Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04770/00 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário |
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Data do Acordão: | 12/04/2008 |
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Relator: | José Gomes Correia |
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Descritores: | CONCURSO PARA UM LUGAR DE PROFESSOR CATEDRÁTICO- VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE |
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Sumário: | Por mor do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo TC nos presentes autos e que neles faz caso julgado é a de considerar que a norma do artigo 18°, n° 2, alínea a), e n° 3 do Decreto-Lei n° 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 34/93, de 13 de Fevereiro, não é aplicável aos docentes universitários que só podem vir a ser promovidos nas Universidade Públicas, através de concurso onde seja apreciado o mérito absoluto e relativo do candidato, sob pena da violação do princípio da igualdade. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.RELATÓRIO O Vice-Reitor da Universidade Técnica de Lisboa (abreviadamente, UTL) recorreu para este TCAS, da decisão do Mmº Juiz do (então) TAC de Lisboa que concedendo provimento ao recurso contencioso interposto por José ..., anulou o seu despacho reitoral, de 15.10.1997, que indeferira o pedido do recorrido, de criação de um lugar de Professor Catedrático, ao abrigo do disposto no art.º 18º do DL n.º 323/89, de 26.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 34/96, de 13.02. Neste Tribunal, foi proferido, em 04.10.2007, o acórdão de fls 115 a 126 a negar provimento ao recurso. Inconformado com a decisão, o Vice-Reitor da UTL, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pedindo, em primeiro lugar, que seja “...declarado inconstitucional o art.º 18º, n.os 2, alínea a) e 3 do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26.09, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/93, de 13 de Fevereiro, na interpretação do Acórdão recorrido de o seu regime se aplicar ao corpo especial dos docentes universitários; e (ii) ser revogado o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de Outubro de 2007, devendo ser proferido novo acórdão, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade referida (i), de que art.º 18º, do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26.09, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/93, de 13 de Fevereiro, não se aplica à carreira docente universitária ..” Por Acórdão do Tribunal Constitucional de 07.10.2008, a fls. 179/215, foi concedido provimento a esse recurso e ordenada a baixa do processo ao TCA Sul para este reformar a sua decisão de 04.10.2007. Há, pois, que proceder à reforma deste acórdão. Nas alegações de recurso, o Vice-Reitor da UTL, formula as seguintes conclusões “Iª) - A douta decisão recorrida violou o disposto no n° 2, al. a) e n° 3 do art. 18° do Decreto-Lei n° 323/89, de 26.9, na redacção do Decreto-Lei n° 34/93, de 13.02, do Decreto-Lei n° 239/94, de 22.09 e da Lei n° 13/97, de 23.05; IIa) - A douta decisão recorrida violou igualmente o disposto nos art°s. 37°, 38°, 47° e 48° do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n° 448/79, de 13.11, alterado, por ratificação, pela Lei n° 19/80, de 16.07; IIIa) - A douta sentença recorrida violou, ainda, o art°. 25° da LPTA bem como o art. 13°e 168°, n°2, da Constituição; Na verdade, IVa) - O despacho recorrido é um acto meramente preparatório, que visa a nomeação de um Júri, pelo que não define a situação jurídica do Recorrente, e por isso é insusceptível de recurso contencioso; Va) - Só o acto final de nomeação ou de recusa de nomeação do Recorrente na categoria de professor catedrático é que definiria a situação do Recorrente e que, por isso, seria susceptível de recurso contencioso; VIa) - O art°18° do DL n°323/89, com a redacção dada pelo DL n°34/93, no sentido de ampliar o regime decorrente deste artigo aos docentes universitários é inconstitucional por falta de autorização legislativa dado a autorização constante da al.d) do n° 1 do art° 5° da Lei n°2/92 não respeitar o regime constante do art°168°, n° 2 da Constituição; Por outro lado, VII ª) - A nomeação em categoria superior à que possuísse a data de nomeação para dirigente, depende da verificação dos requisitos especiais consagrados no respectivo Estatuto para os funcionários dos corpos especiais; VIIIa) - Sendo os docentes universitários um corpo especial, a nomeação do Recorrente, finda a comissão de serviço, ao abrigo do art. 18° do Decreto-Lei n° 323/89, depende do cumprimento, à data da nomeação, dos requisitos especiais; IXa) - De acordo com o ECDU, os professores associados, para serem providos na categoria de professor catedrático, para além do tempo mínimo de serviço, devem possuir o título de agregado, ser aprovados em concurso documental sendo reconhecido ao seu currículo mérito científico e pedagógico compatível com a categoria de professor catedrático e ainda ser ordenados em lugar elegível em função do número de vagas para que foi aberto o concurso; XIa) - Assim, os docentes que pretendiam ser providos, nos termos do art. 18° do Decreto-Lei n° 323/89, por terem desempenhado cargos dirigentes, devem para além de tempo de serviço e do título de agregado, submeter, à data da nomeação, o seu currículo à apreciação de um Júri a fim de este se pronunciar sobre se o respectivo mérito científico e pedagógico é compatível com a categoria de acesso; XIIa)- A apreciação do mérito científico e pedagógico do currículo tendo em vista o provimento em categoria superior é efectuada à altura do provimento nessa categoria por um Júri designado para o efeito; XIIIa)- As eventuais apreciações do mérito científico e pedagógico dos currículos dos docentes no âmbito de anteriores concursos a que eventualmente se tenham candidatado não valem fora do respectivo concurso, não podendo ser tido em conta para efeitos do n° 2, al. a) e n° 3 do art°. 18° do Decreto-Lei n° 323/89; XIVa) - Em relação aos demais docentes a avaliação do mérito científico e pedagógico de um currículo não vale nos próximos concursos a que se apresentem, pois aquela aprovação apenas vale no âmbito do concurso em que for realizada; XVa)- De igual modo se deverá verificar em relação aos docentes universitários que forem nomeados para cargos dirigentes; XVIa)-Viola o princípio constitucional da igualdade o entendimento de que os docentes nomeados para cargos de chefia se podem aproveitar de aprovação em mérito científico e pedagógico ocorrido num concurso anterior, quando tal aproveitamento não se pode verificar em relação ao; demais docentes; XVIIa) Não há qualquer fundamento para que os docentes nomeados para cargos dirigentes fora da Universidade - os que exerçam cargos dirigentes na Universidade, ainda que mais relevantes não usufruem de qualquer benefício -vejam a sua aprovação em qualquer concurso válida fora desse concurso e ilimitadamente enquanto em relação aos demais docentes tal aprovação apenas vale no respectivo concurso” . Os autos foram com Vista ao Mº P.º, cuja DPGA emitiu douto parecer de fls. 225/226, (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde concluiu: “(...) Temos em que na, senda do decidido superiormente, emitimos parecer no sentido da procedência do recurso jurisdicional interposto da sentença, com a consequente revogação desta e inerente improcedência do recurso contencioso(...)”. Para cumprimento do Acórdão do Tribunal Constitucional, foram recolhidos de novo os Vistos, cumpre decidir. * 2. DA FUNDAMENTAÇÃO2.1 DOS FACTOS Com interesse para a apreciação do presente recurso, tem-se por assente a factualidade seguinte: “ 1)- Por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Indústria e Energia, de 6.7.1993, o recorrente, professor associado com agregação do Instituto Superior Técnico, foi nomeado director do Instituto das Tecnologias Energéticas (ITE), do Instituto Nacional de Engenharia de Engenharia e Tecnologia Industrial, cargo no qual se manteve até 9.5.1997. 2)- No DR, II Série n.° 252, de 30.10.1997, foi publicado o despacho n.° 10223/97 (2a série), de 4.8.1997, proferido pelo Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, o qual se dá por integralmente reproduzido. 3)- Com data de 7.10.97, recepcionado pelos serviços a 10 10.97, o recorrente dirigiu ao Reitor da Universidade Técnica de Lisboa o requerimento cujo teor consta de fls. 9, e se dá por integralmente reproduzido, pelo qual requer a "criação de um lugar de Professor Catedrático ao abrigo do disposto no art° 18° do Decreto-Lei n.° 323/89, de 26 de Setembro com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 34/93, de 13 de Fevereiro" e no qual invoca que "prestou provas para Professor Catedrático, tendo sido aprovado em Mérito Absoluto, pelo que se encontram reunidas as condições especiais previstas na legislação da Carreira Docente Universitária". 4)- Este requerimento mereceu do Vice-Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, com data de 15.10.97, um despacho do seguinte teor: "Em conformidade com a alínea i) do n.° 4 do Despacho Reitoral de 4 de Agosto de 1997 e a parte final do mesmo número enviar o requerimento ao Instituto Superior Técnico para nomeação de júri, nos moldes habituais na Lei para os concursos da carreira docente para Prof. Catedrático, a fim de avaliar do mérito absoluto do currículo do requerente". 5)- O recorrente concorreu ao concurso documental para provimento de duas vagas de professor catedrático aberto por aviso publicado no DR, II Série n.° 49, de 28.2.1994, tendo o respectivo júri, por deliberação de 25.7.1994, considerado que reunia as condições para ser admitido ao mesmo e, por deliberação de 3.10.1994, decidido ordená-lo em 3° lugar (dão-se por reproduzidas as respectivas actas das reuniões cujas cópias constam de fls. 11 a 14). 6)- O Mmo Juiz “ a quo” deu provimento ao recurso, com o fundamento de que tendo recorrente sido submetido a concurso para professor catedrático, no decurso da comissão de serviço, e tendo o mesmo sido aprovado com mérito, não tem, uma vez finda a comissão, de se sujeitar de novo a um concurso para reapreciar o mérito absoluto, dado o carácter excepcional deste regime de promoção. 7)- Por acórdão deste TCAS, de 04.10.207, foi decidido manter-se a sentença recorrida, sustentando-se que a norma do artigo 18º , n.º 2 al. a) e n.º3 do DL n.º 323/89, de 26.09., na redacção do DL n.º 34/96, de 13.02, não viola o princípio da igualdade. 8) - Deste Acórdão foi interposto, pelo Vice – Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, recurso para o Tribunal Constitucional,. 9) - Por douto aresto de 07.10.2008, o Tribunal Constitucional concedeu provimento ao recurso e ordenou a reforma da decisão deste TCAS. * 3. DO DIREITO Antes de dar cumprimento ao douto aresto do Tribunal Constitucional, cumpre recordar o que por acórdão deste Tribunal de 04.10.2007 (fls.115/126), foi decidido para julgar improcedentes as conclusões da alegação do Recorrente: - Formulada nas conclusões IVª) e Vª), com os mesmos fundamentos que sustentaram a decisão do Tribunal de 1ª Instância, por entender que o despacho é recorrível, nos termos do art° 268°, n.° 5 da Constituição da República. - Formulada na conclusão VIª), por considerar que “ ... reportando-se o art° 18° citado ao direito à carreira na função pública, não nos parece que a distinção ou explicitação feitas quanto à carreira geral e a corpos especiais ofenda a autorização legislativa. É que, tanto uns como outros se incluem na função pública, facto que a autorização tinha de ter em conta. Por outro lado, integrando-se os docentes universitários nos corpos especiais da função pública, a terminologia legal utilizada passou também a abrangê-los, sob pena de discriminação relativamente a outros dirigentes, pertencentes a corpos especiais e não docentes. Concluímos então no sentido da inverificação da invocada inconstitucionalidade do art° 18°, por violação da autorização legislativa ao abrigo da qual foi publicada aquela norma..”. - Formuladas nas conclusões VIIª) a XIVª), apoiado nos mesmos fundamentos que sustentaram a decisão de 1ª Instância, discorreu assim: “ (...) se naquela data [o recorrido] tinha mérito, não se vê como o poderia ter perdido. A situação invocada pelo recorrente de os restantes docentes terem de se submeter em cada concurso à apreciação do mérito é completamente distinta do caso dos autos. É que, no caso do recorrido não estamos perante qualquer concurso em que se defrontem vários candidatos. Ora, existindo vários candidatos o mérito relativo de cada um deles tem, obviamente, de ser apreciado e oposto aos restantes, tendo em vista a graduação global no concurso. No caso dos autos, não existindo opositores ao provimento do lugar, não havia que "graduar" o mérito do recorrido, valendo por isso, o seu reconhecimento já anteriormente confirmado (...)”. - Formuladas nas conclusões XVIª) e XVIIª), com base no seguinte discurso jurídico: “ (...) É evidente que a norma citada [leia-se, art.º 18/2/a/ do DL n.º n° 323/89, na redacção do DL n°s 34/93, e 239/94] quis de algum modo recompensar os dirigentes que tivessem permanecido no cargo por determinado período de tempo e, por isso, veio determinar que " Os funcionários nomeados para cargos dirigentes têm direito, finda a comissão de serviço, ainda que seguida de nova nomeação: a) Ao provimento em categoria superior à que possuíam à data da nomeação para dirigente...." E o n° 6 do mesmo artigo previu ainda que fossem criados no; quadros de pessoal dos serviços ou organismos de origem os lugares necessários à execução do disposto na citada alínea a) do n° 2, sendo posteriormente extintos à medida que vagassem. Quer então dizer que a referida norma criou um direito especial para dirigentes da função pública. Ora, não existe nenhuma razão para este regime não se aplicar aos professores, também eles funcionários públicos, embora constituindo mm corpo especial. Sendo assim, os professores que tivessem sido dirigentes estavam em situação de vantagem relativamente aos que o não tivessem sido, gozando do disposto no art° 18° citado. Então, as situações apontadas pelo recorrente são distintas. E, como é sabido, o princípio da igualdade só é violado quando situações idênticas são tratadas de modo diferente. No caso, o tratamento desigual de situações diversas não contempla a violação do princípio constitucional da igualdade (...)”. Porém, como já se disse, deste acórdão foi interposto recurso pelo Vice-Reitor da UTL, para o Tribunal Constitucional que, no seu douto aresto de 07.10.2008 (fls.179 a 26), decidiu: ““(...) a) julgar inconstitucional, por violação conjugada do princípio de acesso à função pública, consagrado no artigo 47º, n,º2 da Constituição da República Portuguesa, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13º, e do princípio da autonomia universitária, afirmado no seu artigo 76º , n.º2, a norma do art.º 18º, n.º2, alínea a) , e n.º3 do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/93, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual a promoção dos docentes universitários, nas Universidade Públicas, pode ser feita com dispensa de concurso em que seja apreciado o seu mérito absoluto e relativo. b) conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em função do precedente juízo de inconstitucionalidade(...)” . Expendeu-se neste Acórdão o seguinte: “ (…) há que situar as questões da igualdade e da justiça. A autonomia universitária afirmou-se ao longo dos tempos, essencial e prevalentemente, enquanto liberdade de pensar, de investigar e de ensinar. Mas uma liberdade institucionalizada, na comunidade social, ou exercida, de modo objectivo, por um concreto corpus científico. Ao reconhecer às universidades, no n.° 2 do art.° 76.°, a autonomia estatutária, científica e pedagógica, administrativa e financeira, a nossa Constituição não deixou de estar a recuperar o acervo axiológico-histórico que verdadeiramente as identifica: como instituições que praticam e assentam a sua actividade na liberdade de pensar e de investigar e que transmitem o conhecimento assim obtido aos estudantes universitários e à comunidade social. O art.° 42.° da Constituição reconhece como direitos fundamentais a liberdade de criação intelectual, artística e científica, compreendendo também essa liberdade o "direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor". Por seu lado, o seu art.° 43.° garante a liberdade fundamental de aprender e ensinar, proíbe o dirigismo estadual da educação « da cultura "segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas" e consagra a não confessionalidade do ensino público. Ora, a autonomia das universidades visa garantir, institucionalmente, o exercício dessa liberdade de investigação e de ensino, reconhecidos como direitos pessoais fundamentais. Nesta medida, a universidade apresenta-se simultaneamente como instituição que se afirma na liberdade científica e na liberdade de ensinar o conhecimento assim obtido - no que se costuma designar por ” liberdade de cátedra" -, como corpo, essencialmente constituído pelos "professores universitários" que exercem pessoalmente essa liberdade científica e de ensino e que transmitem o conhecimento, por si alcançado, aos alunos universitários. É certo que esse ensino concretiza, também, o direito à educação e ao ensino, de tipo superior [cf. art.°s 73.°, 74.°, n.°s 1 e 2, alínea d) e 76.°, n.° 1] e que, nesta medida, ele corresponde à dimensão prestativa das universidades enquanto serviços públicos. Mas, trata-se de um serviço prestado em termos e de natureza distinta dos demais estabelecimentos públicos, mesmo que integrantes do sistema educativo. No dizer de Tomás Ramón Fernández (La autonomia universitária :âmbito y limites, Editorial Civitas, S.A., p. 46), perante idêntico quadro normativo da Constituição espanhola, a diferença "é que na Universidade se ensina e se investiga e para a aprendizagem e a investigação, que são a razão cê ser deste particular serviço público, a liberdade é rigorosamente essencial. [...]. Na Universidade ensina-se porque se investiga. [...]. O específico da universidade, e o que a distingue das demais instituições integrantes do sistema educativo, é que é nela que se faz a Ciência, boa ou má, de um país, onde se produz, em consequência esse corpus científico em perpétuo fieri que as restantes instituições se limitam a transmitir e propagar de acordo com as orientações que os responsáveis do sistema importem. O professor universitário transmite, ao invés, aquilo que ele mesmo está aprendendo dia a dia, é por isso algo mais que um mero transmissor, é um sujeito activo do processo científico, cuja actuação como tal resulta em hipótese incompatível com a existência de quaisquer orientações, que se chegassem a impor-se desvirtuariam, pura e simplesmente, a sua função social, transladando automaticamente o seu próprio papel de autor daquelas". Essa liberdade científica ou de "cátedra", ínsita no sentido da autonomia científica e pedagógica, reconhecida constitucionalmente às universidades, postula, de um lado, que o acesso à docência e à investigação universitária e a progressão na carreira sejam feitas, apenas, segundo o critério do mérito e da capacidade científica e pedagógica universitárias, e, do outro, que no processo dessa avaliação, os docentes universitários, enquanto agentes dessa liberdade científica, tenham necessariamente de intervir. A liberdade científica, pressuposta pela autonomia cientifica das universidades, não pode deixar, assim, de excluir tanto as intervenções "vindas de fora" que tenham como efeito a limitação no exercício dessa liberdade científica, como as próprias intervenções "vindas de dentro susceptíveis de produzir idêntica limitação" (Tomás Ramón Fernández, Op. cit., p. 52). Por outro lado, não pode o legislador desconhecer que a autonomia das universidades, na sua dimensão de autonomia administrativa e financeira confere, à instituição universitária, o poder de decidir sobre a afectação dos seus recursos, poder esse que fica coarctado pela imposição externa de promoção de um docente à categoria superior. O direito fundamental de acesso aos cargos públicos em condições de igualdade e de liberdade, consagrado no n.° 2 do art.° 47.° da Constituição, vale, por inteiro, também, no acesso à docência e nos concursos previstos para a progressão na carreira universitária. Ora, não pode esquecer-se que o Tribunal Constitucional tem a respeito do art.° 47.° da Constituição, uma vasta jurisprudência onde afirma que o acesso à função pública (e a progressão na mesma) compreende c direito de nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g. idade, habilitações académicas e profissionais); o respeito pela igualdade e liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade e, por fim, a obrigatoriedade da adopção da regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso (cf., entre muitos, os Acórdãos n.°s n.° 53/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.° vol., pág. 303 e segs; 371/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; 683/99, publicado no Diário da República II Série, n.° 28, de 3 de Fevereiro de 2000; 368/00, publicado no Diário da República I Série-A, n.° 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886; Í06/2003 e 61/04, estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). A propósito de um caso relativo à progressão na carreira, escreveu-se no referido Acórdão n.° 371/89 o seguinte, cuja bondade, aqui, se reafirme: "Na óptica deste preceito constitucional, o princípio da igualdade, quer ao nível da liberdade de escolha de profissão quer ao nível do direito de acesso à função pública e de progressão dentro da respectiva carreira, é perfeitamente compatível, nestes domínios, com uma preferência, objectivamente definida, em favor dos mas habilitados e capazes. Mais: tal preferência, alicerçada numa maior habilitação e capacidade profissional, é constitucionalmente considerada, nestas particulares situações, não como um factor de discriminação mas antes como uma garantia do próprio princípio da igualdade. E compreende-se que assim haja de ser, pois que, se é exacto que os homens, enquanto homens, têm algo em comum, naturalmente decorrente da sua própria dignidade como pessoas humanas, devendo, em consequência, ser igualmente tratados, designadamente pelo legislador, nos limites desse elemento comum, não menos exacto é que há elementos de diferenciação que, pela sua razoabilidade objectiva, postulam indubitavelmente uma correspondente diferenciação normativa. Um desses elementos de diferenciação, justificativo de um desigual tratamento legislativo ao nível das respectivas carreiras, é o da diversa habilitação e capacidade profissional de dois grupos de seres humanos, situação essa que a própria CRP, como se viu, declaradamente reconhece e protege". Deste modo, a igualdade, no acesso à docência e à progressão da carreira, deve fazer-se, apenas, através de métodos de selecção em que relevem, apenas, o mérito e a capacidade científicas, em provas abertas a todos aqueles que, ao tempo, se possam a elas apresentar. É claro que esses métodos podem ser os mais diversos. Constituindo a autonomia um atributo de todas as universidades - donde ter, simultaneamente, um carácter de direito pessoal e de direito institucional colectivo (do conjunto das universidades) - não pode deixar de reconhecer-se, ao legislador ordinário, a competência e a discricionariedade constitutivas para conformar um método de carácter geral que "com carácter geral, também, garanta a todos a igualdade de chance e a confrontação pública dos seus respectivos méritos e capacidades" (referindo-se ao respectivos sistemas, cf. Tomás Ramón Fernández, Op. cit., p. 59 e Giuseppi, A. e Op. cit., .p. 69). Essa "confrontação" pressupõe o carácter aberto de toda forma de acesso e de progressão na carreira universitária, sob pena de claudicar o princípio da liberdade científica e de "liberdade de cátedra" ou seja, não só do mérito absoluto, como do mérito relativo.(…)”. Importa, então saber, se os preceitos sindicados respeitam esses parâmetros constitucionais [Também a doutrina brasileira fala de dimensões da autonomia (Edivaldo, A. e Op. cit.,, pp. 301 e segs) e de limites jurídicos da autonomia (Giuseppi, A. e Op. cit., pp. 69 e segs)]. O acórdão recorrido respondeu afirmativamente à pergunta, com base, em síntese, na consideração de que a exigência da igualdade não é igualitarismo, pelo que "o princípio da igualdade não proíbe as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento material" e que, no caso, não existe razão material para que não seja aplicada "aos professores, também eles funcionários públicos, embora constituindo um corpo especial", do "direito especial para os dirigentes da função pública", criado pelo legislador para os recompensar pelo exercício de funções dirigentes durante determinado período de tempo. O princípio da igualdade tem tido um larguíssimo tratamento na jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo considerar-se existir consenso sobre certos termos da sua formulação.” E mais adiante escreveu-se: “ (…) Discreteando, por seu lado, sobre o método de controlo negativo do princípio da igualdade, "feito a partir do fim que [as normas] visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio (Willkurverbot) e, bem assim de um critério de razoabilidade", afirmou-se, por sua vez, no Acórdão n.° 232/03, publicado no Diário da República I Série, de 17 de Junho de 2003, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.° vol., p. 7, em termos que, aqui, inteiramente, se renovam: «(...) é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma "fundamentação razoável" (vernunftigei Grund), tal como sustentou o "inventor" do princípio da proibição do arbítrio, Gerharcfc Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, L989, pp. 419 e ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: " [E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizando pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério" (cf. «Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ' carregada ' de sentido?», sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n° 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: "[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo exige é uma conexão entre o critério adoptado e a 'ratio’ do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável à subsistência familiar numa determinada sociedade" (ob. cit, pp. 31-32).». É bom de ver que a ratio do concreto preceito sindicado assenta, como bem nota o acórdão recorrido, no desiderato de motivar os funcionários públicos a aceitarem o exercício de funções públicas dirigentes, na medida em que estas não se integram na sua carreira profissional. É que, terminado o tempo de serviço no cargo dirigente, o funcionário é provido, na sua carreira de origem, em categoria superior àquela que possuía à data da nomeação para dirigente. E, relativamente aos docentes universitários, poder-se-ia até acrescentar que esse exercício de funções fora da universidade corresponderia a uma evidente realização do sentido da referida lei de autorização legislativa, de "prosseguimento na via de aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública", por potenciar, nesses domínios materiais da administração pública, a aplicação de diferentes competências profissionais e de elevados conhecimentos técnicos e científicos adquiridos na função universitária que muito podem beneficiar a administração pública, mormente quanto às possibilidades de inovação e de adaptação às exigências de modernidade, na medida em que se considere que as universidades deterão, por via de regra, a ponta do conhecimento científico actual. Todavia, o exercício nessas funções de fora, e, porventura, o mérito nelas alcançado, apenas poderá interessar no acesso ou na progressão da carreira universitária nos exactos termos públicos em que pode ser apreciada o mérito e a capacidade científica dos demais docentes. A autonomia universitária e a liberdade científica e de cátedra, que vão nela implicadas, exigem que a avaliação para a docência e a progressão na carreira se continue a fazer segundo o mesmo método geral, de confrontação pública da capacidade e de mérito, ou seja, portanto, segundo a regra de avaliação do mérito absoluto e relativo. Nesta medida, o acquis, mesmo de natureza científico ou pedagógico, porventura adquirido fora da universidade pelo docente que exerceu um cargo dirigente da função pública, apenas pode alcançar alguns efeitos dentro da própria aplicação do método geral estabelecido para a avaliação do mérito e da capacidade científica. Temos, portanto, de concluir que a ratio do preceito impugnado é exterior à autonomia universitária, na sua dimensão acima caracterizada de autonomia estatutária, científica e pedagógica. A ratio do critério normativo que está em causa é completamente exterior à do critério de avaliação segundo o mérito e a capacidade científica, postulado pela autonomia universitária, não tendo, por isso, com ele qualquer conexão. Não existe, pois, razão material bastante para dispensar o docente universitário do concurso em que possa ser apreciado, absoluta e relativamente, o seu mérito e capacidade científicas. Sendo assim, torna-se evidente que o artigo 18°, n° 2, alínea a), e n° 3 do Decreto-Lei n° 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 34/93, de 13 de Fevereiro, é inconstitucional por violar, conjugadamente, os princípios da igualdade de acesso à função pública, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade (arts. 47°, n°2, e 13°) e da autonomia das universidades (art.° 76°, n° 2, todos da CRP). (…)” Ora, a consequência deste juízo de inconstitucionalidade, que faz caso julgado neste processo (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª ed., págs. 1028 e ss. e Vitalino Canas, in Introdução às Decisões de Provimento do Tribunal Constitucional, 2ª ed., pág.75), é a de considerar que a norma do artigo 18°, n° 2, alínea a), e n° 3 do Decreto-Lei n.° 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 34/93, de 13 de Fevereiro, não é aplicável aos docentes universitários que só podem vir a ser promovidos nas Universidade Públicas, através de concurso onde seja apreciado o mérito absoluto e relativo do candidato. E por assim ser deve manter-se na ordem jurídica o despacho do Vice-Reitor da UTL, de 15.10.1997, que decidiu enviar o requerimento do recorrido, professor catedrático, a solicitar a criação de um lugar de Professor Catedrático, ao abrigo do disposto no n.º6 do art.º 18º do DL n.º 323/89, de 26.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 34/96, de 13.02, “ ao Instituto Superior Técnico para nomeação de júri, nos moldes habituais na Lei para os concursos para os concurso da Carreira Docente para Professor Catedrático, a fim de avaliar do mérito absoluto do Currículo do requerente”. * 4. DECISÃO Em concordância com tudo o exposto, reforma-se o acórdão deste TCAS de 04.10.2007, no sentido da procedência do recurso jurisdicional interposto da sentença de 31.03.2000, do, então, TAC de Lisboa e, em consequência nega-se provimento ao recurso contencioso interposto por José .... Custas pelo recorrente com €200 de taxa de justiça e metade de procuradoria. * (Coelho da Cunha)Lisboa, 04 de Dezembro de 2008 (Gomes Correia) (Rogério Martins) |