Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11471/14 |
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Secção: | CA-2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 08/28/2015 |
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Relator: | RUI PEREIRA |
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Descritores: | SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMAS – INCOMPETÊNCIA MATERIAL – REVOGAÇÃO DA(S) NORMA(S) – INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE |
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Sumário: | I – Os tribunais administrativos carecem de competência material para proceder ao conhecimento do objecto da acção principal, quando a requerente apenas imputa às normas suspendendas a ofensa de preceitos constitucionais em virtude das imputadas inconstitucionalidades à lei que se encontra na sua base, não lhe atribuindo qualquer outra ilegalidade, por essa competência estar reservada exclusivamente ao Tribunal Constitucional [artigos 281º da CRP e 72º do CPTA]. II – E, não sendo competentes para conhecer da acção principal, também, não o são para conhecer de qualquer providência que seja instrumental da mesma. III – O argumento invocado pela recorrente, no sentido de que as inconstitucionalidades não são directamente assacadas à Portaria nº 1379/2009, de 30/10, mas à Lei nº 31/2009, da mesma data, ao abrigo das quais a portaria em causa foi emitida, não impede, antes reforça a conclusão de que se trata de matéria alheia à competência dos tribunais administrativos, uma vez que aquele diploma legal integra, sem margem para dúvidas, normas criadas no exercício de opções políticas gerais, no exercício da competência legislativa da Assembleia da República. IV – Ora, como corolário do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2º da CRP, está expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, nos termos expressos da alínea a) do nº 2 do artigo 4º do ETAF. V – Uma vez que a Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro – cuja suspensão de eficácia foi requerida nos autos – foi entretanto revogada pelo artigo 6º da Lei nº 40/2015, de 1 de Junho [diploma que procedeu à primeira alteração à Lei nº 31/2009, de 3 de Julho], é manifesta a inutilidade superveniente da lide no tocante ao pedido de apreciação da suspensão de eficácia de normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da aludida portaria. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia intentou no TAC de Lisboa uma providência cautelar contra o Ministério da Economiae contra o Ministério da Educação e da Ciência, na qual peticionou a suspensão de eficácia das normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, na parte em que, conjugadas com o disposto nos artigos 25º e 26º da lei habilitante, a Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, determinam a aplicação, a partir de 1 de Novembro de 2014, a todos os agentes técnicos de arquitectura e engenharia, sem excepção e sem qualquer ressalva quanto aos profissionais que já se encontravam a desempenhar funções à data da respectiva entrada em vigor [1 de Novembro de 2009], dos novos requisitos de qualificação profissional exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 16-7-2014, julgou-se incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolveu as entidades requeridas da instância [cfr. fls. 271/301 dos autos]. Inconformada, a Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos: “I. Na douta sentença de fls. dos autos, o Tribunal "a quo" julgou procedente a excepção de incompetência material da jurisdição administrativa para a apreciação da presente causa e, em consequência, absolveu os requeridos da instância. II. A recorrente não pode deixar de demonstrar a sua discordância face ao teor de tal decisão, motivo pelo qual interpõe o presente recurso. III. A recorrente é uma instituição de natureza sócio-profissional a quem compete representar e defender os interesses, direitos e prerrogativas dos agentes técnicos da área da construção civil bem como de todos os demais profissionais da construção civil detentores de um curso de especialização tecnológica de nível cinco, representando-os junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente propondo medidas relativas à defesa da sua função e dos seus interesses profissionais e morais e pronunciando-se sobre legislação relativa aos mesmos. IV. A recorrente gozou de legitimidade activa para intentar a presente providência cautelar em representação, e no interesse, de todos os ATAE's afectados pelas normas cuja suspensão de eficácia se requereu. V. A recorrente intentou a providência cautelar que deu origem a estes autos em representação, e no interesse, dos 2106 ATAE's inscritos no seu Colégio 1. VI. O número dos ATAE's inscritos no Colégio 1 da recorrente desceu entretanto de 2106 para 1897. VII. Estão em causa os ATAE's que, desempenhando funções à data da entrada em vigor do novo regime jurídico da qualificação na construção – aprovado pela Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, com alicerce na Lei habilitante, a Lei nº 31/2009, de 3 de Julho –, muitos deles há mais de trinta anos, viram restringidos, de forma retroactiva, desproporcional, desnecessária e ilegítima os seus direitos, liberdades e garantias, designadamente o seu direito, liberdade e garantia de escolha de profissão previsto no artigo 47º da Constituição da República Portuguesa (CRP), em virtude dos novos requisitos de qualificação profissional estabelecidos nos diplomas em apreço. VIII. Na douta sentença em crise, o Tribunal "a quo" entendeu, que, o número de destinatários em nome dos quais a providência foi proposta lhe confere automaticamente um alcance geral e abstracto. IX. O Tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão em dois pilares: o número de destinatários que veriam o seu caso concreto regulado em função da presente providência e numa equiparação desse número com o número de associados da recorrente. X. A conclusão do Tribunal "a quo" carece de qualquer fundamento fáctico e legal. XI. Os actualmente 1897 ATAE's em nome de quem a recorrente intentou a presente providência cautelar não se confundem com a totalidade dos associados da recorrente nem com os destinatários das normas cuja suspensão se requereu. XII. Apesar de a presente providência visar produzir efeitos sobre o caso concreto de 1897 interessados, continua a deter efeitos circunscritos ao caso concreto e não alcance geral. XIII. O facto de estarem em causa 1897 casos concretos não confere efeitos "erga omnes" a qualquer decisão de suspensão que viesse a ser proferida. XIV. A AATAE abrange tanto os agentes técnicos de arquitectura e engenharia como os demais profissionais da construção civil detentores de um curso de especialização tecnológica de nível cinco. XV. A AATAE abrange e representa também agentes técnicos de engenharia com múltiplas valências como os agentes técnicos de construção civil, agentes técnicos de electrotecnia, agentes técnicos de topografia e cartografia, agentes técnicos de economia da construção, agentes técnicos de avaliação de imóveis, agentes técnicos de climatização e ventilação e agentes técnicos de conservação e reabilitação de edifícios. XVI. Estes técnicos não são ATAE's e não se confundem com os ATAE's em nome dos quais foi intentada a presente providência cautelar. XVII. A recorrente possui hoje 2362 associados, sendo que a presente providência cautelar apenas visa produzir efeitos sobre o caso concreto de 1897, que correspondem ao Colégio 1 dos 8 colégios de associados da recorrente. XVIII. Não existe qualquer coincidência ou paralelismo entre o número de destinatários da presente providência cautelar e o número de associados da recorrente. XIX. A providência cautelar apenas visa produzir efeitos apenas sobre o caso concreto dos ATAE's que já se encontravam em exercício de funções à data da publicação da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, norma habilitante da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, e não de todos os ATAE's. XX. Este condicionamento restringe ainda mais o âmbito de destinatários dos autos em apreço, por confronto com o número de associados da recorrente. XXI. Com o presente meio processual, a recorrente não pretende regular a situação de todos os seus associados. XXII. Os destinatários da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, e da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, excedem o número de ATAE's em causa nestes autos. XXIII. A Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, e a Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, aplicam-se a arquitectos, arquitectos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos. XXIV. Mesmo com a procedência da pretensão da recorrente, as normas em crise ficariam suspensas apenas no caso concreto de 1897 ATAE's, sendo que continuariam a vigorar, com plena e total eficácia, sobre os seus restantes destinatários. XXV. Os diplomas em apreço visam produzir efeitos sobre um número ilimitado de cidadãos; a presente providência cautelar visa regular provisoriamente a situação jurídica de número certo de interessados – 1897 – número muito inferior ao primeiro. XXVI. A decisão de incompetência material recorrida, porque unicamente fundamentada no número elevado de destinatários, não encontra qualquer correspondência com a realidade fáctica, porquanto os destinatários dos diplomas em apreço e os associados da recorrente excedem em larga medida os destinatários da providência cautelar intentada pela recorrente. XXVII. Um "número elevado de destinatários" não corresponde ainda "à totalidade dos destinatários". XXVIII. O pedido de declaração de ilegalidade ou inconstitucionalidade com eficácia "erga omnes" visa obter a eliminação da norma atacada da ordem jurídica. XXIX. O pedido de suspensão de eficácia da norma com efeitos circunscritos ao caso concreto visa a desaplicação da norma ilegal ou inconstitucional ao seu caso, podendo a norma continuar a ser aplicada no futuro a outros casos. XXX. A recorrente pretende somente evitar que as normas cuja suspensão de eficácia se requereu venham a ser aplicadas aos 1897 ATAE's que compõem o seu Colégio 1, mas nada tem a obstar que as mesmas continuem a ser aplicadas aos seus restantes destinatários, nos quais se incluem arquitectos, arquitectos paisagistas, engenheiros, engenheiros técnicos e demais ATAE que não se encontrassem em exercício de funções na data da sua publicação. XXXI. Não é pelo número mais ou menos elevado de casos concretos trazidos a juízo que se afere se estamos perante um pedido com alcance geral, mas sim pela própria natureza do mesmo, isto é, se estamos perante um pedido que visa suprimir totalmente a norma atacada da ordem jurídica ou não. XXXII. É desprovido de qualquer fundamento a conclusão de que com estes autos se visava obter um juízo com eficácia "erga omnes". XXXIII. Os 1897 ATAE's não podem ser prejudicados pelo facto de ter sido proposta uma única providência cautelar por quem tem legitimidade para os representar, e não 1897 providências cautelares autónomas. XXXIV. Deve ser revogada a douta sentença de fls. e substituída por outra que apreciando o caso julgue totalmente improcedente a excepção dilatória de incompetência material dos Tribunais Administrativos e ordene o normal prosseguimento dos autos. XXXV. Os Tribunais Administrativos são os competentes para o conhecimento da presente causa. XXXVI. O douto Tribunal "a quo" entendeu ainda que, falta interesse em agir à recorrente para a presente causa. XXXVII. Apesar de não poderem apreciar, a título principal, declarando, da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de actos legislativos, todos os Tribunais têm livre acesso à Constituição. XXXVIII. É permitido a qualquer juiz de qualquer tribunal [e não apenas ao Tribunal Constitucional] pronunciar-se sobre a desconformidade de uma norma com a CRP quando essa inconstitucionalidade tenha sido alegada no processo. XXXIX. Não só é permitido como é exigido que o faça. XL. A fiscalização abstracta da constitucionalidade cabe unicamente ao Tribunal Constitucional, já a fiscalização concreta é desconcentrada e difusa, cabendo a todos os tribunais, nela só intervindo o Tribunal Constitucional em sede de recurso. XLI. A recorrente alegou a inconstitucionalidade de normas da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, motivo pelo qual cabia ao Tribunal "a quo" pronunciar-se sobre tal alegação, ao abrigo da jurisdição que lhe é reconhecida pelo artigo 204º da CRP. XLII. Cabia ao Tribunal "a quo" decidir o caso, interpretando as normas da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, como constitucionais ou inconstitucionais, independentemente do recurso posterior, restrito à questão da inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional. XLIII. A recorrente não possui legitimidade para accionar directamente a fiscalização da constitucionalidade de actos legislativos junto do Tribunal Constitucional, mas pode provocar a apreciação da inconstitucionalidade das normas da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, suscitando a mesma a título incidental e concreto num processo judicial, tendo em vista o recurso último ao Tribunal Constitucional. XLIV. O que fez! XLV. Porque a recorrente suscitou, a título incidental, concreto e difuso, a inconstitucionalidade de normas da Lei nº 31/2009,de 3 de Julho, cabia ao Tribunal "a quo" pronunciar-se sobre a mesma, aplicando ou desaplicando as normas cuja desconformidade com a CRP foi questionada. XLVI. Dessa decisão poderia a recorrente recorrer, para o Tribunal Constitucional. XLVII. Carece de qualquer fundamento o segundo pilar em que o Tribunal "a quo" fundou a sua decisão. XLVIII. Uma decisão como a recorrida nega o direito da recorrente em suscitar a fiscalização concreta da constitucionalidade. XLIX. Também por isto, deve a sentença de fls. dos autos ser revogada.” [cfr. fls. 343/363 dos autos]. O Ministério da Educação e ciência contra-alegou, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos: “I. O objecto do presente recurso jurisdicional está delimitado pelas conclusões da recorrente, nas quais não é impugnado um dos fundamentos da decisão judicial de verificação da excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Administrativo, sendo que sem a impugnação desse fundamento – o qual se traduz no facto de se pretende com a presente providência cautelar a desaplicação das normas legais constantes da Lei nº 31/2009, o que não cabe no âmbito da jurisdição administrativa por se tratar de normas emitidas pela função legislativa – a decisão do presente recurso, torna-se, salvo melhor opinião, inútil, o que é causa de improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. Sem conceder, II. Deverá improceder a alegação de que não se está perante pedidos de suspensão de eficácia de normas administrativas com efeitos gerais e abstractos, mas perante a suspensão de eficácia de normas administrativas com efeitos circunscritos ao caso concreto. III. Na verdade, nesse aspecto andou bem a decisão judicial recorrida, dado que a ora recorrente não apresentou qualquer situação concreta dos seus associados, nem alegou que pretendia a suspensão de eficácia da Portaria com efeitos circunscritos ao caso concreto, o que é por demais visível no alegado "periculum in mora", que foi apresentado de forma genérica. IV. Ademais, ao invés do que pretende a ora recorrente, a circunstância de o pedido de suspensão de norma administrativa com base em inconstitucionalidades ter sido formulado em representação de um número limitado de pessoas não implica que não se possa estar perante um pedido de inconstitucionalidade de carácter geral e abstracto [neste sentido, o Acórdão do TCA Norte, de 26-09-2013, Proc. 01096/13.0BEBRG]. V. Impugna ainda a ora recorrente a douta decisão judicial por ter como fundamento a sua falta de interesse em agir, por ter suscitado a título incidental, concreto e difuso, a inconstitucionalidade da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, e o Tribunal Administrativo ter o dever de pronunciar-se sobre esse vício, o que não fez. VI. Porém, também nesse aspecto a recorrente carece de razão. VII. De facto, a ora recorrente parece confundir a incompetência material do Tribunal Administrativo para decretar a suspensão de eficácia de uma norma legal, apenas com a qual poderia pretender alcançar o seu desiderato no processo cautelar, com o dever de pronúncia do Tribunal Administrativo quando seja chamado a apreciar a constitucionalidade de uma norma legal, a título incidental, num caso individual e concreto submetido a juízo. VIII. Ora, conforme acima referido, não se está perante a análise de uma caso concreto e individual e por isso, não se está perante a arguição a título incidental da inconstitucionalidade de normas legais, mas sim, perante a alegação de inconstitucionalidade em termos abstractos de normas legais, cujo conhecimento está furtado à jurisdição administrativa, sendo que só com a procedência dessa inconstitucionalidade poderia a ora recorrente obter o que pretendia com o processo cautelar. IX. Na verdade, trata-se de um caso de imputação de inconstitucionalidades em termos abstractos a uma norma legal, "in casu", à Lei nº 31/2009, o que, conforme decorre expressamente da Constituição, não está no âmbito da jurisdição administrativa. X. Sendo de referir que, nos autos são imputadas inconstitucionalidades em termos abstractos a normas administrativas, o que implicaria também a incompetência material do tribunal administrativo [neste sentido, o Acórdão do STA, de 18-08-2004, Proc. nº 801/04].” [cfr. fls. 418/428 dos autos]. O Ministério da Economia também apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos: “1. O que a recorrente pretende na realidade é a suspensão das normas constantes dos artigos 25º e 26º da Lei nº 31/2009, de 30 de Outubro, diploma que aprovou o novo regime de qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra, e não as normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro. 2. As normas dos artigos 25º e 26º da Lei nº 31/2009, de 30 de Outubro, são normas elaboradas pela Assembleia da República no âmbito do exercício da função legislativa. 3. Ora, tratando-se de normas legais, estas são insusceptíveis de serem apreciadas em sede de tribunais administrativos conforme se explanou na nossa oposição e que de novo aqui se reitera. 4. A recorrente está a invocar a inconstitucionalidade de tais normas, pedindo ao tribunal a sua desaplicação. 5. A jurisprudência dos nossos tribunais é pacífica nesta matéria e vai no sentido de que: "Se estiver em causa a incompatibilidade dessas normas com a Constituição, a análise e decisão desta matéria cabe ao Tribunal Constitucional e não aos tribunais administrativos, conforme resulta do artigo 281º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 72º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 6. A referência feita pela recorrente às normas da Portaria, não passa da utilização de um expediente "ínvio" numa tentativa de fazer valer a sua posição, mas sem qualquer sustentação legal ou constitucional, ou até jurisprudencial. 7. Quer com a procedência do presente recurso, quer com a eventual procedência da providência cautelar, a recorrente, não consegue atingir o seu objectivo, que em última análise é o exercício de funções pelos seus associados nos moldes previstos no Decreto nº 73/73, de 28 de Fevereiro, ou seja, sem as limitações impostas pelo novo regime aprovado pela Lei nº 31/2009, de 30 de Outubro. 8. O que significa que os meios utilizados pela recorrente para atingir a sua finalidade revelam-se manifestamente desprovidos de qualquer utilidade face aos pedidos que pretende ver satisfeitos. 9. É pois evidente a manifesta a falta de interesse da recorrente neste processo, pois dele não retira o benefício pretendido. 10. Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser mantida por estar conforme às normas legais aplicáveis.” [cfr. fls. 433/441 dos autos]. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 451 dos autos]. O relator, por despacho de fls. 466vº, suscitou a questão da inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro – cuja suspensão de eficácia foi requerida nos autos –, operada pelo artigo 6º da Lei nº 40/2015, de 1 de Junho [diploma que procedeu à primeira alteração à Lei nº 31/2009, de 3 de Julho], tendo a recorrente emitido pronúncia nos termos constantes de fls. 469 dos autos. Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento. II. FUNDAMENTAÇÃO Para concluir pela incompetência em razão da matéria do TAC de Lisboa, a sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade: A) A requerente é uma instituição de natureza sócio-profissional a quem compete representar e defender os interesses, direitos e prerrogativas dos agentes técnicos da área da construção civil, bem como de todos os demais profissionais da construção civil detentores de um curso de especialização tecnológica de nível cinco, representando-os junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente propondo medidas relativas à defesa da sua função e dos seus interesses profissionais e morais e pronunciando-se sobre legislação relativa aos mesmos – cfr. fls. 58-86 dos autos; B) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do instrumento de fls. 87-106v dos autos, que identifica 2106 sócios da requerente. Partindo destes factos, a sentença recorrida considerou que além das funções política e legislativa, o Governo tem, em conformidade com o artigo 199º da CRP, uma competência administrativa, que se traduz na garantia a execução das leis – onde se inclui o poder de fazer regulamentos necessários à boa execução das leis [artigos 199º, alínea c) e 112º, nºs 7 e 8 da CRP] –, no asseguramento do funcionamento da Administração Pública e na promoção da satisfação das necessidades colectivas. Considerando, porém, que era pretensão da requerente que tudo se passasse como se a Lei nº 31/2009 não tivesse sido aprovada – daí a razão de ter peticionado também a desaplicação do disposto nos artigos 25º e 26º da mesma aos agentes técnicos de arquitectura e engenharia, ou seja, que a partir de 1 de Novembro de 2014, aqueles técnicos, em vez de passarem a estar sujeitos ao regime jurídico decorrente da Lei nº 31/2009, que só não se lhes aplica desde 1 de Novembro de 2009 em virtude das disposições transitórias dos artigos 25º e 26º, voltassem a estar novamente abrangidos pelo regime jurídico decorrente do Decreto nº 73/73, revogado pelo artigo 28º da Lei nº 31/2009, atento o pedido de regulação provisória da situação, mantendo, assim, quanto aos mesmos e até decisão final na acção principal em vigor as normas do Decreto nº 73/73 –, concluiu a decisão recorrida ser o TAC de Lisboa materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados, porquanto estava em causa a apreciação de vícios de inconstitucionalidade imputados pela requerente aos referidos artigos 25º e 26º da Lei nº 31/2009, emanada pela Assembleia da República, no exercício da função legislativa, na medida em que a competência para conhecer de pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas legais não pertence aos tribunais administrativos, mas ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, nº 1 da CRP. Além do mais, considerou também a decisão recorrida que mesmo que se suspendessem as referidas normas da Portaria nº 1379/2009, conjugadas com os artigos 25º e 26º da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho – que determinam a aplicação a partir de 1 de Novembro de 2014, do novo regime jurídico de qualificação na construção constante da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro e da Lei habilitante a todos os ATAE’s, independentemente da data em que começaram a desempenhar funções [se antes ou depois da entrada em vigor do novo regime jurídico da qualificação na construção] –, sempre se manteria em vigor a Lei nº 31/2009, que revogou o Decreto nº 73/73, de 28 de Fevereiro, impedindo assim os agentes técnicos de arquitectura e engenharia de exercer as funções que vinham exercendo ao abrigo desse diploma legal e que as pretendem continuar a exercer com o decretamento da presente providência. Finalmente, considerou ainda a decisão recorrida, ainda que se julgasse procedente o processo cautelar, a requerente também não teria interesse em agir quanto ao pedido de decretamento da providência cautelar pretendida de suspensão das referidas normas da Portaria, pois o efeito que aquela pretende obter apenas poderia resultar da suspensão de eficácia das próprias normas da Lei nº 31/2009, designadamente, do artigo 4º da Lei nº 31/2009, e da consequente não aplicação das mesmas aos agentes técnicos de arquitectura e engenharia. Nesta conformidade, concluiu a decisão recorrida não ser a jurisdição administrativa competente para apreciar a validade das normas em causa e, como tal, também não ser competente para decidir a providência cautelar de suspensão dos seus efeitos. Vejamos então se as críticas apontadas à decisão do TAC de Lisboa pela recorrente merecem provimento. Como vimos, a requerente formulou pedido de suspensão de inúmeras normas da Portaria nº 1379/2009, na parte em que conjugadas com o disposto nos artigos 25º e 26º da Lei nº 31/2009, determinam a aplicação a todos os ATAE’s dos novos requisitos de qualificação profissional exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra. E, tal como considerou a decisão recorrida, um tal pedido configura em rigor um pedido de suspensão da entrada em vigor da Lei nº 31/2009, que aprovou este novo regime que a requerente pretende ver desaplicado aos seus associados a partir de 1 de Novembro de 2014. De acordo com o nº 1 do artigo 1º da citada Lei nº 31/2009, “a presente lei estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos relativos a operações e obras previstas no artigo seguinte, pela fiscalização e pela direcção de obra pública e particular, que não esteja sujeita a legislação especial, e os deveres que lhes são, respectivamente, aplicáveis”. Nos termos do nº 2 do referido artigo 1º, “A elaboração e subscrição de projectos e o exercício das funções de fiscalização de obra e direcção de obra apenas podem ser realizadas por técnicos que sejam titulares das habilitações e dos requisitos previstos nesta lei”. Por sua vez, o artigo 4º da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, estabelece o seguinte: “1 – Os projectos são elaborados e subscritos, nos termos da presente lei, e na área das suas qualificações e especializações, por arquitectos, arquitectos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos, com inscrição válida em associação profissional, sem prejuízo do disposto no artigo 11º. 2 – Para elaboração do projecto, os autores previstos no número anterior constituem uma equipa de projecto, a qual inclui um coordenador de projecto, nos termos da presente lei. 3 – A fiscalização de obra é assegurada por arquitectos, arquitectos paisagistas, engenheiros, engenheiros técnicos e agentes técnicos de arquitectura e engenharia com inscrição válida em organismo ou associação profissional, quando obrigatório, bem como por técnico com habilitação válida decorrente de certificado de aptidão profissional (CAP) de nível 4 ou curso de especialização tecnológica (CET) que confira qualificação profissional de nível 4, na área de condução de obra. 4 – A direcção de obra é assegurada por engenheiros, ou engenheiros técnicos, com inscrição válida em associação profissional, tendo em conta as qualificações profissionais a definir nos termos do artigo 27º, sem prejuízo no disposto no artigo 13º da presente lei e do disposto no artigo 42º do Decreto-Lei nº 176/98, de 3 de Julho”. Nos termos do referido artigo 25º da Lei nº 31/2009 [e no artigo 26º, onde se estabelecem as disposições transitórias para as obras públicas], foi estabelecido um regime transitório, prevendo as condições em que durante o período de cinco anos contados da data de entrada em vigor da lei, bem como nos dois anos seguintes ao período transitório, os técnicos qualificados para a elaboração de projecto nos termos dos artigos 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto nº 73/73, de 28 de Fevereiro, podiam elaborar os projectos especificamente neles previstos, ficando, no entanto, sujeitos ao cumprimento dos deveres consagrados na nova lei. Deste modo, os agentes técnicos de arquitectura e engenharia associados da recorrente que vinham desde o Decreto nº 73/73, de 28/2, a poder elaborar e subscrever projectos de obras, deixaram de o poder fazer, em face do novo regime instituído pela Lei nº 31/2009, exceptuado o período transitório previsto nos artigos 25º e 26º da mesma, a partir de 1 de Novembro de 2009. E é precisamente com o fim de obstar a uma tal limitação ao exercício do direito à profissão por parte dos seus associados que a Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia peticiona a suspensão de eficácia das normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, na parte em que, conjugadas com o disposto nos artigos 25º e 26º da lei habilitante, a Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, determinam a aplicação, a partir de 1 de Novembro de 2014, a todos os agentes técnicos de arquitectura e engenharia, sem excepção e sem qualquer ressalva quanto aos profissionais que já se encontravam a desempenhar funções à data da respectiva entrada em vigor [1 de Novembro de 2009], dos novos requisitos de qualificação profissional exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra. Ou seja, como é reafirmado pela recorrente, o que esta pretende é a suspensão dos efeitos dum acto legislativo – a Lei nº 31/2009, de 30/10 – e a consequente repristinação do regime previsto no Decreto nº 73/73 para os seus associados que à data de 1 de Novembro de 2009 já se encontravam a desempenhar funções como agentes técnicos de arquitectura e engenharia, isto é, sem os novos requisitos de qualificação profissional exigíveis a partir daquela data aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra. Como se salientou no acórdão do TCA Norte, de 26-9-2013, proferido no âmbito do processo nº 01096/13.0BEBRG, “a ilegalidade dos regulamentos consiste sempre na infidelidade deles relativamente à fonte legal, ou seja, à lei habilitante. Se estiver em causa a incompatibilidade dessas normas com a Constituição, a análise e decisão desta matéria cabe ao Tribunal Constitucional e não aos tribunais administrativos, conforme resulta do artigo 281º, nº 1 da CRP, e do artigo 72º, nº 2 do CPTA”. Por outro lado, o STA, no acórdão de 18-8-2004, proferido no âmbito do processo nº 0801/04, entendeu que a eventual ilegalidade de uma pretensa norma que contivesse uma solução que ofendesse os princípios constitucionais não constituiria, em rigor, uma violação desses preceitos, mas antes “[…] uma violação da lei permissiva da edição do regulamento, ou porque essa lei apontava firmemente para uma solução diversa, ou porque ela, tendo embora um conteúdo indeterminado, não podia ser interpretada por forma a acolher a solução que no regulamento veio a ser adoptada […]”. E o aresto citado continua, no sentido de que “[…] os preceitos do género do artigo 5º do CPA não operam como causa directa da ilegalidade dos regulamentos administrativos. É sabido que vários desses princípios constam do CPA e da Constituição. Se eles fossem tomados como causa directa de ilegalidade, um regulamento que ofendesse algum dos princípios apresentar-se-ia simultaneamente como ilegal e inconstitucional. Mas, então, ficaria aberto o caminho para que os tribunais administrativos, em violação clara do artigo 281º, nº 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, passassem a substituir-se ao Tribunal Constitucional na aferição da conformidade dos regulamentos aos ditos princípios. E é precisamente por isso que Esteves de Oliveira e outros, no seu Código de Procedimento Administrativo Comentado [2ª edição, pág. 84, in fine] sustentam a impossibilidade de a jurisdição administrativa declarar a ilegalidade dos regulamentos em virtude de ofenderem princípios que, embora também previstos no CPA, estejam acolhidos na Lei Fundamental”. O decidido não merece reparo, face a esta jurisprudência pacífica, no sentido de que os tribunais administrativos carecem de competência material para proceder ao conhecimento do objecto da acção principal, por essa competência estar reservada exclusivamente ao Tribunal Constitucional [artigos 281º da CRP e 72º do CPTA], pois a requerentes apenas imputa às normas suspendendas a ofensa de preceitos constitucionais em virtude das imputadas inconstitucionalidades à lei que se encontra na sua base, não lhe atribuindo qualquer outra ilegalidade. Não sendo competentes para conhecer da acção principal, também, não o são para conhecer de qualquer providência que seja instrumental da mesma, tal como foi decidido pelo TAC de Lisboa. O argumento, adiantado pela recorrente, de que as inconstitucionalidades não são directamente assacadas à Portaria nº 1379/2009, de 30/10, mas à Lei nº 31/2009, da mesma data, ao abrigo das quais a portaria em causa foi emitida, não impede, antes reforça a conclusão de que se trata de matéria alheia à competência dos tribunais administrativos. Com efeito, aquele diploma legal integra, sem margem para dúvidas, normas criadas no exercício de opções políticas gerais, no exercício da competência legislativa da Assembleia da República. Ora, como corolário do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2º da CRP, está expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, nos termos expressos da alínea a) do nº 2 do artigo 4º do ETAF. Por outro lado, também não colhe o argumento invocado pela recorrente de que o Tribunal é aqui chamado a apreciar relativamente a um caso concreto [na verdade, 1897 casos concretos, tal é o número dos seus associados que são afectados pelas normas em questão] a questão da constitucionalidade das normas em apreço. Tanto basta para se concluir, como fez a decisão recorrida, que os tribunais administrativos são incompetentes para apreciar a presente providência cautelar. Acresce que sempre este TCA Sul estaria impedido de apreciar a suspensão de eficácia de normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro – cuja suspensão de eficácia foi requerida nos autos –, por esta ter entretanto sido revogada pelo artigo 6º da Lei nº 40/2015, de 1 de Junho [diploma que procedeu à primeira alteração à Lei nº 31/2009, de 3 de Julho], pelo que quanto ao pedido de suspensão de eficácia daquelas normas, é manifesta a inutilidade superveniente da lide. III. DECISÃO Nestes termos e pelo exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em: a) Declarar a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de suspensão de eficácia de normas constantes dos artigos 1º, 2º, 4º a 19º e 21º da Portaria nº 1379/2009, de 30 de Outubro, face à revogação desta entretanto operada pelo artigo 6º da Lei nº 40/2015, de 1 de Junho; b) No mais, confirmar a decisão recorrida, no tocante ao juízo de incompetência material dos TAF´s nela contido. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 28 de Agosto de 2015 [Rui Belfo Pereira – Relator] [Cristina Santos] [Lurdes Toscano] |