Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
O presente recurso vem interposto por A...- EMPREENDIMENTOS DESPORTIVOS E TURÍSTICOS, LDA.
· A...- EMPREENDIMENTOS DESPORTIVOS E TURÍSTICOS, LDA, intentou no T.A.C. de Lisboa a.a. especial contra
· MUNICÍPIO DE LISBOA.
Pediu ao tribunal da 1ª instância o seguinte:
Por despacho saneador de 14-7-2011, o referido tribunal decidiu absolver o réu da instância, por preterição do litisconsórcio necessário passivo.
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Inconformada, a a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões inutilmente longas:
A) O Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento da matéria de facto que considerou como assente.
B) O M. Juiz a quo considerou como estando provado que a ora Recorrente nomeou no articulado inicial sujeitos que poderiam ser identificados como Contra -Interessados, certo é que não procedeu à sua cabal e completa identificação de modo a permitir a sua citação.
C) Esses factos constantes da fundamentação de facto jamais poderiam ser ambos considerados como assentes e fundamentar a decisão da matéria de excepção suscitada pela Entidade Demandada, decorrente de não ter tomado em conta factualidade que aponta para que não havia verdadeiros Contra -Interessados porque nem a Recorreente jamais os indicou, bastando ler a factualidade alegada no r.i. e provada documentalmente, para ver que se tratou de mero e grosseiro lapso o requerimento de citação "...dos contra -interessados, para, querendo, deduzirem oposição".
D) Assim, tem necessariamente de considerar-se provado que a recorrente não indicou contra -interessados no requerimento inicial e que tal facto demonstra à saciedade que, tendo em conta a relação material controvertida tal como é configurada pela requerente, os pretensos contra -interessados, que nunca poderiam ser indicados no r.i. como tais, porque não são titulares de qualquer interesse legítimo e contraposto ao da requerente, errando o Tribunal recorrido no julgamento da matéria de facto ao considerar como assente o contrário.
E) Esse erro conduziu à incorrecta aplicação do direito no julgamento da excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Requerida, dada a inexistência de litisconsórcio necessário passivo.
F) Os pretensos contra -interessados seriam, segundo a Entidade Demandada e o M° Juiz «a quo», os segundos concorrentes mas, os mesmos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que, por Acórdão prolatado em 14 de Outubro de 2004, deu provimento ao recurso com fundamento na ilegalidade da deliberação camarária impugnada, anulando-a, por ter considerado ilegal o prazo de 25 anos definido para a concessão, já que tal prazo, nos termos do disposto no artigo 40° do Decreto-Lei n.° 100/84 e do artigo 10° do Decreto-Lei n.° 390/ 82, o mesmo não pode ser superior a 20 anos e que, em execução do acórdão e respeitando o caso julgado por ele formado, através da proposta n° 758/2008, aprovada por maioria na reunião de Câmara datada e 4 de Setembro de 2008, foi deliberado adjudicar ora recorrente o direito de construção e exploração de um campo de golfe municipal, situado na área de prolongamento para norte, do Parque da Bela Vista, em regime de concessão, nos termos e condições definidos na hasta pública ri° 13/HP/ 96, com excepção do prazo de concessão previsto na cláusula n° 4, das condições de acordo, que passou a ser de 20 anos.
G) A própria Entidade Demandada reconhece que a legislação aplicável à data dos factos (Decreto-Lei n° 380/ 82, de 17 de Setembro e Decreto-Lei n° 405/ 93, de 10 de Dezembro) era omissa quanto ao procedimento a adoptar na situação de não entrega dos documentos de habilitação, não prevendo, nomeadamente, a possibilidade de adjudicação à proposta ordenada em lugar subsequente e que existia a solução legal a adoptar no caso de o adjudicatário não comparecer no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato, a Câmara designou data na qual a Recorrente estava impossibilitada de outorgar a escritura pelas vicissitudes devidamente comprovadas e que aquela não relevou, não existiam, quer por força do caso julgado do Acórdão do STA, quer por força da legislação invocada, quer, ainda, tendo em conta a relação material controvertida tal como a configurou a recorrente, quaisquer contra -interessados que devessem ser chamados para deduzirem oposição.
H) E foi por isso mesmo que a entidade requerida, com base no Parecer n.°0059/ DWISC / D3 / GO/ 2010, do Departamento Jurídico, entendeu que, não podendo proceder o motivo alegado (e para ela não comprovado) pela requerente, para impossibilitar a realização da escritura pública na data marcada, estavam reunidas as condições legais exigidas pelo art°107°, n°3 do Decreto-lei n.°405/93 para considerar a adjudicação sem efeito, o que veio a ser determinado no despacho suspendendo.
I) Assim, a sentença recorrida valorou erradamente a prova relevante para aferir se existiam contra -interessados pois estes não existiam no caso concreto e, por isso, não tinham que ser indicados pela ora recorrente, como não indicou, cumprindo ao julgador, por accionamento do princípio da oficiosidade do direito, aferir se, apesar do silêncio da requerente quanto à matéria da excepção, existiam, efectivamente, contra -interessados que devessem intervir na causa, o que não fez.
J) Sendo certo que, levando em conta o conteúdo do despacho impugnado e a alegação da Autora, ora recorrente, no sentido de que continua a existir o contrato de concessão e que o mesmo só pode ser objecto de redução, atestam precisamente que existe a impossibilidade legal da existência dos ditos contra-interessados pois estes, a partir do trânsito do acórdão do STA e dos Decreto-Lei n° 380/ 82, de 17 de Setembro e Decreto-Lei n° 405/93, de 10 de Dezembro, não podem arrogar-se titulares de um qualquer interesse contraposto ao da requerente (art° 100, n° 1, do CPTA).
K) A sentença errou no seu julgamento sobre a existência de contra -interessados
tanto mais que, conforme está configurada a relação material controvertida, não têm aqueles sujeitos um interesse contraposto ao autor, erro esse já reconhecido no referido Acórdão do TCAS, que sobre essa questão fez caso julgado.
L) Na decisão recorrida, o M° Juiz dá conta da existência do processo cautelar n°
2185 / 10.BELSB, processo dependente do actual (processo principal), e de que face à falta de identificação dos contra-interessados, o Tribunal determinou a absolvição da instância da ora Entidade Demandada e, não obstante, não atentou — ou diligenciou — por saber que nesse processo cautelar n° 2185 / 10.BELSB, que tal decisão, à qual se arrimou o M° Juiz para decidir nestes autos no mesmo sentido e com os mesmos fundamentos, foi objecto de recurso para o TCAS que considerou que não houve preterição do litisconsórcio passivo necessário, por acórdão que transitou em julgado.
M) Ora, lavrada sentença em que foi ofendido o caso julgado e iludido o dever de acatamento, impõe-se o conhecimento de um tal vício, determinante de revogação da dita sentença.
N) Isso porque, nos termos dos art°s. 156°, n° 1, do CPC, 4°, n° 2, da Lei n° 3/99,
de 13/1, e 4° da Lei n0 21/ 85, de 30/ 7, impende sobre os juízes o dever de acatar as decisões proferidas pelos tribunais superiores, transitadas em julgado, devendo ser revogada a segunda decisão do tribunal inferior que não acata a do superior, proferida em recurso jurisdicional da primeira.
Caso assim não seja entendido,
O) Sucede que a excepção em referência foi suscitada pela Entidade Requerida, raiando essa suscitação a má-fé processual porquanto é ela própria que reconhece que, face ao acórdão do STA transitado em julgado e à legislação que indica no parecer em que se ancora a deliberação de dar sem efeito a hasta pública, não podem os segundos concorrentes ser chamados à celebração da escritura que a Câmara quis impor à requerente, sendo certo que, por força do acórdão e da citada legislação, deixaram aqueles de ter qualquer interesse no procedimento.
P) A 2' parte do n° 1 do art° 100 do CPTA, como referem Mário Aroso e Fernandes Cadilha, Comentário do CPTA, 2' ed., pág. 80, "...estende a qualidade de sujeito passivo aos contra-interessados, ou seja, a todos os que tenham interesse em contradizer, ainda que não sejam titulares da relação material controvertida; assim se deverá compreender a referência a interesses contrapostos, que poderá traduzir-se num mero interesse destinado a evitar o prejuízo que poderá advir da procedência da acção".
Q) Pelo que aos concorrentes classificados em segundo lugar, o provimento do
presente processo e/ou do processo impugnatório, é insusceptível de prejudicar directamente ou que aos mesmos assista qualquer legítimo interesse na manutenção do acto em crise — isso traduzia-se na suspensão e subsequente manutenção do acto suspendendo/impugnado pelo que não se configura a situação de litisconsórcio necessário passivo, tendo errado a sentença de facto e de direito ao declarar a sua existência e determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância por isso devendo ser revogada.
R) Ademais, não impendendo sobre a requerente qualquer ónus de identificar os contra-interessados a quem a adopção da providência cautelar pudesse directamente prejudicar ( cfr. al. d) do n° 2 do art° 114° do CPTA), é manifesto que se tratou de mero lapso, constatável a partir da simples leitura do r.i., o pedido de citação dos "contra -interessados" sacramentalmente ali inserido, não havendo lugar à mesma nos termos regulados no art° 117° do CPTA.
S) Tanto assim que, tal falta seria até motivo de recusa do r.i. pela Secretaria, o que não ocorreu naturalmente porque não foram indicados quaisquer contra-interessados, qualidade que, contraditoriamente, foi atribuída aos segundos concorrentes aos quais o acórdão do STA e a citada legislação já retirara, como vem sustentado pela própria Entidade Requerida e erradamente reconhecida àqueles na sentença recorrida.
T) E o carácter manifesto do erro cometido revela-se não só na sua evidência, mas também, como se dispõe no art.249° do Código Civil ou no art." 667° do Código de Processo Civil, pelo facto de a discrepância ser perceptível "no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que é feita" - ou seja, aqui, no próprio acto ou no procedimento que o antecedeu.
U) De resto, o art° 20", n° 1 da Constituição determina que «a todos é assegurado o acesso ao direito aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos», consagrando este preceito o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional que implica naturalmente a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, que implica a prevalência da substância sobre a forma.
V) Tal solução é também imposta pelo princípio pro actione (também chamado anti-formalista) que aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado, sendo a finalidade de tal princípio o de conferir urna maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido em realização daquele princípio constitucional da tutela judicial efectiva.
W) Assim, em ordem a realizar finalmente o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, há que concluir que não tendo sido indicados quaisquer contra interessados e não os havia, foi requerida a citação dos mesmos só por lapso manifesto como consta no parte final do r.i., pois este entendimento é o único que está em sintonia com o direito que a todos os cidadãos é garantido de acederem aos tribunais com o escopo de verem apreciados os direitos de que se arrogam (n.°1 do artigo 20" da Lex Fundamentalis).
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O recorrido conclui em sentido oposto a sua contra-alegação.
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O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão jurisdicional ora recorrida está assim fundamentada:
«…
Ora, conforme a Autora refere na sua P.I. (cfr. artigo 4° e 5°), na mencionada hasta pública para atribuição do direito de construção e exploração de um campo de golfe municipal existiram outros concorrentes (cfr. também o alegado pela Entidade Demandada, no artigo 42° da sua contestação). Concorrentes estes que, aliás, a seu tempo recorreram contenciosamente da deliberação que procedeu à adjudicação em causa (cfr. Ac. do STA de 14.10.2004, proferido no processo n.° 01921/02).
Por outro lado, se é certo que a ora Autora nomeou na petição inicial sujeitos que poderiam ser identificados como contra-interessados, certo é que não procedeu à sua completa identificação, conforme imposto pelo artigo 78.°, n.° 2, alínea f), do CPTA, de modo a permitir a sua citação.
Acresce sublinhar que a Autora foi expressamente notificada para se pronunciar sobre a falta de identificação dos contra-Interessados, sendo que nada veio dizer ou requerer aos autos, nomeadamente promovendo a sanação do vício em causa com a devida e exigida identificação preterida.
Refira-se, por fim, que já no processo cautelar n.° 2185/10.9BELSB, processo dependente do actual (processo principal), face à falta de identificação dos contra-interessados, o Tribunal determinou a absolvição da instância da ora Entidade Demandada.
Verificada que se mostra a excepção de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário passivo, tem lugar, consequentemente, a absolvição desta instância, por força do disposto no artigo 28.° do CPC, ex vi do artigo 1.° do CPTA, e artigos 10.°, n.° 1, e 89.°, n.° 1, alínea f), do CPTA».
Vejamos.
A A impugna o cit. despacho municipal emitido ao abrigo do art. 109º-1 RJUE (Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho, o presidente da câmara municipal é competente para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respectivo alvará), por violação do art. 81º-2 RPDM de Lisboa.
É elementar que o TAC decidiu mal.
Contra-interessados são
-quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou quem tenha legítimo interesse na manutenção do ato impugnado
e
-que possa ser identificado em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo (v. art. 57º CPTA).
É, como sabemos, um caso de litisconsórcio necessário passivo com a Entidade Pública ré (vd. Ac.STA de 1-3-11, P. nº 0416/10; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/C.C., Comentário ao CPTA, 3ª ed., anot. ao art. 57º, e elementos aí referidos). Apesar do pendor restritivo da parte final deste art. 57º.
Em suma, contra-interessados (corréus), segundo o CPTA, são, com base na relação material trazida a juízo ou com base no p.a., os titulares de um direito ou interesse legítimo contraposto ao interesse prosseguido pelo autor, isto em termos diretos e imediatos a partir da eventual sentença.
Ora, o que resulta desta p.i. é que a CML emitiu contra a ora A., antes autorizada por concessão a utilizar um certo espaço físico, o cit. despacho fundado no art. 109º-1 RJUE(1) quanto ao estabelecimento pré-escolar denominado "Colégio Terra da Fantasia" (que está numa parcela do terreno concessionado). Nada mais; nada menos.
Pelo que aqui não releva, de todo, o prévio procedimento concursal destinado à atribuição da concessão cit., no qual participaram outras pessoas jurídicas.
A invalidação do ato administrativo que, ao abrigo do cit. art. 109º RJUE e por violação de norma do RPDM, mandou a A cessar a utilização de determinado edifício integrado num terreno concessionado à A. nada interessa, assim, a quaisquer terceiros de modo direto e imediato; e é um assunto totalmente independente quer do procedimento concorrencial pelo qual a A pôde utilizar o terreno em questão, quer dos outros concorrentes.
Trata-se apenas de fazer cessar, como previsto no RJUE, uma concreta utilização ilegal de parte de um terreno que o réu deu em concessão à A., e não de impedir qualquer utilização do terreno.
Concluímos assim que a p.i. não falhou, ao não ter indicado terceiros interessados no insucesso deste processo.
Isto quer dizer que esses terceiros, que antes concorreram para obter a concessão da utilização do terreno, não são contra-interessados, não podem ser co-réus, para efeitos dos arts. 57º e 78º-2-f do CPTA.
Não há, assim, qualquer situação de preterição do litisconsórcio necessário passivo.
Pelo que o Mmº juiz a quo violou os arts. 89º-1, 57º e 78º-2-f do CPTA.
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III- DECISÃO
Pelo ora exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e mandar os autos prosseguir se a tanto nada mais obstar.
Custas a cargo do recorrido.
Lisboa, 6-12-2012
1- Artigo 109.º Cessação da utilização
1 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho, o presidente da câmara municipal é competente para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respectivo alvará.
2 - Quando os ocupantes dos edifícios ou suas fracções não cessem a utilização indevida no prazo fixado, pode a câmara municipal determinar o despejo administrativo, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 92.º
3 - O despejo determinado nos termos do número anterior deve ser sobrestado quando, tratando-se de edifício ou sua fracção que estejam a ser utilizados para habitação, o ocupante mostre, por atestado médico, que a execução do mesmo põe em risco de vida, por razão de doença aguda, a pessoa que se encontre no local.
4 - Na situação referida no número anterior, o despejo não pode prosseguir enquanto a câmara municipal não providencie pelo realojamento da pessoa em questão, a expensas do responsável pela utilização indevida, nos termos do artigo anterior.
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