidade, limitando-se a transcrever o que está no preceito, confunde realidade normativa, ou estatuição, com factos, não chegando reproduzir a norma.
20.º
O ora recorrente nos art.ºs 44.º e 45.º da sua impugnação descreveu factos concretos que não
foram objecto de uma mínima análise, limitando-se a douta sentença recorrida a transcrever a
estatuição.
21.º
O ora recorrente não está a discutir a legalidade do despacho de reversão, mas sim, a ilegalidade da liquidação de um imposto correspondente a uma relação jurídico tributária que não tem o sujeito correcto, por injustiça grave ou notória e violação de todos os princípios jurídico-fiscais que, julga-se, ainda existem no sistema jurídico-tributário
português. Nada mais do que isso!

Termos em que e nos melhores de Direito doutamente supríveis por V. Exª.S. deverá ser dado provimento ao presente recurso anulando-se a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue a impugnação procedente, pois só assim se julga que se fará a mais
LÌDIMA JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se ocorre nulidade da sentença por não ter sido ordenada a apensação aos autos do processo administrativo de revisão oficiosa, requerida na P.I.; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar a decisão da AT de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se factualmente consignado:
«
II.1. DE FACTO
Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por
provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:
A. A 03.12.2009 foi emitida em nome da sociedade H........... – ..........., Limitada, a liquidação oficiosa de IRC, referente ao exercício de 2008, identificada com o n.º ..........., no valor de €86.387,00, sendo €84.743,22 referente a IRC, e €1.643,78 referente a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 13.01.2010 [cf. PAT junto aos autos].
B. A 12.04.2011 foi o Impugnante citado na qualidade de executado por reversão em sede do processo de execução fiscal n.º ..........., instaurado no Serviço de Finanças de Sintra 1 contra a sociedade H......... – ..........., Lda., por dívida de IRC referente ao exercício de 2008, no montante de €86.387,00 [cf. PAT junto aos autos].
C. Contra a liquidação de IRC identificada no ponto anterior foi interposta reclamação graciosa, em 17.06.2011, indeferida, e posteriormente recurso hierárquico contra esta decisão, ao qual foi negado provimento [cf. PAT junto aos autos].
D. Na sequência da notificação da decisão de recurso hierárquico foi pelo Impugnante interposta impugnação judicial, contra a liquidação de IRC de 2008, que corre termos no presente tribunal sob o n.º 328/14.2BESNT [cf. PAT junto aos autos e por consulta ao SITAF].
E. A 31.03.2016 foi pelo Impugnante apresentado pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRC, a qual foi instaurado com o n.º ......... [cf. PAT junto aos autos].
F. Por despacho de 12.12.2016 da Directora de Serviços de IRC, foi rejeitado liminarmente o pedido de revisão oficiosa identificado no ponto anterior considerando que “[t]udo quando argumentou não constitui qualquer erro ou vício imputável ao acto de liquidação porquanto encontra perfeito enquadramento no quadro legal subjacente à emissão das LO´s por parte da AT, como corre do disposto pela al. b) do art.º 82.º e na al. b) do n.º 1 do art.º 83.º, ambos do CIRC”, concluindo que “[t]oda a argumentação desenvolvida pelo requerente recai no facto da inexistência de culpa pelo não cumprimento das obrigações fiscais da sociedade, originária devedora, e tem a ver com a verificação dos pressupostos de direito e de facto e do próprio chamamento à execução, isto é, da reversão, e não com a liquidação propriamente dita, apesar de pedir a anulação da mesma (…)” [cf. fls. 45 a 47 junto aos autos].
G. A 27.03.2017 foi recebida a petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial [cf. fls. 3 dos autos].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório».

Adita-se ao probatório o seguinte facto, nos termos do disposto no art.º 662/1 do CPC:

H. Da informação oficial prestada na impugnação da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC/2008, consta, nomeadamente, o seguinte:
«



».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Alega o Recorrente que a sentença está inquinada de nulidade na medida em que não foi ordenada a apensação aos autos do processo de revisão oficiosa da liquidação que havia requerido na petição inicial (vd. conclusão 5.ª).

Como se sabe, os vícios que inquinam a sentença de nulidade estão tipificados no art.º 615.º do CPC e, em especial, no processo tributário, no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT, que dispõe: «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

Não integra o elenco das nulidades da sentença a omissão de actos ou formalidades que a lei prescreva. Esta última poderá integrar nulidade do processo, nos termos do art.º 195.º do CPC, mas não da sentença.

Ora, quando o Recorrente invoca que não foi ordenada a requerida apensação aos autos do processo de revisão oficiosa, está a invocar uma eventual nulidade do processo por omissão desse acto ou formalidade instrutória e como nulidade processual será a questão apreciada, lembrando-se que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art.º 5.º, n.º 3 do CPC).

Sobre as nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos artigos 186.º a 202.º do CPC.

Algumas dessas nulidades processuais – as principais, típicas ou nominadas – são especificamente reguladas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo que aquelas a que se reportam os artigos 186.º a 193.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado, enquanto que as previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser suscitadas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.

As restantes – ou seja as secundárias, atípicas ou inominadas – genericamente contempladas no nº 1 do art.º 195.º do CPC, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa e possuem o respectivo regime de arguição regulado no art.º 199.º do mesmo diploma, a saber: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver presente ou representada o prazo (de 10 dias – art.º 149.º nº 1 do CPC) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Visto o regime jurídico das nulidades processuais, a falta de junção ao processo de elementos probatórios requeridos (a que no fundo se reconduz o pedido de apensação do PA), só constituirá nulidade quando tal omissão for susceptível de influir no exame ou na decisão da causa. Se assim não for, tratar-se-á de mera irregularidade processual, de um vício irrelevante sem virtualidade invalidante dos ulteriores termos do processo.

Visto o regime legal das nulidades processuais e regressando aos autos, constata-se que, não obstante o Recorrente ter requerido na P.I. a apensação aos autos do processo administrativo de revisão oficiosa, o mesmo não foi junto, apenas se fez junção aos autos de peças desse processo (tal como se alcança de fls. 94 e ss. e 126 e ss. do SITAF), a saber: a decisão de rejeição liminar e a informação burocrática que a apoia e o anterior projecto para audição prévia, não se alcançando nos autos, designadamente, o pedido de revisão oficiosa, nem a resposta apresentada no exercício do direito de participação.

Pois bem, a rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa fundou-se na falta de requisitos desse meio previstos no n.º 1 do art.º 78.º da Lei Geral Tributária, que ao tempo, dispunha: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Concretamente, foi entendimento da AT, validado na sentença recorrida, que nenhum dos fundamentos do pedido de revisão oficiosa era susceptível de preencher o requisito do “erro imputável aos serviços”.

Sucede que o Recorrente invoca que como causa de pedir do pedido de revisão oficiosa, também alegara a preclusão dos prazos de liquidação oficiosa e a inexistência de qualquer actividade da sociedade devedora originária reportada ao ano de 2008, bem como que a mesma não obtivera quaisquer proveitos nem custos nesse exercício de 2008, a que se refere a liquidação de IRC objecto do pedido de revisão (vd. conclusões 18.ª a 20.º; art.ºs 42.º a 45.º e 53.º da P.I.).

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vd., entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).

Como se diz no acórdão daquele alto tribunal de 08/03/2017, proferido no proc.º 01019/14, «Também o art.º 93º do CIRS (como, aliás, outros códigos tributários) prevê a revisão oficiosa da liquidação quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido.
Há assim um reconhecimento no direito tributário do dever de revogar actos ilegais, que decorre dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, nº 2, da CRP e 55.º da LGT), princípios esses que impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (Neste sentido o citado Acórdão 319/05 e Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pág. 711.)» (fim de cit.).

A preclusão de prazos de liquidação oficiosa, bem como a falta de actividade da sociedade devedora originária no ano de 2008 e a possível colisão da matéria tributável oficiosamente fixada nos termos dos artigos 82.º e 83.º, n.º 1 alínea b) do CIRC (redacção vigente à data dos factos), com o principio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (art.º 104/2 CRP), são fundamentos abrangidos no “erro imputável aos serviços”, enquanto condição de procedibilidade do pedido de revisão oficiosa.
Ou seja, a terem sido invocados (também) aqueles fundamentos no pedido de revisão – facto este controvertido (vd. ponto H. aditado ao probatório) – a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão enfermará de erro nos pressupostos e a sentença que a validou de erro de julgamento.

Sucede que não se encontra nos autos, como referimos, o processo administrativo de revisão oficiosa, destacadamente, o pedido de revisão oficiosa que o Recorrente dirigiu à AT e a resposta por ele apresentada no exercício do direito de participação, de modo a que se possa extrair para o probatório factualidade pertinente que permita afirmar ou concluir pelo desacerto da decisão de rejeição liminar em vista dos concretos fundamentos do pedido de revisão oficiosa e, como assim, que a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar tal decisão da AT.

Voltando à questão inicial da irregularidade apontada, que consistiu na falta de apensação do processo administrativo de revisão oficiosa requerida na P.I., verifica-se, pois, que a mesma é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, na medida em que sem a aquisição processual de factos que o PA se destina a documentar (cf. art.º 1.º do Código do Procedimento Administrativo) o tribunal não fica habilitado a sindicar a legalidade da decisão de rejeição liminar da revisão oficiosa em vista dos fundamentos do pedido.

A apontada irregularidade (da falta de apensação do processo administrativo de revisão oficiosa) constitui, pois, nulidade processual secundária decorrente da falta de aquisição processual de factos que o PA se destina a documentar e que relevam para a decisão.

Impõe-se, pois, que os autos baixem ao tribunal recorrido para instrução e ampliação da base factual com prolação de nova decisão, nos termos preconizados.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e anular todo o processado subsequente ao acto instrutório omitido que dele dependa absolutamente (incluindo a sentença recorrida), devolvendo-se os autos ao tribunal recorrido para os devidos efeitos.

Sem custas.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].


Vital Lopes