Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 13504/16 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 03/30/2017 |
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Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
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Descritores: | MORA DAS ENTIDADES PÚBLICAS JUROS |
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Sumário: | I - A obrigação de pagamento de juros de mora pelo Estado encontra-se hoje prevista em quadro legal próprio (Lei nº 3/2010, de 27 de abril). II – A obrigação de pagamento de juros de mora é acessória da obrigação de pagamento do capital devido, vinculando normalmente o devedor do capital. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO - EMÍLIA ……………., portadora do cartão do cidadão n.º ………………., válido até 16/02/2018, contribuinte nº …………………, e com domicílio na Rua Comandante …………, n.º 28, ………….. P…………., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco Ação Administrativa Especial contra - MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, com sede na Av. Infante D. Henrique, 1, 1149-009 Lisboa, e - UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DA GUARDA, EPE, com sede na Avenida Rainha D. Amélia, 6301-857 Guarda. Os pedidos formulados foram os seguintes: - Anulação do Despacho n.º 2827/2014-SEAP do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública, datado de 17/07/2014, por manifesta violação das normas constantes do artigo 2º da Portaria 221-A/2013 de 08 de julho, artigo 3º do CPA e do artigo 266º da CRP, n.º 5 do artigo 112º da CRP, 140º e 6º-A do CPA com as devidas e legais consequências; - Condenação dos Réus a proceder ao pagamento à Autora da compensação acordada no valor de € 22.082,57, acrescida dos respetivos juros contados à taxa legal desde 31/01/2014” Por sentença de 29-01-2016, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde julgou procedente, por provada, a ação administrativa especial e, em consequência, anulou o ato administrativo impugnado, condenando ainda os corréus, solidariamente, a proceder ao pagamento à Autora da compensação acordada, no Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho em Funções Públicas no valor de € 22.082,57, acrescida dos respetivos juros moratórios, nos termos legais. * Inconformada com tal decisão, a Ré UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DA GUARDA, EPE interpôs, no dia 11-03-2016, o presente recurso de apelação (autuado neste TCA Sul no dia 24-06-2016), formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A - O ato administrativo impugnado não foi praticado pela recorrente; B - Pelo que esta em nada contribuiu para a propositura da presente ação e, por conseguinte, para a mora no pagamento à autora, ora recorrida, da quantia a que esta alega ter direito; C - Não pode, por isso, a recorrente ser sancionada pela mora no pagamento daquela quantia; D - E isto também porque o ato administrativo impugnado, tendo sido praticado por um membro do Governo, tem força jurídica vinculativa relativamente à recorrente, até que seja anulada por decisão judicial, com trânsito em julgado; E - Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida, na parte em que condena a recorrente no pagamento de juros moratórios. * A recorrida não contra-alegou. * O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. * Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao “dever-ser” inerente às normas jurídicas -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um “sistema jurídico” estável (: uma ordem teleológica e axiológica, aberta, de princípios jurídicos gerais, encimada pela Constituição material), (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam o direito objetivo também e apenas através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos. * DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos. A questão a resolver neste recurso é a identificada no ponto II.2, onde a apreciaremos. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto: 1. Em 01 de Setembro de 1994, Emília ……………………….., ora Autora, ingressou na Função Pública como auxiliar de ação educativa [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 47/49 dos autos e de fls. do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 2. Desde outubro de 1999, que a Autora, encontra-se integrada, na carreira/categoria de Assistente Técnico, a ocupar um posto de trabalho no mapa do pessoal da Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E., ora Ré, concretamente na Unidade de Saúde Familiar, “a ……………” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 45/46 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 3. Em 03 de Janeiro de 2013, a Autora requereu, junto do Presidente do Conselho de Administração da Ré, que lhe fosse concedida Licença sem vencimento a partir de 20 de abril de 2013, por um período de 11 meses, por motivos emergentes de ordem pessoal e familiar [cf. documento (doc.) constante de fls. 50 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 4. Em 21 de Fevereiro de 2013, o pedido de licença referido em 3) foi autorizado por Deliberação do Conselho de Administração da Ré [cf. documento (doc.) constante de fls. 51 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 5. Em 22 de Outubro de 2013, a Autora requereu a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, no âmbito do Programa de Rescisões por Mútuo Acordo (aprovado pela Portaria n.º 221-A/2013, de 8 de julho) [cf. documento (doc.) constante de fls. 54 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 6. Em 23 de Outubro de 2013, a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) solicitou ao Vice-Presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, o seguinte, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 55 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido]. 7. Em 04 de Novembro de 2013, o Presidente do Conselho de Administração da Ré emitiu Declaração com o seguinte teor, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 56 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido]. 8. Em 25 de Novembro de 2013, o requerimento da Autora referido em 5) mereceu pronúncia favorável do Secretário de Estado da Saúde à cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado daquela [cf. documento (doc.) constante de fls. 57/58 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 9. Em 03 de Dezembro de 2013, pelo Despacho n.º 4811/2013 SEAP, o Secretário de Estado da Administração Pública - exarado na Informação da DGAEP – deferiu o requerimento da Autora identificado em 5), nos seguintes termos, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 43 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 10. Em 09 de Dezembro de 2013, entre a Autora e a Ré foi assinado o seguinte Acordo, cujo teor se reproduz, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 59/61 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 11. Em 02 de Fevereiro de 2014, a Autora apresentou, mediante comunicação eletrónica, uma Reclamação dirigida ao Secretário de Estado da Administração Pública, nos seguintes termos, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 62 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 12. Em 06 de Junho de 2014, foi remetida à Administração Central de Saúde pela Advogada da Autora, uma carta registada com aviso de receção, solicitando uma resposta urgente à reclamação apresentada [cf. documento (doc.) constante de fls. 63/65 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 13. Em 06 de Junho de 2014, foi remetida cópia da carta referida em 12), mediante correio eletrónico, para a DGAEP e para a Ré [cf. documento (doc.) constante de fls. 66 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 14. Por Informação da DGAEP datada de 06 de junho de 2014, o processo foi remetido ao interlocutor Técnico do Ministério da Saúde para prestar os esclarecimentos tidos por convenientes [cf. documento (doc.) constante de fls. 67/68 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 15. Em 2014, os serviços da DGAEP elaboraram a Informação n.º 2218/DGAEP/DRJE cujo teor se reproduz, a saber: “… ( Texto no original) …” …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 33/42 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. 16. Em 17 de Julho de 2014, a Informação n.º 2218/DGAEP/DRJE reproduzida em 15) mereceu Despacho de concordância do Secretário de Estado da Administração Pública que revogou o Despacho n.º 4811/2013 SEAP referido em 9) [cf. documento (doc.) constante de fls. 32/33 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)] - ato ora impugnado. 17. A Autora foi notificada do despacho identificado em 16), nos seguintes termos, a saber: “… ( Texto no original) …” [cf. documento (doc.) constante de fls. 31 dos autos e de fls. do PA e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação do Réu)]. * II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter presentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas (em vez do casuísmo judicial inerente ao “common law” (1)); e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas. Em consequência, este tribunal utiliza uma doutrina da aplicação prática do direito (ou método jurídico (2)) adequada à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos e interesses legítimos das pessoas, através de um processo decisório orientado apenas (i) à concretização da Constituição material e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso. Com efeito, a resolução de litígios através de um tribunal, num Estado democrático e social de Direito como o nosso, implica: (i) um rigoroso respeito pelas normas materialmente constitucionais inseridas nos artigos 9º e 10º do Código Civil, na busca do pensamento legislativo da fonte de direito dentro do sistema jurídico atual e com respeito pela máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis e aos artigos 111º e 112º da Constituição da República Portuguesa (cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, págs. 23-29 e Parte II; e JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, págs. 11-36, 71-108 e 259-292); (ii) e, nos casos “difíceis” e excecionais em que tal for lícito ao juiz, implica ainda a metodologia racional-justificativa consistente no sopesamento ou ponderação de bens, interesses e valores eventualmente colidentes na situação concreta, sob a égide da máxima metódica da proporcionalidade, mas sempre sem prejuízo, quer dos cits. quatro princípios jurídicos fundamentais, quer do princípio constitucional da sujeição da atividade jurisdicional às leis (artigos 2º, 13º, 20º e 202º ss da Constituição da República Portuguesa e artigos 8º ss do Código Civil). Afinal, “a decisão jurisdicional é continuação do processo de criação jurídica” (H. KELSEN), mas não é momento inicial criador; nela, o tribunal procede a várias operações consecutivas relativas à correção externa e à correção interna da sua decisão: a obtenção racional - e de acordo com a lei - da premissa menor da sentença, isto é, da factualidade relevante; a interpretação jurídica científica das fontes de direito, de acordo com os artigos 9º e 10º do Código Civil e a CRP, para obtenção da premissa maior; e, finalmente, a escolha da solução que, no estrito espectro das possibilidades reveladas direito objetivo aplicável, seja aceitável de um ponto de vista racional e possa valer para casos análogos (cf. artigos 2º, 13º e 202º ss da Constituição da República Portuguesa e artigos 8º ss do Código Civil). Ora, o presente recurso de apelação coloca a seguinte questão: - A sentença recorrida errou ao ter condenado a Recorrente no pagamento de juros de mora relativamente à compensação a pagar à Autora, consensualizada no âmbito do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho em Funções Públicas celebrado entre as duas partes? * Vejamos. Comece por relevar-se que a intenção recursiva da Recorrente não incide sobre a questão de fundo da causa julgada pelo Tribunal a quo, (i) a anulação do despacho n.º 2827/2014-SEAP do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública, datado de 17/07/2014 (que revogara o Despacho de 03-12-2013, de autorização da cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, da autora, mediante a legal compensação), e (ii) a consequente obrigação de pagamento à Autora, durante janeiro de 2014, da compensação acordada por escrito entre si e a autora. Antes se prende “apenas” com o pagamento dos juros de mora que derivam do retardamento do pagamento dessa compensação, conformada pelo Tribunal Administrativo de Círculo. São dois os argumentos em que a Recorrente estriba o seu entendimento: - O ato administrativo impugnado de 2014 – de revogação da cit. autorização de 2013 - não foi praticado por si (também não o foi o ato administrativo autorizativo do Acordo que a recorrente celebrou com a Autora); - O ato administrativo impugnado, tendo sido praticado por um membro do Governo, tem força jurídica vinculativa relativamente à Recorrente, até que seja anulado por decisão judicial com trânsito em julgado. Como é sabido. Todavia, a verdade é que estes argumentos não desvinculam a Recorrente da obrigação de pagar os juros de mora em que foi condenada solidariamente (cf. artigos 512º e ss. do Código Civil) pelo Tribunal Administrativo de Círculo. Com efeito, não vem questionada a condenação no pagamento da compensação acordada pelas partes (obrigação pecuniária de quantidade, de capital). Estando nós perante uma condenação no cumprimento de uma obrigação (de capital e seus juros) de forma solidária, não vemos como pode a Recorrente conformar-se com a condenação no cumprimento da obrigação principal (pagamento da compensação) e querer eximir-se ao pagamento dos juros de mora respetivos previstos no artigo 806º do Código Civil, que apenas nasceram fruto do seu incumprimento da obrigação principal. Resultando da factualidade assente que a Autora receberia a sua compensação da recorrente durante o mês de janeiro de 2014 (facto provado nº 10, cláusula 2ª nº 2 do Acordo de cessação do contrato de trabalho em funções públicas, celebrado com a aqui recorrente), a verdade é que não a recebeu até hoje, assim se materializando o incumprimento que deu origem aos juros de mora. Como resulta do Acordo e dos artigos 804º ss do Código Civil, é evidente que estes frutos civis (artigo 212º/2 do Código Civil) – remuneração do diferimento da entrega de capital por um certo lapso de tempo – vinculam o confessado devedor do capital, a aqui recorrente. O que se explica pelo facto de a obrigação de capital ser a referência do nascimento da obrigação de juros de mora. O dever de prestar os juros de mora ao credor acompanha o dever de lhe prestar o capital. A obrigação de pagamento de juros de mora pelo Estado encontra-se prevista em quadro legal próprio (Lei nº 3/2010, de 27 de abril), diploma que veio estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, obrigando o Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte (este diploma apenas exclui do seu âmbito a Administração Fiscal, no contexto das relações tributárias, que se haverão de reger por legislação própria). Em conformidade com o que vem de se expor, não se mostra necessário avaliar do acerto dos argumentos aduzidos pela Recorrente nas suas conclusões e que supra se elencaram, embora sempre lembrando que, apesar de o despacho anulado não ter sido emitido pela Recorrente, a verdade é que o mesmo sustenta um acordo de cessação de contrato de trabalho em funções públicas por si celebrado com a aqui Autora, a cumprir integralmente pela Recorrente; por isso, esta é responsável pelo cumprimento integral e atempado, bem como pelas consequências do seu atraso no cumprimento do contrato que celebrou (cf. resulta dos artigos 762º/1, 763º/1, 798º/1 e 804ºº a 806º do Código Civil, e do artigo 1º da Lei 3/2010). Por outro lado, e embora tal questão não venha colocada em sede de recurso, importa não perder de vista que o despacho ilegalmente revogado foi constitutivo de direitos, que se consubstanciaram na celebração e assinatura de Acordo de Cessação do contrato de trabalho da Autora, faltando apenas o pagamento da compensação acordada, sendo precisamente por isso insuscetível de livre revogação (cf. artigos 140.º do antigo CPA e 167º do novo CPA). Considerando a repristinação do despacho revogado, operada pela sentença sob recurso, andou bem a Meritíssima Juíza a quo, ao condenar no peticionado pagamento de juros de mora face ao retardamento da obrigação de pagamento da compensação pela mora dos devedores (no caso, os corréus) em cumprir a sua obrigação (cf. artigos 762º/1, 763º/1, 798º/1 e 804º e ss. do Código Civil e artigo 1º da Lei nº 3/2010). * III. DECISÃO Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo improcedente. Custas a cargo do recorrente. Lisboa, 30-03-2017 Paulo Pereira Gouveia Nuno Coutinho José Gomes Correia
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