Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1282/15.9BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 07/12/2017 |
| Relator: | LURDES TOSCANO |
| Descritores: | TAXA DE ARBITRAGEM / REEMBOLSO EXECUÇÃO DE JULGADOS / ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA |
| Sumário: | I – O reembolso das taxas de arbitragem pagas ao CAAD pelos requerentes em processos arbitrais incumbe a esta entidade, independentemente da fixação do montante e da repartição das custas pelas partes que deve constar da decisão arbitral, nos termos do artigo 22° do RJAT. II - Face ao art. 4º do RCPAT, parece resultar claro que, independentemente do pagamento das custas em que foi condenada a parte vencida, sempre terá de ser o CAAD a efectuar o reembolso das taxas arbitrais. III - Na presente execução nunca a AT poderia ser condenada ao reembolso das taxas arbitrais tal como pedido, uma vez que nos termos legais supra referidos, não é essa a entidade com competência para o fazer, ao que acresce que a decisão arbitral que constitui o título da acção de execução de julgados e que lhe imputa o pagamento das custas não contém qualquer definição dos elementos subjectivos e objectivos dessa relação jurídica. Pelo que forçoso é concluir que a recorrente padece de ilegitimidade substantiva na presente acção. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da sentença de fls.84 a 85v do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que, na acção de execução de julgados ali intentada por D... e M... - com vista a obter a devolução do valor por eles pago a título de taxas arbitrais no âmbito do processo nº234/2014-T e a condenação do Director da Autoridade Tributária no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória – julgou improcedente a excepção dilatória de falta de ilegitimidade passiva invocada pela Entidade Executada e condenou esta “no pagamento das custas devidas pela presente acção”, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: «I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito da acção de execução de julgados que correu termos sob o n°1282/15.9BELRS, na parte respeitante ao segmento decisório que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, bem como no segmento decisório que condenou a AT no pagamento das custas. II. Entende a recorrente que a sentença padece dos vícios de (i) falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, vício que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artigos 94°, n°3, do CPTA, e nos artigos 607°,n° 4, e 615°, n°1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi 1° do CPTA; e de (ii) erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 10° do CPTA e dos artigos 10°, n°s 4, 5 e 6, 53°, 703°, n°1, alínea a) e 527°, 536°, n° 3 e nº 4, 278°, n°1, alínea d), 577°, alínea e) do CPC, bem como do artigo 4°, n°4 e 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 606° do Código Civil. III. A sentença recorrida não contém probatório, não tendo o Tribunal a quo consignado a factualidade relevante nem especificado os factos provados e não provados, violando a decisão arbitral o disposto nos artigos 94°, n°3, do CPTA e 607°, n°4 do CPC. IV. A sentença recorrida é omissa quanto à fundamentação de facto, porquanto não foram especificados quaisquer factos susceptíveis de fundamentar a decisão de improcedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada pela AT, sendo que tal omissão impede a impugnação eficaz da sentença, porquanto dificulta o cumprimento pela ora recorrente do ónus de especificar nas presentes alegações de recurso «os concretos pontos de facto que considera julgados», como impõe a alínea a) do artigo 640°, nº1, do CPC. V. O vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão constitui, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615° do CPC, causa de nulidade da sentença, o que deve ser decretado. VI. A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto sustenta a verificação do pressuposto processual atinente à legitimidade das partes na norma geral constante do artigo 30°, n°3, do CPC, confundindo as espécies de acções, declarativas ou executivas, referenciadas no artigo 10° do CPC. VII. Para além desta regra geral respeitante à legitimidade das partes no âmbito das acções declarativas, consagrou o legislador disposições especiais aplicáveis às acções executivas, designadamente o artigo 53° do CPC, o qual determina que a «execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser Instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor». VIII. Na presente acção de execução de julgados, a legitimidade das partes não se pode aferir, como sustenta a douta sentença, «de acordo com a configuração que o autor faz da relação jurídica», devendo antes atender-se ao título executivo, e confrontá-lo com a petição inicial. IX. Com efeito, «... pela análise do título se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção» (cfr. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 11). X. Os exequentes visaram, ao intentar a acção de execução, obter o reembolso da taxa de arbitragem previamente paga ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). XI. Resulta do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária que a parte condenada em custas, que não realizou o seu pagamento prévio, deverá efectuar o pagamento ao CAAD e que a devolução à parte vencedora de montantes indevidamente pagos é, igualmente, concretizada por esta entidade. XII. Assim, o reembolso das taxas de arbitragem pagas ao CAAD pelos requerentes em processos arbitrais incumbe a esta entidade, independentemente da fixação do montante e da repartição das custas pelas partes que deve constar da decisão arbitral, nos termos do artigo 22° do RJAT. XIII. Desta forma, a AT é completamente alheia à relação jurídica que se estabelece entre o requerente num processo arbitral e o CAAD, não contendo a decisão arbitral que lhe imputa o pagamento das custas qualquer definição dos elementos subjectivos e objectivos dessa relação jurídica. XIV. A decisão arbitral que constitui o título da acção de execução de julgados não define quem é o credor e o devedor na relação material constituída entre os requerentes arbitrais e o CAAD, nem determina que a executada, ora recorrente, é parte legítima na acção de execução de julgados (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n°2482/12.9TBSTR-A.E1.S1). XV. Assim, impunha-se que o Tribunal procedesse à análise do título executivo e decidisse que a executada, ora recorrente, era, tal como invocado, parte ilegítima na acção de execução de julgados, determinando a absolvição da instância, nos termos dos artigos 278°, n°1, alínea d), 576°, n°2 e 577°, alínea e) do CPC e, consequentemente, a condenação dos exequentes em custas, nos termos do artigo 527° do CPC. XVI. A douta sentença recorrida incorre, ainda, em erro de julgamento ao condenar a executada, ora recorrente, em custas, fundamentando tal decisão no facto dos exequentes terem promovido a cobrança de um crédito do CAAD por via de uma acção sub-rogatória e da AT se encontrar em mora no momento da entrada em juízo do processo executivo. XVII. O regime da acção sub-rogatória, previsto nos artigos 606° a 609° do Código Civil, depende da verificação dos requisitos seguintes: (i) que o credor exerça contra o terceiro um direito de conteúdo patrimonial; (ii) que haja inércia do devedor; e (iii) que a sub-rogação seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor, que não se verificam in casu; XVIII. Não estamos perante uma acção sub-rogatória essencial para garantir um direito de crédito, mas tão só perante uma acção de execução de julgados na qual a executada é parte ilegítima. XIX. Errou a sentença ao invocar a inércia do devedor, porquanto o CAAD notificou a AT para proceder ao pagamento da conta de custas de arbitragem, o que veio a acontecer. XX. Errou a sentença ao considerar que a AT se encontrava em mora em virtude de ter sido interpelada pelos exequentes para restituição do montante pago a título de taxa de arbitragem pois a devolução de tais montantes não incumbe à AT, de acordo com o disposto no artigo 4°, n° 4 e 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária; XXI. Pelo que a extinção da instância executiva (que, reitera-se, não deveria ter-se constituído por falta do pressuposto da legitimidade passiva) por inutilidade da lide não é imputável à executada, ora recorrente. XXII. Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, por violação do disposto nos artigos 10° do CPTA e dos artigos 10°, n°s 4, 5 e 6, 53°, 703°, n°1, alínea a) e 527°, 536°, n°3 e n°4, 278°, n°1, alínea d), 577°, alínea e) do CPC, bem como do artigo 4°, n°4 e 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 606° do Código Civil, determinando-se a absolvição da Exequente da instância e a condenação dos Exequentes em custas. PORÉM V. EXAS., DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.». * Não foram apresentadas contra-alegações * O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 119/120 dos autos). * Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II - FUNDAMENTAÇÃO II.1. De Facto A decisão recorrida é do seguinte teor: «D... e M..., com os demais sinais nos autos, intentaram contra a Fazenda Pública acção de execução de julgado pedindo a condenação daquela na devolução do valor, cifrado em € 20.808,00, por eles pago a título de taxas arbitrais no âmbito do processo arbitral nº234/2014-T e a condenação do Director da AT numa sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da mencionada decisão arbitral. Alegaram, em síntese, que a referida decisão arbitral, tomada em 16/09/2014 e entretanto transitada em julgado, condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas arbitrais, fixadas em € 20.808,00; que, em 07/10/2014, os exequentes remeteram à mesma um pedido de restituição de custas de parte; e que a AT não cumpriu a referida decisão arbitral. Na resposta, a executada alegou ser parte ilegítima nos autos, em virtude de incumbir ao Centro de Arbitragem Administrativa, e não à AT, nos termos do nº5 do artigo 4,° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a restituição das taxas aos exequentes; e que se verifica impossibilidade da lide, por falta de objecto do processo, em virtude da AT ter pago ao CAAD, no dia 27/04/2015, o valor peticionado. Terminou pedindo a absolvição da Executada da instância ou do pedido. Notificados desta resposta, os Exequentes informaram o Tribunal de que já haviam sido ressarcidos das custas reclamadas nestes autos, pelo que não se opõem à declaração de extinção por inutilidade superveniente da lide. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. O processo é o próprio e encontra-se isento de nulidades que o invalidem no seu todo. As partes gozam de personalidade e de capacidade. * Vem arguida a ilegitimidade passiva da executada, com fundamento no facto de, alegadamente, incumbir ao Centro de Arbitragem Administrativa, e não à AT, nos termos do n°5 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a restituição das taxas aos exequentes. A legitimidade processual é um pressuposto processual de âmbito geral, explicitamente previsto para a contencioso administrativo nos artigos 9° (legitimidade ativa) e 10.° (legitimidade passiva) do CPTA. A legitimidade passiva é o pressuposto processual respeitante ao Réu que se afere em função do interesse directo em contradizer [CPC, 30°, n°1, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA] referido ao objecto da lide, ao conteúdo material da pretensão, expresso, portanto, pela utilidade negativa (prejuízo) que da procedência da acção advenha para uma pessoa [CPC, 30°, nº 2], Daí que, nos termos do disposto no n°1 do artigo 10° do CPTA, cada acção deva ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida. Nos termos do n°3 do artigo 30° do CPC, subsidiariamente aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1° do CPTA, [n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Ou seja, é de acordo com a configuração que o autor faz cia relação jurídica que se afere a legitimidade (quer ativa quer) passiva da(s) parte(s) em juízo, enquanto pressuposto processual (legitimidade processual) e não em função do direito material aplicável, que só relevará para a decisão do mérito da causa (legitimidade substantiva). Ora, os Exequentes pedem nos presentes autos a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de uma quantia em execução de decisão arbitral. A procedência da acção trará a esta, assim, uma utilidade negativa directa, sendo, portanto, de concluir pelo seu interesse em contradizer e, deste modo, pela sua legitimidade processual. Improcede, deste modo, a excepção invocada. Os Exequentes têm igualmente legitimidade. As partes encontram-se devidamente patrocinadas. Não se verificam utilidades, excepções dilatórias ou outras questões, de conhecimento oficioso, que obstem ao conhecimento do mérito da causa. *** Exequentes e executada informaram o Tribunal de que já havia sido paga a quantia reclamada nestes autos, pronunciando-se no sentido de dever ser declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim, por via diferente da procedência do presente processo, alcançou-se o objectivo visado com ele pelos Exequentes. A inutilidade superveniente da lide é de acordo com o disposto no artigo 277°, alínea e), do CPC, aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1° do CPTA, causa de extinção da instância. A documentação junta aos autos demonstra que, conforme igualmente assume a AT, o pagamento das quantias aqui peticionadas ao Centro de Arbitragem Administrativa ocorreu no dia 27/04/2015 - cfr. os documentos de fls. 77 e 78 —, ou seja, após a propositura da presente acção, que ocorreu no dia 20/04/2015 - cfr. fls. 3 -, sendo que esta foi proposta já muito após a prolação da decisão arbitral (que foi notificada no dia 26/09/2014 - cfr. a certidão de fls. 20) e a interpelação dos Exequentes para pagamento das custas em 7/10/2014 - cfr. o documento de fls. 7. Assim, considere-se as regras decorrentes do Regulamento das Custas Processuais e respectiva regulamentação quanto à cobrança de custas de parte ou o disposto no n°5 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária; e reconheça-se na interpelação para pagamento feita pelos Exequentes a cobrança de um crédito próprio ou a cobrança, por via sub-rogatória [Código Civil, 606° a 609°], de um crédito do Centro de Arbitragem Administrativa; certo é que a decisão arbitral condenou em custas a Executada -cfr. a certidão de fls. 23 a 58 - e que, no momento da entrada em juízo do presente processo executivo, a AT se encontrava já em mora quanto ao seu cumprimento. Deste modo, nos termos do disposto na primeira parte do n°3 do artigo 536° do CPC, deve a Executada ser condenada no pagamento das custas da presente acção. Fixo o valor da causa em € 20.808,00. *** Nestes termos: 1) Julgo improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva; 2) Declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide; 3) Condeno a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas devidas pela presente acção.» * II.2. De Direito Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal. De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a decisão recorrida padece dos vícios de: - falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, vício que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artigos 94°, n°3, do CPTA, e nos artigos 607°,n° 4, e 615°, n°1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi 1° do CPTA; e - erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 10° do CPTA e dos artigos 10°, n°s 4, 5 e 6, 53°, 703°, n°1, alínea a) e 527°, 536°, n° 3 e nº 4, 278°, n°1, alínea d), 577°, alínea e) do CPC, bem como do artigo 4°, n°4 e 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 606° do Código Civil. *** O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito da acção de execução de julgados que correu termos sob o n°1282/15.9BELRS, na parte respeitante ao segmento decisório que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, bem como no segmento decisório que condenou a AT no pagamento das custas.
Em primeiro lugar, importa verificar se a sentença recorrida padece de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, vício que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artigos 94°, n°3, do CPTA, e nos artigos 607°,n° 4, e 615°, n°1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi 1° do CPTA. Invoca a recorrente [conclusões III. a V.] que a sentença recorrida não contém probatório, não tendo o Tribunal a quo consignado a factualidade relevante nem especificado os factos provados e não provados, violando a decisão arbitral o disposto nos artigos 94°, n°3, do CPTA e 607°, n°4 do CPC. A sentença recorrida é omissa quanto à fundamentação de facto, porquanto não foram especificados quaisquer factos susceptíveis de fundamentar a decisão de improcedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada pela AT, sendo que tal omissão impede a impugnação eficaz da sentença, porquanto dificulta o cumprimento pela ora recorrente do ónus de especificar nas presentes alegações de recurso «os concretos pontos de facto que considera julgados», como impõe a alínea a) do artigo 640°, nº1, do CPC. O vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão constitui, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615° do CPC, causa de nulidade da sentença, o que deve ser decretado. Vejamos. De acordo com o artigo 615º nº1 alínea b) do CPC [supletivamente aplicável ao abrigo do artigo 1º do CPTA] a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A jurisprudência dos tribunais superiores vem concluindo, de forma praticamente uniforme, que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorre quando se verifique uma completa ausência dessa fundamentação, e não quando esta seja incompleta ou deficiente, pois só no primeiro caso o destinatário da sentença fica na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada tal decisão, e o tribunal superior fica impedido de sindicar a lógica inerente ao silogismo judiciário que a ela presidiu [ver, por todos, AC STJ de 14.04.1999, BMJ nº486, página 250, AC STA de 26.07.2000, Rº46382, AC STJ 26.02.2004, Rº03B3798, e AC STJ de 12.05.2005, Rº5B840]. E isto em sintonia com o que vem dizendo a doutrina desde há muito, que tem feito notar que não deve confundir-se sumariedade ou erro da fundamentação [de facto e de direito] com falta absoluta de fundamentação, e que só a esta última se reporta a alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC [ver Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3ª edição, volume III, página 193; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, tomo III, página 141; Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 687]. No presente caso, o recorrente queixa-se da fundamentação de facto que subjaz à decisão judicial recorrida, alegando que a mesma é omissa quanto à fundamentação de facto, porquanto não foram especificados quais quer factos susceptíveis de fundamentar a decisão de improcedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada pela AT. Mas carece de razão. Conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.84 a 85v do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se manifestamente improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Na decisão em apreço - embora reconheçamos que a técnica utilizada não foi a melhor - encontramos discriminados os factos, nomeadamente, no penúltimo parágrafo da pag. 3 da sentença (fls. 85 dos autos). Assim, e dentro da lógica perseguida pela decisão recorrida, a fundamentação de facto, segundo cremos, mostra-se bastante clara e suficiente, e a fundamentação jurídica mostra-se congruente com essa matéria factual dada como provada, motivos pelos quais deverá ser julgada improcedente a nulidade invocada pela recorrente.
Questão diferente será a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, o que se passará agora a apreciar. Sobre esta matéria invoca a recorrente (conclusões VI. a XV.) que a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto sustenta a verificação do pressuposto processual atinente à legitimidade das partes na norma geral constante do artigo 30°, n°3, do CPC, confundindo as espécies de acções, declarativas ou executivas, referenciadas no artigo 10° do CPC. Para além desta regra geral respeitante à legitimidade das partes no âmbito das acções declarativas, consagrou o legislador disposições especiais aplicáveis às acções executivas, designadamente o artigo 53° do CPC, o qual determina que a «execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser Instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor». Na presente acção de execução de julgados, a legitimidade das partes não se pode aferir, como sustenta a douta sentença, «de acordo com a configuração que o autor faz da relação jurídica», devendo antes atender-se ao título executivo, e confrontá-lo com a petição inicial. Com efeito, «... pela análise do título se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção» (cfr. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 11). Os exequentes visaram, ao intentar a acção de execução, obter o reembolso da taxa de arbitragem previamente paga ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). Resulta do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária que a parte condenada em custas, que não realizou o seu pagamento prévio, deverá efectuar o pagamento ao CAAD e que a devolução à parte vencedora de montantes indevidamente pagos é, igualmente, concretizada por esta entidade. Assim, o reembolso das taxas de arbitragem pagas ao CAAD pelos requerentes em processos arbitrais incumbe a esta entidade, independentemente da fixação do montante e da repartição das custas pelas partes que deve constar da decisão arbitral, nos termos do artigo 22° do RJAT. Desta forma, a AT é completamente alheia à relação jurídica que se estabelece entre o requerente num processo arbitral e o CAAD, não contendo a decisão arbitral que lhe imputa o pagamento das custas qualquer definição dos elementos subjectivos e objectivos dessa relação jurídica. A decisão arbitral que constitui o título da acção de execução de julgados não define quem é o credor e o devedor na relação material constituída entre os requerentes arbitrais e o CAAD, nem determina que a executada, ora recorrente, é parte legítima na acção de execução de julgados (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n°2482/12.9TBSTR-A.E1.S1). Assim, impunha-se que o Tribunal procedesse à análise do título executivo e decidisse que a executada, ora recorrente, era, tal como invocado, parte ilegítima na acção de execução de julgados, determinando a absolvição da instância, nos termos dos artigos 278°, n°1, alínea d), 576°, n°2 e 577°, alínea e) do CPC e, consequentemente, a condenação dos exequentes em custas, nos termos do artigo 527° do CPC.
Vejamos o que se escreveu na decisão recorrida sobre esta matéria: «Vem arguida a ilegitimidade passiva da executada, com fundamento no facto de, alegadamente, incumbir ao Centro de Arbitragem Administrativa, e não à AT, nos termos do n°5 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a restituição das taxas aos exequentes. A legitimidade processual é um pressuposto processual de âmbito geral, explicitamente previsto para a contencioso administrativo nos artigos 9° (legitimidade ativa) e 10.° (legitimidade passiva) do CPTA. A legitimidade passiva é o pressuposto processual respeitante ao Réu que se afere em função do interesse directo em contradizer [CPC, 30°, n°1, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA] referido ao objecto da lide, ao conteúdo material da pretensão, expresso, portanto, pela utilidade negativa (prejuízo) que da procedência da acção advenha para uma pessoa [CPC, 30°, nº 2], Daí que, nos termos do disposto no n°1 do artigo 10° do CPTA, cada acção deva ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida. Nos termos do n°3 do artigo 30° do CPC, subsidiariamente aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1° do CPTA, [n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Ou seja, é de acordo com a configuração que o autor faz cia relação jurídica que se afere a legitimidade (quer ativa quer) passiva da(s) parte(s) em juízo, enquanto pressuposto processual (legitimidade processual) e não em função do direito material aplicável, que só relevará para a decisão do mérito da causa (legitimidade substantiva). Ora, os Exequentes pedem nos presentes autos a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de uma quantia em execução de decisão arbitral. A procedência da acção trará a esta, assim, uma utilidade negativa directa, sendo, portanto, de concluir pelo seu interesse em contradizer e, deste modo, pela sua legitimidade processual. Improcede, deste modo, a excepção invocada.»
Conforme se constata do excerto supra transcrito, o Tribunal a quo para decidir pela legitimidade passiva da ora recorrente, aplicou o art. 30º do CPC, mais propriamente, o nº 3 do referido artigo, subsidiariamente aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1° do CPTA, que estipula que [n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor para concluir que é de acordo com a configuração que o autor faz da relação jurídica que se afere a legitimidade (quer ativa quer) passiva da(s) parte(s) em juízo, enquanto pressuposto processual (legitimidade processual) e não em função do direito material aplicável, que só relevará para a decisão do mérito da causa (legitimidade substantiva). Mais concluiu que os Exequentes pedem nos presentes autos a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de uma quantia em execução de decisão arbitral. A procedência da acção trará a esta, assim, uma utilidade negativa directa, sendo, portanto, de concluir pelo seu interesse em contradizer e, deste modo, pela sua legitimidade processual. E deste modo, improcedeu a excepção invocada.
Vejamos. A regra geral respeitante à legitimidade das partes aplicada na decisão recorrida é a regra aplicável no âmbito das acções declarativas. No entanto, consagrou o legislador disposições especiais aplicáveis às acções executivas, designadamente o artigo 53° do CPC, no qual se estatui o seguinte:
É facto pacífico e não contraditado que a ATA na decisão arbitral P234/2014-T foi condenada nas custas do processo no montante de € 20.808,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (fls. 57). Mas será que à face da lei, nomeadamente, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), era a essa entidade – Autoridade Tributária e Aduaneira – que cabia a devolução aos exequentes do montante que estes pagaram a título de taxas arbitrais? E a resposta não pode deixar de ser negativa. O reembolso é feito oficiosamente pelo CAAD, conforme artigos 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º do RCPAT. Veja-se o Guia de Arbitragem Tributária, por Nuno Villa Lobos, questão nº 34. Vejamos o que dispõe o art. 4º do RCPAT: (sublinhado nosso)
Deste modo, o reembolso das taxas de arbitragem pagas ao CAAD pelos requerentes em processos arbitrais incumbe a esta entidade, independentemente da fixação do montante e da repartição das custas pelas partes que deve constar da decisão arbitral, nos termos do artigo 22° do RJAT. Face à norma supra transcrita, parece resultar claro que, independentemente do pagamento das custas em que foi condenada a parte vencida, sempre terá de ser o CAAD a efectuar o reembolso das taxas arbitrais. Destarte, na presente execução nunca a AT poderia ser condenada ao reembolso das taxas arbitrais tal como pedido, uma vez que nos termos legais supra referidos, não é essa a entidade com competência para o fazer, ao que acresce que a decisão arbitral que constitui o título da acção de execução de julgados e que lhe imputa o pagamento das custas não contém qualquer definição dos elementos subjectivos e objectivos dessa relação jurídica. Pelo que forçoso é concluir que a recorrente padece de ilegitimidade substantiva na presente acção. Deste modo, padecendo a executada, ora recorrente, de ilegitimidade substantiva na presente acção de execução de julgados, deveria o Tribunal a quo ter determinando a improcedência dos autos, e, consequentemente, ter condenado os exequentes em custas, nos termos do artigo 527° do CPC, ao que se vai provir no dispositivo.
III- DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a execução de julgados. Custas pelos recorridos, sem prejuízo da dispensa de pagamento de taxa de justiça devida em recurso na 2ª instância. Registe e Notifique. Lisboa, 12 de Julho de 2017
-------------------------------- [Lurdes Toscano]
------------------------------- [Ana Pinhol]
-------------------------------- [Jorge Cortês]
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