Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:600/14.1BECTB-S1
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
OCORRÊNCIA POSTERIOR
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I – Os documentos devem ser apresentados pelas partes com os respectivos articulados, nos termos dos artigos 108º, nº 3 e 110º, nº 1 e nº 4 do CPPT.
II - Pode admitir-se, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 423.º do CPC, que os documentos sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e, após esse limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
III – Visando os documentos juntos com as alegações a demonstração de factos que já haviam sido alegados pela Fazenda Pública na contestação, não estamos perante documentos cuja junção se veio a tornar necessária em decorrência dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.
IV – Não se justifica o accionamento do princípio do inquisitório se os factos que a Fazenda Pública pretende provar não revestem relevância para a composição do litígio.
Votação:C/ DECLARAÇÃO DE VOTO
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante, Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em 25 de junho de 2024, que não admitiu a junção dos documentos por si apresentados com as alegações escritas e, em consequência, ordenou o seu desentranhamento.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:

1. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido pela Meritíssima Juiz de Direito em 25.06.2024, notificado à Fazenda Pública em 27.06.2024, no âmbito do qual foi indeferida a junção aos autos dos documentos que a Fazenda Pública ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC requereu com as suas alegações escritas, consubstanciados nas declarações de IRS relativas aos anos de 2010 e 2011, que em tempo, foram apresentadas perante a AT pelos acionistas da impugnante, a saber, J........ , R........ e C........ .

2. Salvo o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública não se conforma com a decisão em apreço, por entender que a mesma enferma de vício de violação de lei, consubstanciado na violação das normas vertidas no nº 3 do artigo 423º, no artigo 4º do CPC e no artigo 13º do CPPT.

3. Com efeito, o art. 423º do CPC regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório. O direito à prova, constitucionalmente consagrado no art. 20° da CRP - princípio acolhido no art. 413º do CPC -, é uma componente do direito geral à proteção jurídica, de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva. Desse direito decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, e, por outro, a possibilidade de utilização, pelas partes, em seu benefício, dos meios de prova que mais lhes convierem. A recusa de qualquer meio de prova deve ser fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.

4. Estabelece o artigo 423º do CPC: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. (nosso destacado).

5. De acordo com a aludida norma, as partes processuais podem apresentar prova documental depois do prazo mencionado no n.º 2 do artigo, desde que: (i) a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva); (ii) quando a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. (nosso destacado).

6. Entendeu o Tribunal “ a quo” que no caso concreto “É manifesto que inexiste superveniência objetiva, uma vez que tratando-se de documentos atinentes às declarações de IRS dos anos de 2010 e 2011, entregues em 2011 e 2012 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, a parte há muito que estava na posse daqueles documentos.”( nosso destacado).

7. Salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” subsumiu o pedido de junção de documentos efetuado pela Fazenda Pública na primeira parte do nº 3 do artigo 423º do CPC, sem, no entanto atender à real fundamentação que foi invocada pela Fazenda Pública no âmbito das suas alegações escritas que, de forma inequívoca, enquadrou o referido pedido na segunda parte do preceito normativo em causa.

8. Com efeito, no âmbito dos artigos 70º, 71º e 72º das suas alegações escritas, a Fazenda Pública fundamentou o pedido de junção dos documentos que anexou às mesmas, nos seguintes termos: “Relativamente aos alegados suprimentos que os acionistas fizeram à sociedade para que esta pudesse em 2010 efetuar a aquisição da quota à sociedade B........ no valor de 35.000,00 € 28 e em 2011 pudesse subscrever o aumento de capital da mesma sociedade “B........ ” no montante de 119.00,00 €, que não se encontravam contabilizados, cumpre aqui referir que a tese da impugnante segundo a qual foram os acionistas que disponibilizara os meios financeiros para a realização daquelas operações financeiras revela-se inverosímil face aos rendimentos brutos que os mesmos declararam à AT nos exercícios de 2010 e 2011. Da análise das declarações de IRS apresentadas pelos acionistas J........ , R........ e C........ , foi possível verificar que os mesmos, naqueles exercícios, declararam na modelo 3 de IRS os rendimentos brutos que ali se encontram consignados e que aqui se dão por integramente reproduzidos para todos os efeitos legais – vide declarações de IRS relativas aos anos de 2010 e 2011, apresentadas perante a AT pelos J........ , R........ e C........ , cuja junção se requer ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC, aplicável ex vi, alínea e) do artigo 2º do CPPT . Tendo em consideração os rendimentos que os acionistas J........ , R........ e C........ , declararam na modelo 3 de IRS nos anos de 2010 e 2011, impõe-se concluir que os mesmos nestes anos, não dispunham de capacidade económica para conceder à impugnante os alegados suprimentos e em simultâneo suportarem os encargos decorrentes da vida familiar e pessoal.” (nosso destacado).

9. E tendo por base a referida fundamentação, a Fazenda Pública formulou o seguinte pedido: (…) A Fazenda Pública ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC, aplicável ex vi, alínea e) do artigo 2º do CPPT, requer a este Digno Tribunal que admita a junção aos autos dos documentos que identificou no artigo 71º das presentes alegações, uma vez que os mesmos contribuem para a descoberta da verdade material e são imprescindíveis para que a Fazenda Pública possa exercer cabalmente o direito ao contraditório relativamente a factos que foram referidos no decurso dos depoimentos das testemunhas, designadamente dos alegados suprimentos efetuados pelos acionistas J........ , R........ e C........ à sociedade impugnante nos exercícios de 2010 e 2011.

10. Temos assim, que contrariamente à interpretação que foi efetuada pelo Tribunal “ a quo” , a junção dos documentos que foi requerida pela Fazenda Pública ao abrigo da segunda parte do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC, ou seja, documentos que sejam apresentados para além do limite temporal previsto no nº 2 deste preceito normativo, devem ser admitidos sempre que a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.( nosso destacado).

11. Note-se que contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal “a quo” a Fazenda Pública não requereu a junção dos documentos que anexou com as suas alegações escritas com fundamento na ocorrência de qualquer facto superveniente que tenha impossibilidade a sua apresentação (superveniência objetiva ou subjetiva).

12. O que efetivamente se verificou e se encontra claramente refletido no pedido formulado pela Fazenda Pública, é que os documentos cuja junção foi requerida no âmbito das alegações escritas surgem no decurso do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela impugnante, a saber, J........ , R........ e C........ .

13. Ou seja, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal “ a quo”, no caso concreto dos autos não estamos perante uma superveniência objetiva mas perante factos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal e da Fazenda Pública em sede de inquirição de testemunhas, através do depoimento das testemunhas que foram arroladas pela impugnante, motivo pelo qual o pedido formulado pela Fazenda Pública enquadra-se na segunda parte do nº 3 do artigo 423º do CPC, ou seja, a apresentação dos documentos requeridos pela Fazenda Pública no âmbito das suas alegações escritas torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, sendo certo que esta se consubstancia na factualidade resultante dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela impugnante, a saber, J........ , R........ e C........ .

14. Com efeito, em sede de audiência de produção de prova, a testemunha P........ e a testemunha A........ , foram diretamente confrontados com o teor dos documentos que a impugnante apresentou nos presentes autos através de requerimento datado de 27.11.2023 e que identificou como Anexo 1 ( Doc. 5) e Anexo 2 – vide requerimento datado de 27.11.2023, constante nas páginas 96, 97 e 103 do SITAF e vide gravação da prova testemunhal no momento em que as testemunhas em apreço foram diretamente confrontadas com os documentos em apreço e prestaram diversos esclarecimentos sobre os mesmos, constante do minuto 9:33 ao minuto 20:57, do minuto 25:09 ao minuto 1:12:2024 e do minuto 1:26:38 ao minuto 1:55:43 da gravação da prova testemunhal realizada no dia 22.05.2024.

15. E no decurso do confronto direto com os documentos que a impugnante identificou como sendo Anexo 1 ( Doc. 5) as testemunhas P........ e A........ , tentaram, entre o mais, esclarecer as discrepâncias existentes entre a versão daqueles documentos internos que tinham sido disponibilizados pela impugnante no âmbito do decurso do procedimento inspetivo com a versão dos mesmos documentos apresentada pela impugnante através do requerimento datado de 27.11.2023 -vide gravação da prova testemunhal do dia 22.05.2024, constante do minuto 9:33 ao minuto 20:57, do minuto 25:09 ao minuto 1:12:20 e do minuto 1:26:38 ao minuto 1:55:43.

16. Ora, tal como resulta dos autos, embora a impugnante tenha feito referência a tais documentos internos no âmbito da PI que apresentou em 3.11.2014, a verdade é que os mesmos só chegariam aos autos dez anos após a realização do procedimento inspetivo, na sequência do despacho judicial datado de 16.11.2023 que notificou a impugnante para apresentar os mesmos nos autos.

17. Note-se que na data em que foi apresentada a contestação, a Fazenda Pública apenas conhecia a versão dos documentos internos que foram disponibilizados no âmbito do procedimento inspetivo e que fazem parte do acervo documental que integra o PA32, sendo certo que a versão dos mesmos documentos que viria a ser apresentada pela impugnante através do requerimento datado de 27.11.2023, só passou a ser do conhecimento da Fazenda Pública nesta data, sem que para tanto fosse apresentada qualquer explicação por parte da impugnante para as alterações constantes dos mesmos, conforme resulta cristalino do referido requerimento - vide requerimento da impugnante datado de 27.11.2023, constante na página 96 da tramitação SITAF.

18. É certo que a apresentação em juízo de tais documentos foi notificada à Fazenda Pública através de despacho datado de 29.01.2024, nos seguintes termos: “Notifique a contraparte dos documentos ora juntos [cfr. artigo 427.º do CPC ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT].” – ( nosso destacado) - vide página 105 da Tramitação SITAF. Todavia, conforme resulta do teor do despacho, o Tribunal não notificou a Fazenda para se pronunciar sobre tais documentos, apenas deu conhecimento da existência dos mesmos - vide página 105 da Tramitação SITAF.

19. Mas ainda que o Tribunal tivesse notificado a Fazenda Pública para se pronunciar sobre tais documentos, a verdade é que a Fazenda Pública sempre estaria limitada no exercício do seu legitimo direito ao contraditório, pois nenhuma explicação foi apresentada pela impugnante para justificar as alterações aos documentos originais constantes de fls. 284, 321, 328, 329, 331 e 332 do PA – vide requerimento datado de 27.11.2023, página 96 do SITAF, confrontado com a versão dos documentos de fls. 284, 321, 328, 329, 331 e 332 do PA e a versão dos documentos que a impugnante naquele requerimento designou como Anexo I ( Doc. 5)

20. Os referidos esclarecimentos/explicações para as alterações constantes dos documentos internos que a impugnante designou no requerimento datado de 27.11.2023, como anexo I (Doc. 5) e cuja versão original consta de fls. 284, 321, 328, 329, 331 e 332 do PA, só viriam a ser prestados em sede de audiência de julgamento com a inquirição das testemunhas P........ e A........ , que foram diretamente confrontadas com tais documentos e inquiridas quer a instâncias da mandatária da impugnante quer a instâncias da Fazenda Pública quer na sequência da intervenção direta e ativa por parte da Meritíssima Juiz de Direito – vide depoimento prestado pela testemunha A........ , ROC da impugnante, do minuto 9:33 ao minuto 20:57 e do minuto 25:09 ao minuto 1:12:20 e vide depoimento prestado pela testemunha P........ do minuto 1:26:38 ao minuto 1:55:43, da gravação da prova testemunha realizada no dia 22.05.2024.

21. E tal como consta da gravação da prova testemunhal, foi nesta altura que a Fazenda Pública teve a verdadeira oportunidade de exercer o contraditório sobre os referidos documentos, tentando apurar a razão de ser das alterações efetuadas à versão original dos mesmos e exercendo também o contraditório relativamente aos factos que a impugnante se propunha efetuar com o referido Anexo I (Doc. 5) que apresentou com o requerimento datado de 27.11.2023 - vide depoimento prestado pela testemunha A........ , ROC da impugnante, do minuto 9:33 ao minuto 20:57 e do minuto 25:09 ao minuto 1:12:20 e vide depoimento prestado pela testemunha P........ do minuto 1:26:38 ao minuto 1:55:43, da gravação da prova testemunha realizada no dia 22.05.2024.

22. Note-se que através dos documentos internos constantes do anexo 1 (Doc.5) a impugnante pretendia demonstrar que os beneficiários dos meios financeiros que saíram da conta 11 –Caixa eram os acionistas da sociedade, mais concretamente os acionistas que surgem identificados naqueles documentos internos cuja versão original foi alterada após os mesmos terem sido disponibilizados à IT no decurso do procedimento inspetivo - confrontar documentos internos constantes de fls. 284, 321, 328, 329, 331 e 332 do PA com documentos internos constantes de fls. 1, 2, 4, 5 e 6 do Anexo 1(Doc. 5) e vide gravação da prova testemunhal do minuto 1:29:33 ao minuto 1:29:41, do dia 22.05.2024, relativo ao depoimento do contabilista certificado, P........ .

23. Na versão dos documentos internos que foram junto aos autos através do requerimento datado de 27.11.2023, surgem identificados como acionistas da sociedade impugnante, J........ ; R........ e C........ , filhos do Administrador Único da impugnante, conforme decorreu do depoimento da acionista Carla Pedro, constante do minuto 2:02:56 ao minuto 2:03:32 e do depoimento do Fiscal Único ( ROC) da sociedade do minuto 15:37 ao minuto 17:12 da gravação da prova testemunhal realizada no dia 22.05.2024.

24. Acresce referir, que as testemunhas A........ e P........ , no depoimento que prestaram, referiram que foram os acionistas da sociedade impugnante que concederam à mesma empréstimos/suprimentos para que pudesse em 2010 efetuar a aquisição da quota à sociedade B........ no valor de 35.000,00 € 52 e em 2011 pudesse subscrever o aumento de capital da mesma sociedade “B........ ”, no montante de 119.000,00 €, os quais não foram contabilizados pela impugnante conforme demostrado em sede de RIT e corroborado por estas testemunhas – vide gravação da prova testemunhal realizada no dia 22.05.2024, do minuto 9:33 ao minuto 20:57, relativamente à testemunha A........ e do minuto 1:35:52 ao minuto 1:36:31 e do minuto 1:48:36 ao minuto 1:49:10, relativamente à testemunha P........

25. Esta versão foi também corroborada pela testemunha C........ , que no âmbito da sua inquirição referiu, em síntese, que os suprimentos concedidos à sociedade foram realizados pelos acionistas, que a testemunha identificou como sendo a sua família constituída por ela, pelos seus pais e irmãos; que a aquisição da quota e o aumento de capital na sociedade B........ , Lda., foi possível graças aos empréstimos que os tais acionistas fizeram à impugnante - vide gravação da prova testemunhal realizada no dia 22.05.2024, do minuto 2:00:06 ao minuto 2:05:22.

26. Face ao teor dos documentos que foram junto aos autos pela impugnante através do requerimento datado de 27.11.2023, conjugado com os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante, designadamente as testemunhas A........ e P........ que foram diretamente confrontados com tais documentos em sede de audiência de inquirição de testemunhas, entende a Fazenda Pública que a junção dos documentos que requereu em sede de alegações escritas ao abrigo da parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC, consubstancia um direito à apresentação de prova e ao exercício do contraditório que não lhe pode ser negado com a justificação de que “a alegação de que os acionistas fizeram entregas naqueles anos à sociedade consta da petição inicial apresentada (artigos 33.º e 37.º e seguintes), pelo que a defesa apresentada e a documentação junta seria oportuna com a contestação, ou, no limite, nos 20 (vinte) dias anteriores à diligência de inquirição de testemunhas, inexistindo qualquer ocorrência posterior tenha tornado necessária a junção dos documentos nesta fase processual (…)”( nosso destacado).

27. Contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal “ a quo”, o facto de a Fazenda Pública no âmbito da contestação ter alegado que “Os acionistas aqui em causa (pais e filhos) devem igualmente patentear uma situação económica para efetuar aquelas entradas, o que não se demonstra pelos rendimentos brutos declarados (sem considerar correções aos rendimentos, efetuados posteriormente), nos exercícios de 2010 e 2011(…) e que juntou como prova o PA, não permite ao Tribunal negar á Fazenda Pública o direito de juntar prova documental em sede de alegações escritas, quando demonstra que tal prova é apresentada no decurso dos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante, ou seja, quando fundamenta a junção de tais documentos com fundamento na parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC.

28. Aqui chegados, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal “ a quo”, vislumbra-se que a junção dos documentos requerida pela Fazenda Pública na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela impugnante, duas das quais foram em sede de audiência de julgamento diretamente confrontadas com o teor dos documentos apresentados pela impugnante com o requerimento datado de 27.11.2023, constitui uma “ocorrência posterior” justificativa da junção da prova documental requerida pela fazenda Pública, motivo pelo qual se encontra verificada a situação prevista na parte final do n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil.

29. Nestes termos, tendo o Tribunal “ a quo” indeferido a prova documental requerida em sede de alegações escritas pela Fazenda Pública, com o fundamento que “tal prova deveria ter sido apresentada em sede de contestação ou no limite nos 20 (vinte) dias anteriores à diligência de inquirição de testemunhas, inexistindo qualquer ocorrência posterior que tenha tornado necessária a junção dos documentos nesta fase processual(…)” ( nosso destacado) incorreu o despacho recorrido em vicio de violação de lei, por violação do disposto na parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC, pelo que deverá ser revogado e em consequência ser admitida a junção aos autos da prova documental que a Fazenda Pública requereu em sede de alegações escritas.

30. O princípio da igualdade das partes é fonte do subprincípio do contraditório e encontra consagração no artigo 4.º do CPC: O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.

31. Daqui deriva também o princípio da igualdade de armas que impõe o equilíbrio entre as partes ao logo de todo o processo, na perspetiva de permitir às partes idênticas oportunidades para expor as suas razões e convencer o tribunal a proferir uma decisão que lhes seja favorável.

32. No caso concreto dos presentes autos, verifica-se que a impugnante em 3.11.2014, apresentou nestes autos a presente impugnação, tendo no âmbito do artigo 27º da sua PI feito referência ao anexo 5 que não juntou - vide artigo 27 da PI.

33. Por seu turno, no artigo 42º da PI a impugnante refere que “irá refletir, o erro, que em nada prejudicou a Fazenda Nacional, na sua contabilidade, no ano de 2014, relevando a situação como ocorreu”. – Vide artigo 42º da PI.

34. Sucede que a referida prova documental só chegaria aos autos por impulso do Tribunal, através do despacho judicial datado de 16.11.2023,35 que notificou a impugnante para apresentar os mesmos, tendo tais documentos sido junto aos autos dez anos após a data da apresentação da impugnação, sem qualquer justificação por parte da impugnante, sendo certo que conforme resulta da análise dos mesmos ( que foi efetuada em sede de inquirição de testemunhas) já se encontravam na contabilidade da impugnante em momento anterior à apresentação da PI.

35. É certo que a atuação do Tribunal não merece censura ou reparo, porquanto, a mesma é reveladora do rigoroso cumprimento do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material independentemente da inércia da parte interveniente.

36. Todavia, se o Tribunal bem andou relativamente à inércia probatória da impugnante e sob a égide do principio do inquisitório e da descoberta da verdade material notificou a mesma para trazer aos autos os documentos em falta, a verdade é que o mesmo não se verificou em relação à Fazenda Pública, pois o Tribunal fazendo “tábua rasa” dos princípios que aplicou á situação concreta da impugnante e fazendo “tábua rasa” dos reais fundamentos que a Fazenda Pública invocou em sede de alegações escritas para justificar a junção dos documentos que ali requereu, acabou por negar à fazenda Pública o direito à apresentação de prova, evidenciando um tratamento processual desigual entre as partes intervenientes.

37. Neste contexto, o Tribunal “ a quo” violou o disposto no artigo 4º do CPC, devendo em consequência ser revogado o despacho recorrido e em consequência, substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos anexados pela Fazenda Pública com as alegações escritas que oportunamente apresentou nos autos, pois só assim ficará assegurado o equilíbrio probatório entre as partes intervenientes e a igualdade de tratamento.

38. Por último, atenta a argumentação que se invocou no âmbito do presente recurso, impõe-se também concluir que o Tribunal “ a quo”, violou o principio do inquisitório ou investigação previsto no artigo 13º do CPPT. Vejamos:

39. O n.º 1 do art.º 13.º do CPPT determina que incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. O n.º1 do art.º 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”

40. O princípio da investigação/inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, movendo-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e de conhecimento oficioso.

41. Tendo o Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório ordenado à impugnante que juntasse aos autos, prova documental que identificou na PI, mas que nunca juntou apesar de tais elementos probatórios já existirem na sua contabilidade aquando da apresentação da PI – facto que resulta da análise dos documentos que juntou aos autos com mo requerimento datado de 27.11.2023- deveria ter dado à Fazenda Pública a mesma oportunidade e ordenado a junção aos autos dos elementos probatórios relativos aos factos alegados, designadamente nos artigos 33º, 37º e seguintes e 74º da contestação.

42. Ao atuar da forma descrita, o Tribunal violou o princípio do inquisitório, pois não zelou pela descoberta da verdade material relativa aos factos alegados na contestação da Fazenda Pública e violou o principio da igualdade das partes, porquanto, não concedeu à Fazenda Pública as mesmas oportunidades que concedeu à impugnante para expor as suas razões e convencer o Tribunal do acerto da tese que defendeu em sede de alegações escritas.

43. Tendo o Tribunal violado o princípio do inquisitório e o princípio da igualdade das partes, deverá o despacho recorrido ser revogado e, em consequência, substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos anexados pela Fazenda Pública com as alegações escritas que oportunamente apresentou nos autos.

Neste contexto, deve o despacho recorrido, ser revogado e em consequência substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos que a Fazenda Pública anexou com as suas alegações escritas que apresentou em 3.06.2024.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser revogado o douto despacho recorrido

A Recorrida apresentou contra-alegações, sintetizadas nas seguintes CONCLUSÕES:

1. Relativamente à questão da "Variação Patrimonial Positiva Não Reflectidas nos Resultados - Aquisição de Partes Sociais e Subscrição e Realização de Aumento de Capital de Sociedade Participada" - Ponto III-3 do RIT, a Impugnante alegou expressamente, nomeadamente nos artigos 33º, 38º e seguintes da petição inicial, que foram os seus accionistas que entregaram em dinheiro o preço da quota à sociedade cedente Imoviseu e que entregaram o valor do aumento de capital na sociedade B........ , tendo em consequência dessas entregas de dinheiro passado a deter um direito de crédito sobre si (leia-se sobre a sociedade Impugnante).

2. Em sede de alegações escritas a Fazenda Pública veio requerer a junção de documentos atinentes às declarações de IRS dos anos 2010 e 2011 entregues pelos accionistas da Impugnante, pretendendo demonstrar que os accionistas da Impugnante não dispunham de capacidade económica-financeira para fazer empréstimos à Impugnante

3. Por se tratarem de documentos entregues em 2011 e 2012 junto da Autoridade Tributária Aduaneira já há muito que a mesma se encontra na posse de tais documentos.

4. Uma vez que é expressamente alegado na petição inicial que os accionistas da Impugnante entregaram em dinheiro o preço da quota à sociedade cedente Imoviseu e entregaram o valor do aumento de capital na sociedade B........ , tendo em consequência dessas entregas de dinheiro passado a deter um direito de crédito sobre a sociedade Impugnante José Pedro Pinto, S.A. (artigos 33º e 38º e seguintes da pi) a defesa apresentada e a documentação cuja junção veio a Fazenda Pública requerer seria oportuna com a contestação ou, no limite, nos 20 (vinte) dias anteriores à diligência de inquirição de testemunhas.

5. Aliás, note-se, como se refere no douto despacho recorrido, que a Fazenda Pública no artigo 74º da contestação a Fazenda Pública tomou posição sobre tais factos onde expressamente referiu: “Os accionistas aqui em causa (pais e filhos) devem igualmente patentear uma situação económica para efectuar aquelas entradas, o que não se demonstra pelos rendimentos brutos declarados (sem considerar correcções aos rendimentos, efectuados posteriormente), nos exercícios de 2010 e 2011, a saber: (...)", Sendo que,

6. Arrolou como meio(s) de prova apenas: - a “Constante do processo administrativo, organizado nos termos do artigo 111° do CPPT”; e uma testemunha, da qual veio posteriormente a prescindir.

7. Além disso, a Impugnante em 27/11/2023 juntou o documento nº 5 aludido na petição inicial que, por lapso, não acompanhou a mesma, resultando expressamente de tal documento que "a aquisição da participação e aumento de capital foi realizado pelos accionistas da sociedade em partes iguais - J........ - R........ e C........ ".

8. Notificada do teor destes documentos (em 27/11/2023 e em 29/01/2024) a Fazenda Pública não os impugnou, nem requereu o que quer que fosse.

9. É, pois, no mínimo, imoral vir agora a Fazenda Pública, astuciosamente, dizer que estamos "perante factos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal e da Fazenda Pública em sede de inquirição de testemunhas, através do depoimento das testemunhas que foram arroladas pela impugnante" - cfr. conclusão 13 das suas alegações

10. Inexiste qualquer ocorrência posterior que tenha tornado necessária a junção dos documentos nesta fase processual, sendo, pois, manifesto que inexiste superveniência objectiva que possibilite a sua junção.

11. Pelo que, nenhuma censura ou reparo merece o douto despacho recorrido.

12. E não se diga que a pertinência dos documentos cuja junção se requereu surge no decurso dos depoimentos prestados pelas testemunhas, porquanto as testemunhas apenas depuseram sobre os factos alegados na petição inicial e constantes da prova documental oportunamente carreada para os autos.

13. Ademais, a Representante da Fazenda Pública contra-instou as testemunhas da forma como entendeu, nada tendo dito quanto à agora invocada necessidade de contraditório da capacidade económica - podendo tê-lo feito. Aliás uma das testemunhas ouvida é uma das acccionistas que prestou os aludidos empréstimos à Impugnante e, se dúvidas tivesse quanto à sua capacidade económica-financeira para o efeito, a Representante da Fazenda Pública poderia ter questionado a testemunha sobre isso. Mas não! Nada questionou e nada requereu!

14. Acresce que, os documentos em causa não são susceptíveis, nem têm virtualidade para infirmar ou contraditar que a aquisição da participação e aumento de capital na sociedade B........ , L.da foram realizados pelos accionistas da Impugnante em partes iguais - J........ - R........ e C........ , pois, a Lei prevê a possibilidade de existirem rendimentos que não tinham, como não têm, que ser declarados na Declaração de Rendimentos (IRS), dos acionistas da Impugnante.

15. E, assim, além de intempestivos, tais documentos mostram-se também irrelevantes para a boa decisão da causa.

16. Por último, nenhum fundamento existe quanto à invocado "tratamento processual desigual entre as partes intervenientes", porquanto a Fazenda Pública confunde o princípio do inquisitório e o principio da igualdade das partes com um simples despacho em que se ordena a notificação à parte para juntar o documento nº 5 que a mesma referiu juntar na petição inicial mas que, por mero lapso de agilização processual, não juntou.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vªs Exªs suprirão deve negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida que indeferiu a junção dos documentos requerida pela Fazenda Pública.

Assim se fará a inteira e costumada

JUSTIÇA!

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.


***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

O tribunal a quo indeferiu a junção de documentos requerida pela Fazenda Pública nas suas alegações escritas, não os admitindo e ordenando o respectivo desentranhamento, nos termos que se passam a reproduzir:

«Requerimentos que antecedem:

Nas suas alegações escritas, a Fazenda Pública vem requerer a junção aos autos dos documentos que anexa ao seu requerimento, correspondentes às declarações de IRS relativas aos anos de 2010 e 2011 apresentadas perante a AT pelos accionistas da ora impugnante J........ , R........ e C........ , ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, uma vez que os mesmos contribuem para a descoberta da verdade material e são imprescindíveis para que a Fazenda Pública possa exercer cabalmente o direito ao contraditório.

Exercendo o contraditório, a impugnante opôs-se à junção daqueles documentos, sustentando, sucintamente, que é extemporânea ao abrigo do disposto naquele n.º 3 do artigo 423.º do CPC.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 423.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1), o que significa, portanto, que com a contestação deverão ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa.

Esta regra, porém, é excepcionada no n.º 2, que determina que, se os documentos não forem juntos com o articulado respectivo, podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Não é o caso, uma vez que os documentos foram apresentados após a realização da diligência de inquirição de testemunhas, no contexto das alegações escritas apresentadas nos termos do artigo 121.º do CPPT.

A Fazenda Pública vem invocar o disposto no n.º 3 para sustentar a junção dos documentos aos autos:

Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

É manifesto que inexiste superveniência objectiva, uma vez que tratando-se de documentos atinentes às declarações de IRS dos anos de 2010 e 2011, entregues em 2011 e 2012 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, a parte há muito que estava na posse daqueles documentos.

Por outro lado, a alegação de que os accionistas fizeram entregas naqueles anos à sociedade consta da petição inicial apresentada (artigos 33.º e 37.º e seguintes), pelo que a defesa apresentada e a documentação junta seria oportuna com a contestação, ou, no limite, nos 20 (vinte) dias anteriores à diligência de inquirição de testemunhas, inexistindo qualquer ocorrência posterior tenha tornado necessária a junção dos documentos nesta fase processual. Note-se que no artigo 74.º da contestação é expressamente referido:

“Os accionistas aqui em causa (pais e filhos) devem igualmente patentear uma situação económica para efectuar aquelas entradas, o que não se demonstra pelos rendimentos brutos declarados (sem considerar correcções aos rendimentos, efectuados posteriormente), nos exercícios de 2010 e 2011, a saber:


“(texto integral no original; imagem)”


Arrolando como meio(s) de prova a “Constante do processo administrativo, organizado nos termos do art° 111° do CPPT” (além da prova testemunhal). A Fazenda Pública alegou, assim,

Inexistindo qualquer fundamento para a junção tardia daqueles documentos nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, e não se almejando qualquer frustração do núcleo essencial do direito ao contraditório da Fazenda Pública, que teve oportunidade processual bastante para sustentar a falta de capacidade económica dos accionistas para efectuarem entregas à sociedade de determinado valor, a junção dos documentos é extemporânea, tal como propugnado pela impugnante, pelo que a indefiro.


*


Notifique e proceda ao desentranhamento dos documentos juntos com as alegações escritas da Fazenda Pública.»

Neste contexto, e atentas as conclusões recursivas, a questão que se suscita é a de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na violação das normas vertidas no nº 3 do artigo 423º, no artigo 4º do CPC e no artigo 13º do CPPT.

Vejamos.

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte será condenada em multa, excepto se provasse que os não pôde oferecer com o articulado.

Por seu turno, para além do limite temporal acima referido, por via da aplicação do n.º 3 do dispositivo em análise, a lei admite a junção “de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como daquela cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

A Recorrente sustenta, desde logo, que Tribunal “a quo” subsumiu o pedido de junção de documentos efetuado pela Fazenda Pública na primeira parte do nº 3 do artigo 423º do CPC, sem, no entanto, atender à real fundamentação que foi invocada pela Fazenda Pública no âmbito das suas alegações escritas que, de forma inequívoca, enquadrou o referido pedido na segunda parte do preceito normativo em causa (“ocorrência posterior”).

Contudo, não lhe assiste razão.

Com efeito, foi equacionada pelo tribunal a quo a subsunção do pedido na previsão normativa da parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC, tendo o mesmo concluído em sentido negativo (“inexistindo qualquer ocorrência posterior [que] tenha tornado necessária a junção dos documentos nesta fase processual”), por considerar, em síntese, que a alegação de que os accionistas fizeram entregas à sociedade constava da petição inicial apresentada e ter sido expressamente referida na contestação a factualidade alusiva aos rendimentos brutos declarados pelos accionistas.

Argumenta, ainda, a Recorrente que “estamos perante factos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal e da Fazenda Pública em sede de inquirição de testemunhas, através do depoimento das testemunhas que foram arroladas pela impugnante, motivo pelo qual o pedido formulado pela Fazenda Pública enquadra-se na segunda parte do nº 3 do artigo 423º do CPC, ou seja, a apresentação dos documentos requeridos pela Fazenda Pública no âmbito das suas alegações escritas torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, sendo certo que esta se consubstancia na factualidade resultante dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela impugnante, a saber, J........ , R........ e C........ .”.

Vejamos.

Os documentos em causa são as declarações de IRS relativas aos anos de 2010 e 2011, apresentadas perante a AT pelos accionistas da sociedade Impugnante, J........ , R........ e C........ , portanto, são documentos que visam demonstrar os rendimentos declarados pelos referidos acionistas nos referidos anos.

Ora, conforme consta do despacho recorrido, no artigo 74.º da contestação é expressamente referido:

“Os accionistas aqui em causa (pais e filhos) devem igualmente patentear uma situação económica para efectuar aquelas entradas, o que não se demonstra pelos rendimentos brutos declarados (sem considerar correcções aos rendimentos, efectuados posteriormente), nos exercícios de 2010 e 2011, a saber:


“(texto integral no original; imagem)”

Não restam dúvidas, assim, de que os aludidos documentos visavam a demonstração de factos que já haviam sido alegados pela Fazenda Pública na contestação, com vista a contrariar a tese defendida pela Impugnante na petição inicial de que os accionistas fizeram entregas naqueles anos à sociedade.

O que significa que, ao contrário do alegado pela Recorrente, não estamos perante documentos cuja junção se veio a tornar necessária em face de ocorrências posteriores, nomeadamente em decorrência dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.

Termos em que se conclui não enfermar o despacho recorrido de erro de julgamento, por violação do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC.

Considera, ainda, a Recorrente que ao indeferir a junção dos documentos, o tribunal de 1ª instância violou o princípio do inquisitório, pois não zelou pela descoberta da verdade material relativa aos factos alegados na contestação da Fazenda Pública e violou o princípio da igualdade das partes, porquanto, não concedeu à Fazenda Pública as mesmas oportunidades que concedeu à impugnante para expor as suas razões e convencer o Tribunal do acerto da tese que defendeu em sede de alegações escritas.

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 99º, nº 1 da LGT, “o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”.

E o nº 1 do artigo 13º do CPPT determina que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.”

O princípio do inquisitório consubstancia-se, pois, “na atribuição ao juiz de poder para dirigir o processo e ordenar as diligências que entender necessárias à descoberta da verdade, operando no domínio da instrução do processo” – cfr. acórdão deste tribunal de 27.06.2024, processo 8472/15.2BCLSB, disponível em www.dgsi.pt.

Contudo, o princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, tempestivamente nos momentos processuais próprios, os meios de prova.

Na realidade, este princípio coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.10.2023, processo 1585/22.6T8GMR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt:

“I - O regime estabelecido no art. 423.º do Cód. Proc. Civil quanto ao momento da apresentação dos documentos faz a adequada conciliação entre, por um lado, a disciplina e ordem processuais e o princípio da boa fé processual das partes (apresentação por quem afirma um facto da competente prova documental do facto alegado com o articulado em que tal facto é alegado, nos termos do seu n.º 1) e, por outro, o interesse na descoberta da verdade material (admissibilidade da apresentação em momento ulterior ou até ao encerramento da discussão, nas situações e termos previstos nos seus n.os 2 e 3).

II - O princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º do Cód. Proc. Civil não permite a derrogação do regime legal estabelecido, designadamente, no art. 423.º do Cód. Proc. Civil, quanto ao momento para a apresentação e admissão da prova documental, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.

III - A relevância do documento para a descoberta da verdade material não permite que a parte, após o prazo referido no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, apresente documentos fora das circunstâncias expressamente ressalvadas no n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, nos casos em que o ato de junção de documentos esteve sempre e apenas na sua exclusiva disponibilidade.”

Por outro lado, ainda que se entenda que o princípio do inquisitório tem uma configuração especial no processo tributário em face da preferência constitucional por sistemas de tributação com base em valores reais de bens e rendimentos, configuração essa que se traduz num alargamento dos deveres instrutórios do juiz(1), há que ter em conta que o dever de investigar factos necessitados de prova não existe quando esses factos não relevem para a decisão a proferir, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito invocada.

Este limite à admissibilidade das provas está presente no artigo 99º, nº 1 da LGT e no nº 1 do artigo 13º do CPPT, quando referem que incumbe ao tribunal “realizar ou ordenar todas as diligências que considere/se lhe afigurem úteis”, ou seja, cabe ao juiz indagar se em causa estão factos que relevem para a resolução das questões debatidas no processo.

No presente caso, a Recorrente sustenta que “tendo o Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório ordenado à impugnante que juntasse aos autos, prova documental que identificou na PI, mas que nunca juntou apesar de tais elementos probatórios já existirem na sua contabilidade aquando da apresentação da PI – facto que resulta da análise dos documentos que juntou aos autos com mo requerimento datado de 27.11.2023- deveria ter dado à Fazenda Pública a mesma oportunidade e ordenado a junção aos autos dos elementos probatórios relativos aos factos alegados, designadamente nos artigos 33º, 37º e seguintes e 74º da contestação.”

Todavia, tal como referido, o uso oficioso de poderes instrutórios está sujeito, além do mais, à utilidade da prova a produzir em face da relevância dos factos em causa para a resolução do litígio, pelo que a circunstância de o juiz de 1ª instância ter actuado oficiosamente em relação a factos alegados pela Impugnante não significa que o devesse fazer em relação à factualidade alegada nos autos pela Fazenda Pública, tudo dependendo da relevância da mesma para a decisão das questões em julgamento.

Segundo defende a Recorrente, os factos que pretende provar visam contraditar a “versão” apresentada pela Impugnante e pelas testemunhas A........ , P........ e C........ de que foram os acionistas da sociedade impugnante que concederam à mesma empréstimos/suprimentos para que pudesse em 2010 efetuar a aquisição da quota à sociedade B........ no valor de 35.000,00 € 52 e em 2011 pudesse subscrever o aumento de capital da mesma sociedade “B........ ”, no montante de 119.000,00 €.

Ora, estão assim em causa, desde logo, factos cuja prova cabe à Impugnante, a saber, a alegada concessão de empréstimos/suprimentos por parte dos seus accionistas.

Por outro lado, a factualidade invocada pela Fazenda Pública na contestação em torno dos rendimentos brutos declarados pelos referidos accionistas nos anos de 2010 e 2011, no sentido de infirmar a capacidade económica dos mesmos para efectuar tais “entradas”, não é idónea para contrariar a tese da Impugnante, na medida em que a origem dos referidos empréstimos/suprimentos pode ser outra (que não os rendimentos percebidos nesses anos), sendo certo que é sobre a Impugnante que recai o ónus de demonstração de tais operações.

Constata-se, assim, que os factos que a Fazenda Pública pretende provar com os documentos juntos com as alegações não revestem relevância para a composição do litígio, não se justificando, por isso, o accionamento do princípio do inquisitório.

Pelo que o despacho recorrido ao indeferir a junção dos referidos documentos, não padece de erro de julgamento, nem viola nenhum dos princípios invocados pela Fazenda Pública no presente recurso.

Desta forma conclui-se serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso, mantendo-se assim o despacho recorrido.

Conclusões/Sumário:

I – Os documentos devem ser apresentados pelas partes com os respectivos articulados, nos termos dos artigos 108º, nº 3 e 110º, nº 1 e nº 4 do CPPT.

II - Pode admitir-se, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 423.º do CPC, que os documentos sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e, após esse limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

III – Visando os documentos juntos com as alegações a demonstração de factos que já haviam sido alegados pela Fazenda Pública na contestação, não estamos perante documentos cuja junção se veio a tornar necessária em decorrência dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.

IV – Não se justifica o accionamento do princípio do inquisitório se os factos que a Fazenda Pública pretende provar não revestem relevância para a composição do litígio.

IV. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da SUBSecção Tributária Comum DA SECÇÃO do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Vital Lopes, com declaração de voto infra)

(Margarida Reis)


Declaração de voto:

«Voto a decisão mas não a fundamentação no entendimento de que no âmbito da apelação autónoma do art.º 644/2/d), do CPC. apenas cabe verificar se o requerimento de junção de documento com as alegações do art.º 120.º do CPPT cabe nos pressupostos do n.º 3 do art.º 423.º CPC. Quanto ao inquisitório, nada adiantaria, porque as questões que se prendem com o juízo concreto de pertinência/ relevância da prova para a decisão da causa não cabem no âmbito da apelação autónoma do referido art.º 644/2/ d) do CPC, nem a sua apreciação se torna necessária para a verificação dos requisitos de que depende a admissibilidade da prova nos termos daquele art.º 423.º do CPC».

(1)Cfr., neste sentido, Nuno Bastos, O Princípio Inquisitório no Processo Tributário, in “A prova no processo tributário”, 2017, Centro de Estudos Judiciários, p. 13 e ss.