Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 00352/97 |
| Secção: | CA- 1.ª Sub. |
| Data do Acordão: | 07/06/2000 |
| Relator: | José Francisco Fonseca da Paz |
| Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR APLICAÇÃO DO ART. 100º DO CPA PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO" |
| Sumário: | I- Em processo disciplinar, a audiência prévia do arguido encontra-se concretizada em diversas disposições legais (como as dos arts. 55º, nºs 2 e 3, 59º, 61º e 64º, todos do E.D. aprovado pelo D.L. nº 24/84, de 16/1) que lhe concedera uma ampla faculdade de intervenção no decurso da instrução do processo, pelo que não é obrigatório que, sob invocação do art. 100º do CPA, ele seja ouvido novamente antes de o órgão competente decidir definitivamente. II- Em processo disciplinar, compete à Administração a prova dos factos constitutivos da infracção imputada ao arguido e não a este provar que os não praticou. III- A prova recolhida no processo disciplinar tem de legitimar uma convicção segura sobre a prática dos factos pelo arguido, para além de toda a dúvida razoável, devendo, de acordo com o princípio "in dubio pro reo", funcionar em favor deste as dúvidas no domínio probatório. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO: 1. José ...., residente na Rua ..., no Porto, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho, de 3/9/97, da Ministra da Saúde, pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico que interpusera do despacho, de 31/12/96, do Inspector-Geral da Saúde, que lhe aplicara a pena disciplinar de inactividade pelo período de 1 ano. A entidade recorrida respondeu, concluindo que devia ser negado provimento ao recurso. Cumprido o preceituado no art. 67º do RSTA, o recorrente apresentou alegações, onde enunciou as seguintes conclusões: “1ª O recorrente observou o doente Sr. Manuel ... que fizera um implante de pacemaker modo VVI, no Serviço de Cardiologia do HGSA, em 8/11/90; o referido doente não apresentava sinais de falência cardíaca, mas referiu sintomas de síndroma de portador de pacemaker, designadamente cansaço após esforço, conforme confirma em depoimento prestado nos autos (vd. fls. 92 do processo disciplinar); 2ª Era do interesse do doente que lhe fosse implantado um pacemaker com resposta em frequência, que é indispensável para pessoas jovens activas; 3ª O Dr. Preza Fernandes solicitou ao Director do Serviço, Professor Dr. Álvaro ..., autorização para substituir o aparelho inicialmente implantado no doente, autorização que lhe foi recusada, com fundamento de que o doente não apresentava sinais de falência cardíaca e que a implantação era recente, recusou autorizar a substituição do aparelho V V I, aliás na sequência da prática que sempre seguiu, como confirmou no processo disciplinar (vd. fls. 81 e ss. do processo disciplinar); 4ª Respondendo a solicitação do doente, que lhe referiu que “se é para melhor, faça-se o mais depressa possível”, o Dr. P... aceitou, posteriormente, efectuar a implantação de novo pacemaker em Hospital Privado, onde exercia funções, não tendo sido imputado ao recorrente qualquer defeito no acto médico praticado; 5ª O doente expressamente declara que não tem motivo de reclamação do recorrente; 6ª O processo disciplinar teve por único escopo obter a condenação do arguido, ora recorrente, como decorre da transcrição das declarações do doente a fls. 92 do processo disciplinar; 7ª Foi cometida nulidade, por não ter sido cumprido o disposto no art. 100º do C.P. Administrativo, não tendo sido notificado o recorrente para se pronunciar sobre as provas produzidas e o relatório final do instrutor; 8ª Carecem de fundamento as conclusões do relatório do instrutor, que é assumido pelo parecer, que mereceu despacho concordante da autoridade recorrida; 9ª É inequívoco que o Director do Serviço recusou e recusaria a substituição do pace por um outro com resposta em frequência, o que é omitido no relatório final do processo disciplinar; 10ª Por outro lado, era dever deontológico do recorrente informar o doente de que com outro aparelho, com resposta em frequência, poderia exercer melhor a sua actividade profissional; 11ª O recorrente agiu na consciência de zelar pelos interesses do doente, sendo certo que o doente nunca apresentou qualquer reclamação; 12ª A instrução do processo disciplinar não é clara, nem profunda, tendo-se omitido nas acareações as perguntas necessárias para esclarecer a verdade, procurando-se apenas os fundamentos que prejudicassem o recorrente; 13ª A sanção aplicada é injusta, incorrecta e ilegal, não tendo fundamento na lei invocada pela Administração; 14ª O douto despacho recorrido é, pois, ilegal e anulável, encontrando-se ferido de vício de violação de lei, erro nos pressupostos de facto e deficiente fundamentação e vício de forma, violando designadamente o disposto nos arts. 4º, 6º e 100º do C.P.Administrativo e 3º, 11º e 25º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo D.L. 24/84”. A entidade recorrida contra-alegou, tendo formulado as conclusões seguintes: “1ª O acto impugnado não padece de vício de forma por violação do art. 100º do CPA, uma vez que esta compilação por força do seu art. 2º, nº 7, não se aplica aos procedimentos especiais como é o caso dos autos; 2ª o processo disciplinar prevê uma forma própria de audiência dos arguidos, que se inicia com a notificação da acusação ou nota de culpa; 3ª Todas as garantias de defesa atribuídas aos arguidos em matéria disciplinar foram inteiramente observadas no caso em apreciação; 4ª a matéria de facto provada condiz com o suporte da punição, não enfermando o acto punitivo de erro de facto nos pressupostos; 5ª a pena aplicada configura-se adequada, justa e proporcional ao interesse público ofendido”. A digna Magistrada do M.P. emitiu parecer, onde concluiu que devia ser concedido provimento ao recurso, por o acto recorrido enfermar de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, visto não existir prova suficiente de que o recorrente tenha agido com dolo, ou sequer com culpa. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento. x 2.1. Consideramos provados os seguintes factos:a) Após apresentação de uma exposição subscrita por Manuel ... e dirigida ao Director do Serviço de Cardiologia do Hospital Geral de Santo António, o Inspector-Geral da Saúde, por despacho de 19/4/95, ordenou a instauração de processo de inquérito, com vista ao apuramento de factos relacionados com o encaminhamento de doente para clínica privada com pagamento pelo serviço aí prestado. b) Após a realização de várias diligências instrutórias foi elaborado Relatório, de onde constam as seguintes conclusões e propostas: “5 conclusões Em face do exposto e apreciado, cabe formular, em síntese, as seguintes conclusões: 5.1 - O Sr. Manuel ..., fez um implante de pace-maker no serviço de Cardiologia do Hospital Geral de Santo António em 8/11/90, tendo sido seguido regularmente em consulta externa do citado serviço pelo Dr. L...; 5.2 - Em 11/1/93 foi observado na Consulta Externa do Serviço de Cardiologia do HGSA pelo Dr. José ..., assistente eventual de Cardiologia do HGSA que, apesar de registar que o doente apresenta uma situação clínica controlada e sem alterações, incute no utente a necessidade de reimplante de um outro pace-maker a efectuar fora dos serviços hospitalares, tendo-o encaminhado para a realização de implante no Hospital da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, onde dirige o Departamento de Cardiologia; 5.3 - Nos dias 15 e 16/1/93 o Sr. Manuel ... foi internado e intervencionado, para reimplante de pace-maker de modo DDD-R, pelo Dr. Preza Fernandes no Hospital da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo. Pelos serviços hospitalares o utente pagou ao Hospital 1.182.942$00 e ao Dr. Preza Fernandes 185.000$00; 5.4 - Esta conduta, traduzida no encaminhamento do doente comum do Hospital Geral de Stº. António para clínica particular, com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais consubstancia a violação dos deveres gerais de imparcialidade, isenção, zelo e lealdade e é imputada ao Dr. José Manuel Duarte Preza Fernandes 6-Propostas: Atentas as conclusões propõe-se: 6.1 - Que seja instaurado processo disciplinar ao Sr. Dr. José ...., assistente eventual de cardiologia do Hospital Geral de Stº. António, por ter violado os deveres gerais de imparcialidade, isenção, zelo e lealdade previstos nos nºs 2, 4 als. b) e d), 5, 6 e 8 do art. 3º do E.D.; 6.2 - Que o presente processo de inquérito constitua fase instrutória do processo disciplinar nos termos do disposto no nº 4 do art. 87º do ED; 6.3 - Que seja dado conhecimento da decisão que sobre o processo recair bem como os fundamentos da mesma ao Sr. Manuel ...”. c) O Inspector-Geral da Saúde, por despacho de 18/7/95, exprimiu concordância com o relatório referido na alínea anterior, instaurando processo disciplinar contra o recorrente e ordenando, nos termos do art. 87º, nº 4, do E.D., que o inquérito integraria a fase instrutória do processo disciplinar. d) Em 14/9/95, foi deduzida contra o recorrente a acusação constante de fls. 25 a 28 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. e) Notificado da acusação, o recorrente apresentou a defesa constante de fls. 37 a 45 do II Volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. f) Em 27/12/96, foi elaborado o relatório final constante de fls. 94 a 108 do II Volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e de onde se destaca o seguinte: “4 - Apreciação da defesa e de prova produzida 4.1. O arguido não alega excepções nem nulidades Na resposta à nota de culpa, o arguido toma posição quanto às matérias de que é acusado confirmando uns factos, explicitando alguns aspectos e defendendo-se por impugnação de outros pontos, alegando resumidamente o seguinte: - O doente Manuel ..., na consulta de 11/1/93 dada pelo arguido, referiu sintomas de Síndroma de portador de pacemaker (cansaço após esforço) o que, dada a idade de 32 anos e a actividade exercida (industrial de madeiras) que exige um grande esforço, o pacemaker implantado de modo VVI era desajustado às necessidades do doente (arts. 3º a 7º e 56º); - A este doente não devia ter sido aplicado um aparelho de modo VVI mas um pacemaker de modo DDD (mais adequado para pessoas jovens e activas e a substituição do aparelho devia ter sido feita pelo HGSA o que não aconteceu face à recusa do Director do Serviço de Cardiologia (Prof. Dr. Álvaro Lopes Pimenta) com a justificação de que o doente não apresentava sinais de falência cardíaca (arts. 8º a 19º, 58º e 59º); - Não incutiu no doente a necessidade de reimplante de pacemaker, mas informou-o de que podia e devia utilizar um pacemaker mais adequado à sua actividade e idade, aceitando, a pedido do doente, fazer esta intervenção em estabelecimento de saúde privado onde exerce funções, não tendo desviado qualquer doente para a clínica privada nem pretendendo obter vantagens patrimoniais com esta conduta, antes agindo no interesse do doente (arts. 20º a 30º, 57ºº); - O processo disciplinar constitui uma perseguição pessoal ao arguido (arts. 31º a 55º e 61º a 63º) 4.2. Apreciando a prova produzida tecem-se as seguintes considerações objectivas: 4.2.1. - Ficou provado que o arguido, no exercício das suas funções de assistente eventual de cardiologia do HGSA, observou, no âmbito de Consulta Externa do Serviço de Cardiologia do HGSA e no dia 11/1/93, o Sr. Manuel ... (fls. 19 do PI), doente comum do HGSA que fizera um implante de pacemaker de modo VVI, no estabelecimento hospitalar em 8/11/90 (fls. 17 e 23 a 43 do PI) 4.2.2 - O doente era seguido regularmente na consulta externa do Serviço de Cardiologia do HGSA pelo Dr. João ... (registos de consultas referentes a 15/7/91, 20/1/92 e 27/7/92) tendo registado, no processo clínico referente às consultas, que o doente “tem passado bem, sem queixas de falência cardíaca” (fls. 19 PI) Nestas circunstâncias, era entendimento do médico assistente que o doente não carecia nem justificava proceder a reimplante ou alteração do tipo ou módulo do aparelho, situação que, caso fosse necessário, poderia ser feita no serviço sem qualquer custo para o doente (fls. 15 do PI e 84 do PD). Eventualmente, “considera que devia ter sido colocado um pacemaker de modo VVI-R com resposta em frequência”, apesar do “doente não apresentar sintomas de síndroma de portador de pacemaker” (fls. 84) pelo que, em discordância com o que refere o arguido, afirma que não se impunha que no interesse do doente lhe fosse implantado um pacemaker de modo DDD (fls. 84). Aliás, refira-se que o arguido na consulta ao Sr. Manuel ... em 11/1/93 registou no processo clínico que o “doente tem passado bem. Sem queixas. DIS - Ritmo de Pace VVI com normais funções de pacing e sensing F-69.8 I-860 D.36. Sem modificação”. 4.2.2.1 - É suscitada uma questão controversa que se prende com a implantação inicial do pacemaker ao doente e sua substituição, que reveste os seguintes contornos: - O arguido defende que, face à idade e actividade do doente, devia ter sido implantado desde o início um pace de modo DDD ou VVI-R na impossibilidade de DDD-R: não foi este o pace implantado devido aos custos do aparelho para o Hospital; devido a recusa do Director do Serviço de Cardiologia do HGSA. Após a implantação do pace, ao constatar a inadequação do aparelho para o doente, devia ser o Hospital a proceder à substituição do mesmo (fls. 38 e 41 a 43 e junta cópia de relatório do American College of Cardiology quanto à adequação do modo DDD para pessoas jovens activas-fls. 38, 48 a 66 e 84); - a prova testemunhal aponta, quanto a este doente, para o facto de na implantação inicial do pacemaker se poder ter adoptado outro tipo de pacemaker (embora à data da implantação do pace no doente -1990 - usualmente aplicava-se o modo VVI no Serviço de Cardiologia do HGSA, podendo ter-se adoptado o modo VVI-R), não se justificando alteração a partir do momento em que o pace implantado não apresenta disfunções nem sinais de falência cardíaca tais alterações podem ser feitas no HGSA (fls. 14,15 do PI e fls. 77, 78, 81 e 84 do PD). 4.2.2.2. Para além da polémica quanto ao tipo e modo de pace a implantar ao doente, ressalta que o médico assistente (seja o Dr. Lopes ..., seja o arguido) consideraram que o doente passava bem com o aparelho implantado, não se inferindo, deste modo, que o mesmo carecesse de reimplante ou substituição, situação que a ser necessária podia ser efectuada no HGSA (fls. 15,19 e 68 do PI e fls. 77, 78, 81 e 84 do PD). Com efeito, segundo o Director do Serviço de Cardiologia do HGSA - Prof. Dr. Álvaro ..., aos doentes do Hospital são assegurados, se necessário, qualquer tipo de aparelho independentemente do seu custo. Também, aos doentes objecto de implante de qualquer aparelho (nomeadamente pace-maker), são seguidos gratuitamente em consulta de follow-wp (fls. 13 do PI). 4.2.3. O arguido nega que tenha incutido ao doente a necessidade de reimplante de pacemaker, mas que o informou de que podia e devia utilizar um pacemaker mais adequado à sua actividade e idade (arts. 20º a 30º, 57º - fls. 39, 40 e 43). Porém, qual o sentido a conferir às expressões do Sr. Manuel... aquando da acareação com o arguido: “... à data da consulta o Dr. Preza Fernandes lhe disse que se levasse outro pacemaker ficava melhor, que era melhor, mais próprio para a idade, que ficaria com mais força e para gerir a sua profissão...” (fls. 92)? Não parece que o doente tenha entendido as palavras do arguido como mera informação, mas, no mínimo, as terá considerado como conselho a levar em conta. Ora, tendo em atenção a relação médico/doente e ao estado de espírito de qualquer doente com patologia cardíaca, as palavras do médico assistente sempre incutiriam no doente a necessidade de proceder à substituição do aparelho. Aliás, é o próprio doente que refere “ter dito ao Dr. Preza.... que dado que ia ficar melhor, quanto mais depressa fizesse a substituição melhor” (fls. 93). Por outro lado, a prova testemunhal apresentada pelo arguido aceita que “o médico assistente deve informar o doente sobre as características do aparelho e de todos os tratamentos aplicados em linguagem que o doente perceba” (fls. 77) e de que “se o doente estiver clinicamente compensado, sem sintomatologia, não entende como necessário dar conhecimento ao doente de outro tipo de pace (para não trazer preocupações acrescidas ao doente)” e “se um doente não apresenta sintomatologia não deve ser criada essa dúvida quanto ao tipo de aparelho implantado” (fls. 78). Nestes termos, o arguido tendo verificado que o doente se sentia bem porquanto assim o registou no processo clínico, não devia ter abordado o doente quanto ao tipo de aparelho implantado de modo a suscitar dúvidas no espírito do doente. Mesmo a informação quanto ao tipo do aparelho, refere a prova testemunhal apresentada pelo arguido (fls. 78), é dada ao doente aquando da implantação do pace e antes de alta clínica com indicação de recorrer ao serviço sempre que algo de anormal lhe pareça estar associado com o pace. Do mesmo modo, não devia ter dito ao doente “que o pace-maker que tinha implantado não era próprio para a sua idade, que era próprio para pessoas mais idosas, que necessitava de reimplantar outro aparelho” (fls. 44). 4.2.4. O arguido contesta a acusação quanto ao facto de ter referido ao doente que o reimplante de pacemaker não podia ser realizado no Hospital de Stº. António e ter marcado, dentro das instalações hospitalares, a realização do implante no Hospital da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, instituição de saúde onde dirige o Departamento de Cardiologia, contrapondo que aceitou, a pedido do doente, fazer a intervenção em estabelecimento de saúde privado, não desviando, deste modo, qualquer doente para a clínica privada nem pretendendo obter vantagens patrimoniais com esta conduta, antes agindo no interesse do doente (arts. 20º a 30º, 57º) O doente Manuel...refere que o arguido no dia da Consulta lhe disse “que não podia ser feito no Hospital mas que podia ser feito noutro lado, tendo sido feita a Ordem do Carmo ... aceitou fazer na Ordem do Carmo sabendo que neste hospital tinha que pagar” (fls. 93) O Prof. Dr. Álvaro ...., Director do Serviço de Cardiologia do HGSA, na acareação com o arguido (fls. 82), refere não se recordar desta matéria mas, se lhe fosse perguntado quanto à possibilidade do doente poder substituir o aparelho, quando estava a passar sem queixas, teria dito que não, considerando lógica a substituição no caso do aparecimento de sintomas como cansaço, avarias no aparelho ou do Catéter e no caso de exaustão. O Dr. R..., assistente hospitalar de cardiologia do HGSA refere que “nunca teve nestes anos de implantação de pace (22 ou 23 anos) recusa formal de qualquer tipo de aparelho por parte do Director do Serviço ... nunca recebeu qualquer indicação ou instrução sistemática sobre o modo de pace a implantar aos doentes” (fls. 78) Assim, não se prova que tivesse havido recusa por parte do Director do Serviço de Cardiologia para a substituição do aparelho ao doente, podendo o arguido, caso o entendesse, propôr a realização de intervenção no HGSA. Prova-se que o arguido, no dia da consulta, disse ao doente que não podia ser feito o reimplante no Hospital mas que podia ser feito noutro lado. 4.2.5. O reimplante de pacemaker de modo DDD-R foi efectuado pelo arguido, no Hospital da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo nos dias 15 e 16/1/93, tendo o doente Manuel...pago por conta de honorários clínicos assim discriminados: operador - 160.000$00; ajudante - 25.000$00; enfermeira - 10.000$00, a importância de 185.000$00 (fls. 54), a nota de despesa apresentada pelo Hospital, face ao extracto de Conta discriminada com as datas de 18/1/93 e 22/1/93 e à factura nº 930.107, de 25/1/93 e que referia internamento, aparelho pace-maker, medicamentos, produtos consumidos e telefone, o montante de 1.030.2473$00 (fls. 47 a 52 do PI). 4.2.6. Quanto à alegação de que o processo disciplinar constitui uma perseguição pessoal ao arguido (arts. 31º a 55º e 61º a 63º), apenas se refere que as entidades que instauraram e instruíram o presente processo disciplinar se pautaram pelos princípios de rigor e isenção. Também, a aplicação do E.D. aprovado pelo D.L. 24/84, de 16/1, impediria esta Inspecção-Geral da Saúde e o instrutor do processo de desvirtuar o escopo do procedimento disciplinar, possibilitando, concomitantemente ao arguido, a utilização dos meios de impugnação das decisões proferidas. 5-CONCLUSÕES Face ao exposto e apreciado, conclui-se: 5.1 - Que tendo em conta a prova pessoal e documental carreada para os autos, se considera como procedente e provado que o arguido violou os deveres gerais de imparcialidade, zelo, isenção e lealdade previstos nos nºs 2, 4 al. a), b) e d), 5, 6 e 8 do art. 3º do E.D. aprovado pelo D.L. nº 24/84, de 16/1, consubstanciando comportamento que atenta contra a dignidade e prestígio do funcionário e da função que exerce, fazendo-o incorrer na infracção disciplinar punida ao abrigo do disposto do nº 1 e da al. c) do nº 2 do art. 25º com a pena de inactividade prevista na al. d) do nº 1 do art. 11º, também do E.D. ao fazer o encaminhamento do doente (Sr. Manuel...) comum do Hospital Geral de Stº. António para clínica particular, com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais, que o arguido bem sabia que não lhe era permitida. 5.2 - Que o arguido se encontra ao serviço na Função Pública há 19 anos (fls. 21); 5.3 - Contra o arguido milita a circunstância agravante especial prevista na al. e) do nº 1 do art. 31º do E.D. por ter cometido infracção disciplinar durante o período de suspensão de pena (suspensão por 120 dias, suspensa por 2 anos, aplicada por deliberação do Conselho de Administração do HGSA de 9/9/92 - fls. 21), não se verificando em seu favor qualquer circunstância atenuante especial prevista no art. 29º do mesmo Estatuto. 5.4 - Medida da pena A conduta infractória do arguido, traduzida na violação dos deveres gerais de imparcialidade, isenção, zelo e lealdade previstos nos nºs 2, 4 al. a), b) e d), 5, 6 e 8 do art. 3º do E.D. aprovado pelo D.L. nº 24/84, de 16/1, é punível com a pena de inactividade prevista na al. d) do nº 1 do art. 11º do E.D., subsumível no nº 1 do art. 25º do E.D. por integrar comportamento que atenta gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário e da função pública que lhe cumpria zelosamente defender e prosseguir. 6 - PROPOSTAS Tudo visto e apreciado, incluindo quanto à medida da pena, propõe-se: 6.1 - Que ao arguido Dr. José.., assistente hospitalar eventual de Cardiologia do Hospital de Stº. António, por ter cometido a infracção disciplinar, traduzida no encaminhamento do doente comum (Sr. Manuel....) do HGSA para clínica particular, com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais, bem sabendo que não lhe era permitida, prevista e punida pela disposição do nº 1 do art. 25º com a pena de inactividade prevista na al. d) do nº 1 do art. 11º, todos do E.D., seja aplicada a pena de inactividade por 1 ano, com os efeitos previstos no nºs 5 e 7 do art. 13º e tendo em conta o disposto no nº 5 do art. 12º, ambos do E.D; 6.2 - Que seja notificado o arguido e comunicado ao Conselho de Administração do Hospital de Stº. António a decisão que sobre este processo vier a incidir, bem como dos fundamentos que lhe servem de suporte; 6.3 - Que se dê, igualmente, a conhecer a decisão final ao ilustre mandatário do arguido - Dr. David ... (fls. 66). g) Com a data de 31/12/96, o Inspector Geral da Saúde proferiu o seguinte despacho: “1. Concordo com o relatório final, suas conclusões e propostas e, assim, aplico ao arguido Dr. José......., assistente hospitalar eventual de Cardiologia do Hospital Geral de Stº. António, a pena de inactividade por um (1) ano. 2. Notifique o arguido, bem como o seu mandatário, com fotocópia do relatório final e do presente despacho 3. Comunique ao C.A. daquele Hospital com fotocópia das Conclusões e propostas do relatório e deste despacho” h) Do despacho transcrito na alínea anterior, o recorrente, em 6/2/97, interpôs recurso hierárquico para a Ministra da Saúde, invocando os fundamentos constantes de fls. 117 a 123 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. i) Sobre esse recurso hierárquico foi emitido o parecer nº 108/97, de 21/8/97, constante de fls. 12 a 15 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido. j) Sobre o parecer referido na alínea anterior, a Ministra da Saúde proferiu o seguinte despacho, datado de 3/9/97. “Concordo, pelo que nego provimento ao recurso” x 2.2.1. Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. j) da matéria fáctica dada como provada, pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente do despacho, de 31/12/96, do Inspector Geral da Saúde, que lhe aplicara a pena disciplinar de inactividade pelo período de 1 ano.Entende o recorrente que esse acto enferma de nulidade, por preterição da formalidade prevista no art. 100º do C.P. Administrativo, dado que, após a conclusão da instrução do processo disciplinar, não foi notificado para se pronunciar sobre as provas produzidas e sobre o relatório final do instrutor. Cremos, porém, que esse vício não se verifica. É que no processo disciplinar existem normas especiais que, por exigência constitucional, concretizam o direito de audiência do arguido e que afastam a aplicação da norma geral do art. 100º do C.P.Administrativo. Entre essas normas especiais contam-se o direito de, na instrução do processo, o arguido ser ouvido e de requerer ao instrutor a realização de diligências que considere necessárias (cfr. art. 55º, nºs 2 e 3, do E.D. aprovado pelo D.L. nº 24/84, de 16/1), bem como o de, após ser notificado da acusação, apresentar a sua defesa, onde pode oferecer a prova que entende conveniente (cfr. arts. 59º, 61º e 64º, todos do E.D.). A audiência prévia do arguido em processo disciplinar concretiza-se, pois, através da concessão de uma ampla faculdade de intervenção no decurso da instrução do processo, pelo que - como se escreveu no Ac. do STA de 17/3/99, Rec. nº 41.560 - “Não é obrigatório que, sob invocação do art. 100º do C.P. Administrativo, o órgão competente ouça novamente o arguido antes de decidir definitivamente” Assim sendo, improcede o alegado vício de forma. x 2.2.2. Quanto ao vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto que o recorrente, com o apoio da digna Magistrada do M.P., considera que se verifica, a questão a decidir prende-se com a formulação de um juízo sobre a suficiência da prova produzida no processo disciplinar.Neste domínio da apreciação da prova em processo disciplinar, já se entendeu que “o resultado do processo decisório sobre a realidade e a interpretação da factualidade adquirida em processo disciplinar releva do domínio da chamada “justiça administrativa” em que intervêm factores de apreciação de grande subjectividade e imponderabilidade, fundados num critério de livre convicção de intérprete, que impede o Tribunal de o sindicar, salvo situações extremas de erro manifesto de apreciação (cfr. Ac. do STA de 12/10/93 in BMJ 430º-275). Mas este Acórdão corresponde a uma posição minoritária dentro da jurisprudência do STA, a qual se inclina de forma quase unânime - sobretudo a mais recente - para considerar que em sede de fixação dos factos que funcionam como pressuposto da aplicação das penas disciplinares, a Administração não actua no âmbito da denominada “justiça administrativa”, pelo que no recurso contencioso o Tribunal pode sindicar a regularidade e suficiência do juízo probatório da decisão disciplinar e perfilhar um juízo não coincidente com o que foi acolhido pela autoridade administrativa (cfr., entre outros, os Acs. de 6/11/97 - Rec. nº 28.566, de 20/11/97 - Rec. nº 40050, de 27/11/97 - Rec. nº 39040 e de 5/3/98 - Rec. nº 32.389). Na apreciação da prova produzida, deve-se tomar em consideração que, em processo disciplinar, compete à Administração a prova dos factos constitutivos da infracção imputada ao arguido e não a este provar que não os praticou, pelo que as dúvidas no domínio probatório devem funcionar em favor do arguido, de acordo com o princípio “in dubio pro reo” (cfr. Acs. do STA de 19/1/95 in BMJ 443º-422, de 13/11/97 - Rec. nº 39990, de 27/11/97 - Rec. nº 39040, de 10/3/98 - Rec. nº 42.233, de 25/2/99 - Rec nº 37.235 e de 4/3/99 - Rec. nº 39061). No entanto, “a verdade dos factos a atingir na decisão não é a verdade ontológica ou absoluta, mas a verdade prática, baseada na convicção objectivável do decisor, para além de toda a dúvida razoável” (cfr. Ac. do STA de 20/11/97 - Rec. nº 40.050), pelo que o princípio “in dubio pro reo” não impede que a convicção do julgador em processo disciplinar se baseie em indícios que conjugados com outro ou outros indícios levem o julgador a pronunciar-se em sentido desfavorável ao arguido (cfr. Ac. do STA de 1/6/99 - Rec. nº 44.747). Na hipótese de não existir prova directa da infracção disciplinar e de a acusação se sustentar em indícios, o princípio “in dubio pro reo” deve funcionar quando o arguido opõe a esses indícios contra-indícios suficientes para gerar a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe são imputados. No caso em apreço, conforme resulta do relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, o recorrente foi punido com a pena de inactividade, por ter encaminhado o doente Manuel...do Hospital Geral de Santo António para uma clínica particular a fim de lhe ser implantado um novo pacemaker, com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais, o que consubstanciaria uma actuação violadora dos deveres de imparcialidade, isenção, zelo e lealdade previstos no art. 3º, nºs 2, 4 als. a), b) e d), 5, 6 e 8, do E.D. e punida nos termos do art. 25º, nº 1 e nº 2, al. c), do E.D. O recorrente alega, fundamentalmente, que o doente apresentava sintomas de síndroma de portador de pacemaker, designadamente cansaço após esforço, o que era resultado de lhe ter sido implantado um aparelho desajustado à sua idade e à actividade que exercia. Por isso, conforme era seu dever deontológico, informou o doente de que com outro aparelho com resposta em frequência, poderia exercer melhor a sua actividade profissional e que só aceitou efectuar a implantação do novo pacemaker em hospital privado após recusa de autorização para efectuar a substituição no Hospital de Santo António por parte do Director do Serviço, Prof. Dr. Álvaro ...., e depois de solicitação do doente. Perante a prova recolhida no processo disciplinar, cremos que o princípio “in dubio pro reo” impede que se possa considerar demonstrada a prática pelo recorrente da infracção disciplinar pela qual foi punido. Efectivamente, tal prova não é concludente para efeitos de permitir afastar a dúvida razoável quanto ao facto de o recorrente ter agido culposamente com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais. Esta conclusão impõe-se pelo seguinte: - o doente, Manuel...., a quem havia sido implantado em Novembro de 1990 um pacemaker de modo VVI, referiu que “em Janeiro/93 tinha 34 anos de idade, trabalha como comerciante de madeiras, actividade que exige esforço e àquela data se puxasse demais ficava um bocadinho cansado bem como se tivesse de fazer uma caminhada ficava cansado, se não trabalhasse andava bem” (cfr. fls. 92 do II vol. do processo instrutor). Disse ainda que, após ter sido informado pelo arguido de que ficaria melhor se lhe fosse implantado um outro pacemaker, mais próprio para a sua idade e para a actividade que exercia, foram ambos” ao 4º piso do H. Stº. António, tendo o Sr. Amorim ficado cá fora e o Dr. Preza foi lá dentro tendo-lhe dito depois que não podia ser feito no hospital mas que podia ser feito noutro lado, tendo sido feita na Ordem do Carmo. O Sr. Amorim aceitou fazer na Ordem do Carmo sabendo que neste hospital teria que pagar”. Referiu, finalmente, que “disse ao Dr. Preza.... que dado que ia ficar melhor quanto mais depressa fizesse a substituição melhor”; - O Director do Serviço de Cardiologia do Hospital de Stº. António, Prof. Dr. Álvaro ...., referiu que “para um doente com 33 anos, em 1990, implantava um aparelho com resposta em frequência de modo VVI. O aparelho implantado no doente àquela data era de modo VVI mas não tinha resposta em frequência. Para o doente em causa poderia ser inicialmente aplicado um aparelho com resposta em frequência que poderia dar maior adaptabilidade ao esforço”. Quanto à negação de autorização para substituição do aparelho, afirma não se recordar desse facto “mas se lhe tivesse sido perguntado actualmente a possibilidade do doente poder substituir o aparelho VVI, enquanto estava sem queixas, teria dito que não” (cfr. fls. 81 a 83 do II vol. do processo instrutor); - o Dr. Lopes ..., médico cardiologista que no Hospital de Stº. António vinha seguindo o doente, concorda que a este não devia ter sido implantado um aparelho de modo VVI mas um aparelho com resposta em frequência (cfr. fls. 84); - o Dr. Aníbal ..., assistente hospitalar de Cardiologia, referiu que “de um modo geral todos os doentes, se não houver contra-indicações, devem receber inicialmente um pace DDD” e que, “de um ponto de vista técnico e prático, concorda com a afirmação de que o doente não deve ser penalizado devido à implantação de um dispositivo inadequado” (cfr. fls 77 do II vol. do processo instrutor) - o Dr. António ..., assistente hospitalar graduado de Cardiologia, afirmou que “aceita que 3 anos depois da implantação dum modo VVI e perante as queixas do doente se ponha a hipótese de substituição do pace” (cfr. fls. 78 do II vol. do processo instrutor). Resulta destes depoimentos que o “pacemaker” que se apresentava mais ajustado à idade e à actividade exercida pelo doente era um aparelho com resposta em frequência, o qual devia ter sido logo implantado em 1990. Não o tendo sido e confirmando o doente que apresentava sinais de cansaço após a realização de esforço, não se pode considerar afastado que, de um ponto de vista médico, a solução mais adequada seria a da substituição do “pacemaker”. E embora não se possa considerar provado que o Director do Serviço de Cardiologia recusou a autorização para efectuar tal substituição no Hospital de Stº. António, também não se pode ter como demonstrado que a substituição poderia ter lugar nesse Hospital. Aliás, a circunstância de o recorrente se ter feito acompanhar do doente ao 4º piso do hospital onde iria tentar obter autorização do referido Director para a substituição, bem como o facto de este afirmar que, embora não se lembrando se negou a autorização, a negaria no quadro em questão, indiciam que efectivamente o recorrente só indicou ao doente a clínica particular por não ser possível efectuar a substituição do “pacemaker” no Hospital. Assim sendo, e considerando que a referida substituição foi realizada a solicitação do doente, cremos que permanece a dúvida sobre se tal substituição em clínica particular era injustificada, tendo a sua necessidade sido incutida pelo recorrente com o objectivo de obter vantagens patrimoniais Procede, pois, o invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto x 3. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso contencioso, anulando o acto impugnado.Sem custas, por a entidade recorrida delas estar isenta. Entrelinhei: de x Lisboa, 6 de Julho de 2000as.) José Francisco Fonseca da Paz Carlos Manuel Maia Rodrigues Magda Espinho Geraldes |