Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05920/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/24/2010
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:NOTIFICAÇÃO.
ENVIO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA.
Sumário:O despacho que aplica a sanção pecuniária compulsória prevista no artº 84º, n.º4, do CPTA, por falta de envio do processo administrativo, além de ser notificado pessoalmente ao titualr do órgão sobre quem recai essa obrigação ou dirigente máximo da entidade demandada, deve ser também notificado ao mandatário desta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – Relatório

I.1 - As partes e o objecto do recurso

O Município de Évora recorre do despacho de fls. 46 e 47 que condenou o Presidente da Câmara Municipal de Évora ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de 8% do SMN, por cada dia de atraso na remessa do processo administrativo.

O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata e efeito suspensivo – cfr. fls. 69.

O recorrente apresentou alegações em que concluiu nos seguintes termos:
1.ª O despacho de fls. 29 a 31 não foi notificado ao mandatário da entidade demandada. Quando de acordo com o disposto no artigo 253°, n° 1, do CPC, dispõe no sentido de que em processos pendentes as notificações são feitas na pessoa dos seus mandatários;
2.ª A notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, a mesma deve ser efectuada ao seu mandatário e à parte;
3.ª O despacho de fl. 29 e 31 tinha necessariamente que ter sido notificado ao mandatário do Município de Évora. Mas a verdade é que não o foi.
4.ª A cominação da medida compulsória assume carácter sancionatório, por isso não poderá ser aplicada sem uma prévia averiguação destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável.
5.ª A notificação ao mandatário, não só possibilitaria ao tribunal averiguar das razões que determinaram a não junção do processo instrutor, como o mesmo seria de imediato junto, que é, aliás o habitual, salvo raras excepções;
6.ª A sanção aplicada é manifestamente injusta e desproporcional, porque a sua aplicação aparece configurada como uma faculdade, que apenas deve ser utilizada, quando do comportamento da entidade pública resulta a intenção de não dar cumprimento ao determinado, razão pela qual, a mesma habitualmente só é aplicada em situações de manifesto incumprimento.
7.ª O douto recorrido enferma, assim de erro de julgamento, por violar o disposto no artigo 253°, n° 1, do CPC, bem como o artigo 84° do CPTA, e ainda o princípio da proporcionalidade e da igualdade, impondo-se em consequência a sua revogação.

O EMMP emitiu douto parecer no sentido do recurso não merecer provimento.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.


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I.2 - Questões a solucionar:

As questões a solucionar são as seguintes:
a) Se o recurso devia ter sido interposto de imediato e com idêntico regime de subida e efeito suspensivo;
b) Se é correcta a condenação em pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 8% do SMN em vigor, por atraso no envio do P.A..


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II - Fundamentação

II.1 - De facto:
a) Na acção interposta pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) foi o réu, Município de Évora, citado para, além do mais, proceder ao envio do processo administrativo (cf. fls. 11/11 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
b) O processo administrativo não foi enviado com a contestação;
c) Após o que foi proferido o despacho judicial de fls. 30/31, ordenando a notificação pessoal do Presidente da Câmara Municipal de Évora para, em 5 dias, mandar juntar o P.A., sob pena de ser condenado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 8% do SMN em vigor;
d) Essa notificação foi feita por correio registado, com AR, datado de 06-04-2009, não tendo sido expedida qualquer notificação ao mandatário do réu;
e) Em 03-06-2009, por não ter sido remetido o PA, foi proferido novo despacho judicial que condenou o Presidente da Câmara Municipal de Évora na sanção referida em b), supra.


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II.2 - De Direito

Quanto à primeira questão, prescreve o art.º 142.º, n.º 5, do CPC:

As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil.

O art.º 734.º do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, determina que sobem imediatamente os agravos interpostos:

a) Da decisão que ponha termo ao processo;

b) Do despacho pelo qual o juiz se declare impedido ou indefira o impedimento oposto por alguma das partes;

c) Do despacho que aprecie a competência absoluta do tribunal;

d) Dos despachos proferidos depois da decisão final.

2. Sobem também imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.

Tem em conta a natureza e o momento do despacho impugnado, o caso presente não é subsumível a este normativo, pelo que o recurso só deveria ter sido interposto e ordenada a subida com a decisão final, sendo certo que não há qualquer situação de inutilidade enquadrável no n.º 2 do art.º 734º supra citado.

Mas, por razões de economia processual e não obstante o disposto no art.º 685.º-C, n.º 5, do CPC, passar-se-á a conhecer, de imediato, do recurso, com o que se entra na segunda questão.


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A principal razão de discordância prende-se com a falta de notificação ao mandatário do réu do despacho que aplicou a sanção pecuniária compulsória ao Presidente da Câmara Municipal de Évora (PCME).

Alega o réu que quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto processual a mesma deve ser efectuada ao seu mandatário e à contraparte.

Vejamos:

O CPTA impõe a remessa a tribunal, com a contestação, do processo administrativo relativo ao acto impugnado. Tal imposição tem como destinatário de primeira linha a entidade demandada.

É o que resulta do art.º 8.º, n.º 3 do CPTA: As entidades administrativas têm o dever de remeter ao tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo e demais documentos respeitantes à matéria do litígio…) e se reafirma no art.º 84.º, n.º 1, do mesmo diploma legal: "com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a remeter ao tribunal o original do processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora, que ficarão apensados aos autos).

Na falta de envio do PA, sem justificação aceitável, pode o juiz ou relator determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (art.º 84.º, n.º 4).

A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença (art.º 169.º, n.º 1).

Como, em regra, a entidade demandada é representada em juízo pelo seu dirigente máximo, é a este que incumbe dar cumprimento ao envio do PA e é a ele também que podem ser aplicadas sanções pecuniárias compulsórias.

Ou seja, subsidiariamente ou em segunda linha, a lei processual do contencioso administrativo vincula o dirigente máximo da entidade demandada ao efectivo cumprimento do disposto nos artigos 8.º, n.º 3, e 84.º, n.º 1, do CPTA.

Contudo, por natureza tal dirigente não é parte no processo no sentido usual do termo. Partes são, apenas, o autor e a entidade demandada, cujas personalidade jurídica (caso exista) e judiciária não se confundem com as do seu representante.

Sendo assim poderia pensar-se que quando se trata de notificar o dirigente máximo da entidade demandada para efeitos do art.º 84.º, n.os 1 e 4, do CPTA, apenas são aplicáveis os preceitos relativos à notificação dos intervenientes acidentais, nos termos do art.º 257.º do CPC, visto que o legislador do CPTA não podia desconhecer a norma processual civil que impõe um dever de colaboração geral em matéria de justiça, segundo a qual “todas as pessoal, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade (…) facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados” (art.º 519.º, n.º 1, do CPC).

Tal conclusão é, porém, errada.

Nos termos do art.º 25.º do CPTA, em matéria de citações e notificações é aplicável o disposto na lei processual civil, excepto no que concerne à citação dos contra-interessados quando estes sejam em número superior a 20.

Ora, o Código de Processo Civil consagra um regime dualista em matéria de notificação das partes:

Nos termos do n.º 1 do art.º 253.º do referido diploma legal as notificações das partes que tiverem constituído advogado são feitas, em regra, na pessoa do respectivo mandatário. Porém, quando se trate de chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (cf. art.º 253.º, n.º 2, do CPC).

Quando as partes não constituam mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários (art.º 255.º, n.º 1).

Já quanto aos intervenientes acidentais o art.º 257.º estipula que as notificações são feitas por meio de aviso expedido pelo correio, sob registo, indicando-se a data, o local e o fim da comparência.

Deste modo, ao prever que a obrigação de envio do processo instrutor recai sobre a entidade demandada e impondo a execução coerciva dessa obrigação sobre o titular que a representa, o legislador do CPTA implicitamente colocou este último numa posição semelhante à da parte que constitui mandatário e é notificada para a prática de acto pessoal. Assim, não obstante a separação de personalidade jurídica e judiciária de que acima se falou, o dirigente ou órgão máximo da entidade demandada, porque a representa em juízo, é para tal efeito equiparado a parte e não a interveniente acidental.

Logo, a notificação a este e ao mandatário é indiscutível - art.º 253.º, n.º 2, do CPC.

Mas mesmo que assim se não entenda, isto é, que se considere que o dirigente máximo da entidade demanda não é neste aspecto equiparado à parte, ainda assim o mandatário deve ser igualmente notificado do despacho que por via da aplicação da sanção pecuniária compulsória compele aquele ao envio do PA, na medida em que - como já se demonstrou - é sempre à entidade demandada que cabe em primeiro lugar cumprir tal obrigação.

Donde se conclui que, em qualquer caso, o despacho que aplica a sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 84.º, n.º 4, do CPTA, deve ser sempre notificado também ao mandatário da entidade demandada, na medida em que neste caso o envio do PA pode ser feito, quer por esta, quer pelo seu dirigente máximo.

Revertendo ao caso sub judice é óbvio que o despacho judicial que decidiu em sentido oposto não pode manter-se, por padecer de nulidade (art.º 201.º, n.º 1, do CPC), o que implica a sua revogação.


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III - Dispositivo:

Em face do exposto acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, em revogar o despacho recorrido.

Sem custas.

D.n.


Lisboa, 24-06-2010
Benjamim Barbosa (Relator)
Carlos Araújo
Teresa de Sousa