Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02315/08
Secção:CT- 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/25/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL. NATUREZA E REGIME DE SUBIDA DA RECLAMAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 276º DO CPPT. PROCEDIMENTO DE CONCILIAÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE INSTRUMENTOS DE TRABALHO.
Sumário:I) -A reclamação dos despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças ou por outras autoridades da administração tributária prevista no artº 276º do CPPT, corresponde a um verdadeiro recurso, sendo como tal denominado no velho CPT e em outras vigorantes normas como é o caso do art.º 97.º n.º1 n) do próprio CPPT.
II) – Em regra, a reclamação só sobe ao tribunal, a final, depois de realizadas a penhora e a venda.
III) – Mas, fundando-se a reclamação em prejuízo irreparável, a sua subida é imediata e segue as regras dos processos urgentes.
IV) – E a irreparabilidade do prejuízo não está circunscrita aos casos elencados nas várias alíneas do n.º3 do art.º 278.º do CPPT já que essa limitação inquinaria a norma de inconstitucionalidade material, antes devendo ficar por ela abrangidos todos os casos de ocorrência para os interessados de um prejuízo irreparável, em consideração do princípio da tutela judicial efectiva que a norma do art.º 268.º n.º4 da CRP consagra.
V) – Assim, está garantida a subida imediata de todas as reclamações quando a sua retenção importe perda de toda a sua utilidade, por força da consagração do direito de impugnar ou de recorrer de todos os actos lesivos previsto na LGT e ser esse o regime geral dos agravos contido no norma do art.º 734.º n.º2 do CPC.
VI) -Porém, não basta a mera invocação de prejuízo irreparável cabendo ao recorrente provar em que consiste tal prejuízo com a não suspensão imediata da execução fiscal e com a não subida imediata da reclamação, sob pena desta só subir a final.
VII) -A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (cfr. artº 687º, nº 4 do CPC), ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes.
VIII) -É no processo de execução que o executado, querendo obter a sua suspensão, deve formular esse pedido à entidade competente: o chefe da repartição de finanças (art. 10º, al. f) do CPPT), que apreciará se se verificam os pressupostos do art. 169º do CPPT, cabendo da sua decisão, recurso para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, nos termos do citado art. 276º do mesmo código.
IX) -Porém, nos termos do art. 169º do CPPT, só a reclamação, a impugnação e o recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, suspendem a execução desde que tenha sido prestada caução nos termos do art. 199º do CPPT, pelo que a reclamação e a impugnação e o recurso não impedem a instauração da execução. A execução terá no entanto que suspender-se após a prestação de garantia ou após a penhora de bens suficientes mas só naqueles casos, que não se verificam na situação vertente, o que vale por dizer que não ocorre qualquer facto suspensivo da execução, designadamente, a dedução da oposição, desde que fundada na ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda- cfr. artºs 52º, nº 1, da LGT e 212º do CPPT.
X) -A suspensão da execução está condicionada à existência ou prestação de garantia por força das disposições conjuntas e combinadas dos artºs. 52º, nº 2 da LGT e 169º, nº 1 e 5, e 199º, nº 1, estes do CPPT, sendo facultada ao executado a sua dispensa pelos artºs. 169º, nº 2 e 170º deste último diploma legal mas, não obstante no caso concreto se haja procedido à penhora dos bens que, nos termos do nº 1 do artº 169º do CPPT, desde que garantindo a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, não era de ponderar a suspensão da execução pelas razões anteriormente vertidas.
XI) -Daí que o despacho que admitiu o recurso fixando-lhe efeito devolutivo na consideração de que não houvera sido prestada garantia, não mereça qualquer censura, não sendo digno de protecção legal o pedido da recorrente de alteração para suspensivo do efeito recursório.
XII) -O Procedimento de Conciliação não tem, na execução, os efeitos pretendidos pela recorrente não sendo, pois, questão prejudicial em relação à execução, pois que se destina somente a obter a celebração de acordo entre a empresa e todos ou alguns dos seus credores que viabilize a recuperação da empresa em situação de insolvência, ainda que iminente, nos termos do art. 3° do CIRE (cfr. art. 2° do PC). O PC previsto no DL 316/98 e DL 201/2004 não prevê nem determina a suspensão de qualquer diligência executiva assim como não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer execução contra a executada e só suspende durante a sua pendência o prazo para a apresentação à insolvência fixado no art. 18 do CIRE (cfr. n° 4 do art. 1° do PC), suspensão essa que cessa logo que o procedimento se extinga ou decorram 60 dias sobre a data em que haja sido proferido o despacho referido no n° l do art. 4 do PC (cfr. n° 5 do art. 1° do PC). Já o art. 88 do CIRE determina que a declaração de insolvência determina a suspensão de qualquer diligência executiva e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer execução, só que esta norma não tem qualquer aplicação no PC e daí não assistir razão à recorrente na sua pretensão de se fazer uso da mesma no âmbito do PC. Assim, o PC não obsta à instauração e prosseguimento de qualquer acção executiva nem leva à suspensão de qualquer diligência executiva, donde, por força do mesmo, não havia qualquer obstáculo à efectivação da penhora em causa.
XIII) -O artigo 823º/2 do CPC, invocado pela Reclamante, não se refere a bens insusceptíveis de penhora, mas sim a bens relativamente impenhoráveis, no caso, os instrumentos de trabalho e uma conta bancária (ou o seu saldo), não constitui qualquer instrumento de trabalho na acepção que lhe é dada pela norma em causa. Aliás, se o fosse, não deixaria a lei de o deixar consagrado a par do que faz no artigo 824ºA do CPC, quando se refere à impenhorabilidade de quantias pecuniárias ou depósitos bancários (nos termos fixados). Assim, interpretando-se, a contrario o teor desta norma, bem se vê que a penhora de conta bancária (ou do seu saldo) não podem escapar ao regime geral de penhorabilidade do artigo 821º e nº 1, com as excepções legalmente estabelecidas.
XIV) -A norma do art. 823/2 do CPC visa salvaguardar tão só o centro de "interesses vitais do executado" por isso sendo inadmissível v.g. a penhora de um barco que o executado utilize no exercício da pesca, a de um tractor que o executado utilize na sua profissão de tractorista ou a da biblioteca jurídica dum advogado ou a literária dum escritor, não constituindo uma conta bancária, ou o seu saldo, pois, o instrumento de trabalho da Reclamante.
XV) -O art. 823°, n.° 2 do CPC tem, assim, subjacentes razões económico-sociais, na medida em que o sistema jurídico entende que certos interesses vitais do executado ou de terceiros se devem sobrepor aos do credor exequente, pretendendo-se, assim, evitar que se retirem ao executado os meios necessários para garantir a sua subsistência e a do seu agregado familiar, sendo de salientar a própria excepção da alínea c) do n.° 2 do referido art. 823°, o que exclui a sua aplicabilidade às pessoas colectivas.
XVI) -Em relação às pessoas colectivas, estas situações enquadram-se no âmbito do seu risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade, pelo que a aplicação do artº 823º às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora de todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se, assim, em causa a garantia comum dos seus credores, com enormes prejuízos para o comércio jurídico.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL:

1.-M... – ...,S.A., inconformada com a decisão proferida pelo Sr. Juiz do TAF de Lisboa proferido nos autos de reclamação do acto de penhora da conta de valores mobiliários nº 51639891, de que é titular no Banco Millenium BCP, praticado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3255199801014102 e apensos, que tramita pelo Serviço de Finanças de Lisboa-10, dela recorre concluindo as suas alegações como segue:
1°- Ao presente recurso deverá ser fixado efeito suspensivo por directa previsão legal -art° 740 do CPC, n°3, aplicável por força do disposto no n° 1 al. a) do CPT, sob pena de inutilidade que a retenção respectiva não deixaria de significar. À cautela, caso, por absurdo, assim não se entenda o prejuízo causado irreparável face a uma eventual venda de acções penhoradas configura a situação prevista no artº 268,n°4 da CRP e 734, n°2 do CPC -Acórdão 177/04 de 2004.06.07.
2° - A recorrente instaurou procedimento de conciliação - PC- (Dec Lei n° 316/98 de 20/12 e DL 201/2004 de 18/07, redistribuído em 28/09/05 cf.doc junto e largamente ultrapassado no seu prazo previsional, por factos alheios à sua vontade.
3°- A instância judicial deveria ter sido declarada suspensa pelo prazo da sua conclusão, ao abrigo do disposto no art. 11 do PC.
4°- Ao não ter sido decretada tal suspensão, sempre se deveria ter aplicado in cãs de suspensão aplicável analogicamente aos processos de insolvência do CIRE consagrado art. 88J decretando-se a suspensão por um período que mediasse entre o início do procedimento e a sua conclusão.
5°- A suspensão da instância nas condições referidas nos art°s anteriores é essencial para respeitar a vontade do legislador que, face ao novo regime do CIRE, deixou de apresentar a recuperação de empresa como escopo principal do processo de recuperação, privilegiando o PC para obter tal efeito.
6°-Afigura-se também como solução mais lógica dentro do espírito e filosofia do PC, o qual impõe ao julgador uma interpretação teleológica da lei, sob pena de inutilidade das suas normas.
7°-Tendo em conta que o PC foi recentemente extinto mas estão em curso diligências previas no sentido de retomar negociações, a manter-se a solução perfilhada tal implicará a preclusão e violação do direito da recorrente em se socorrer de novo PC, com vista à recuperação da sua empresa.
8°-0 PC é questão prejudicial quer em relação às execuções quer a outras providências que recusem dar a dignidade da suspensão que decorre da interpretação que se impõe fazer no âmbito do PC, como sejam acções declarativas movidas pelo MP que deveriam obviar à obtenção do titulo executivo, sob pena de contrariedade das próprias normas do PC.
9°-Carece absolutamente de sentido lógico penhorar garantias prestadas no âmbito de um PC ao tempo dos autos pendente de resolução extrajudicial, originando duplicação das dívidas objecto de negociação.
10°-0u o Estado - Administração Fiscal e SS - (o mesmo que promove a criação do PC) opta pela preservação do PC ou pela indemnização eivei em processos de foro criminal ou pelas execuções, mas não lhe é lícito manter três posições distintas e contraditórias entre si, perfeitamente inviabilizadoras do resultado pretendido.
11º- O valor das penhoras efectuadas, atendendo quer ao montante do património dado em garantia quer ao valor do capital próprio da associada F L B, SA, encontra-se manifestamente excedido.
12º- O saldo bancário não pode deixar de ser considerado instrumento de trabalho, como "interesse vitais do executado" por se tratar, in casu, comparável à situação de inadmissibilidade de penhora, no exercício de mais profissões ou actividades in Prof. Lebre de Freitas - CPC anotado III vol, pág 354.
13º- O douto despacho recorrido violou o art. 832 n° 2, do CPC relativo à impenhorabilidade dos bens, aplicável ex vi do art° 2° al. c) do CPPT.
14º- O douto despacho recorrido violou e interpretou erroneamente o regime jurídico relativo ao PC abstendo-se de aferir da vontade do legislador em privilegiar este meio em detrimento do judicial, bem como de efectuar uma interpretação teleológica que se impunha, violando o art. 4° do DL 201/04 de 18/08 bem como o artº 10 do CC, também aplicável.
Antes, deveria ter interpretado tal regime da forma apontada nas conclusões 2, 3, 7 e 10. Deve assim ser revogado e substituído por outro que
a) Declare as penhoras sobre as acções e saldos bancários nulas e de nenhum efeito;
b) Declare aplicável ao caso do PC o prazo de suspensão das execuções por analogia com o previsto no GIRE no seu art. 88.
COMO É DE JUSTIÇA!
Não houve contra – alegações.
O EPGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por concordar inteiramente com o julgado em 1ª instância.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2.- Na sentença recorrida foi fixado o probatório seguinte com base nos elementos juntos aos autos:
1.A Administração Fiscal instaurou contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal nº 325519980101410.2 e apensos, que tramita pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, para cobrança de dívidas de IRS (retenções na fonte) referentes aos anos de 1996 a 1999 (cfr. fls. 4 a 8, 399, e 342 dos autos);
2. O montante em dívida no processo de execução referido em 1 cifra-se actualmente em € 552,596,14, incluindo imposto, juros de mora, e custas (cfr. fls. 4 a 8, 399, e 345 dos autos);
3. - No âmbito do processo executivo referido em 1 foram efectuadas penhoras, de créditos, e de saldos de contas bancárias, ainda não aplicados para pagamento da dívida, no montante total de Euros 378.934,99 (cfr. informação de fls. 342 a 344 e respectivos autos de penhora);
4. - No âmbito do processo executivo referido em 1 foi ainda efectuada a penhora de 345.000 acções da Sociedade Francisco Lopes Baptista, S.A., não cotadas em bolsa, com o valor nominal de Euros 4,997, depositadas em conta bancária titulada pela ora Reclamante (cfr. informação de fls. 342 a 344 e docs. de fls. 84 e 161);
5. - A ora Reclamante tem pendente um procedimento extrajudicial de conciliação (PEC), relativo às empresas do grupo (cfr. fls. 6, 43 e seguintes, 106 a 108, doc. de fls. 255 e seguintes, e informação de fls. 342 a 345 dos autos);
6. -Pelo Centro Tecnológico para o Aproveitamento e Valorização das Rochas Ornamentais e Industriais, foi efectuada avaliação de elementos patrimoniais da ora Reclamante, em concreto, dos terrenos e do potencial extractivo de três pedreiras, denominadas, respectivamente, por Olival da Encostinha, Augustinha, e Maroteira, a qual foi fixada, em 17 de Junho de 2004, no valor de € 3 612 000 (cfr. fls. 208 e seguintes dos autos);
7. - Pela Sociedade Água Branca Proj. Engenharia, Lda., foi efectuada em 8 de Março de 2004, a pedido da Sociedade Francisco Lopes Baptista, S.A., a determinação do presumível valor comercial das suas instalações de transformação, corte e acabamentos de mármore, do terreno onde as mesmas estão implantadas na localidade de Vila Viçosa, do terreno rústico em Olival dos Marouços, concelho de Vila Viçosa, e o valor da pedreira P2, no local de Marinela (cfr. doe. de fls. 236 e seguintes dos autos);
8. -A avaliação dos imóveis referidos em 7. foi fixada em Euros 3.461.550, assim decompostos:
a) Terrenos e Edificações no Parque Industrial - Euros 2.248.050;
b) Prédio Rústico em Olival dos Marouços - Euros 641.250;
c) Terrenos da Pedreira P2 e Edificação - Euros 572.250.
(cfr. doc. de fls. 236 e seguintes dos autos);
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Factos não provados:
Da factualidade alegada, e com interesse para a decisão, não se provaram outros factos.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos elementos juntos aos autos, conforme referido a propósito de cada item do probatório.
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3. -Atenta esta factualidade e aquelas conclusões, que delimitam o objecto do recurso, vejamos agora a sorte deste em que a questão decidenda se desdobra nas seguintes vertentes, cuja apreciação e decisão prejudica todas as demais que de forma directa ou meramente argumentativa sejam suscitadas:
1º -Se ao presente recurso deverá ser fixado efeito suspensivo por directa previsão legal -art° 740 do CPC, n°3, aplicável por força do disposto no n° 1 al. a) do CPT, sob pena de inutilidade que a retenção respectiva não deixaria de significar e, caso assim não se entenda, se o prejuízo causado é irreparável face a uma eventual venda de acções penhoradas e configura a situação prevista no artº 268,n°4 da CRP e 734, n°2 do CPC – 1ª conclusão.
2º -Se, tendo a recorrente instaurado procedimento de conciliação - PC- (Dec Lei n° 316/98 de 20/12 e DL 201/2004 de 18/07, redistribuído em 28/09/05 a instância judicial deveria ter sido declarada suspensa pelo prazo da sua conclusão, ao abrigo do disposto no art. 11 do PC – conclusões 2ª a 10ª;
3º -Se o valor das penhoras efectuadas, atendendo quer ao montante do património dado em garantia quer ao valor do capital próprio da associada F L B, SA, se encontra manifestamente excedido – conclusão 11ª;
4º -Se o saldo bancário deve ser considerado instrumento de trabalho, como "interesse vitais do executado" por se tratar, in casu, comparável à situação de inadmissibilidade de penhora, no exercício de mais profissões ou actividades – conclusão 12;
5º -Se o despacho recorrido violou o art. 832 n° 2, do CPC relativo à impenhorabilidade dos bens, aplicável ex vi do art° 2° al. c) do CPPT – conclusão 13ª.
Assim:
Quanto ao regime do recurso e à natureza irreparável do prejuízo decorrente da eventual venda de acções penhoradas:
Em substância, estas questões já foram suscitadas e objecto de apreciação e decisão no Acórdão deste TCAS de 12/02/08, tirado no Recurso n º 2210/08, em que, sumo rigore a questão decidenda consistia em saber se, ao não subir imediatamente, a reclamação interposta pela também aqui recorrente, perdia utilidade e já não poderia aproveitar à recorrente, causando-lhe prejuízo irreparável, ainda que venha a ser atendida.
É certo que o artº 276º do CPPT dispõe que “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal (...) que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”.
Esta reclamação dos despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças ou por outras autoridades da administração tributária, corresponde a um verdadeiro recurso, assim sendo denominada no anterior CPT e também ainda hoje, em outras normas, designadamente na do art.º 97.º n.º1 n) do próprio CPPT.
Em regra, a subida do recurso é diferida visto que do nº 1 do artº 278º do CPPT resulta que a reclamação só será conhecida a final, devendo o processo ser remetido para o efeito ao TT 1ª Instância depois da realização da penhora e da venda.
Mas o nº 3 excepciona que se a recorrente invocar prejuízo irreparável decorrente da imediata execução da decisão reclamada causado por alguma das ilegalidades indicadas nas diversas alíneas daquele nº 3, o processo subirá imediatamente ao tribunal, nos 8 dias subsequentes à sua apresentação (nº 4), salvo, evidentemente, se a decisão ou o acto tiver sido revogado, entretanto, pelo órgão da execução fiscal.
Mas será que, atento o teor literal do nº 3 do artº 278º do CPPT, bastava a mera invocação do prejuízo irreparável para que o processo subisse imediatamente ao tribunal?
O preceituado nos artºs 276º e ss do CPPT insere-se no quadro de garantias dos contribuintes, de consagração constitucional (nº 4 do art. 268 da CRP) e legal (artº 9º da LGT) ao permitir recurso judicial das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades que afectem os seus direitos e interesses legítimos em processo de execução fiscal.
Todavia, como se disse, o disposto no n.º1 do artº 278º do CPPT não tem aplicação quando a reclamação se fundar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a)Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b)Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda;
c)Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d)Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida. (n.º3 do art.º supra).
Em qualquer destes casos, a reclamação subirá no prazo de oito dias ao tribunal e segue as regras dos processos urgentes – n.ºs 4 e 5 do art.º supra.
No entendimento de Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 1064., não poderá restringir-se a subida imediata das reclamações aos casos indicados no n.º3 daquele artigo, sob pena de inconstitucionalidade material de tal norma, porque a CRP garante o direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (art.º 268.º n.º4) em que se engloba o tributário.
O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
E vai mesmo mais longe, ao entender que deve assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade, cfr. Ob. cit, pág, cit. Nota 6., prosseguindo a este propósito:
“...
Nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição deste regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que é incompatível com a LGT e o referido sentido da lei de autorização legislativa.
Por isso, também nestes casos, se terá de aceitar a possibilidade de subida imediata.
Um exemplo de situação em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação é a decisão que recuse suspender o processo de execução fiscal...” Ob. cit. pág. 1065. .
Como se afirma no Acórdão proferido em 06-07-2004 na Secção de Contencioso Tributário - 2º Juízo do TCAS, no Recurso nº 00177/04, de que foi relator o 1º adjunto da presente formação, é “…também de trazer à colação o regime geral dos recursos de agravo cuja norma do art.º 734.º n.º2 do CPC, dispõe que estes devem subir imediatamente, sempre que a retenção os tornasse absolutamente inúteis, e que é aplicável subsidiariamente aos recursos no âmbito do processo tributário (art.º 281.º do CPPT), não sendo tal reclamação mais do que um verdadeiro recurso, assim sendo de resto denominada no anterior CPT (art.º 355.º) e também em alguns artigos de outra legislação fiscal, como no art.º 62.º n.º1 g) do ETAF, 10.º n.º1 do RCPT e no art.º 97.º n.º1 n), do próprio CPPT.”
Como se conclui do fundamentado e decidido na sentença recorrida, o Mº Juiz «a quo» entendeu que não era caso de a reclamação subir de imediato ao Tribunal para o seu conhecimento, por inexistir um prejuízo irreparável ou uma perda da sua utilidade com a sua não subida imediata.
Diga-se que, se não forem alegados factos que permitam concluir pela existência de prejuízo irreparável, não se trata de situação enquadrável na previsão do n° 3 do art. 278° do CPPT, pelo que não existe fundamento para que o Tribunal conheça da reclamação antes de efectuada a venda.
E, na verdade, a ora recorrente baseia a existência desse prejuízo irreparável com a não subida imediata da reclamação, em terem sido penhorados certos bens o que para ela significa a impossibilidade de manutenção da sua actividade o que, consequentemente, se traduz em graves e irreparáveis prejuízos para a mesma.
Todavia, a recorrente não veio juntar prova quer documental, quer testemunhal, ou requerer diligências no sentido de demonstrar que sem aqueles bens ficou impossibilitada de continuar a exercer a sua actividade comercial, não podendo esta matéria considerar-se como provada, sendo que a emanação de tal ónus da prova para a ora recorrente resultava, quer da norma geral do art.º 342.º n.º1 do Código Civil, quer da norma do art.º74.º n.º1 da LGT, que dispõe que, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Na senda do Conselheiro João António Valente Torrão In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 2005, Almedina, pág. 935, nota 3, embora não se refira aqui a necessidade de indicação de prova na reclamação ao contrário do que a lei determina noutros processos (v. os artigos 108.º, n.º3, 146.º-B, n.º3, 146.º-C, n.º2 e 206.º), a verdade é que tem de ser admitida a prova no caso de ela ser necessária à defesa do direito que se invoca como violado, não obstante a reclamação correr no processo de execução (artigo 97.º, n.º1, alínea n) do Código).
Neste mesmo sentido decidiu também o então Tribunal Central Administrativo, no seu acórdão de 6.7.2004, recurso n.º 177/04, ao doutrinar, no ponto 3. do seu sumário: Mesmo admitindo que o artigo 278.º, n.º3 citado permite a subida do recurso nos casos em que da sua retenção possa resultar prejuízo irreparável para o recorrente, necessário é que este efectue a prova do prejuízo irreparável perante o órgão de execução fiscal para que este possa mandar subir imediatamente o recurso.
É também de fazer subir imediatamente a reclamação naqueles casos em que, sem ela, toda a sua utilidade do recurso se quede perdida, invocando jurisprudência do STA nesse sentido e bem assim a anotação de Jorge Lopes de Sousa no Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, VISLIS, pág. 1064/1065, nota 6., por aplicação, subsidiária, da norma do art.º 734.º n.º2 do CPC.
Esta norma do CPC para a subida imediata do recurso apenas tem por objecto aqueles casos de inutilização absoluta do recurso em si, que não para a inutilização eventual de actos processuais praticados e que depois vêm a ser anulados por efeito da decisão, ou seja apenas vale para os casos em que a retenção faça perder a razão de ser do recurso; a sua utilidade e a eficiência deste depende da subida imediata, como se pronunciou o Prof. Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 86.º, pág. 41.
Ora, não foi neste âmbito sequer, que a ora recorrente veio alegar tendo em vista obter a subida imediata do recurso, continuando sempre a ser possível apreciar se tal penhora ofender o princípio da proporcionalidade ou que tais bens sejam impenhoráveis, com o que de tal decisão, se favorável à recorrente, poder dimanar na própria venda ficar sem efeito nos termos do disposto no art.º 909.º n.º1 c) e 201.º do CPC, não se mostrando assim, também, preenchido este requisito para que este recurso pudesse subir imediatamente. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do TCAS de 29-01-2008, tirado no Recurso nº 02189/08 e de que foi relator o 1º adjunto desta formação, Juiz Desembargador Eugénio Sequeira.
Destarte, porque não se prova o prejuízo irreparável para a ora recorrente com a subida ao tribunal da reclamação em causa apenas depois de realizada a venda dos bens penhorados e nem ser completamente inútil a reclamação se só conhecida a final, é de negar provimento ao recurso na parte em que no mesmo sentido assim se decidiu e de não conhecer por ora, do restante objecto do recurso, devendo os autos baixarem ao órgão da execução fiscal para aí prosseguirem os ulteriores termos, se a tal não sobrevierem outras questões que o impeçam.
Porém, a recorrente sustenta que ao recurso deverá ser fixado efeito suspensivo por directa previsão legal -art° 740 do CPC, n°3, aplicável por força do disposto no n° 1 al. a) do CPT, sob pena de inutilidade que a retenção respectiva não deixaria de significar e, caso assim não se entenda, se o prejuízo causado é irreparável face a uma eventual venda de acções penhoradas e configura a situação prevista no artº 268,n°4 da CRP e 734, n°2 do CPC.
Como decorre do artº 687º do CPC, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora se o efeito do recurso deve ser o suspensivo.
O despacho do juiz recorrido e do próprio relator que admita e declare nada obstar ao conhecimento do recurso, é provisório e não vincula este Tribunal.
E constitui jurisprudência pacífica a de que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (cfr. artº 687º, nº 4 do CPC), ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes (vd. B.M.J., 263º-218; 180º-244; 174º-182, 156º-307; 124º-647; 93º-286 e 46º-347).
Ora, vê-se da alegação do presente recurso que a recorrente pediu que ao mesmo fosse fixado efeito suspensivo, o que importaria a suspensão da execução.
É no processo de execução que o executado, querendo obter a sua suspensão, deve formular esse pedido à entidade competente: o chefe da repartição de finanças (art. 10º, al. f) do CPPT), que apreciará se se verificam os pressupostos do art. 169º do CPPT, cabendo da sua decisão, recurso para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, nos termos do citado art. 276º do mesmo código.
Porém, nos termos do art. 169º do CPPT, só a reclamação, a impugnação e o recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, suspendem a execução desde que tenha sido prestada caução nos termos do art. 199º do CPPT, pelo que a reclamação e a impugnação e o recurso não impedem a instauração da execução. A execução terá no entanto que suspender-se após a prestação de garantia ou após a penhora de bens suficientes mas só naqueles casos, que não se verificam na situação vertente, o que vale por dizer que não ocorre qualquer facto suspensivo da execução, designadamente, a dedução da oposição, desde que fundada na ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda- cfr. artºs 52º, nº 1, da LGT e 212º do CPPT.
A suspensão da execução está condicionada à existência ou prestação de garantia por força das disposições conjuntas e combinadas dos artºs. 52º, nº 2 da LGT e 169º, nº 1 e 5, e 199º, nº 1, estes do CPPT, sendo facultada ao executado a sua dispensa pelos artºs. 169º, nº 2 e 170º deste último diploma legal.
Não obstante no caso concreto se haja procedido à penhora dos bens que, nos termos do nº 1 do artº 169º do CPPT, desde que garantindo a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, não era de ponderar a suspensão da execução pelas razões anteriormente vertidas.
Daí que o despacho que admitiu o recurso fixando-lhe efeito devolutivo na consideração de que não houvera sido prestada garantia, não mereça qualquer censura, não sendo digno de protecção legal o pedido da recorrente de alteração para suspensivo do efeito recursório.
Pelas razões expostas, improcedem as conclusões sob apreciação.
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2º -Quanto a saber se em virtude da instauração do procedimento de conciliação - PC- (Dec Lei n° 316/98 de 20/12 e DL 201/2004 de 18/07, redistribuído em 28/09/05 a instância judicial deveria ter sido declarada suspensa pelo prazo da sua conclusão, ao abrigo do disposto no art. 11 do PC – conclusões 2ª a 10ª;
Na sentença recorrida julgou-se improcedente este fundamento da reclamação com base na seguinte fundamentação que da mesma se transcreve:
“Conforme resulta dos termos da p.i apresentada pela Reclamante, são quatro as questões a decidir.
Em primeiro lugar, há que analisar se, como defende a Reclamante, a pendência de um procedimento extrajudicial de conciliação é uma "questão prejudicial relativamente aos processos de execução pendentes", ou seja, se tal procedimento determina a suspensão dos processos executivos (ou, como também refere a Reclamante, obsta mesmo à sua instauração).
Vejamos este aspecto, desde já referindo que a Reclamante não fundamenta legalmente tal entendimento, nem o mesmo encontra qualquer apoio na lei.
Na verdade, da legislação aplicável concernente ao procedimento extrajudicial de conciliação (DL nº 316/98, de 20 de Outubro e DL n.9 201/04, de 18/08), previsto para permitir que, à margem do processo judicial, e mediante a intervenção conciliatória de um organismo público, se explorem vias negociais para encontrar plataformas de viabilização de empresa económica e financeiramente recuperável, não decorre este efeito que a Reclamante pretende retirar relativamente aos processos de execução
pendentes ou a instaurar,
Aliás, note-se que, mesmo em relação à mera pendência de processo de recuperação de empresa a jurisprudência do STA tem entendido que a mesma não origina a suspensão dos processos de execução fiscal, entendendo-se, isso sim, que a sustação dos processos executivos pendentes só tem lugar depois de proferido o despacho de prosseguimento da acção de processo de recuperação. Em termos lapidares pode ler-se no ac. do STA de 29/03/95, proferido no recurso nº 18698, que "o processo de recuperação de empresa não pode considerar-se uma causa prejudicial em relação aos processos de execução fiscal".
Acrescente-se que, se nos termos da lei, a pendência de processo judicial de recuperação de empresa não obsta ao procedimento extrajudicial de conciliação, não faria sentido permitir no âmbito do PEC a sustação das execuções fiscais que, na pendência de processo de recuperação só poderiam ser sustadas após o despacho de prosseguimento da acção.
Assim, e quanto a este primeiro argumento avançado pela Reclamante dir-se-á que o mesmo não colhe, não advindo do mesmo, conforme se pretendia, a ilegalidade do despacho reclamado.”
Para a recorrente (e nesta parte iremos seguir de perto a fundamentação do acórdão deste TCAS de 29-01-2008, tirado no Recurso nº 2.197/08) o PC é questão prejudicial quer em relação às execuções quer a outras providências que recusem dar a suspensão que decorre da interpretação que se impõe fazer no âmbito do PC, como sejam acções declarativas movidas pelo MP que deveriam obviar à obtenção do título executivo, sob pena de contrariedade das próprias normas do PC carecendo absolutamente de sentido lógico penhorar garantias prestadas no âmbito de um PC ao tempo dos autos pendente de resolução extrajudicial, pelo que a instância judicial deveria ter sido declarada suspensa pelo prazo da sua conclusão ao abrigo do art. 11 do PC e ao não ter sido decretada tal suspensão sempre se deveria ter aplicado o prazo de suspensão aplicável analógicamente aos processos de insolvência do CIRE consagrado no art. 88 decretando-se a suspensão por um período que mediasse entre o inicio do procedimento e a sua conclusão.
No nosso modo de ver não assiste razão à recorrente, ao sustentar que por força do procedimento de conciliação previsto no DL 316/98, de 20.10 e DL 201/2004, de 18.7, a instância deveria ser declarada suspensa pelo prazo da sua conclusão ao abrigo do art. 11 do PC e ao não ter sido decretada tal suspensão sempre se deveria ter aplicado o prazo da suspensão consagrado no art. 88 do CIRE decretando-se a suspensão por um período que mediasse entre o inicio do procedimento e a sua conclusão.
Na senda do citado aresto e da sentença recorrida, entendemos que o PC não tem, na execução, os efeitos pretendidos pela recorrente não sendo, pois, questão prejudicial em relação à execução, pois que se destina somente a obter a celebração de acordo entre a empresa e todos ou alguns dos seus credores que viabilize a recuperação da empresa em situação de insolvência, ainda que iminente, nos termos do art. 3° do CIRE (cfr. art. 2° do PC). O PC previsto no DL 316/98 e DL 201/2004 não prevê nem determina a suspensão de qualquer diligência executiva assim como não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer execução contra a executada e só suspende durante a sua pendência o prazo para a apresentação à insolvência fixado no art. 18 do CIRE (cfr. n° 4 do art. 1° do PC), suspensão essa que cessa logo que o procedimento se extinga ou decorram 60 dias sobre a data em que haja sido proferido o despacho referido no n° l do art. 4 do PC (cfr. n° 5 do art. 1° do PC). Já o art. 88 do CIRE determina que a declaração de insolvência determina a suspensão de qualquer diligência executiva e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer execução, só que esta norma não tem qualquer aplicação no PC e daí não assistir razão à recorrente na sua pretensão de se fazer uso da mesma no âmbito do PC. Assim, o PC não obsta à instauração e prosseguimento de qualquer acção executiva nem leva à suspensão de qualquer diligência executiva, donde, por força do mesmo, não havia qualquer obstáculo à efectivação da penhora do veículo em causa.
Pelo exposto, improcedem as conclusões sob análise.
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3º -Sobre a questão de saber se e o valor das penhoras efectuadas, atendendo quer ao montante do património dado em garantia quer ao valor do capital próprio da associada F L B, SA, se encontra manifestamente excedido –(conclusão 11ª), expendeu-se na sentença recorrida o seguinte:
“Quanto à alegada questão de se encontrarem penhorados bens cujo valor global excede o da dívida em cobrança coerciva nos presentes autos de execução, cabe referir o seguinte:
Conforme decorre dos autos e se encontra factualmente provado, o montante em dívida neste processo de execução fiscal cifra-se, actualmente, em €552.596,14, e para o seu pagamento foram efectuadas penhoras, de créditos, e de saldos de contas bancárias, (ainda não aplicados para pagamento da divida), no montante total de Euros 378.934:99.
No âmbito do processo executivo foi ainda efectuada a penhora de 345.000 acções da Sociedade Francisco Lopes Baptista, S.A., não cotadas em bolsa, com o valor nominal de Euros 4,997. ou seja, no valor total de 1.723.988,13.
Ora, as penhoras no valor de Euros 378.934,99 não excedem o montante em dívida, sendo que a questão apenas se poderá colocar se a este valor se somar o valor nominal das acções da sociedade FLB, S.A., que também foram penhoradas. No entanto, como se referiu, essas acções não se encontram cotadas em bolsa, não resultando líquido para este tribunal qual o seu efectivo valor de mercado, aqui não relevando o valor nominal, pois esse por si só não espelha o real valor da sociedade em causa, e tanto assim é que nas empresas cotadas em bolsa, bastas vezes, tais valores não coincidem, como é de conhecimento comum.
Por outro lado, o resultado da avaliação a elementos patrimoniais da sociedade FLB, S.A., ascendendo ao montante de Euros 3.461.550, também, por si só, não convence da justeza do valor nominal das acções, ou da sua eventual subvalorização, já que, representam apenas um dos "braços da balança", deixando de fora os encargos ou responsabilidades da sociedade. Ou seja, e em resumo, nada se sabe da real situação contabilística da sociedade em causa, não se podendo, portanto formular um fundamentado juízo sobre o eventual excesso de penhora, e note-se que, nos termos do disposto no artigo 74º n.º 1 da Lei Geral Tributária, é a Reclamante que se encontra onerada com o dever de provar que o valor dos bens penhorados excede o valor em dívida, o que não logrou fazer.”
Nenhuma censura nos merece a fundamentação e decisão da sentença sobre a matéria versada nas conclusões em apreço que, assim, se julgam improcedentes.
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4º -Pronunciando-se sobre se o saldo bancário deve ser considerado instrumento de trabalho, como "interesse vitais do executado" por se tratar, in casu, comparável à situação de inadmissibilidade de penhora, no exercício de mais profissões ou actividades – (conclusão 12), fundamentou-se na sentença que:
“Quanto à questão da impenhorabilidade do saldo das contas bancárias, por se tratar de "instrumentos de trabalho", necessários ao exercício do comércio da Reclamante, carece de inteiro fundamento.
Com efeito, o artigo 823º/2 do CPC, invocado pela Reclamante, não se refere a bens insusceptíveis de penhora, mas sim a bens relativamente impenhoráveis, no caso, os instrumentos de trabalho.
Ora, uma conta bancária (ou o seu saldo), não constitui qualquer instrumento de trabalho na acepção que lhe é dada pela norma em causa. Aliás, se o fosse, não deixaria a lei de o deixar consagrado a par do que faz no artigo 824ºA do CPC, quando se refere à impenhorabilidade de quantias pecuniárias ou depósitos bancários (nos termos fixados). Assim, interpretando-se, a contrario o teor desta norma, bem se vê que a penhora de conta bancária (ou do seu saldo) não podem escapar ao regime geral de penhorabilidade do artigo 821º e nº 1, com as excepções legalmente estabelecidas.”
Subscreve-se plenamente o expendido na sentença sobre a questão em apreço, adrede pelas razões que a propósito do ponto seguinte se aduzirá.
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5º -Finalmente, a sentença pronunciou-se sobra a questão de saber se o despacho recorrido violou o art. 832 n° 2, do CPC relativo à impenhorabilidade dos bens, aplicável ex vi do art° 2° al. c) do CPPT – (conclusão 13ª.), havendo considerado que:
“O que a norma (art. 823/2 do CPC) visa salvaguardar é tão só o centro de "interesses vitais do executado", nas palavras de José Lebre de Freitas, in CPC Anotado, 3.5 Vol., pág. 354, concluindo o mesmo autor, que: "É inadmissível a penhora de um barco que o executado utilize no exercício da pesca (...), a de um tractor que o executado utilize na sua profissão de tractorista (...) ou a da biblioteca jurídica dum advogado ou a literária dum escritor (...)".
Uma conta bancária, ou o seu saldo, não constituem, pois, o instrumento de trabalho da Reclamante, pelo que, também este argumento não pode deixar de improceder.
Face ao que fica dito, e sem necessidade de outras considerações, entende o Tribunal que o acto contestado não está ferido dos vícios apontados pela Reclamante, não merecendo censura, devendo, portanto, ser mantido.”
Neste particular, evoca-se mais uma vez o Acórdão deste TCAS de 29/01/2008:
“A decisão recorrida partiu do pressuposto de que era aplicável à recorrente (pessoa colectiva) o disposto no art. 823 n° 2 do CPC, só que a recorrente não fez prova de que o veículo era instrumento de trabalho e indispensável ao exercício da actividade da executada e daí se ter concluído que o bem era penhorável.
Tal como se entendeu no Ac. da R.L. de 11.6.03 no Rec. 2089/03 e no Ac. da R.P. de 14.10.2002 que seguiremos de perto na sua fundamentação, cremos, também, que não é aplicável à recorrente, pessoa colectiva, o disposto no n° 2 do art. 823 do CPC que dispõe que estão isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se: a) o executado os nomear à penhora; b) a execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação; c) forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial, sendo que são razoes de ordem humanitária, associadas ao princípio constitucional da proporcionalidade que justificam o regime previsto neste preceito.
Para o Prof. José Lebre de Freitas (Acção Executiva, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 188 e segs.) esta impenhorabilidade resulta da indisponibilidade de certos bens, de convenções negociais que especificadamente a estipulem, bem como da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou de interesses de terceiros que o sistema jurídico entende deverem sobrepor-se aos do credor exequente, "impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (...) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado (instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade ou à sua formação profissional)". Nestes casos a penhora só é possível por nomeação do executado, se a execução se destinar ao pagamento do preço por que os bens foram comprados ou do custo da sua reparação, bem como quando os bens constituam elementos corpóreos de um estabelecimento comercial e sejam com ele apreendidos, à luz do art. 862-A do CPC. No mesmo sentido, também J. P. Remédio Marques (Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto, págs. 172 e segs.) afirma que por razões económico-sociais do executado são impenhoráveis os bens indispensáveis à formação profissional e ao exercício da sua actividade profissional, sendo certo que é preciso que sem esses bens o executado não possa continuar a exercer a sua profissão habitual ou que a penhora deles ponha gravemente em causa esse exercício.
Na mesma linha se pronuncia Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 7" edição, Almedina pág. 117), para o qual a impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizado com considerações de humanidade e abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado (823°, n.° 2), evitando-se, assim, que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família. O art. 823°, n.° 2 do CPC tem, assim, subjacentes razões económico-sociais, na medida em que o sistema jurídico entende que certos interesses vitais do executado ou de terceiros se devem sobrepor aos do credor exequente, pretendendo-se, assim, evitar que se retirem ao executado os meios necessários para garantir a sua subsistência e a do seu agregado familiar, sendo de salientar a própria excepção da alínea c) do n.° 2 do referido art. 823°, o que exclui a sua aplicabilidade às pessoas colectivas.
Como se refere no Ac. já citado de 11.6.03, em relação às pessoas colectivas, atenta a natureza dos interesses em causa, não se justifica a aplicação deste regime, devendo estas situações enquadrar-se no âmbito do seu risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade, pelo que a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora de todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se, assim, em causa a garantia comum dos seus credores, com enormes prejuízos para o comércio jurídico. A garantia comum dos credores prevista no art. 601° do Cód. Civil constitui uma garantia que só em casos excepcionais deverá ser afastada, havendo, por isso, que equacionar ponderadamente, em concreto, sempre que surjam pedidos de penhoras de bens, se devem prevalecer as motivações e interesses que determinam a impenhorabilidade relativa, ou antes o princípio da confiança e da boa fé, postulado no princípio geral de que o património penhorável é a garantia do cumprimento da obrigação.”
Assim, não tendo aplicação à recorrente, pessoa colectiva, o disposto no n° 2 do art. 823 do CPC, bem se decidiu, ao julgar não impenhoráveis os bens em causa.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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4. - Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4UCs.
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Lisboa, 25/03/2008
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)