Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08403/15
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRS; FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO; EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR PAGAMENTO E EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA.
Sumário:1) Numa situação em que está em causa liquidação oficiosa, por falta de declaração fiscal, no exercício de 2010, prevista no preceito do artigo 76.º/1/b), 2 e 3, do CIRS, o acto de liquidação correspondente decorre da fixação administrativa unilateral da matéria colectável, sem audição prévia. O mesmo está previsto nos artigos 65.º/2 e 66.º/1, do CIRS.
2) A regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS), apenas se efectuando através de carta registada com aviso de recepção as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto previstos no artigo 65.º daquele Código.
3) Do probatório resulta que o acto tributário do qual emerge a dívida exequenda não foi objecto de notificação, nos termos legais. Verifica-se a falta de notificação do acto de liquidação em apreço. Esta última constitui fundamento de inexigibilidade da dívida, subsumível ao disposto na alínea i), do artigo 204.º/1, do CPPT.
4) A extinção da execução, por pagamento, não constitui causa dirimente da falta de exigibilidade da dívida, a apreciar no âmbito da oposição. E, uma vez verificada aquela, importa julgar procedente a oposição. É que, do ponto de vista do contribuinte, numa situação de preterição das garantias de defesa, por falta de notificação do acto tributário, não é indiferente que a extinção da execução seja determinada por efeito do pagamento ou por falta de exigibilidade da dívida.
5) Uma vez extinta a execução, por falta de exigibilidade da dívida de IRS de 2010, a mesma não poderá voltar a ser exigida, pelo que a aferição da sua legalidade deixa de ter utilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:P. interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 127/137, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal n.º … e apensos contra si instaurada, tendo em vista a cobrança coerciva de IRS, 2010, IMI, 2011, coimas, no total de €8.385,30.
Nas alegações de fls. 176/187, o recorrente formula as conclusões seguintes:
A. Salvo o devido respeito por douta opinião contrária, são três a questões a decidir, no presente Recurso, interposto, para esse Venerando Tribunal:
I-A primeira questão a decidir é a de se saber se a liquidação do IRS do ano de 2010 assenta ou não na prática, pelo Contribuinte, aqui Recorrente, de actos/factos reais susceptíveis de tributação, e, consequentemente, se a liquidação do IRS do ano de 2010, efectuada, pelo Serviço de Finanças d… deve ser anulada, por ter sido efectuada, por mera presunção, e por assentar em factos tributários inexistentes.
II-A segunda questão a decidir é se a falta de notificação/citação da liquidação, por mera presunção, do IRS de 2010, que impediu o Contribuinte, aqui Recorrente, de reagir, atempadamente, contra essa liquidação, constitui, ou não, uma nulidade processual da qual resulta a anulação de todos os actos praticados pelo Serviço de Finanças d…, com a consequente obrigação desses Serviços efectuarem a NOTIFICAÇÃO/CITAÇÃO do Contribuinte, aqui Recorrente, a fim de este se poder defender contra um acto presuntivo da Administração Fiscal, seguindo-se os demais termos, até final.
III-A terceira questão a decidir, no presente Recurso, é a de se saber se o pagamento da dívida exequenda, efectuado, pelo Contribuinte, aqui Recorrente pode ser considerado um pagamento voluntário conducente à extinção, sem mais, da execução, e, como tal, podendo ser considerado, como uma aceitação da liquidação efectuada, pelos Serviços, ou se, esse pagamento foi imposto, pela Administração Fiscal, como condição, para evitar a venda do bem penhorado, de forma a que o Contribuinte pudesse continuar a discutir a legalidade e justeza da liquidação efectuada, por presunção, pelos Serviços de Finanças d….
B. Refere-se na douta Sentença de que ora se recorre, quanto ao fundamento previsto na al. i) do n° l do artigo 204° do CPPT, que, "para além do oponente pedir a anulação da liquidação do IRS de 2010, por inexistência de matéria tributável, face à restrição relativa ao meio de prova a utilizar, pode, desde logo, constatar-se que o oponente não procedeu à efectivação de qualquer prova documental, susceptível de atestar a ocorrência do facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecte a respectiva exigibilidade, resultando, por conseguinte, manifestamente infundada a alegação relativa à verificação do fundamento em causa."
C. Salvo melhor e douta opinião, não tem razão o M.mo Juiz do Tribunal "a quo" no fundamento que alega, para julgar manifestamente infundada a alegação do oponente relativa à verificação do fundamento em causa, porque, ao contrário do alegado pelo M.mo Juiz do Tribunal "a quo", o Oponente, aqui Recorrente, juntou aos Autos o único documento que podia juntar, ou seja, a Declaração de Cessação de Actividade, em 31.12.2008, para prova de que, no ano de 2010, não exerceu a actividade, pela qual se havia colectado e não praticou quaisquer actos susceptíveis de tributação, acrescida da prova testemunhal que, efectivamente, indicou, mas, que os Serviços da Administração Fiscal e o Tribunal Tributário, pura e simplesmente, ignoraram.
D. Ao invés, e salvo melhor e douta opinião, era aos Serviços da Administração Fiscal que competia provar ou comprovar, através dos Serviços de Fiscalização, quanto à Declaração de Cessação de Actividade e, através da inquirição das testemunhas arroladas, que o Oponente, aqui Recorrente tinha exercido a actividade, pela qual se encontrava colectado e tinha praticado actos susceptíveis de tributação em sede de IRS.
E. O que, como resulta dos Autos, os Serviços da Administração Fiscal não fizeram, pois se limitaram a liquidar o IRS de 2010, pelo recurso ao método simplificado, sem demonstrar qualquer preocupação pela análise da prova documental e testemunhal junta, ou, por verificar da existência de documentos que provassem a prática, pelo Oponente, aqui Recorrente de actos susceptíveis de tributação em sede de IRS.
F. E isto, o que é mais grave, apesar de o Oponente, após ter tomado conhecimento da liquidação, tudo tenha feito, para demonstrar aos Serviços da Administração Fiscal, que no ano de 2010, não tinha exercido a actividade e não tinha praticado quaisquer actos susceptíveis de serem tributados, em sede de IRS, quer, reclamando, pessoalmente, quer, através de OPOSIÇÃO JUDICIAL À EXECUÇÃO E PENHORA.
G. Porém, nada fizeram os Serviços da Administração Fiscal, no sentido de apurar a realidade dos factos, quanto à prática, pelo Oponente de actos susceptíveis de tributação, em relação ao exercício de 2010, tudo ignoraram, não analisaram o documento que demonstrava que o Oponente tinha cessado a actividade em 31.12.2008, não ouviram as testemunhas arroladas e prosseguiram com o Processo para venda da Fracção penhorada.
H. Pelo que, apesar de o aqui Recorrente/Oponente nunca ter sido notificado da liquidação do IRS do ano de 2010, e, apesar de o valor apurado, de modo algum corresponder ao lucro efectivamente realizado, pelo aqui Oponente, no exercício da sua actividade, o qual foi NULO, porque, no ano de 2010, não exerceu qualquer actividade, actividade essa, que já havia cessado, em 31.12.2008.
I. E apesar de, face à inexistência de matéria tributável, decorrente do não exercício da actividade, dever, por via da apresentação da Oposição à liquidação oficiosa efectuada, pelos Serviços da Administração, e, à Execução / Penhora, ser rectificada e anulada a liquidação do IRS do ano de 2010 e anulado o Imposto, da mesma resultante, por não ser devido, outra solução não restou ao Oponente, senão, forçadamente e, não voluntariamente, para evitar a venda, pagar a quantia exequenda.
J. Quanto à segunda questão a decidir, que é a de se saber se a falta de notificação/citação da liquidação, por mera presunção, do IRS de 2010, constitui, ou não, uma Nulidade Processual, defende o M.mo Juiz do Tribunal " a quo" que não pode proceder o alegado vício previsto na al. e) do n° l do artigo 204°, porque, "decorrendo dos Autos que está em causa um imposto periódico, respeitante ao ano de 2010, o prazo de caducidade iniciou-se no dia 31.12.2010, pelo que, não se verificando qualquer facto interruptivo ou suspensivo, o prazo de caducidade do direito de liquidar o Imposto em causa terminará, em 31.12.2014.
K. Salvo melhor e douta opinião, não tem, porém, razão o M.mo Juiz do Tribunal" a quo", porque, o que se discute, na presente Oposição, não é o prazo de caducidade do direito de liquidar o Imposto em causa, que terminará, em 31.12.2014. mas sim, a falta de notificação/citação da liquidação, efectuada, por mera presunção, pelos Serviços de Finanças d…, relativamente, ao IRS do ano de 2010, que impediu o Contribuinte, aqui Recorrente, de reagir, atempadamente, contra essa liquidação.
L. Ora, como resulta dos Autos, nunca os Serviços Centrais da Administração Fiscal notificaram/citaram o aqui Recorrente / Oponente da liquidação do IRS do ano de 2010, já que nunca recebeu qualquer notificação da liquidação e do seu débito à Tesouraria, para pagamento, sendo certo que, até à presente data, o Oponente, agora Recorrente, nunca foi notificado / citado da liquidação do IRS do ano de 2010.
M. Assim, não tendo o aqui Recorrente / Oponente sido notificado/citado, da liquidação do imposto, deve a presente Execução ser anulada e o Recorrente / Oponente absolvido da Instância, já que, nos termos do artigo 165° do CPPT, a falta de notificação/citação constitui uma nulidade insanável que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam.
N. Quanto à terceira questão a decidir, no presente Recurso, que é a de se saber se o pagamento da dívida exequenda, efectuado, pelo Contribuinte, aqui Recorrente pode ser considerado um pagamento voluntário conducente à extinção, sem mais, da execução, em defesa da sua tese, alega o M.mo Juiz do Tribunal "a quo" que "quanto ao fundamento previsto na al. i) do n° n°l do artigo 204 do CPPT, pode, desde logo, constatar-se que o oponente não procedeu à efectivação de qualquer prova documental, susceptível de atestar a ocorrência do facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecte a respectiva exigibilidade, resultando por conseguinte, manifestamente infundada a alegação relativa à verificação do fundamento em causa."
O. Salvo o devido e maior respeito, por douta opinião contrária, não tem razão o M.mo Juiz do Tribunal "a quo" nos argumentos que utiliza, na defesa da sua tese, porquanto o Oponente, ao contrário do alegado, ao apresentar a Declaração de Cessação da Actividade em 31.12.2008 e ao indicar testemunhas, para comprovarem o facto alegado (a cessação da actividade), juntou aos Autos a única prova ao seu dispor, prova documental e testemunhal, susceptível de atestar a ocorrência do facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda e que afectava a respectiva exigibilidade.
P. Aos Serviços da Administração Fiscal competia, através dos Serviços de Fiscalização, averiguar da autenticidade e veracidade da prova junta e através do Contencioso Tributário ouvir as testemunhas arroladas, pelo oponente, o que não fez, sendo certo que não o tendo feito, a Administração Fiscal violou o mais elementar princípio constitucional e fiscal que assegura ao contribuinte os meios de defesa contra as arbitrariedades da Administração Fiscal.
Q. E, sendo ainda certo que se o tivesse feito, fiscalizando a prova oferecida pelo Oponente, nunca poderia deixar de ANULAR a liquidação do IRS do ano de 2010, por inexistência de matéria tributável.
R. Ainda, relativamente à terceira questão a decidir, no presente Recurso, que é a de se saber se o pagamento da dívida exequenda, efectuado, pelo Contribuinte, aqui Recorrente, pode ser considerado um pagamento voluntário conducente à extinção, sem mais, da execução, e, como tal, podendo ser considerado, como uma aceitação da liquidação efectuada, pelos Serviços.
S. Defende o M.mo Juiz do Tribunal "a quo" que não se verifica o fundamento do vício invocado porque "decorre da informação dos Serviços de Finanças que a dívida se encontra paga e o Processo de Execução Fiscal findo, em consequência de tal pagamento" e refere ainda que o Oponente efectuou o pagamento voluntário da dívida exequenda e o Processo se encontra findo.
T. Mais uma vez, andou mal o M.mo Juiz do Tribunal "a quo", porquanto, resulta claramente do Autos, que pese embora o Oponente tenha procedido ao pagamento da dívida exequenda, esse pagamento NÃO FOI VOLUNTÁRIO, pelo contrário esse pagamento foi imposto, pela Administração Fiscal, como condição, para evitar a venda do bem penhorado, de forma a que o Contribuinte pudesse continuar a discutir, no Processo de Execução Fiscal, a legalidade e justeza da liquidação efectuada, por presunção, pelos Serviços de Finanças d….
U. Isto porque, apesar de o Oponente, aqui Recorrente, conforme resulta dos requerimentos de 20.09.2013 e 12.03.2014, tudo tenha feito e requerido, junto dos Serviços de Finanças d…, para ser ANULADA a VENDA, de forma a permitir a discussão sobre a legalidade da dívida, contudo, os Serviços de Finanças d…, não ANULARAM a venda, nem tão pouco autorizaram o Pagamento em prestações, OBRIGANDO, dessa forma, condenável e injusta, o Oponente a proceder ao pagamento da quantia exequenda, que bem sabiam não ser DEVIDA, com o único objectivo de evitar a VENDA DO IMÓVEL PENHORADO.
V. Por isso, não pode o M.M° Juiz do Tribunal "A QUO" vir defender e concluir, como o faz, que, em consequência do pagamento voluntário, não se verifica o fundamento do vício invocado, pois, como já se disse e repetiu, o Oponente, aqui Recorrente foi OBRIGADO a pagar a dívida exequenda, para evitar a VENDA do imóvel penhorado e poder continuar a discutir, no Processo de Execução Fiscal a ilegalidade e a injustiça da liquidação do IRS do ano de 2010, pugnando pela sua anulação.
Não há registo de contra-alegações.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A. Por dívidas fiscais, foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs … (IRS-2010), … (IMI-2011), e …, relativos a coimas no total de €8.385,30 (cf. fls. 72 a 90 dos autos).
B. Pelo ofício n.º … de 28.02.2014, o serviço de finanças de …, informou o tribunal que o processo de execução fiscal n.º …, se encontra findo por pagamento em 14.12.2013 ao abrigo do Dec. Lei 151-A/2013. (cf. fls. 94 dos autos).
C. Em 12.03.2014 o oponente deu entrada neste tribunal de um requerimento com o seguinte teor: «(...) P., Oponente, nos Autos, à margem referenciados, tendo sido notificado, para requerer a prestação da garantia., ou, a sua dispensa, no Órgão da Execução Fiscal competente, vem dar conhecimento a V. Ex.ã que tal pedido não é necessário, porque, conforme ofício remetido aos Autos, pelo Serviço de Finanças de …, o Processo de Execução Fiscal n.º … encontra-se findo, por pagamento, em 14.12.2013.
Entretanto, tendo agora o Oponente sido notificado, para se pronunciar sobre o referido ofício do Serviço de Finanças de …, agora junto aos Autos, cumpre esclarecer que o Oponente, apesar da sua discordância, viu-se obrigado a proceder ao pagamento da quantia exequenda de € 8.076,17 que estava a ser exigida, no referido Processo de Execução Fiscal n.º …, para evitar a venda do imóvel penhorado.
Por isso, e, em defesa dos seus direitos, pretende que os presentes Autos de Oposição prossigam, até decisão final.
Quanto ao lapso verificado em relação ao número de documentos juntos com a P.I., efectivamente, os documentos a juntar são trinta e um.
Assim, requer-se a rectificação da P.I. no sentido de passar a constar que o Oponente junta 31 (trinta e um) documentos. (...)» (cf. fls. 104 dos autos).
D. Por informação do Serviço de Finanças de …, a liquidação de IRS de 2010 foi efectuada, nos termos do art.º 76 n.º 1 al. b) e n.º2 e 3 do CIRS. (cf. fls. 61 dos autos).
X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Factos Não Provados // Não se provam outros factos com relevância para a presente decisão. // Motivação // A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos factos provados, com remissão para as folhas do processo onde se encontram».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
E) Por meio de requerimentos datados de 10.10.2013, o mandatário do recorrente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças d… o pagamento dos processos executivos em referência, com vista a ser «decretada a imediata suspensão/anulação de venda» - fls. 52/53, do pef.
F) Em 01.03.2012, por meio dos ofícios n.º … e …, dirigidos para o domicílio que consta do cadastro da DGCI, através de carta registada sem AR, o recorrente foi notificado da demostração da liquidação de IRS/2010 - €6.511,45 – fls. 62/66, do pef.
G) A liquidação em causa corresponde a liquidação oficiosa por falta de apresentação da declaração de rendimentos.
X
2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 127/137, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal n.º …, instaurada contra P., tendo em vista a cobrança coerciva de IRS, 2010, IMI, 2011, coimas, no total de €8.385,30.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Como decorre do probatório, na pendência dos presentes autos, a dívida exequenda foi paga voluntariamente pelo oponente executado, como se retira da informação junta aos autos pelo Serviço de Finanças de …. // O Exmo. Representante da Fazenda Pública veio, em sede de contestação, bem como em douto parecer, a Digna Procuradora do Ministério Publico, invocar a inutilidade superveniente da lide, em virtude do pagamento voluntário da quantia exequenda, pelo oponente. // No entanto, não obstante o pagamento, o executado vem pedir o prosseguimento da oposição judicial até à decisão final. // Vejamos então se se verifica a alegada inutilidade superveniente da lide. // Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 176, do CPPT, o processo de execução fiscal extingue-se por pagamento da dívida exequenda e do acrescido. // Por conseguinte, tendo a Chefe daquele Serviço de Finanças vindo informar que o processo de execução fiscal foi considerado findo, cumpriu o estipulado no aludido preceito legal. // Notificado o oponente para se pronunciar sobre o pagamento da dívida exequenda, veio requerer o prosseguimento dos autos, em virtude de ter efectuado o pagamento com o fundamento de evitar a venda do imóvel que já se encontrava penhorado. // De facto, estabelece o n.º 3 do art.º 176 do CPPT que, o disposto na alínea a) do n.º 1, não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide, o que é o caso dos autos. // Neste sentido, tendo em conta o requerido e, não obstante o pagamento da quantia exequenda, importa agora proceder à apreciação do mérito dos autos. (…)».
2.2.3. O recorrente censura a sentença sob recurso imputando-lhe os vícios que discrimina. Concretamente, o recorrente entende que são imputados vícios à dívida exequenda e ao acto tributário que lhe deu causa capazes de determinar o prosseguimento dos autos de oposição, com vista à apreciação do mérito da pretensão extintiva da execução, em liça. Mais refere que não pode haver lugar à extinção da oposição, na sequência da extinção da execução por pagamento, uma vez que este último não teve um carácter voluntário, antes se deve à necessidade que o recorrente teve de evitar a venda do imóvel penhorado e discutir nos autos a ilegalidade e a injustiça da liquidação de IRS de 2010.
Vejamos.
Antes de mais, suscita-se a questão da notificação do acto de liquidação em causa.
O recorrente invoca que nunca foi notificado do mesmo.
Está em causa liquidação oficiosa, por falta de declaração fiscal, no exercício de 2010, prevista no preceito do artigo 76.º/1/b), 2 e 3, do CIRS. Ou seja, trata-se de acto de liquidação decorrente da fixação administrativa unilateral da matéria colectável, sem audição prévia. O mesmo está previsto nos artigos 65.º/2 e 66.º/1, do CIRS.
Estatui o artigo 38.º/1, do CPPT, que «[a]s notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou omissões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuinte ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências». É que a liquidação oficiosa, por falta de apresentação da declaração de rendimentos do exercício em causa, em exame, constitui acto que altera a situação tributária do contribuinte, pelo que está sujeita ao regime da notificação por carta registada com aviso de recepção (artigo 149.º/2, do CIRS).
Como se refere no Acórdão do STA, de 28.11.2012, P. 0685/11, «A regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS), apenas se efectuando através de carta registada com aviso de recepção as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto previstos no artigo 65.º daquele Código» [No mesmo sentido, V. Acórdão do TCAS, de 30.10.2014, P. 07801/14].
No caso, o acto de liquidação em apreço corresponde à determinação unilateral da matéria colectável do exercício e à liquidação do imposto devido. Donde resulta que o mesmo está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários previsto nos artigos 38.º/1, do CPPT e 149.º/2, do CIRS.
Do probatório resulta que o acto tributário do qual emerge a dívida exequenda não foi objecto de notificação, nos termos legais (1). Verifica-se a falta de notificação do acto de liquidação em apreço. A falta de notificação do acto de liquidação constitui fundamento de inexigibilidade da dívida, subsumível ao disposto na alínea i), do artigo 204.º/1, do CPPT.
Do probatório resulta que o pagamento da dívida exequenda foi efectuado, nos termos do regime constante do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Janeiro [diploma que aprova um regime excepcional de regularização das dívidas ficais] e tendo em vista obstar à venda do imóvel penhorado. Nos termos do artigo 2.º/1, do diploma, «[o] pagamento por iniciativa do contribuinte, no todo ou em parte, do capital em dívida, até 20 de Dezembro de 2013, determina, na parte correspondente, a dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal».
Sem embargo, a extinção da execução por pagamento, não preclude a necessidade do reconhecimento judicial da falta de exigibilidade da dívida, porquanto «[o] pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei» - artigo 9.º/3, da LGT. Por outras palavras, pese embora tenha eficácia extintiva da execução, o pagamento não preclude as faculdades do contribuinte de impugnação graciosa e contenciosa do acto de liquidação que a falta de notificação do acto tributário, nos termos legais, pode determinar. Pelo que a extinção da execução, por pagamento, não constitui causa dirimente da falta de exigibilidade da dívida, a apreciar no âmbito da oposição. E, uma vez verificada aquela, importa julgar procedente a oposição. É que, do ponto de vista do contribuinte, numa situação de preterição das garantias de defesa, por falta de notificação do acto tributário, não é indiferente que a extinção da execução seja determinada por efeito do pagamento ou por falta de exigibilidade da dívida. Uma vez extinta a execução, por falta de exigibilidade da dívida de IRS de 2010, a mesma não poderá voltar a ser exigida, pelo que a aferição da sua legalidade deixa de ter utilidade.
Em face do exposto, ao julgar em sentido divergente, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento quanto ao direito aplicável, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue a oposição procedente e extinta a execução com fundamento na inexigibilidade da dívida.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição e extinta a execução, com fundamento da inexigibilidade da dívida.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)

(1)Alínea F), do probatório.