Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11383/02
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/03/2002
Relator:Helena Lopes
Descritores:CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA (COJ)
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM
FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL.
NULIDADE
Sumário:Tendo o Tribunal Constitucional pelo seu acórdão n.º 73/2000 (publicado no D.R. I Série-A, de 16.03.02), declarado, inter alia, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 95.º e 107.º, alínea a), do DL n.º 376/87, de 11/12, na parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito dos oficiais de justiça, há que declarar nula a deliberação do COJ que à sombra daquelas disposições retiradas do ordenamento jurídico, com eficácia retroactiva, ficaram sem base legal (cfr. art.º 133.º do CPA, designadamente o n.º 2 da alínea b)).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1.Relatório.

1.1. O CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 27/12/2001, que declarou a deliberação daquela entidade nula, datada de 13.05.96, e que havia atribuído ao recorrente J.....a notação de “Bom”, da mesma veio interpor recurso jurisdicional, CONCLUINDO, em síntese, como se segue:
“1. Ainda as normas dos artºs 95.º e 107.º al. a) do DL 376/87, de 11/12, que, à data da prática do acto, atribuíam competência ao COJ para apreciar o mérito a exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça fossem inconstitucionais – que não são – tal inconstitucionalidade não gera a nulidade do acto recorrido;
2. Para ser decretada a nulidade de um acto administrativo ao abrigo da al. b)
do n.º 2 do art.º 133.º do CPA há-de a autoridade administrativa que o pratica desrespeitar a norma que atribua a competência para a prática do mesmo acto a outra autoridade;
3. Ora, no caso concreto o COJ praticou o acto recorrido ao abrigo de normas
ordinárias que expressamente lhe atribuíam essa competência própria e exclusiva, não sendo, por isso, de aplicar o art.º 133.º n.º 2 al. b) do CPA, como fez o Tribunal “a quo”;
4. Pelo que a existir inconstitucionalidade – o que não se admite – o acto
estaria ferido de mera anulabilidade e não de nulidade. E é sabido que os efeitos são bem diferentes;
5. Tem sido jurisprudência firme do Ven. STA que o acto que aplica norma
inconstitucional não é nulo, estando viciado por erro nos pressupostos de direito, que integra violação de lei, causal de mera anulabilidade.
6. Assim, a douta sentença recorrida não devia ter declarado a nulidade como
declarou.
7. Mas também não o devia declarar anulável.
Pese embora o facto de o Vem. Trib. Constitucional ter já decidido em sede de fiscalização concreta de normas que os artºs do EFJ que atribuem esta competência ao COJ são inconstitucionais, por violação do art.º 218.º n.º 3 da CRP, o certo é que tais Acórdãos não têm força obrigatória geral.
8. (...)
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O M.P. pronunciou-se pelo improvimento do recurso.
1.4. foram colhidos os vistos legais.

2. Fundamentação:
2.1. Com fundamento no n.º 6 do art.º 713.º do CPCivil, aplicável “ex vi” do art.º 102.º da LPTA, remete-se para os termos da decisão em 1.ª instância a matéria de facto da mesma constante.

2.2. Subsunção dos factos ao direito.
2.2.2. Diz, em síntese, a sentença recorrida:
“ O acto recorrido é a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de 13 Maio de 1996 que atribuiu ao Recorrente a notação de Bom.
Ora, é já ampla e reiterada a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de julgar da inconstitucionalidade material das normas que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça poder disciplinar e para apreciar o mérito dos funcionários.
Neste sentido vide acórdãos nºs 145/2000, de 21 de Março de 2000 (...).
Parece indiscutível que o legislador constitucional atribuiu ao Conselho Superior da Magistratura a competência para apreciar o mérito profissional e exercer acção disciplinar sobre os funcionários de justiça (...).
Os funcionários de judiciais integram, conjuntamente com os magistrados judiciais e do ministério público, a estrutura dos tribunais.
O conselho Superior da Magistratura foi criado tendo como função essencial a gestão dos juizes e enquanto garante dos tribunais.
Apenas esse órgão pode exercer competência disciplinar e apreciação do mérito profissional também dos funcionários de justiça, assim assegurando na sua plenitude a independência dos tribunais.
Como se lê no Acórdão n.º 145/2000 supra referido “(...) aquela norma do artigo 223.º (hoje 218.º) é, efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas infraconstitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça, fixam as respectivas atribuições, competências, forma de designação ou eleição, bem, como o respectivo funcionamento”.
Por tudo se conclui que os artigos 95.º e 107, alínea a) do DL n.º 376/87, de 11 de Dezembro, ao estabelecerem a competência do Conselho dos Oficiais de justiça para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativo aos funcionários judiciais são materialmente inconstitucionais.
Face à falta de atribuições da autoridade recorrida para exercer o poder disciplinar quanto ao Recorrente, o acto impugnado é nulo – cfr. art.º 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo”.

2.2.3. Da invocada violação dos artºs 95.º e 107.º do DL n.º 376/87, de 11/12 e do art.º 218.º n.º 3 da CRP (vide conclusões 7.ª a 14.º e 16.º das alegações).

Alega o agravante que os artigos 95.º e 107.º, alínea a) do DL n.º 376/87, de 11 de Dezembro, não são, como se argumenta na sentença “a quo”, materialmente inconstitucionais.
Trata-se de questão já definitivamente decidida por Acórdão do Tribunal Constitucional (n.º 73/2002, publicado no D.R., I Série-A, de 16 de Março de 2002). Neste foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 98.º e 11.º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo DL n.º 343/99, de 26 de Agosto, e das normas constantes dos artigos 95.º e 107.º, alínea a), do DL n.º 376/87, de 11/12, na parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça.
Daí que improcedam as conclusões 7.ª a 14.º e 16.º das alegações.

2.2.3. Da invocada violação da alínea b) do n.º 2 do art.º 133.º do CPA (conclusões 1.ª a 4.º e 15.º das alegações).

A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de uma norma implica a nulidade ipso jure da mesma norma, produzindo efeitos ex tunc, ou seja, desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (art.º 282.º, n.º 1, da CRP). Esta eficácia retroactiva significa, no essencial, duas coisas: (i) termo de vigência da norma ou normas declaradas inconstitucionais a partir do momento da entrada em vigor destas normas e não apenas a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade; (ii) proibição da aplicação das normas inconstitucionais a situações ou relações desenvolvidas à sombra da sua eficácia e ainda pendentes (vide, a propósito, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 3.ª edição, pp. 740 e segs., e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. 2.º, 2.ª ed. pp. 385 e segs.).
E tendo a deliberação impugnada sido praticada à sombra das citadas disposições retiradas do ordenamento jurídico com eficácia retroactiva, ficam aquelas sem base legal de que consequencialmente resulta a declaração de nulidade da deliberação recorrida ( vide art.º 133.º do CPA). Esta nulidade é subsumível ao disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 133.º do CPA, por tal deliberação se traduzir, face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas supra citadas, num acto estranho à esfera das atribuições do COJ e do próprio Ministério da justiça em que aquela entidade se integra.
Improcedem, por isso, as conclusões 1.ª a 4.º e 15.º das alegações.

3. Decisão.
Termos em que se nega provimento ao recurso, nos termos e com os fundamentos supracitados.
Sem custas, por o agravante estar isento.

Lisboa, 3 de Outubro de 2002