Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07497/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/29/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO – AVALIAÇÃO DIRECTA – AVALIAÇÃO INDIRECTA – CORRECÇÕES TÉCNICAS - NULIDADE
Sumário:i) Por ser divisível, o acto tributário pode ser impugnado total ou parcialmente como também pode ser anulado na sua totalidade ou apenas em alguns dos seus segmentos.
ii) As correcções que a AT pode efectuar à matéria colectável podem resultar de uma avaliação directa, através da recolha e processamento dos dados das declarações ou através da verificação do seu conteúdo e de correcções de eventuais erros.
iii) Este tipo de avaliação assenta, assim, na análise da declaração do contribuinte ou nos elementos da sua contabilidade, dando origem a correcções técnicas (ou meramente aritméticas), pois não envolvem um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos, ou a correcções sujeitas a um juízo de ponderação.
iv) As correcções técnicas destinam-se a corrigir proveitos registados por montantes inferiores aos que constam das facturas emitidas, a desconsiderar custos ou perdas não comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora ou deduções de imposto que se refira a operação simulada bem como deduções de imposto referido em facturas ou documentos equivalentes que não obedeçam aos requisitos formais legalmente exigidos.
v) As correcções sujeitas a ponderação aplicam-se a desvios significativos em relação a custos-padrão ou a taxas de reintegração ou amortização ou à determinação do lucro tributável e têm como pressuposto serem aplicadas segundo princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
vi) A avaliação indirecta, pressupondo uma falta de colaboração do contribuinte e a ausência, falta de apresentação ou deficiência dos elementos declarativos ou da contabilidade, visa a fixação da matéria colectável com recurso a indícios e presunções.
vii) O que justifica a avaliação indirecta é a impossibilidade de chegar a um resultado objectivo extraído da escrita do sujeito passivo ou da sua declaração.
viii) Não obstante ambos os métodos de avaliação partam de pressupostos diferentes, é possível conciliar e aplicar ambos numa só operação de avaliação.
ix) Padece de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que anula integralmente liquidações em relação às quais não tinham sido questionadas as correcções técnicas.
x) A insuficiência e inexactidão dos elementos contabilísticos, bem como a manifesta discrepância entre o volume de negócios declarado com o volume de negócios apurado pela AT e a existência de factos concretos que permitiram a esta concluir que o recorrido revelou nos exercícios em exame uma capacidade contributiva superior à declarada abre a porta ao recurso à avaliação indirecta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso
A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por ... contra as liquidações adicionais de IVA, n.° 01164492 e n.° 01164503, relativas a 1997 e 1998, no valor de 11.506,46€ e 12.272,29€, e respectivos juros compensatórios, emitidas com recurso à avaliação efectuada por métodos indirectos, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu deste modo.
1.ª A douta sentença violou os artigos 661/1 do CPC, 668/1 alíneas d) e e) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], o artigo 125° do CPPT.
2.ª Assim, não foram concretamente impugnadas, e logo, aceites pelo impugnante, as correcções meramente aritméticas à matéria tributável em sede de IVA aos anos de 1997 e 1998 identificadas em 3.º das presentes alegações de recorrente, pelo que o tribunal "a quo", ao anular as liquidações de IVA/1997 e 1998 ora em causa, julgando a impugnação totalmente procedente, violou o artigo 661/1 do CPC e o artigo 668/1 alíneas d) e) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], aplicáveis ex vi artigo 2° do CPPT, em virtude de ter condenado a administração fiscal "em quantidade superior" e "em objecto diverso do pedido", e pronunciando-se "sobre questões" que não devia conhecer ou "de que não podia tomar conhecimento" nos termos do artigo 125/1 do CPPT e do artigo 668/1 alínea d) do CPC.
3.ª No concernente à explicitação da fundamentação de facto e à conclusão pela douta sentença, após análise dos vícios da contabilidade apontados pela inspecção como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, da falta de pressupostos para recorrer aos métodos indirectos, considerando o tribunal "a quo" que "a AT não demonstrou que não fosse ainda possível determinar o rendimento real do impugnante com recurso à avaliação directa", é de evidenciar que:
4.ª O tribunal "a quo" na matéria de facto desconsiderou o exercício do direito de audição efectuado pelo impugnante/recorrido e a fundamentação/resposta ao mesmo levada a cabo pela inspecção a explicitar e a aprofundar os vícios da contabilidade apontados pela inspecção como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, sendo ainda relevantes os anexos ao relatório de inspecção.
5.ª Sendo, para além do resto da resposta ao direito de audição evidenciado em 5° das presentes alegações, elucidativas as respostas da inspecção por exemplo às alíneas 7, 9, 10, 14, 15 e 17 do direito de audição do impugnante: "... Alínea 7 — O contribuinte não apresentou até à presente data nem fez prova de ter apresentado, juntamente com as declarações de rendimentos de 1996, 1997 e 1998 os respectivos mapas de amortizações e reintegrações, muito embora tenha sido notificado para tal; Alínea 9 — Se o leitão é vendido em cru a restaurantes porquê a facturação a "Consumidor Final"? ... Este procedimento não implicaria uma omissão de custos, proveitos e consequentemente falta de liquidação de IVA por parte do adquirente também sujeito passivo?; Alínea 10 — Quanto à venda a dinheiro n.° 3669 de 10.07.98 esta em nada se assemelha a uma nota de encomenda já que possui a menção «Venda a dinheiro», tem numeração impressa no acto da impressão, identifica o produto, peso, preço unitário e preço total. Ver cópia em Anexo V; Alínea 14 — Foram solicitadas ao técnico de contas as facturas que se encontravam em falta na contabilidade não tendo este feito prova da sua anulação ou da sua existência no canhoto; Alínea 15 ­Conforme determina o art. 80° do CIVA presumem-se transmitidos, salvo prova em contrário, os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade; Como forma de ilidir a presunção deste art.° o sujeito passivo deverá ter em sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados ....; Alínea 17 — Conforme refere este ponto os inventários apenas se encontram pela totalidade não discriminando correctamente os produtos, quantidades em stock e preços unitários".
6.ª Assim, por exemplo na análise efectuada pela douta sentença à não exibição "pelo impugnante" dos "livros de vendas a dinheiro", ao contrário das conclusões do tribunal "a quo", é de referir que, após ser evidenciado pela inspecção nos fundamentos para aplicação de métodos indirectos, que a cópia da venda a dinheiro n° 3669 de 10/07/2998 "não se encontra contabilizada pelo sujeito passivo nem foram exibidos pelo mesmo os respectivos livros, alegando o contribuinte o desconhecimento de tal documento", é referido pela inspecção em resposta ao direito de audição exercido pelo impugnante, que "Alínea 10 ­Quanto à venda a dinheiro n.° 3669 de 10.07.98 esta em nada se assemelha a uma nota de encomenda já que possui a menção «Venda a dinheiro», tem numeração impressa no acto da impressão, identifica o produto, peso, preço unitário e preço total. Ver cópia em Anexo V", ou seja, que indiciando a venda a dinheiro n.° 3669 de 10.07.98 — que o impugnante quer confundir com uma nota de encomenda —, a existência de livros de venda a dinheiro, estes nunca foram dados a conhecer pelo impugnante, sendo fundamento da necessidade inelutável der recurso a métodos indirectos para cálculo da matéria tributável.
7.ª Ou relativamente ao indício de que "Não se encontram arquivadas nem contabilizadas pelo contribuinte várias facturas pelo que não poderá concluir-se que tenham sido anuladas", também ao contrário das conclusões do tribunal "a quo", é evidenciado pela inspecção em resposta ao direito de audição exercido pelo impugnante, que "Alínea 14 — Foram solicitadas ao técnico de contas as facturas que se encontravam em falta na contabilidade não tendo este feito prova da sua anulação ou da sua existência no canhoto", isto é, dando a inspecção conta de que o impugnante emitiu facturas pela análise do canhoto dos livros de facturas, não identificando o canhoto nem o cliente nem o valor da factura, mas permitindo a constatação de que foi emitida uma factura, e solicitadas ao técnico de contas as facturas aparentemente em falta na contabilidade, não fazendo este prova da sua anulação ou da sua existência, não fazendo prova do que quer que seja, tal é revelador, mais uma vez, da brutal fuga perpetrada pelo impugnante, que contabiliza e declara as vendas a dinheiro que bem entende (neste caso nenhuma) bem como as facturas que bem entende.
8.ª Ou em relação ao indício de que "No mês de Novembro o contribuinte abateu «duas porcas» contudo as mesmas não se encontram facturadas no respectivo período", mais uma vez ao contrário das conclusões do tribunal "a quo", conforme se constata da Alínea 15 (resposta da inspecção ao exercício do direito de audição), "conforme determina o art. 80° do CIVA presumem-se transmitidos, salvo prova em contrário, os bens adquiridos importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade ...", tendo as duas porcas sido tidas em conta na determinação das vendas omitidas por métodos indirectos, presumindo-se a sua venda no mês de Novembro de 1998.
9.ª Assim, desde logo em relação a três dos indícios elencados pela inspecção tributária para aplicação de métodos indirectos, na análise efectuada pelo tribunal "a quo" foram desconsiderados na matéria de facto o exercício do direito de audição efectuado pelo impugnante/recorrido e a fundamentação/resposta ao mesmo levada a cabo pela inspecção a explicitar e a aprofundar os vícios da contabilidade apontados pela inspecção como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, bem como os anexos ao relatório de inspecção. Assim, também quanto à conclusão da falta de pressupostos para recorrer aos métodos indirectos deverá ser revogada a douta sentença.
10.ª No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda. O tribunal "a quo" na matéria de facto desconsiderou o exercício do direito de audição efectuado pelo impugnante/recorrido, a fundamentação/resposta ao mesmo levada a cabo pela inspecção, bem como os anexos ao relatório de inspecção.


*

O Recorrido não contra-alegou.

Neste TCAS o EMMP emitiu douto parecer no sentido se ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos vem o processo à conferência.


*

b) As questões a decidir:
- Verificar se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia.
- Apurar se as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade por indevido recurso à avaliação indirecta

*

2 – Fundamentação

a) - De facto
(a) A 10/07/2001, reuniram-se o perito do ora impugnante e o perito da AT, a fim de apreciarem o pedido de revisão apresentado pelo impugnante, relativo às fixações do IVA e de IRS, relativamente aos exercícios de 1997 e 1998 (cfr. acta de reunião de peritos, a fls. 40 do PAI);
(b) O impugnante foi alvo de acção inspectiva, circunscrita a IVA e IRS, dos exercícios de 1996, 1997 e 1998 (cfr. se lê do ponto II do relatório de inspecção de fls. 7 a 30 do PAI);
(c) A acção de inspecção concluiu ser de efectuar as seguintes correcções (cfr. relatório de inspecção, de fls. 7 a 30 do PAT, quadro conclusões da acção de inspecção):
Correcções à Matéria Tributável de IVA, com recurso a métodos indirectos:
1997 — 2.306.838
1998 — 2.460.171
(d) Lê-se no ponto V — "Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos do relatório de inspecção" (cfr. relatório de inspecção, de fls. 7 a 30 do PAI):
"Dado os elementos da contabilidade não obedecerem a regas de normalização contabilística previstas no Plano Oficial de Contabilidade, apresentarem omissões, inexactidões e indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de presumir-se verdadeiras e de boa fé, as declarações apresentadas pelo contribuinte. Torna-se deste modo impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Face aos motivos que a seguir se apresentam, propõe-se que a determinação de lucro tributável relativamente aos exercícios de 1997 e 1998 seja efectuada com recurso a métodos indirectos nos termos do artigo 38.° da CIRS, alínea b) do art.° 87.° e alínea a) do art.° 88.° ambos da Lei Geral, com a consequente correcção para efeitos e IVA nos termos do art.° 82.° e do art.° 84 do IVA:
1. A conta 11.1. — "Caixa principal" apresenta frequentemente saldo credor durante os exercícios de 1997 e 1998, muito embora se verifiquem inúmeros pagamentos;
2. No dia 31/05/98 é efectuado um reforço de caixa no valor de 6.000 contos através do documento interno 274 o qual não se encontra arquivado;
3. Todos os movimentos contabilísticos de pagamento e recebimento são efectuados a partir da conta "caixa principal" contudo verifica-se que o contribuinte movimenta várias contas bancárias sobre os bancos B.P.I., B.T.A e B.F.B.;
4. Verificou-se que todos os documentos em posse do sujeito passivo, relativamente aos meses de Abril e Maio de 1997, respeitantes quer a custos quer a proveitos, não foram contabilizados, não influenciando desde logo o apuramento da matéria tributável desses exercícios;
5. O sujeito passivo tem em falta as declarações periódicas de IVA dos exercícios de 97/09 e 97/12;
6. Do confronto entre os valores expressos nas declarações periódicas de IVA do ano de 1997 e 98/12, com os respectivos extractos de conta verificam-se inúmeras divergências quer quanto ao imposto liquidado quer quanto ao imposto dedutível
7. O contribuinte não apresentou juntamente com as declarações de rendimento dos anos de 1996, 1997 e 1998 os mapas de amortizações e reintegrações desse exercício não declarando deste modo os bens do activo imobilizado afectos ao exercício de actividade, não considerando consequentemente como custos dos exercícios as amortizações correspondentes à depreciação dos bens;
8. No ano de 1997 foram alienados bens do activo imobilizado, bens estes que constavam dos mapas de amortizações e reintegrações do ano de 1995, contudo não foram apresentados para o exercício de 1997 o mapa de bens abatidos no exercício e o mapa de apuramento das mais-valias e menos valias fiscais;
9. Durante os anos de 1997 e 1998 é insignificante o n.° de facturas ao consumidor final respeitantes à venda de leitão, contudo existem várias facturas emitidas ao consumidor final nas quais é feita a referência a "leitão crú". Confrontado o contribuinte perante tal evidência este afirmou não vender leitão crú ao consumidor final, vendendo apenas leitão assado.
10. No decurso de uma acção de inspecção prevista nos termos do Decreto-Lei 45/89 foi recolhida no estabelecimento do sujeito passivo "José Carlos Dias Neto" a venda a dinheiro n.°3669 de 10/07/98, a qual se encontrava arquivada como documento de venda e transporte, respeitante à venda de 5.7 kgs de leitão ao preço de 2.000$00, emitida pelo contribuinte " ... dos Santos Maria";
11. A cópia da venda a dinheiro supra mencionada não se encontra contabilizada pelo sujeito passivo nem foram exibidos pelo mesmo os respectivos livros, alegando o contribuinte o desconhecimento de tal documento;
12. A mesma venda a dinheiro supra mencionada não cumpre vários dos requisitos exigidos pelo art.° 35.° do CIVA, nomeadamente nome ou denominação social do vendedor, sua sede e número de identificação fiscal, número de identificação fiscal de adquirente, taxas aplicáveis e o montante do imposto devido;
13. As facturas não se encontram emitidas de forma sequencial;
14. Não se encontram arquivadas nem contabilizadas pelo contribuinte várias facturas pelo que não poderá concluir-se que tenham sido anuladas;
15. No mês de Novembro o contribuinte abateu "duas porcas" contudo as mesmas não se encontram facturadas no respectivo período;
16. O contribuinte não possui um preço de venda fixo, porquanto verifica-se a existência de diversos preços relativamente à venda do mesmo tipo de produtos (leitão assado e leitão crú);
17. Os inventários finais não se encontram devidamente elaborados uma vez que não discriminam correctamente os produtos, quantidades em stock e preços unitários."
(e) Com data de 09/10/2000 foi lavrado auto de declarações, onde se lê que foram prestados os seguintes esclarecimentos (cfr. anexo II do relatório de inspecção, a fls. 26 do PAT):
"1 — As quebras máximas do processo são de 50%, o que significa que um leitão que em crú pese 8 kgs. para depois de assado 4 a 5 kgs.
2 — Os preços de venda ao público eram nos anos de 1997 e 1998 de 1.800$00 com IVA incluído.
3 — Quantos aos livros de vendas a dinheiro o Sr. ... diz não ter conhecimento e que apenas o seu empregado ... podia esclarecer. Alega contudo que foi o mesmo quem passou o documento pois era ele que fazia a volta de V. N. F. Coa."
(f) Com data de 10/07/98 foi emitida venda a dinheiro n.°3669, com os seguintes dizeres (cfr. anexo V do relatório de inspecção, a fls. 30 do
PAT): "Ex.m° Snr.: Churrasqueira
Cont. n.° V.N. F.0
Leitão assado
5,700 — 2.000$00 = 11.400$00
Barroco"
(g) No relatório de inspecção lê-se ainda, no ponto III — Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável (cfr. relatório de inspecção, a fls. 7 e seguintes do PAT, mais concretamente a fls. 10 a 12):
"Ano de 1997
(.. .)
2.1.2 — Conforme consta das facturas n.°5059 de 97/07/10 e 5153 de 97/06/30, o sujeito passivo alienou as viaturas a seguir identificadas, sem que contudo tenha entregue o respectivo IVA, liquidado nos cofres do Estado:
Factura / data
Viatura
Valor Liquido da venda
Iva liquidado
5059 de
97/07/10
Nissan Pick Up 83-50-ES
500.000$00
85.000$00
5153 de
97/06/30
Renault Express 30­39-AT
769.230$00
130.769$00

2.2 — Correcções em sede de IRS
1.2.1 — Vendas não contabilizadas
Da análise à conta de 71.1.1 — Verificou-se que as facturas emitidas nos meses de Abril e Maio, cuja relação consta em Anexo I, não foram contabilizadas. Deste modo deixaram de ser declarados nos termos do art.° 20.° do CIRC proveitos do exercício no montante de 1.345.555$00.
(…)
(h) No relatório de inspecção lê-se ainda, no ponto V — Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos (cfr. relatório de inspecção, a fls. 7 e seguintes do PAT, mais concretamente a fls. 15 e seguintes):
1. "Determinação da matéria tributável omitida no ano de 1997 e IVA em falta
1.1 - Apuramento da quantidade de Kgs. de leitão utilizado no exercício da actividade
Foram recolhidas dos elementos da contabilidade as quantidades em Kgs de leitão abatidos pelo contribuinte no Matadouro da Guarda, bem como as compras efectuadas a " ... , comércio de leitão, Lda." compras estas confirmadas pelo fornecedor e respeitantes à compra de leitões já abatidos, isto é, prontos para assar. As quantidades totais são as:

Compras a ... , Lda.
(…)
(…)(…)
Total - Kgs.
5769.5
Leitões abatidos em 1997 “Iroma”
(…)
(…)(…)
Total - Kgs.
21685


1.2 Vendas declaradas em 1997

Vendas declaradas em 1997
Leitão crú — Kgs.Leitão
assado
— Kgs.Total
(…)(…)(…)
Total3082.295991.69073.89

1.3 - Determinação de vendas omitidas em 1997 e IVA em falta
Conforme mapa em Anexo 3 o valor das vendas omitidas e respectivo IVA em falta para cada um dos períodos de tributação são (...).
2. Determinação da matéria tributável omitida no ano
de 1998 e IVA em falta
2.1 — Apuramento da quantidade de Kgs. de leitão
utilizado no exercício da actividade
Foram recolhidas dos elementos da contabilidade as quantidades em Kgs de leitão abatidos pelo contribuinte no Matadouro da Guarda, bem como as compras efectuadas a " ... , comércio de leitão, Lda." compras estas confirmadas pelo fornecedor e respeitantes à compra de leitões já abatidos, isto é, prontos para assar. As quantidades totais são as constantes do mapa a seguir:

Compras a ... , Lda.
(…)
(…)(…)
Total - Kgs.
3357
Leitões abatidos em 1998 “Iroma”
(…)
(…)(…)
Total - Kgs.
20132

1.1 Vendas declaradas em 1998

Vendas declaradas em 1998
Leitão crú — Kgs.Leitão
assado
— Kgs.Total
(…)(…)(…)
Total3574.33637.47211.7

1.2 Determinação de vendas omitidas em 1998 e IVA em falta
Conforme mapa em Anexo IV o valor das vendas omitidas e respectivo IVA em falta para cada um dos períodos de tributação são (...).
(i) Consta do Anexo III ao relatório de inspecção (cfr. relatório de inspecção, a fls. 7 e seguintes do PAT, mais concretamente a fls. 28):
"Mapa de apuramento das vendas omitidas em 1997"
(…)
(j) Consta do Anexo IV ao relatório de inspecção (cfr. relatório de inspecção, a fls. 7 e seguintes do PAT, mais concretamente a fls. 29):


Leitões utilizados em kgs. (1)
Venda de Leitões em crú — Kgs. (2)
Kgs.de Leitão
Objecto de transformação
(3) = (1) — (2)
Quebras normais do processo de transformação
[informada pelo
contribuinte conforme consta de
declarações] (4)
Auto de
Kgs. de leitão transformado
(5) = (3) —(4)
Kgs. de
leitão facturado
o (6)
Leitão assado não facturado
o (7) =
(6) — (5)
Preço
Médio s/
IVA
Valor Liquido
Iva em
Falta tx.
Normal
(10) 0 (9) * 0.17
Janeiro
(...)
40%
1538$
(. • .)
(. - .)
(.. .)
40%
1538$
Abril
2012
26.6
1985.4
40%
1191.2
367.8
645.1
1538$
Maio
2004
35
1969
40%
1181.4
536.3
1123
1538$
(...)
40%
1538$
Total
8822.91
13.569.636
2.306.839

"Mapa de apuramento das vendas omitidas em 1998"

Leitões utilizados em kgs.
(1)
Venda de
Leitões
em crú —
Kgs. (2)
Kgs. de Leitão
Objecto de
transformação
(3) = (1) — (2)
Quebras normais do processo de transformação
[informada pelo
contribuinte conforme consta de
auto de
declarações] (4)
Kgs. de leitão transformado
(5) = (3) —(4)
Kgs.de
leitão facturado
o (6)
Leitão assado não
facturado
o (7) =
(6) — (5)
Preço
Médio s/
IVA
Valor LiquidoIva em
Falta tx.
Normal
(10) O (9) *
0.17
Janeiro
(...)
40%
1538$
(…)
(…)
Total
9619.02
14.471.593
2.460.172

(k) Na sequência da acção inspectiva já identificada, foi proferido o seguinte despacho (cfr. despacho a fls. 5 da cópia do PAT):
"(…)
Nos termos das normas constantes dos art.° 87.°, 88.°, 90.° todos da Lei Geral Tributária e artigo 66.°/2 al. a), 38.°/1/al d) do Cód. de IRS e 57.° do Cod. de IRC proceda, tendo por fundamento o que consta do relatório infra de inspecção tributária, à fixação ao sujeito passivo (...) do conjunto das seus rendimentos líquidos totais em sede de IRS como segue:
- 1997 — 14.224.439$00
- 1998 — 11.171.000$00 (...)
Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Do ano de 1997 no montante total de 2.306.839, assim distribuído por (...)
Do ano de 1998 no montante total de 2.460.172, assim distribuído por (...)
(l) 05/10/2001 foi emitida liquidação adicional de IRS, relativa ao exercício de 1997, com o n.° 5333738387, onde se determinou a um valor a pagar de 5.409.955$00, e onde se considerou um rendimento global de 14.547.739$00 (cfr. consulta da liquidações de IRS, a fls. 60 do PAI);
(m) 05/10/2001 foi emitida liquidação adicional de IRS, relativa ao exercício de 1998, com o n.° 5333739176, onde se determinou a um valor a pagar de 3.459.821$00, e onde se considerou um rendimento global de 11.510.263$00 (cfr. consulta da liquidações de IRS, a fls. 61 do PAI);
(n) Foram emitidas ao impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA (cfr. documento de fls. 62 dos autos):

Período
N.°
Liquidação
Data
Liquidação
Montante
98
01164503
2001/09/28
2.460.172
97
01164492
2001/09/28
2.306.839
(e) A 28/10/2002 deu entrada a presente impugnação judicial no Tribunal Tributário de 1.' instância da Guarda (cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos).
(f) Entre 1997 e 1999 foram abatidos leitões no matadouro da Guarda, de ... , com o ferro do impugnante (cfr. depoimento da 1.ª e 2.ª testemunha);
*
Factos não provados:
1. O impugnante teve de efectuar pelo menos duas destruições de leitões e respectivos enterros de leitões por avaria da câmara frigorífica;
*
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos, conforme indicado em cada alínea do probatório, e dos depoimentos das testemunhas.
No que respeita à primeira e segunda testemunhas, resulta que as mesmas foram credíveis, tanto mais que a segunda testemunha, ... , filho do impugnante, depôs sobre factos que lhe podiam ser desfavoráveis, na medida em que relatou a forma como o abate de leitões não era imputado na sua contabilidade como era devido, mas sim na contabilidade do seu pai, ora impugnante.
No que respeita à primeira testemunha, ... , e sobre o facto em relação ao qual o seu depoimento foi relevante para a descoberta de verdade - facto n) do probatório — demonstrou ter conhecimento directo, em virtude de a própria testemunha fazer o transporte dos animais de ... , para serem abatidos com o "ferro" do ora impugnante.
O depoimento da 3.ª testemunha, TOC do impugnante não resultou relevante para a descoberta da verdade material, uma vez que a testemunha não depôs sobre factos cujo conhecimento tivesse adquirido directamente, sendo que a sua razão de ciência foi de ouvir dizer ou da consulta a documentos fornecidos pelo impugnante para a elaboração da contabilidade.
A 4.ª testemunha não foi também relevante uma vez que, muito embora tenha deposto no sentido de ter aberto uma vala para enterrar leitões, não conhecia directamente qual a origem dos animais, apenas afirmando que os mesmos têm origem numa arca frigorífica avariada por tal lhe ter sido dito pelo impugnante.
*
Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
(g) No ponto VIII do relatório de inspecção, sob a epígrafe “DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO”, consta o seguinte:
O sujeito passivo exerceu em 31/10/2000 o direito de audição para o qual foi notificado em 20/10/2000, não tendo no entanto alegado motivos que permitissem alterar o valor global das correcções propostas.
É de referir em relação ao direito de audição exercido que:
Alínea 4 - O facto de terem sido enviadas as declarações periódicas de IVA dos períodos de Abril e Maio de 1997 não prova que o movimento desses períodos tenha sido contabilizado uma vez que os documentos não possuem numeração interna oposta no acto do lançamento e os respectivos montantes não se encontram reflectidos nos valores anuais de cada uma das contas correspondentes;
Alínea 5 - As cópias das declarações de IVA correspondentes aos períodos de 97/09 e 97/12, que se encontram arquivadas na contabilidade não provam o envio ao SIVA das correspondentes declarações pois estas não possuem o respectivo registo e encontram-se em falta no sistema informático;
Alínea 7 — O contribuinte não apresentou até à presente data nem fez prova de ter apresentado, juntamente com as declarações de rendimentos de 1996, 1997 e 1998 os respectivos mapas de amortizações e reintegrações, muito embora tenha sido notificado para tal;
Alínea 9 — Se o leitão é vendido em crú a restaurantes porquê a facturação a "Consumidor Final"? ...
Este procedimento não implicaria uma omissão de custos, proveitos e consequentemente falta de liquidação de IVA por parte do adquirente também sujeito passivo ?;
Alínea 10 — Quanto à venda a dinheiro n.° 3669 de 10.07.98 esta em nada se assemelha a uma nota de
encomenda já que possui a menção " Venda a dinheiro", tem numeração impressa no acto da impressão, identifica o produto, peso, preço unitário e preço total. Ver cópia em Anexo V ;
Alínea 14 — Foram solicitadas ao técnico de contas as facturas que se encontravam em falta na contabilidade não tendo este feito prova da sua anulação ou da sua existência no canhoto;
Alínea 15 — Conforme determina o art. 80° do CIVA presumem-se transmitidos, salvo prova em contrário,
os bens adquiridos importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade; Como forma de ilidir a presunção deste art.° o sujeito passivo deverá ter em sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados. O sujeito passivo poderá elaborar e conservar para seu próprio interesse um auto de destruição ou inutilização dos bens objecto de abate sendo recomendável proceder à comunicação prévia desses factos aos serviços competentes, indicando o dia e a hora, a fim de que os mesmos possam, se assim o entenderem, efectuar o devido controlo;
Alínea 17 — Conforme refere este ponto os inventários apenas se encontram pela totalidade não discriminando correctamente os produtos, quantidades em stock e preços unitários;
Quanto aos parágrafos seguintes e aproveitando o esclarecido na alínea 15 deve ainda referir-se:
- ao dar entrada no matadouro de leitões que não são seus e que posteriormente assa deverá o sujeito passivo emitir factura ou venda a dinheiro pela prestação de serviços, pois todos os custos estão reflectidos na sua contabilidade;
- Nos termos da alínea f) do n.° 3 do art.° 3° do CIVA consideram-se transmissões de bens e como tal sujeitas a imposto a transmissão gratuita de bens da empresa quando relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto, excluindo-se as ofertas de pequeno valor.
Considera-se "pequeno valor" a aplicar às ofertas o valor da oferta que não ultrapasse unitariamente o montante de 3.000$00, considerando-se ainda que o valor anual das ofertas não poderá exceder 5%o ( cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior. No caso da oferta ser constituída por um conjunto de bens o limite de 3.000$00 aplicar-se-á ao conjunto de bens e não a cada bem "per si". Ora, o valor anual das ofertas não poderá exceder no ano de 1997 o montante anual de 89.125$00 e no ano de 1998 o montante anual de 46.620$00. As ofertas deverão ser contabilizadas numa das rubricas apropriadas das contas 62 ou 65 por forma a que seja permitido o devido controlo.
Nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 28° do CIVA os sujeitos passivos são obrigados a emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens tal como vem definida no art.° 3° do CIVA. O n.° 7 do art.° 35° do CIVA enumera os vários elementos que devem conter os documentos emitidos aquando das ofertas que são a data, natureza da operação, valor tributável, taxa de imposto aplicável e o montante do mesmo.

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b) - De Direito

A recorrente imputa à sentença nulidade por excesso de pronúncia [violação dos artigos 661, n.º 1, 668, n.º 1, als. d) e e) (actuais artigos 609° e 615°) CPC], e artigo 125° do CPPT]

Alega a recorrente que:

“É de evidenciar que aparentemente não foram concretamente impugnadas, não invocando o impugnante/recorrido qualquer fundamento de ilegalidade, e logo aceites, as correcções meramente aritméticas à matéria tributável em sede de IVA aos anos de 1997 e 1998 a seguir identificadas:

pontos 111-2.1.1 do relatório de inspecção, 111-2.1.2 do relatório de inspecção e III­2.1.3 do relatório de inspecção (fls. 5 e 6 do relatório de inspecção) — tendo sido efectuada uma liquidação adicional de IVA, por correcções meramente aritméticas, ao ano de 1997 no total de 1.291,06€ (258.836$00);

ponto "111-3.1.1 do relatório de inspecção — tendo sido efectuada uma liquidação adicional de IVA, por correcções meramente aritméticas, ao ano de 1998 no total de 258,81€ (258.836$00)”.

Como é pacificamente aceite o acto tributário é divisível. Isto significa que pode ser impugnado total ou parcialmente como também pode ser anulado na sua totalidade ou apenas em alguns dos seus segmentos.

Ora, no ponto 7. da petição inicial o recorrido alega que “Aliás, várias irregularidades ou são irrelevantes em termos de cálculo da matéria colectável, ou beneficiam o Estado, ou foram facilmente rectificadas, ou foi feio com facilidade a relação das facturas que se perderam e não tinham, sido juntas à contabilidade” (negrito nosso).

Parece, pois, que o recorrido não ataca as correcções técnicas ou meramente aritméticas das liquidações. Ora, são realidades distintas as correcções técnicas e os métodos indirectos.

As correcções que a AT pode efectuar à matéria colectável podem resultar, desde logo de uma avaliação directa, ou avaliação a priori, através da recolha e processamento dos dados das declarações ou através da verificação do seu conteúdo e de correcções de eventuais erros. Este tipo de avaliação assenta, assim, na análise da declaração do contribuinte ou nos elementos da sua contabilidade, dando origem a correcções técnicas ou meramente aritméticas, pois não envolvem um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos. As correcções técnicas destinam-se a corrigir proveitos registados por montantes inferiores aos que constam das facturas emitidas, a desconsiderar custos ou perdas não comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (artigo 23.º, do CIRC) ou deduções de imposto que se refira a operação simulada (artigo 19.º, n.º3 do CIVA) bem como deduções de imposto referido em facturas ou documentos equivalentes que não obedeçam aos requisitos formais legalmente exigidos (artigos 19.º, n.º 2 e 6 e 35.º do CIVA).

Das correcções técnicas distinguem-se as correcções aplicáveis a desvios significativos (artigo 26.º, n.º 3, do CIRC) em relação a custos-padrão ou a taxas de reintegração ou amortização (art.º 31.º, n.º 3, do CIRC), que obedecem a critérios de razoabilidade e proporcionalidade e que por isso dependem de uma avaliação ponderada da AT.

Já na avaliação indirecta, que pressupõe uma falta de colaboração do contribuinte e a ausência, falta de apresentação ou deficiência dos elementos declarativos ou da contabilidade, a fixação da matéria colectável é feita com recurso a indícios e presunções, precisamente porque não é possível, como na avaliação directa, chegar a um resultado objectivo extraído da escrita do sujeito passivo ou da sua declaração.

Não obstante ambos os referidos métodos de avaliação partam de pressupostos diferentes, é possível conciliar e aplicar os dois numa só operação de avaliação, pois como se decidiu no acórdão deste TCA Sul de 02-06-2009(1):

1. Visando, a contabilidade, os métodos de registo e de cálculo dos actos relevantes à vida das empresas, no desenvolvimento dos respectivos objectos sociais, deve, a mesma, reflectir, enquanto um todo e pelos períodos económicos relevantes, os factos patrimoniais ocorridos ao longo da existência daquelas;

2. Sem embargo, a circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correcção, por parte da AF, através da utilização simultânea de correcções técnicas e métodos indirectos;

3.A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, mão só, uma faculdade, mas um poder/dever da AF na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar.

(…)

Ora, da leitura da petição inicial decorre que o recorrido não impugna as correcções meramente aritméticas, uma vez que todas as razões da sua discordância são dirigidas à avaliação indirecta.

Tem por isso razão a AT quando diz que a sentença extravasou o âmbito dos poderes de cognição que no caso sub judice legalmente lhe era lícito convocar, ao anular in tottum, as liquidações.

Procede, assim, a arguida nulidade da sentença [art.º 668.º, n.º 1, al. d), actual art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC], o que impõe a sua anulação e o conhecimento do mérito da causa em substituição (art.º 665.º, n.º 1, do CPC).


*

Como se disse o recorrido discorda da aplicação de métodos indirectos

por entender que:

“Só é permitido o recurso aos métodos indirectos nas situações previstas nos art.os 87 e ss. do L.G.T., nenhuma constando do relatório de fiscalização.

No caso concreto houve uma possibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável do cidadão contribuinte impugnante pois todos os elementos da escrita do impugnante foram postos à disposição do agente da administração.

Do relatório de fiscalização também não resulta qualquer insuficiência ou inexistência de elementos da contabilidade nem qualquer falta, atraso na escrita do cidadão contribuinte.

Também não houve recusa, ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação de elementos contabilísticos.

Não foram detectadas diversas contabilidades ou livros ou qualquer simulação.

Todas as incorrecções pontuais detectadas são meras irregularidades que em nada influenciam os valores contabilísticos declarados pelo contribuinte.

Aliás, várias irregularidades ou são irrelevantes em termos de cálculo da matéria colectável, ou beneficiam o Estado, ou foram facilmente rectificadas, ou foi feito com facilidade a relação das facturas que se perderam e não tinham sido juntas à contabilidade.

Aliás, estas meras irregularidades são apenas fruto da falta de organização, cultura e conhecimentos técnicos do contribuinte e da sua mulher que nada fazem com qualquer malícia.

Os dois são analfabetos não sabendo ler nem escrever.

Aliás, os contribuintes são tidos na Guarda como pessoas sem instrução, trabalhadoras e muito honradas e honestas.

São pessoas totalmente incapazes de prejudicar alguém, bem como o estado.

Não pode também fundamentar-se o recurso aos métodos indirectos com a justificação de que os indicadores de actividade do impugnante são inferiores aos normais para a actividade.

Pois não foi junto ao relatório, ou referido sequer, qualquer indicador objectivo de base técnico-científica definido pelo Ministro das Finanças.

Nem por qualquer outra forma se demonstrou quais são os indicadores objectivos e quais são os indicadores da actividade do impugnante.

Tudo isto conforme as exigências rigorosas impostas pelos art.º 88 e 89 da L.G.T.

(…)”

(artigos 1 a 15 da inicial).

Só que e ao contrário do decidido na sentença, é manifesto que a contabilidade do recorrido não merece qualquer credibilidade e que a mesma não permitia demonstrar o seu “rendimento real” com o mero recurso à avaliação directa.

O tribunal não sopesou os factos que considerou provados, desde logo o que consta do relatório de inspecção no tocante à justificação da aplicação de métodos indirectos [al. (d) do probatório), manifestamente elucidativos de que a contabilidade do recorrido não merece qualquer credibilidade. A insuficiência e inexactidão dos elementos contabilísticos, bem como a manifesta discrepância entre o volume de negócios declarado com o volume de negócios apurado pela AT e a existência de factos concretos que permitiram a esta concluir que o recorrido revelou nos exercícios em exame uma capacidade contributiva superior à declarada abre a porta ao recurso à avaliação indirecta.

Aliás, a sentença não relevou sequer os factos que considerou não provados, alegados pelo recorrido.

Diz a sentença:

“No que respeita à emissão da facturas de forma não sequencial e como se disse já, se é verdade que a existência de facturas que não tem ordem sequencial permite indiciar que podem existir facturas emitidas e que não foram contabilizadas, já à mesma conclusão não se chega se são as próprias facturas que são emitidas sem respeitar uma ordem sequencial, pois nesse caso é possível afirmar que a emissão de facturas não é efectuada de acordo com o estabelecido no então artigo 35.° do CIVA, mas nada permite concluir quanto à impossibilidade de aferir o rendimento através dessas facturas, ainda que passadas de forma não sequencial, e sem cumprir os demais requisitos do artigo 35.° do CIVA”

Lendo e relendo esta argumentação não se consegue alcançar, salvo o devido respeito, o respectivo raciocínio. Se a emissão de facturas de forma não sequencial “permite indiciar que podem existir facturas emitidas” já facturas “que são emitidas sem respeitar uma ordem sequencial” não permite concluir no mesmo sentido?

Será que não estamos a falar da mesma realidade? Facturas que não têm ordem sequencial será algo diferente de facturas que não respeitam a ordem sequencial?

Claro está que “o incumprimento do artigo 35.° do CIVA não tem como consequência legal, sem mais a liquidação de IVA efectuada a partir de métodos indirectos”… O que não se atentou é que esse incumprimento é apenas uma parte do incumprimento global e que se é certo que um leitão depois de assado pesa menos que antes de assar não é essa realidade que consegue justificar as elevadas discrepâncias entre o peso dos leitões adquiridos e o peso dos leitões vendidos.

Por isso e contrariamente ao decidido no tribunal a quo as “imperfeições” detectadas na contabilidade não são meras imperfeições contabilísticas mas verdadeiras anomalias que impedem o apuramento da matéria colectável por recurso à avaliação directa.

Estava, pois, justificado o recurso à avaliação indirecta, o que tanto basta para se concluir que a sentença padece de erro de julgamento e, consequentemente, deve ser revogada e substituída por segmento decisório que julgue totalmente improcedente a impugnação.

Sumariando, para concluir:
i) Por ser divisível, o acto tributário pode ser impugnado total ou parcialmente como também pode ser anulado na sua totalidade ou apenas em alguns dos seus segmentos.
ii) As correcções que a AT pode efectuar à matéria colectável podem resultar de uma avaliação directa, através da recolha e processamento dos dados das declarações ou através da verificação do seu conteúdo e de correcções de eventuais erros.
iii) Este tipo de avaliação assenta, assim, na análise da declaração do contribuinte ou nos elementos da sua contabilidade, dando origem a correcções técnicas (ou meramente aritméticas), pois não envolvem um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos, ou a correcções sujeitas a um juízo de ponderação.
iv) As correcções técnicas destinam-se a corrigir proveitos registados por montantes inferiores aos que constam das facturas emitidas, a desconsiderar custos ou perdas não comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora ou deduções de imposto que se refira a operação simulada bem como deduções de imposto referido em facturas ou documentos equivalentes que não obedeçam aos requisitos formais legalmente exigidos.
v) As correcções sujeitas a ponderação aplicam-se a desvios significativos em relação a custos-padrão ou a taxas de reintegração ou amortização ou à determinação do lucro tributável e têm como pressuposto serem aplicadas segundo princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
vi) A avaliação indirecta, pressupondo uma falta de colaboração do contribuinte e a ausência, falta de apresentação ou deficiência dos elementos declarativos ou da contabilidade, visa a fixação da matéria colectável com recurso a indícios e presunções.
vii) O que justifica a avaliação indirecta é a impossibilidade de chegar a um resultado objectivo extraído da escrita do sujeito passivo ou da sua declaração.
viii) Não obstante ambos os métodos de avaliação partam de pressupostos diferentes, é possível conciliar e aplicar ambos numa só operação de avaliação.
ix) Padece de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que anula integralmente liquidações em relação às quais não tinham sido questionadas as correcções técnicas.
x) A insuficiência e inexactidão dos elementos contabilísticos, bem como a manifesta discrepância entre o volume de negócios declarado com o volume de negócios apurado pela AT e a existência de factos concretos que permitiram a esta concluir que o recorrido revelou nos exercícios em exame uma capacidade contributiva superior à declarada abre a porta ao recurso à avaliação indirecta.

Concluindo: o recurso merece integral provimento.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida por excesso de pronúncia e, em substituição, julgar totalmente improcedente a impugnação.

Custas pelo recorrido, apenas em 1.ª instância.

D.n.

Lisboa, 2014-05-29

Benjamim Barbosa

Anabela Russo

Cristina Flora






1- Rec. n.º 2803/08, LUCAS MARTINS