Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:368/10.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:MILITAR
ELEIÇÃO PARA O CARGO DE VEREADOR
OBRIGAÇÃO REMUNERATÓRIA DA ENTIDADE MILITAR
Sumário:I - A partir da publicação da data do ato eleitoral o militar fica no gozo da licença especial;
II - A partir da data dessa publicação o militar perde os abonos e suplementos que não integrem a remuneração base, recebendo apenas a remuneração correspondente ao posto e escalão de que for titular, remuneração essa que se mantém da responsabilidade da entidade militar;
III - Com a posse do militar no cargo para o qual foi eleito cessa a obrigação remuneratória da entidade militar.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
V...... intentou, em 16.6.2010, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, pedindo a condenação deste:

«a) A reconhecer que é nulo o despacho do Sr. Chefe do Estado-Maior da Armada de 14 de Abril de 2010, que nega ao A. o direito a receber o valor correspondente à pensão de reserva em que se encontra desde 2004,
b) A reconhecer que o A., por força da eleição a que se submeteu e a consequente ocupação do lugar para que foi eleito é um militar na situação de reserva, imperiosamente fora da efectividade de serviço, e
c) Que nesta qualidade tem direito a receber a respectiva pensão, mesmo ocupando o lugar de vereador para o qual foi eleito, condenando-se o R. a pagar ao A. a mencionada pensão».
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Por sentença de 21.11.2017 o tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A. Nos termos da douta sentença proferida nos presentes autos, e aqui posta em crise, decidiu-se julgar improcedente a presente Acção Administrativa Especial em que é Autor V...... e julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pelo Ministério da Defesa Nacional.
B. No essencial, fundamentou-se a decisão com base no entendimento de que, pese embora se reconheça ao A. o direito de optar por manter a remuneração de origem, não incumbiria à entidade de origem proceder ao pagamento da remuneração. Ora, o A. não se pode conformar com a decisão proferida nem com o entendimento manifestado na mesma.
C. Em 29 de Janeiro de 2009 o A. requereu a concessão de licença especial com a finalidade de se candidatar à Presidência da Câmara Municipal de Celorico da Beira, nos termos do disposto no art. 31º, nº1 da Lei Orgânica nº4/2001, de 30/08, licença esta que lhe foi concedida, por despacho de 31 de Julho de 2009, tendo ficado dispensado do exercício das suas funções a partir da data de início da campanha eleitoral.
D. O A. é capitão-tenente da classe de Marinha, e encontra-se na situação de reserva, fora da efectividade de serviço desde 03/02/2004, tendo regressado à efectividade de serviço em 30/09/2005, por despacho do Sr. Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, nos termos da alínea a) do art.155.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR).
E. O A. foi eleito para o cargo de vereador, a tempo parcial, da Câmara Municipal de Celorico da Beira, não recebendo, por tal cargo, qualquer remuneração. Em 12 de Novembro de 2009, o A. requereu o pagamento da remuneração de reserva ao abrigo da licença especial para o exercício de mandato electivo, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 3º, nº1 do DL 279/-A/2001, de 19/10; artº 121º, nº 5 do Estatuto Militar; artº 79º, nº 1 do Estatuto da Aposentação e artº 22º, nº 4 do Estatuto dos Eleitos Locais.
F. Porém, foi indeferida a pretensão do ora A. de pagamento da remuneração de reserva enquanto militar na situação de licença especial para o exercício de mandato autárquico, pelo que deixou o A. de receber qualquer remuneração em Abril de 2010, atendendo a que já não lhe foi paga a remuneração correspondente ao mencionado mês.
G. Dispõe o nº 1 do artº 3º do DL 279-A, de 19/10 que “durante o período de exercício do mandato electivo ao qual se candidatou, o militar beneficiário da licença especial é considerado fora da efectividade do serviço (…)”
No artº 121, n.ºs 4 e 5 do Estatuto Militar, estabelece-se que:
“- Quando ao militar na situação de reserva seja, nos termos da lei, permitido exercer funções públicas ou prestar serviço em empresas públicas ou entidades equiparadas e o vencimento correspondente seja superior à remuneração de reserva, o montante desta será reduzido a um terço salvo se, por despacho do Primeiro Ministro, sob proposta do MDN, for autorizado montante superior, até ao limite da mesma remuneração” (nº4)
“- nos casos em que ao exercício das funções referidas no número anterior corresponda um vencimento igual ou inferir à remuneração militar na situação de reserva é aplicável o disposto no Estatuto da Aposentação e no DL 215/87, de 29/05.” (nº5)
Relevante para a questão sub judice é o disposto no artº 79º do Estatuto da Aposentação que estabelece:
“quando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido (…) exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respectiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.”
Assume ainda particular relevância o preceituado pelo artº 3º, nº 3 do DL 279-A/2001, de 19/10, nos termos do qual se regula a licença especial e as suas consequências e que dispõe:
“A eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável.”
Ora, da conjugação das disposições legais que se deixam transcritas resulta inequívoco assistir ao A. o direito ao pagamento da pensão de reserva.
H. O A. não auferiu, em virtude do cargo que exerce e para o qual foi eleito, qualquer remuneração. O A. encontrava-se já, desde o ano de 2004, na situação de reserva, porém, em efectividade de serviço, desde finais de 2005, como resulta provado nos autos.
Das disposições conjugadas dos art.ºs 121º, nº 4 e 5 do Estatuto Militar e artº 79º do Estatuto de Aposentação resulta que, correspondendo ao cargo que o reservista foi autorizado a exercer, remuneração inferior à pensão que o mesmo aufere na reserva, é-lhe mantida esta pensão.
No presente caso, é obviamente inferior a remuneração do cargo que o A. exerceu – que é nenhuma, pelo que sempre deveria ter sido mantido o pagamento ao A. por parte da R., contrariamente ao que foi decidido na sentença reclamada.
I. Negar-lhe, como resulta da decisão reclamada, o pagamento da remuneração de reserva é manifestamente ilegal, discriminatório e inconstitucional, para além de obrigar, indirectamente, o A. a renunciar ao exercício do cargo para o qual foi eleito, sob pena de colocar em risco a sua própria sobrevivência (por não auferir qualquer quantia com que possa prover ao seu sustento), devendo tal entendimento erróneo ser corrigido, declarando-se o direito do A. e a procedência da acção.
J. Assim, na procedência do recurso, deve ser anulada a decisão proferida, substituindo-se por outra nos termos da qual seja declarada procedente a acção e improcedente a reconvenção, assim se fazendo JUSTIÇA!
*

O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

A. O recurso apresentado pelo Recorrente pedindo a anulação da sentença proferida, e a sua substituição por outra em que se declare procedente a ação administrativa especial em que é Autor e improcedente a reconvenção deduzida peta Entidade Demandada, deve improceder.
B. Porquanto, embora o Recorrente defenda, a errada apreciação do disposto do n.° 1 do artigo 3.°. do Decreto-Lei n.° 279-A/2001, de 19 de outubro, n.° 4 e 5 do artigo 121.° do EMFAR, n.° 1 do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação e n.° 4 do artigo do Estatuto dos Eleitos locais, pela sentença recorrida, não lhe cabe razão.
C. Tendo decidido bem a douta sentença recorrida quando julgou improcedente a sua pretensão, mantendo o ato impugnado em primeira instância, que nega a sua pretensão do Recorrente e julgou procedente o pedido reconvencional apresentado.
D. De facto, a LDNFA aprovada pela Lei n.º 29/82, de 11 de dezembro, na redação introduzida pela Lei n.° 4/2001, de 30 de agosto, (posteriormente revogada pela Lei n.° 31-A/2009, de 7 de julho - Lei da Defesa Nacional (LDN)), passou a permitir aos militares em efetividade de serviço, concorrer às eleições para órgãos de soberania, mediante a concessão de licença especial, o que até então era apenas possível aos militares na reserva fora da efetividade de serviço.
E. Assim, para o exercício da capacidade eleitoral passiva reconhecida aos militares, estabeleceu-se a necessidade de, previamente à sua candidatura, ser requerido ao Chefe de Estado-Maior do Ramo a concessão da uma licença para o efeito, conforme o artigo 31.º-F da LDNFA, atual artigo 33.° da LDN.
F. Nos mesmos termos da alínea i) do artigo 93.° do EMFAR, antigo Decreto-Lei n.° 236/99, de 25 de junho, atual alínea I) do artigo 95.° do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, e o Decreto-Lei n.° 279-A/2009, de 19 de outubro, que regulamenta precisamente os efeitos dessa licença.
G. O n.° 2 do artigo 3.° deste normativo, determina que após a concessão da licença e até à conclusão do processo eleitoral, o militar recebe a remuneração relativa ao posto e escalão de que é titular, deixando de haver fundamento para o pagamento de abonos e suplementos que não integrem a remuneração base, sendo ainda da responsabilidade da instituição militar.
H. No entanto, após a eleição do militar, cessa toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, conforme o previsto no n.° 3 do referido artigo 3.°, não obstante, a faculdade de opção, quando esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável.
I. No presente caso, a questão essencial e bem apreciada pela douta sentença produzida, era a de saber se no gozo da licença especial para o exercício de mandato autárquico, o Recorrente podia optar pela remuneração que lhe caberia enquanto militar na efetividade de serviço.
J. Todavia, o n.º 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 279-A 2009, de l0 de outubro, é claro quando determina que o momento da eleição do militar faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar.
K. Quanto à possibilidade de optar por remuneração mais favorável, no caso dos militares para o exercício de funções seja em que regime for, é necessária a concessão de uma licença, legalmente prevista, de forma a existir uma efetiva cessação de funções, considerando o grau de incompatibilidade quanto ao exercício de funções eletivas por estes.
L. Nos termos da Lei n.° 29/87, de 30 de junho, que estabelece o Estatuto dos Eleitos Locais, as funções eletivas exercidas em permanência são incompatíveis com a atividade de simples agente/funcionário da Administração.
M. Razão pela qual o direito de opção pela remuneração do lugar de origem teria que, por remissão do n.° 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 279-A/2009, de 19 de outubro, se encontrar prevista na legislação reguladora do cargo para que o militar foi eleito.
N. O Estatuto dos Eleitos Locais, prevê no seu artigo 5.° o direito a remuneração ou compensação mensal para os eleitos locais em regime de permanência, para o caso do Presidente da Câmara e Vereadores, em caso de comissão extraordinária de serviço público, de acordo com o artigo 22.° do mesmo Estatuto.
O. Ora, exercendo o Recorrente o cargo de Vereador, mesmo que através de licença e não comissão de serviço extraordinária, cabe nesta previsão e como tal, a responsabilidade do pagamento da sua remuneração pertence à instituição autárquica, por ser a entidade onde este se encontra a exercer o cargo.
P. Admitindo-se a possibilidade de opção entre a remuneração de Vereador e aquela que seria auferida caso o Recorrente se mantivesse na reserva fora da efetividade, nos termos previstos na legislação aplicável.
Q. Sobre a questão de o Recorrente ter passado da situação de reserva na efetividade de serviço para a situação de reserva fora da efetividade de serviço e nesses termos pretender retirar a consequência de lhe ser devida remuneração, neste caso pensão, e desta dever ser paga pela Entidade Recorrida.
R. A douta sentença recorrida, entendeu, e bem, que de acordo com o Decreto-Lei n.° 279-A/2009, de 19 de outubro, a eleição do Recorrente para Vereador não fez caducar a licença especial solicitada, aliás, foi ao abrigo desta que o mesmo pôde exercer o cargo, pois na decorrência do exercício do mandato eletivo o militar é considerado fora da efetividade de serviço, não estando a prestar serviço à Marinha.
S. O Recorrente justifica o seu direito à pensão, por entender que com a eleição para o cargo autárquico passou novamente a estar na reserva fora da efetividade de serviço, nos termos do 121.° do EMFAR, o que não está correto.
T. O direito de auferir remuneração durante o período do mandato eletivo não se prende com o facto de ele estar ou não na reserva fora da efetividade de serviço, pois o n.° 1 artigo 32º do Decreto-lei n.° 279-A/2009 claramente diz que com a eleição para o cargo. «... o beneficiário da licença especial é considerado fora da efetividade do serviço, na situação de adido ao quadro.».
U. O militar eleito, não pode cumular a efetividade de serviço, presente caso, com o desempenho do cargo na autarquia, e por isso, ao abrigo da licença especial, passa a estar fora da efetividade de serviço.
V. Existe uma confusão, por parte do Recorrente, entre a situação de reserva fora da efetividade normal nos termos do artigo 143.° do EMFAR em vigor à data e a reserva fora da efetividade de serviço por gozo da licença, que não permite a cumulação de situações.
W. Assim, a eleição faz cessar a remuneração militar, mas a restrição prende-se apenas com esta, pois a licença nos termos do 31.°-F da LDNFA cessa em casos específicos, não se confundindo esta situação de passagem à reserva fora da efetividade, com a caducidade da licença.
X. E, pese embora o Recorrente não perca o direito à remuneração, como vimos, a Marinha deixa de ter obrigações remuneratórias para com este, pois foi colocado numa posição de adido ao quadro, nos termos do n.° 3 do artigo 3.º do mencionado Decreto-Lei n.° 279-A/2009, restringindo-se a cessação da obrigação remuneratória apenas à remuneração de natureza militar.
Y. O que significa que, após a eleição o Recorrente tem efetivamente direito à remuneração, e de optar pela remuneração de origem ou pela remuneração para o cargo para o qual foi eleito, cumprindo com o n.° 2 do artigo 22.º do Estatuto dos Eleitos Locais.
Z. No caso de o Recorrente pretender receber a remuneração de origem, melhor dizendo, remuneração no valor da remuneração de origem, é sobre o Município no qual exerceu a posição de Vereador que recai a obrigação desse pagamento, posição também adotada pelo tribunal a quo.
AA. Não tendo sido violados os preceitos da LDNFA, na redação introduzida pela Lei n.° 4/2001, de 30 de agosto, artigo 31.°-F, n.° 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 279-A/2009, de 19 de outubro, os n.ºs 4 e 5 do EMFAR e o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
BB. Não existindo qualquer violação do princípio constitucional de acesso e exercício de cargos públicos, não tendo sido em altura alguma, restringido no direito de concorrer ao mandato autárquico, de o exercer, e receber respetiva remuneração pelo desempenho dessas funções.
CC. Sobre o pedido reconvencional de reposição das verbas pagas indevidamente durante o período de gozo de licença, julgado procedente, o mesmo encontra-se fundamentado na legislação supracitada, provado documentalmente nos autos, não tendo sido impugnado concretamente pelo Recorrente em primeira instância.
DD. O Recorrente recebeu indevidamente valores de complemento de serviço no ativo, suplemento de condição militar nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2009, e os vencimentos desde a data da eleição até à decisão de término do pagamento em abril de 2010, no valor de 14.287.45 (catorze mil duzentos e oitenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos).

Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa. deve o presente recurso ser considerado improcedente, e em consequência, mantida a douta sentença recorrida.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 144.º/2 e 146.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 608.º/2, 635.º/4 e 5 e 639.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal consiste em determinar se o tribunal a quo errou ao considerar que a posse do Recorrente no cargo de vereador fez cessar a obrigação remuneratória da Marinha para com aquele.


III
A matéria de facto constante da decisão recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte:

1. O Autor é militar da Marinha na situação de reserva desde fevereiro de 2004.
2. Em setembro de 2005, o Autor regressou ao serviço efetivo por convocação da Marinha, ficando na situação de reserva na efetividade.
3. Em 29.01.2009, o Autor requereu ao Chefe do Estado-Maior da Armada que lhe fosse concedida a licença especial para candidatura à Presidência da Câmara Municipal de Celorico da Beira.
4. Em 24.08.2009, o Diretor do Serviço de Pessoal por Subdelegação do Superintendente dos Serviços do Pessoal, deferiu o pedido de concessão de licença para a candidatura a eleições autárquicas, com efeitos a partir da publicação em Diário da República do Decreto nº 16/2009, de 3 de julho.
5. Em 11.10.2009, o Autor foi eleito para o cargo de vereador, a tempo parcial, do Município de Celorico da Beira.
6. O Autor tomou posse como vereador em 02.11.2009.
7. Conforme declaração do Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira, o Autor, no mandato autárquico 2009-2013, desempenhou funções de vereador, sem pelouros atribuídos e sem vencimento.
8. Por requerimento datado de 12.11.2009, o Autor requereu ao Chefe do Estado-Maior da Armada, que lhe concedesse a remuneração de militar na reserva.
9. Em 26.01.2010, o Chefe do Estado-Maior da Armada, proferiu o despacho de indeferimento do pedido do Autor, de pagamento da remuneração de reserva, enquanto militar na situação de licença especial para o exercício do mandato autárquico.
10. Em 12.03.2010, o Autor apresentou reclamação do despacho constante do ponto anterior.
11. Em 14.04.2010, o Chefe do Estado-Maior da Armada, exarou despacho com o teor que se transcreve:
“(…)
O militar encontrava-se na situação de reserva, em efectividade de serviço, após o que, veio requerer a concessão de licença para exercício do direito de capacidade eleitoral passiva. O que lhe foi deferido com efeitos à data do acto eleitoral, situação em que se encontra presentemente após a sua eleição. Posteriormente, apresentou requerimento para pagamento da remuneração de reserva, sob o argumento de não se encontrar a auferir qualquer remuneração pelo cargo para que foi eleito, de vereador na Câmara Municipal de Celorico da Beira. O qual veio a ser decidido no sentido da cessação de qualquer obrigação remuneratória de natureza militar por despacho do Vice-almirante Superintendente dos Serviços do Pessoal.
Acto esse que foi confirmado no dia 26 de Dezembro de 2010, sustentando-se nas consequências legais para o exercício daquela licença na situação de reserva, na efectividade de serviço. A saber: a contagem do tempo de serviço do mandato como tempo de permanência no posto e para efeitos de antiguidade, bem como a cessação da responsabilidade de pagamento de remuneração pela instituição militar aquando do acto eleitoral. Apenas até àquele momento existiria responsabilidade remuneratória da Marinha, ainda que lhe fossem aplicadas as restrições descritas no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 279-A/2001. Já na pendência do seu mandato, pode optar pela remuneração mais favorável, com respeito pelo n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 279-A/2001, por consequência do regime do Estatuto dos Eleitos Locais, mas essa opção é feita perante o respectivo órgão autárquico.
E é daquele acto que reclama.
Ao invés do que parece resultar da convicção do Reclamante, não existe qualquer prejuízo ao exercício de acesso a cargos públicos, pois a licença por si requerida foi-lhe concedida. E a remuneração a que tenha direito na pendência do mandato tem de ser requerida junto da entidade responsável para o efeito, o órgão autárquico.
Acresce que, quando se refere ao prejuízo da audiência dos interessados prevista no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), desconsiderou o que a lei refere na alínea a) do n.º 2 do artigo 103º do mesmo diploma, que expressamente dispõe que, tendo havido pronúncia do ora Reclamante sobre as questões que importam à decisão, pode ser dispensada aquela formalidade. E por isso o foi. No que especificamente concerne às consequências remuneratórias da licença para o exercício de capacidade eleitoral passiva por militar na situação de reserva, na efectividade de serviço, a lei determina que a instituição militar é responsável até ao momento em que se dá por concluído o acto electivo. O que se retira do n.º 2 do artigo 3° do Decreto-Lei n. °279-A/2001.
Antes da licença, a sua responsabilidade obriga ao pagamento integral da remuneração base e demais abonos e suplementos. Quando na vigência da requerida licença, e até à conclusão do acto eleitoral, a sua responsabilidade é mitigada, estando meramente obrigada ao pagamento da remuneração base. Após a conclusão do acto eleitoral a responsabilidade é do órgão autárquico, que passa a beneficiar da Vereação do Reclamante.
E é junto desse órgão que pode vir a exercer o direito de optar pela remuneração mais favorável. Por conseguinte, carece de fundamento em absoluto, o ora Reclamante, quando pretende impugnar o despacho de 26 de Janeiro de 2010. Termos em que, indefiro a reclamação do 21281 CTEN M RES V....... (…)”
12. Em 03.05.2010, o Autor requereu junto do Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira, a suspensão do mandato por um período de 120 dias, dando a conhecer tal facto ao Chefe do Estado-Maior da Armada.
13. Em 27.05.2010, foi publicado na 1ª série da Ordem de Pessoal da Marinha, OP1 nº 40, que o Autor “deixou de estar na situação de Licença Especial, desde 12MAI2010, por nessa data ter sido suspenso o mandato de vereador da Câmara Municipal de Celorico da Beira”.
14. Nos meses de julho de 2009 a março de 2010, o Autor auferiu a remuneração base, acrescida do complemento de serviço no ativo e completos de condição militar.
15. Nos meses de abril e maio de 2010 o Autor não auferiu qualquer remuneração paga pela Marinha.
16. Resulta das tabelas de liquidação apresentadas pelos serviços da Marinha, as quantias remuneratórias que o Autor auferiu entre os meses de julho de 2009 a março de 2010, a saber:

17. A presente Ação Administrativa Especial deu entrada em juízo neste Tribunal Administrativo e Fiscal em 16.06.2010.


IV
1. Por despacho de 24.8.2009 o Diretor do Serviço de Pessoal da Marinha deferiu, por delegação de poderes, o pedido de concessão de licença especial para a candidatura a eleições autárquicas por parte do Recorrente.

2. Tal licença foi concedida ao abrigo do disposto no artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho (ainda que no referido despacho se tenha invocado a Lei n.º 31-A/2009, de 7 de julho, importa ter em conta que Declaração de Retificação n.º 52/2009 corrigiu tal designação para Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho). Era o seguinte o texto do artigo 33.º, na sua versão inicial:
«Artigo 33.º
Capacidade eleitoral passiva
1 - Em tempo de guerra, os militares em efectividade de serviço não podem concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, ou para o Parlamento Europeu.
2 - Em tempo de paz, os militares em efectividade de serviço podem candidatar-se aos órgãos referidos no número anterior mediante licença especial a conceder pelo Chefe do Estado-Maior do ramo a que pertençam.
3 - O requerimento para emissão da licença especial deve mencionar a vontade do requerente em ser candidato não inscrito em qualquer partido político e indicar a eleição a que pretende concorrer.
4 - A licença especial é necessariamente concedida no prazo de 10 ou 25 dias úteis, consoante o requerente prestar serviço em território nacional ou no estrangeiro, e produz efeitos a partir da publicação da data do acto eleitoral em causa.
5 - O tempo de exercício dos mandatos para que o militar seja eleito nos termos dos números anteriores conta como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade.
6 - A licença especial caduca, determinando o regresso do militar à efectividade de serviço, quando:
a) Do apuramento definitivo dos resultados eleitorais resultar que o candidato não foi eleito;
b) Quando, tendo sido o candidato eleito, o seu mandato se extinga por qualquer forma ou esteja suspenso por período superior a 90 dias;
c) Com a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência.
7 - Os militares na situação de reserva fora da efectividade de serviço que sejam titulares de um dos órgãos referidos no n.º 1, excepto dos órgãos de soberania ou do Parlamento Europeu, só podem ser chamados à efectividade de serviço em caso de declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, que determinam a suspensão do respectivo mandato.
8 - Nas situações em que o militar eleito exerça o mandato em regime de permanência e a tempo inteiro, pode requerer, no prazo de 30 dias, a transição voluntária para a situação de reserva, a qual é obrigatoriamente deferida com efeitos a partir da data do início daquelas funções.
9 - No caso de exercício da opção referida no número anterior, e não estando preenchidas as condições de passagem à reserva, o militar fica obrigado a indemnizar o Estado, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
10 - Determina a transição para a situação de reserva a eleição de um militar para um segundo mandato, com efeitos a partir da data de início do respectivo exercício».

3. Portanto, e como decorre do normativo transcrito, a licença especial reporta-se aos militares na efetividade de serviço. Como lembrou o Recorrido, a precedente Lei da Defesa Nacional das Forças Armadas, através da alteração introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de agosto, veio permitir que os militares em efetividade de serviço dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato concorressem às eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, mediante a concessão de licença especial, capacidade eleitoral essa de que, até aí, apenas beneficiavam os militares na situação de reserva fora da efetividade de serviço.

4. A situação de efetividade de serviço caracteriza-se pelo exercício efetivo de cargos e funções próprios do posto, classe, arma, serviço ou especialidade definidos no Estatuto dos Militares das Forças Armadas (artigo 43.º/2 do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, o aplicável), sendo que a efetividade de serviço tanto poderá ocorrer na situação de ativo como na situação de reserva (artigos 141.º/2 e 142.º/2 do mesmo Estatuto). No caso do Recorrente, o mesmo encontrava-se na situação de reserva na efetividade de serviço, desde setembro de 2005.

5. Impõe-se, então, considerar o disposto no Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de outubro, diploma que – e como se fez constar do próprio preâmbulo - desenvolveu e regulamentou o conteúdo inerente à licença especial para os militares que se encontrem a prestar serviço efetivo e pretendam concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local e para deputado ao Parlamento Europeu, fixando-se, em paralelo, a própria situação jus-estatutária dos militares que por ela viessem a ser abrangidos.

6. Do referido diploma releva, em especial, o seu artigo 3.º, do qual consta o seguinte:
«Artigo 3.º
Efeitos da licença especial
1 — Durante o período de exercício do mandato electivo ao qual se candidatou, o militar beneficiário da licença especial é considerado fora da efectividade do serviço, na situação de adido ao quadro, se pertencer ao QP, ou para além do quantitativo autorizado, se em RV ou RC.
2 — Após concessão da licença especial e até conclusão do processo eleitoral, o militar que dela beneficie apenas percebe a remuneração correspondente ao posto e escalão de que for titular.
3 — A eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável.
4 — Durante o período integral de duração da licença especial, o militar que dela beneficie mantém o direito à assistência médica, medicamentosa e hospitalar e ao apoio social, conferidos pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, ou por legislação especial».


7. No caso dos autos sabemos que o Recorrente foi eleito para o cargo de vereador, a tempo parcial, do Município de Celorico da Beira, tendo tomado posse em 2.11.2009. Portanto, há que aplicar o que dispõe o transcrito n.º 3: cessa toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar. Como se dizia no acórdão de 20.5.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1235/19.8BESNT, «[d]o quadro legal não decorre que durante a referida licença a GNR tenha de manter o pagamento da remuneração, até porque o militar é considerado fora da efectividade de serviço, na situação de adido ao quadro (nº 1 do art. 3º do DL 279-A/2001), sendo a lei bem explícita de que faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar (art. 3º, primeira parte)».

8. É certo que a mesma norma prevê a faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável. Mas essa é faculdade à qual é alheio o ramo das Forças Armadas a que o militar pertença. O que releva é o facto de – e no caso concreto – a posse do Recorrente como vereador determinar a cessação das obrigações remuneratórias da Marinha.

9. Em suma:

a) A partir da publicação da data do ato eleitoral em causa o militar fica no gozo da licença especial (artigo 33.º/4 da Lei de Defesa Nacional);
b) A partir da data dessa publicação o militar perde os abonos e suplementos que não integrem a remuneração base, recebendo apenas a remuneração correspondente ao posto e escalão de que for titular, remuneração essa que se mantém da responsabilidade da entidade militar (artigo 3.º/2 do Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de outubro);
c) Com a posse do militar no cargo para o qual foi eleito cessa a obrigação remuneratória da entidade militar (artigo 3.º/3 do Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de outubro), mantendo o militar apenas o direito à assistência médica, medicamentosa e hospitalar e ao apoio social (artigo 3.º/4 do mesmo decreto-lei).

10. Recuperando o que se afirmou no § 8, terá de se concluir que a posse do Recorrente como vereador determinou a cessação das obrigações remuneratórias da Marinha. E a tal não se opõe o disposto no artigo 121.º/5 e 6 do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, invocado pelo Recorrente, na medida em que aí está em causa a situação de reserva fora da efetividade de serviço, e o Recorrente encontrava-se na situação de reserva na efetividade de serviço (desde setembro de 2005). Quando passou à situação de licença especial ficou «fora da efectividade do serviço, na situação de adido ao quadro» (artigo 3.º/1 do Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de outubro).

11. De notar, por último, que, e ao contrário do que alega o Recorrente, o mesmo não auferia uma pensão de reserva, mas sim a remuneração correspondente à situação de reserva.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação precedente.

Custas pelo Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 18 de junho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Maria Helena Filipe