Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:146/10.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OMISSÃO DE PROVEITOS À SOCIEDADE
RECEBIMENTOS EM CONTAS PARTICULARES DOS SÓCIOS
ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
Sumário:i)A presunção constante do art.º 6.º, n.º 4, do CIRS só funciona quando estejamos perante lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, nos termos ali previstos.

ii) Não funcionando qualquer presunção, cabe à AT demonstrar que determinados depósitos bancários se configuram como rendimentos da categoria E de IRS.

iii) A falta de demonstração, por parte da AT, do referido em ii) reverte contra a mesma.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por António …………………., na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com o n.º …………245, referente ao ano de 2002, no montante total de € 7.286,09.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes: «

CONCLUSÕES:

I) O thema decidendum do presente recurso assenta em aferir se as quantias que foram pagas ao ora impugnante por clientes da sociedade U....................e S.A. constituem adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, se encontram sujeitos a tributação em sede de IRS, mais concretamente na categoria E.

II) Resulta provado nos autos - ponto n° 11 dos Factos Provados -, que “no decurso de uma ação de fiscalização à empresa U……….. Urbanizações, SA., NIPC …….. constatou-se que na venda de imóveis, foram omitidos valores que não concorreram para a formação de proveitos da mesma. Foram notificados os adquirentes dos imóveis comercializados no ano de 2002, para se pronunciarem sobre a referida compra, solicitando que se fizessem acompanhar de todos os elementos subjacentes à operação em causa, nomeadamente contrato de promessa de compra e venda e comprovativos dos meios de pagamento utilizados. Na sequência destas notificações, foram recolhidas provas que evidenciam a existência de movimentos financeiros à ordem de uma conta bancária sediada no Banco ………….. com o n°.………, em nome de José …………….., NIF ………….. Esta conta é conforme declaração prestada pelo próprio que se junta em anexo (Doc. 1), é solidária com os restantes acionistas da U....................e, João …………., NIF ………, António ……………., NIF …………… e Guilherme ………….., NIF …………. Os elementos de prova recolhidos nos processos dos adquirentes são: Dois cheques do Banco ………….. n°s …………… e ………., emitidos em 2002-10-11 e 2002-11-19 respetivamente, nos montantes de €9.975,96 e €14.963,93, tendo sido depositados na conta bancária referida no ponto 2, ou seja, à ordem dos sócios da U....................e, em anexo (Doc. 2); Três transferências emitidas à ordem de José ………….., especificamente conta …………. sediada no Banco ……………, perfazendo o montante total de € 168.344,29, em anexo (Doc. 3)."

III) Nos termos do disposto no artigo 5.°, n.° 1 do CIRS (na redação à data dos factos): “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias”.

IV) Por sua vez o artigo 5.°, n.° 2 alínea h) do CIRS preceitua que “Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.°”.

V) Prevendo, ainda, o n.° 4 do artigo 6.° do mesmo Código que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou vivis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem- se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros”.

VI) Ora, assim sendo, nos presentes autos resulta provado que na conta da qual o Impugnante é titular em situação de igualdade com os outros titulares (acionistas) foi depositada a quantia de € 193.284,18 a qual era devida à sociedade (da qual o Impugnante é acionista) como parte do preço dos imóveis vendidos por esta e que faziam parte das suas existências.

VII) Pelo que, nos termos do art.° 5°, n°1 e n° 2, al. h) do CIRS tais montantes são considerados como rendimentos dos acionistas na proporção das suas participações, a título de adiantamentos por conta de lucros.

VIII) Cumpre salientar que no caso sub judice para que estejam verificados os pressupostos do art.° 5°, n° 1 e n° 2, al. h), do CIRS, não se mostra necessário que haja um apuramento do lucro definitivo na esfera da sociedade, nem se mostra sequer necessário a verificação das entregas feitas pela sociedade aos seus detentores de capital por conta dos lucros a apurar aquando do encerramento do exercício (o que aliás no caso em apreço não se verificou, nem era intenção de se verificar, porquanto a conduta dos administradores da sociedade foi no sentido de omitirem tais proveitos!), bastando apenas que as vantagens económicas sejam colocadas à disposição dos respetivos titulares, o que no caso em apreço se verificou, uma vez que os montantes, supra referidos, passaram para a esfera jurídica dos sócios.

IX) Aliás, tem sido entendimento dos Tribunais Superiores que as diversas alíneas do n°2, do art.° 5°, do CIRS, têm apenas carácter exemplificativo, pelo que, basta que estejam reunidos os pressupostos do n° 1, do citado preceito legal, para que os rendimentos possam ser tributados em sede de IRS, pela categoria E.

X) Neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 20.12.2012, proferido no Proc. n° 03410/09, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 27.01.2009, proferido no Proc. n° 02476/08.

XI) Na apreciação efetuada na douta sentença recorrida o Tribunal "a quo” considerou que “a AT não logrou provar os pressupostos que legitimaram a sua atuação", pelo que competindo à AT fazer prova dos pressupostos do seu agir (cf. artigo 74.°, n.° 1, da LGT) e não tendo logrado fazer tal prova, se deverá julgar procedente a impugnação judicial e anular a liquidação de IRS ora impugnada.

XII) Ora, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto no caso em apreço os rendimentos imputados ao Impugnante foram fixados com base nos elementos recolhidos pela Inspeção Tributária conforme resulta do Relatório de Inspeção, pelo que se encontram devidamente justificados dado que se tratam de proveitos da sociedade U....................e SA os quais não foram contabilizados como tal na mesma, tendo sido canalizados para a conta privada dos seus acionistas.

XIII) A existência de montantes diretamente depositados em contas dos sócios, em resultado de pagamentos destinados à aquisição dos imoveis vendidos pela sociedade “U....................e Urbanizações, SA.”, não podem deixar de ser consideradas enquanto adiantamentos por conta de lucros daquela entidade por se traduzir em entregas feitas pela sociedade aos seus detentores de capital, caso que tais vantagens económicas obtidas pelos sócios seriam de considerar ao abrigo da alínea h) do n.° 2 do art.° 5 do CIRS.

XIV) O acréscimo à matéria coletável do impugnante, no ano de 2002, efetuado pela AT em sede de procedimento inspetivo resultou do facto de o impugnante não ter declarado na modelo 3 de IRS do ano de 2002, 50% da importância de € 48.321,05 que recebeu da “U....................e, SA” a título de adiantamento por conta de lucros, nos termos do art.° 5 n.° 2 alínea b) do CIRS, enquadráveis da categoria E deste diploma legal.

XV) De referir ainda, que no caso dos autos, conforme, resulta do Relatório de Inspeção, os montantes em causa apenas foram considerados em 50% nos termos do disposto no n.°1, do art.° 40° - A do CIRS, uma vez que os mesmos haviam sido objeto de tributação em sede de IRC, na sequência da ação de Inspeção efetuada à sociedade "U....................e Urbanizações, SA.”.

XVI) Note-se que, tendo a AT logrado demonstrar os pressupostos de que depende a qualificação do rendimento auferido pelo Impugnante como adiantamento por conta de lucros, em cumprimento do disposto no artigo 74.°, n.° 1 da LGT, impendia sobre o Impugnante, por via da inversão do ónus da prova, demonstrar as quantias diretamente depositadas na sua conta, em resultado de pagamentos destinados à aquisição dos imoveis vendidos pela sociedade "U....................e Urbanizações, SA.”, teria sido a outro título que não o de adiantamento por conta de lucros, o que não fez.

XVII) Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter considerado que 50% da importância de € 48.321,05 o constituía rendimento sujeito a tributação, em sede de IRS, por constituir adiantamento por conta de lucros, pelo que as correções efetuadas pela IT se mostram em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, não merecendo a liquidação dali resultante qualquer censura.

XVIII) Assim sendo, ao não ter decidido desta forma, incorreu o tribunal a quo, salvo o devido respeito, em erro de julgamento por inadequada valoração da prova produzida e errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.°, n.° 1 e 2, alínea h), do CIRS.

XIX) Verificando-se que a liquidação IRS ora impugnada não padece de qualquer vício, devendo ser mantida na ordem jurídica.

XX) Face ao exposto, a douta Sentença recorrida ao decidir no sentido da procedência da impugnação violou o disposto no art° 5°, n° 1 e n° 2, al. h), pelo que deve a mesma ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, e atento aos fundamentos expostos, deve o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente.»

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central a resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que proveitos omitidos à sociedade e pretensamente recebidos em contas particulares dos sócios não constituem rendimentos tributáveis a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «

1. Em data que não se consegue concretizar mas posterior a 19/06, foi efectuada uma transferência bancária da conta de Hans -…………… para a conta bancária de José Manuel no montante de € 25.710,25 (cfr. doc. de fls. 39 do doc. de fls. 114 do SITAF);

2. Em 21/06/2002 foi recebido na conta n° …………. sobre o Banco …………, S.A. a quantia de € 40.000,00 através de transferência bancária em de Schwarz (CFR. doc. de fls. 38 do doc. de fls. 114 do SITAF);

3. Em data que não se consegue concretizar mas posterior a 16/08, foi efetuada uma transferência bancária da conta de Hans ………. para a conta bancária de José Manuel no montante de € 48.076,92 (cfr. doc. de fls. 41 do doc. de fls. 114 do SITAF);

4. Em 20/08/2002 foi recebido na conta n° …………. sobre o Banco ……………., S.A. a quantia de € 75.000,00 através de transferência bancária em de Schwarz (cfr. doc. de fls. 37 do doc. de fls. 114 do SITAF);

5. Em 11/10/2002 foi emitido por Nuno …………… o cheque n° ……….sobre o Banco B………, no montante de € 9.975,96 a favor de António ……………. (cfr. doc. de fls. 36 do doc. de fls. 114 do SITAF);

6. Em 19/11/2002 foi emitido por Nuno …………. o cheque n° ……….. sobre o Banco B…………, no montante de € 14.963,93 a favor de António …………….. (cfr. doc. de fls. 35 do doc. de fls. 114 do SITAF);

7. Em data que não se consegue concretizar mas posterior a 20/11, foi efetuada uma transferência bancária da conta de Hans -…………… para a conta bancária de José Manuel no montante de € 34.161,21 (cfr. doc. de fls. 40 do doc. de fls. 114 do SITAF);

8. Por despacho de 23/02/2006 o Director de Finanças Adjunto subdelegou no chefe de divisão João ………………… competências para, designadamente, alterar os elementos declarados pelos sujeitos passivos de IRS até ao limite de € 500.000,00 por cada exercício (cfr. doc. de fls. 92 e 93 do doc. de fls. 114 do SITAF);

9. O impugnante foi sujeito a uma ação inspetiva interna de âmbito parcial para analise do IRS de 2002 (facto que se retira do doc. de fls. 24 a 33 do doc. de fls. 114 do SITAF);

10. Em 23/10/2006 o impugnante exerceu o seu direito de audição prévia sobre a intenção da AT de corrigir os seus rendimentos sujeitos a IRS do exercício de 2002 (cfr. doc. de fls. 42 do doc. de fls. 114 do SITAF);

11. No âmbito da ação inspetiva identificada no ponto 9 foi, em 06/11/2006 elaborado um Relatório Inspetivo do qual consta, com interesse para os autos o seguinte:
«Texto no original»

(…)

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 24 a 33 do doc. de fls. 114 do SITAF);

12. Em 08/11/2006 foi proferido, pelo Chefe de Divisão, por subdelegação do Director de Finanças Adjunto - DR II Série n° 61 de 27/03/2006 -, despacho sobre o Relatório Inspetivo identificado no ponto anterior, nos seguintes termos: "Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspetiva, em anexo. Desta forma, nos termos e com os fundamentos referenciados, bem como do art.° 65° n° 4 do Código do IRS, determino a alteração dos elementos declarados pelo sujeito passivo, em conformidade com o proposto. (...)” (cfr. doc. de fls. 24 do doc. de fls. 114 do SITAF);

13. O impugnante foi notificado do relatório inspetivo e do despacho identificados nos pontos anteriores por ofício de 14/11/2006 (cfr. doc. de fls. 43 a 45 do doc. de fls. 114 do SITAF);

14. Em 04/12/2006 foi elaborada a Nota de compensação de IRS do impugnante referente ao exercício de 2002 com o n° ………….554, tendo sido apurado IRS a pagar no montante de € 7.286,09 (cfr. doc. de fls. 21 do doc. de fls. 361 do SITAF);

15. O impugnante reclamou graciosamente da liquidação identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 2 a 11 do doc. de fls. 275 do SITAF);

16. Por despacho de 26/12/2008 foi indeferia a reclamação graciosa interposta pelo impugnante relativamente ao IRS de 2002 (cfr. doc. de fls. 111 do doc. de fls. 114 do SITAF);

17. Por ofício de 31/12/2008 foi o impugnante notificado do indeferimento da reclamação graciosa por s intentada (cfr. doc. de fls. 117 e 118 do doc. de fls. 114 do SITAF);

18. O impugnante recorreu hierarquicamente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. de fls. 3 a 14 do doc. de fls. 322 do SITAF);

19. Por despacho de 07/10/2009 foi indeferido o recurso hierárquico interposto pelo impugnante (cfr. doc. de fls. 128 do doc. de fls. 114 do SITAF);

20. Por ofício de 29/10/2009 foi o impugnante notificado do indeferimento do recurso hierárquico por si interposto (cfr. doc. de fls. 134 a 135 do doc. de fls. 114 do SITAF);

*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
a) Não ficou provado a que título foram entregues as quantias identificadas nos pontos 1 a 7 do probatório supra;
b) Não ficou provado terem sido contabilizadas na sociedade U....................e, S.A. quais pagamentos aos acionistas, quer a título de adiantamentos por conta de lucros, quer a qualquer outro título.
*
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.
*
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objeto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*
No que respeita à matéria de facto não provada, nenhum elemento juntou a AT comprovativo da existência de lançamentos contabilísticos, na conta da sociedade que, alegadamente, pagou aqueles rendimentos ao Impugnante comprovativos da saída de capitais seus a favor dos seus acionistas. Mais, nenhum elemento foi junto aos autos ou ao processo inspetivo comprovativo de movimentos das contas de sócios - Conta 25 do POC.
Também nenhum comprovativo foi junto aos autos capaz de justificar os pagamentos constantes dos pontos 1 a 7 do probatório supra.».

B.DE DIREITO

A questão dos autos não é nova e consiste em saber se proveitos omitidos à sociedade e pretensamente recebidos em contas particulares dos sócios constituem rendimentos tributáveis em IRS a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS.

Na redacção vigente à data dos factos dispunham os artigos 5.º e 6.º do CIRS, no segmento pertinente:
«Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

a) (…)

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
».
«Artigo 6.º
Presunções relativas a rendimentos da categoria E
1 - (…)

4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.»

Vertendo aos autos e como mostra o probatório, extrai-se do relatório de inspecção tributária que foram omitidos à contabilidade da sociedade proveitos provenientes da venda de imóveis e que se comprovou a entrada de dinheiro em contas bancárias dos sócios, entre os quais, o impugnante, ora recorrido.

Por outro lado, resultou não provado: a que título foram entregues as quantias depositadas em contas bancárias dos sócios e identificadas nos pontos 1 a 7 do probatório; terem sido escriturados na sociedade quaisquer pagamentos aos accionistas, quer a título de adiantamentos por conta de lucros, quer a qualquer outro título.

Face a este enquadramento factual, desde já se adianta que não assiste razão à Recorrente, pelas razões expendidas no Ac. deste TCAS, de 03/24/2022, tirado no proc.º 1955/09.5BELRS, que se debruçou sobre questão idêntica e cuja linha de raciocínio seguiremos.

Com efeito, a Administração tributária partiu da existência de depósitos na conta bancária dos sócios para a sua configuração enquanto adiantamentos por conta de lucros, nada constando do RIT que permita sustentar tal configuração enquanto rendimento da categoria E.

Na verdade, os valores em causa não estavam escriturados na contabilidade da sociedade, pelo que não se pode lançar mão da presunção consagrada no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS.

Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 31.03.2016 (Processo: 06368/13) e do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.07.2017 (Processo: 00484/07.6BEVIS), de 21.11.2019 (Processo: 00700/11.0BECBR) e de 29.04.2021 (Processo: 00337/14.1BEPRT).
Com efeito, não se pode confundir depósitos em contas bancárias com escrituração na contabilidade, em sede de conta corrente dos sócios. Quando se fala em conta corrente dos sócios pretende-se abarcar a escrituração contabilística de determinados valores, designadamente em diversas das subcontas da conta 25 do Plano Oficial de Contabilidade, então em vigor.

Como tal, não se estando perante situação em que fosse de lançar mão da presunção referida, caberia à AT demonstrar o quid da qualificação efectuada.

No entanto, em sede de RIT, a AT, concluiu, com base fática insuficiente para o efeito, estarmos perante adiantamentos por conta de lucros.

Na verdade, a administração limitou-se a concluir, sem mais, que os depósitos em contas bancárias eram rendimentos de capitais do recorrido.

Aliás, não fica clarificado por que motivo a AT optou por esta qualificação e não por uma outra qualificação.

Dos elementos constantes do RIT não se podem extrair, nem do ponto de vista fáctico, nem do ponto de vista de direito, os pressupostos para esta qualificação efectuada pela AT, porquanto, as conclusões extraídas não estão devidamente alicerçadas.

Por outro lado, a qualificação como rendimento da categoria E tem carácter residual como se extrai do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, não ficando na discricionariedade da Administração escolher se um determinado rendimento há-de ser qualificado, por exemplo, como rendimento da categoria A ou da categoria E.

Nestes termos, considerando por um lado que não estamos perante uma situação de funcionamento da presunção prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS e que a AT, ao contrário do que lhe impõe o art.º 74.º da Lei Geral Tributária, não logrou demonstrar o que alegou, ou seja, que as quantias depositadas em contas bancárias dos sócios constituem adiantamentos por conta de lucros, forçoso é concluir que não assiste razão à Recorrente.

A sentença, que seguiu a mesma linha decisória, não incorreu no apontado erro de julgamento, merecendo ser confirmada, sendo de negar provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 30 de Outubro de 2025


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Vital Lopes


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Ângela Cerdeira


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Tiago Brandão de Pinho