Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00452/03
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/10/2003
Relator:José Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO
SISA
CADUCIDADE DE ISENÇÃO DE PRÉDIO PARA REVENDA
Nº 3 DO ARTº 11º E Nº 1 DO ARTº 16 DO CSISA
Sumário:I.- As normas de concessão de isenção de impostos, constituem um desvio ao princípio da generalidade do imposto, que constitui um corolário do princípio da igualdade tributária. Tais normas têm carácter excepcional, motivo por que, de acordo com a regra geral fixada no art. 11.° do CC e como ficou consignado no art. 9.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), «não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva». A proibição da analogia resulta ainda do n.° 4 do art. 11.° da LGT.
II.- Ora do artº 11º, nº 2 da LGT, resulta claro e incontroverso que «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei», pelo que a revenda tem de versar sobre a realidade que consta do título e se reconduz à aquisição de mercadorias inserida na actividade comercial de compra para revenda, operando-se através da operação que, contabilisticamente está prevista no Decreto-Lei 410/89, de 21 de Novembro.
III.- Pretendendo a impugnante alterar a realidade percepcionada no título aquisitivo através de uma rectificação ao mesmo quando é manifesto que estamos perante um caso de aquisição de matérias primas com finalidades construtivas, tal não se inclui no âmbito da norma isenção .
IV.- Assim não cabe no conceito de revenda a que se atém o art. 16.°, n.° l, do CIMSISD, a aquisição de matérias primas com finalidades construtivas , abrangendo aquele normativo apenas a aquisição de mercadorias inserida na actividade comercial de compra para revenda.
V.- É que a isenção consagrada no nº 3 do artº 11º do Csisa tem a sua ratio na necessidade da sujeição a IRS ou IRC dos ganhos obtidos na actividade de revenda de prédios adquiridos para esse fim, tributação que é mais perfeita que a que decorre da sisa na medida em que leva em conta os proveitos e os custos inerentes àquela actividade, procurando atingir o lucro real. Por outro lado, os prédios adquiridos para revenda, fazem parte do activo permutável da empresa (mercadorias) e não do seu imobilizado (capital), o que aponta para a sua tributação como rendimento e não como transmissão de capital.
VI.- Significa isto que, a rectificação no sentido de a descrição do imóvel objecto de compra e venda passar a ser "um terreno, mais propriamente um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado", constituiu um expediente para contornar uma dificuldade colocada à impugnante, no sentido de que o prédio adquirido (terreno para construção) foi revendido como prédio urbano constituído em propriedade horizontal, ou seja, houve uma situação de destinação diferente porque a aquisição do prédio em causa foi operada com finalidades construtivas, não podendo, por isso, beneficiar da isenção p. no artº 11º, nº 3 do Csisa.
VII.- Nesse sentido apontam o facto de as fracções estarem ainda em construção, quando foram adquiridas, a propriedade horizontal não estar constituída e de não se destinarem a revenda mas tão só o "terreno para construção" que é a única realidade mencionada no título aquisitivo.
VIII.- E a expressão "para revenda" e "revendido" pressupõe que o prédio seja transmitido tal qualmente existia aquando da compra (transmissão) não preenchendo a condição de isenção, a venda fraccionada do prédio construído (ou acabado de construir) e constituído em propriedade horizontal durante o prazo condicionante da isenção.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:


l. A Fª Pª , com os sinais identificadores dos autos, veio recorrer da sentença do Mm° Juiz do Tribunal Tributário de 1a Instância de Santarém, que julgou procedente a impugnação deduzida por I...- Sociedade de Construções, Ldª., contra a liquidação de Sisa e juros compensatórios nos montantes, respectivamente, de 10.000.000$00 e 2.379.986$00, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
v A isenção, de cariz suspensivo da liquidação pelo prazo de 36 meses, insíta no n° 3° do art° 11° do CIMSISSD, tem o seu entendimento e alcance em compreensão com o art° 13°-A e n° l do art0 16° do CIMSISSD.
v A isenção acima referida substancia-se à estrita actividade comercial de compra para revenda, operando-se através da operação que, contabilisticamente, nos termos do Decreto-Lei 410/89, de 21 de Novembro, é denominada de aquisição de mercadorias.
v Nos termos acima dispostos, a aquisição de matérias primas com finalidades construtivas, não beneficia da isenção prevista no n° 3° do art° 11° do CIMSISSD.
v No caso subjudice, a impugnante utilizou o imóvel como matéria-prima.
v Logo, não poderia ter beneficiado da isenção prevista no n° 3° do art° 11° do CIMSISSD.
v E, mesmo que tal situação ocorresse (o que não se concede), mesmo assim de tal não poderia beneficiar porquanto entre o acto translativo dos bens e a alienação das fracções autónomas decorreram mais de 36 meses, imposto pelo n° l do art° 16° do CIMSISSD.
v Razões que relevam que o acto impugnado é, quer formal, quer materialmente, legalmente devido.
Nestes termos entende que deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se a liquidação legalmente efectuada, revogando-se a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo", substituindo-a por outra em que seja julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial.

Houve contra – alegações, assim concluídas:
I - A questão jurídica dos presentes autos, é saber se a recorrida afectou o imóvel adquirido, a fim diferente daquele que indicou na escritura de compra e venda, a revenda, e que lhe havia conferido a isenção de sisa.
II - O Supremo Tribunal Administrativo em arestos anteriores, (ACD do STA del6/5/73 m Apud. D. G. de 27/12/74 p. 406 e de 10/11/82 [Pleno] in apnd. P. 1007 Nuno Sá Gomes, parecer n.° 119/95, registo n.° 6/95 do Centro de Estudos Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais - Boletim da Direcção geral das Contribuições e Impostos, n.° 380 Nov-Dez, 1995, 488-490.) que não é de considerar como alteração do fim de revenda a realização de obras feitas pelo comprador de que não resulta alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna do edifício.
III - Neste caso em concreto, a ultimação da construção, de harmonia com o projecto aprovado, não alterou substancialmente a natureza do prédio adquirido, o mesmo sucedendo após a constituição da propriedade horizontal, sendo portanto, certo que o prédio adquirido para revenda, teve efectivamente essa aplicação, mediante a revenda respectiva por fracções autónomas.
IV - Pelo que deve concluir pela não caducidade da isenção de sisa, tanto mais porque o fundamento da isenção reside na circunstância de os "prédios adquiridos se manterem no activo permutável, enquanto mercadoria das empresas tributadas pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção e pela constituição posterior da propriedade horizontal.
Nestes termos entende que deve o recurso ser julgado improcedente considerando-se a liquidação ilegalmente efectuada, mantendo-se assim a douta sentença que julgou procedente a presente impugnação judicial.
O EMMP pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.

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2.- São os seguintes os factos dados como provados em 1a Instância:

1.- Por escritura outorgada em 19.12.1995 a Ite. declarou comprar um terreno para construção, com a área de 452 m2, designado por lote dez, sito na Portela das Padeiras, ... concelho de Santarém (...), inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 11.865.000$00.
2.- A escritura identificada em l., por documento outorgado em 28.12.2001, foi rectificada no sentido de, segundo declararam os outorgantes, a descrição do imóvel objecto de compra e venda passar a ser "um terreno, mais propriamente um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado", com a área de 452 m2, designado por lote ..., sito na ..., concelho de Santarém (...), inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 11.865.000$00.
3.- Por contrato escrito, datado de 19.7.1994, junto a fls. 39/46 (que aqui se tem por totalmente reproduzido), intitulado de "Contrato - Promessa de Compra e Venda", a Ite prometeu comprar e o CPP, S.A. prometeu vender os prédios identificados na clausula primeira de tal documento, nomeadamente, "o designado por lote ...., no qual está em construção um edifício destinado a habitação (...) inscrito na matriz sob o artigo n.°...."
4.- Este contrato esteve na base e corresponde à transacção definitiva que foi formalizada pela escritura identificada em l.
5.- A Ite, tal como foi declarado expressamente na escritura aludida em l., comprou o imóvel designado por lote ..., sito na ...., freguesia de Salvador, concelho de Santarém (...), inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 11.865.000$00 com intenção de proceder à respectiva revenda.
6.- Tendo procedido às obras de construção civil necessárias à conclusão do prédio ai existente em tosco e à posterior constituição em propriedade horizontal, a Ite procedeu à venda das fracções autónomas identificadas no documento de fls. 47 a 126.
7.- O lote ..., identificado em l. foi, inicialmente, adquirido pela sociedade I..., Construções, Lda., que requereu e lhe foi concedida, pela Câmara Municipal de Santarém, licença de obras para aí construir um edifício.
8.- O imóvel identificado em 7. foi dado em pagamento de divida da sociedade aí indicada ao CPP, S.A., tendo este requerido e sendo-lhe deferido, em 7.9.1992, o averbamento da licença de obras concedida, pela Câmara Municipal de Santarém, para construção de um edifício, à sociedade I... - Construções, Lda.
9.- Após a outorga da escritura aludida em l., a Ite requereu que lhe fosse averbada a licença de obras apontada em 8., por forma a poder concluir o prédio que se encontrava em tosco, o que lhe foi deferido, tendo procedido aos acabamentos nas fracções, indicadas no documento de fls. 130/131.
10.- Em 19.5.1999, a Ite foi notificada, através do oficio n.° 8903, para, em 30 dias, solicitar, na RF de Santarém, o pagamento eventual de sisa no montante de 10.000.000$00 e juros compensatórios de 2.379.986$00, porquanto havia, nos termos do art. 16° n.° l CIMSISSD, deixado de beneficiar da isenção que lhe tinha sido concedida aquando da aquisição do lote de terreno, inscrito na matriz sob o art. ..., da freguesia de Salvador, conforme escritura datada de 19.12.1995.
11.- A Ite, visando o acto de liquidação identificado em 10., a 15.6.1999, apresentou reclamação graciosa, cujo pedido foi indeferido, por decisão que lhe foi notificada em 15.10.1999.
12.- Na escritura aludida em l. foi exarado que a Ite., compradora, apresentou certidão comprovativa de que se encontrava colectada pela actividade de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e que no ano findo havia exercido normal e habitualmente essa actividade.

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FACTOS NÃO PROVADOS
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de direito produzidas na p.i., bem como dos factos sem interesse, caso dos vertidos nos seus artºs. 11º e 28º, nada mais se provou.
A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, em primeira linha, no teor da informação de fls. 134, bem como no conteúdo da documentação disponível nestes autos, destacadamente, além da já referenciada supra, a de fls. 156 segs., bem como a existente no processo apenso de reclamação graciosa.

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3.- Aplicando o Direito aos factos:

A Recorrente, sociedade colectada pela actividade de compra e venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim e que no ano em causa havia exercido normal e habitualmente essa actividade, comprou um prédio com isenção de sisa, nos termos do art. 11.°, n.° 3, do CIMSISD, por ter declarado que destinava o mesmo à revenda.
A AT entendeu que foi dado "destino diferente" ao imóvel objecto de compra por parte da impugnante na consideração de que houve uma "alteração substancial do objecto", e de que a impugnante jamais tivera qualquer intenção de revenda do terreno para construção, tanto mais que aí já se encontrava, à data da aquisição, em construção um edifício urbano. Porque assim, considerou que a referida isenção caducara, nos termos do art. 16.° n.° l, do CIMSISD, motivo por que procedeu à liquidação da sisa que entendeu ser devida pela compra acima referida e respectivos juros compensatórios.
Para o Mº Juiz não existe fundamento para a caducidade da isenção de sisa de que beneficiou a contribuinte aquando da compra que fez do questionado imóvel pois, apesar de na escritura inicial se haver identificado o imóvel a adquirir como um terreno para construção, com a área de 452 m2, tal documento/escritura, por documento outorgado em 28.12.2001, foi rectificada no sentido de, segundo declararam os outorgantes, a descrição do imóvel objecto de compra e venda passar a ser "um terreno, mais propriamente um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado", com a área de 452 m2 e essa rectificação, ao invés de constituir um expediente para contornar uma dificuldade colocada à Ite, no sentido de que o prédio adquirido (terreno para construção) foi revendido como prédio urbano constituído em propriedade horizontal, ou seja, houve uma situação de destinação diferente, deve, segundo o Mº Juiz, ser analisada com a complementaridade derivada de se haver demostrado que, por contrato escrito, datado de 19.7.1994, junto a fls. 39/46, intitulado de "Contrato - Promessa de Compra e Venda", a Ite ter prometido comprar e o CPP, S.A. prometido vender os prédios identificados na cláusula primeira de tal documento, nomeadamente, "o designado por lote 10, no qual está em construção um edifício destinado a habitação (...) inscrito na matriz sob o artigo n.° 3061", sendo que este contrato esteve na base e corresponde à transacção definitiva que foi formalizada pela escritura identificada em l. Isto é, a descrição do imóvel objecto de transacção na escritura de 19.12.1995 terá, com grande certeza, sido deturpada por erro, dado o móbil desse contrato definitivo, salvo hipótese que aqui não se vislumbra ocorrer, ter de ser encontrado no conteúdo do prévio contrato promessa. Não se olvide que este é por definição - cfr. art. 410° n.° l do Cód. Civil, a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, fixando-lhe, "ex ante", os contornos mínimos e os requisitos a verificar para outorga do convénio definitivo.
Em suma:- para o Mº Juiz a impugnante comprou, para revenda, um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado, e então, obvia e necessariamente, era-lhe imposto que concluísse as obras em tal edifício para posterior revenda.
A FªPª, ora recorrente, insurge-se contra esse entendimento sustentando que a falada isenção se substancia à estrita actividade comercial de compra para revenda, operando-se através da operação que, contabilisticamente, nos termos do Decreto-Lei 410/89, de 21 de Novembro, é denominada de aquisição de mercadorias. Por isso que estamos perante um caso de aquisição de matérias primas com finalidades construtivas, que não beneficia da isenção prevista no n° 3° do art° 11° do CIMSISSD porque a impugnante utilizou o imóvel como matéria-prima.
Quid juris?
O art. 11.°, n.° 3, do CIMSISD, na redacção do Decreto-Lei n.° 252/89, de 9 de Agosto, aplicável aos factos, dispõe:
«Ficam isentas de sisa:
(...)
3.° As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.°-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.° do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda».
E, o art. 16.°, n.° l, do CIMSISD, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 91/89, de 27 de Março e que é a aplicável, estabelece que:
«As transmissões de que tratam os n.°s 3.°, 8.°, 9.° e 12.°, alínea a), e 21.°, 26.°, 30.° e 31.° do artigo 11.° e n.° 7 do artigo 12.°, deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique. respectivamente:
1.° Que os prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda; (...)»
Da conjugação dos normativos transcritos resulta que a isenção consagrada no art. 11.°, n.° 3, do CIMSISD, é uma isenção real condicionada, a título resolutivo, na medida em que caducará se ao prédio adquirido for dado destino diferente da revenda ou se esta for efectuada para além do prazo fixado na lei.
No caso subjudice, o motivo de divergência entre a Contribuinte e a AT radica no facto de o prédio adquirido com isenção de sisa nos termos do art. 11.°, n.° 3, do CIMSISD, não ter sido revendido tal como fora adquirido, ou seja e tal como refere o EPGA, o que foi adquirido e consta descrito no título aquisitivo, foi um terreno para construção que tinha implantado um “prédio em construção em tosco”, realidade substancialmente distinta de um terreno “com o prédio já construído com várias fracções em propriedade horizontal”, sendo por isso que a AT entende que caducou a isenção de sisa concedida à impugnante quando da compra do prédio.
O que foi declarado na escritura, como se levou ao probatório sob o ponto 1, foi que a compra era de um terreno para construção, com a área de 452 m2, designado por lote ..., sito na ..., concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 11.865.000$00.
O Mº Juiz aceitou, porém, que a realidade era outra valendo-se da rectificação operada àquela escritura identificada em l., por documento outorgado em 28.12.2001, no sentido de, segundo declararam os outorgantes, a descrição do imóvel objecto de compra e venda passar a ser "um terreno, mais propriamente um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado", com a área de 452 m2, designado por lote ..., sito na ...., concelho de Santarém (...), inscrito na respectiva matriz sob o art. 3.061, com o valor patrimonial de 11.865.000$00.
Valeu-se ainda o Mº Juiz do contrato escrito, datado de 19.7.1994, junto a fls. 39/46, intitulado de "Contrato - Promessa de Compra e Venda", através do qual a impugnante prometeu comprar e o CPP, S.A. prometeu vender os prédios identificados na cláusula primeira de tal documento, nomeadamente, "o designado por lote ...., no qual está em construção um edifício destinado a habitação (...) inscrito na matriz sob o artigo n.° ...", contrato este que esteve na base e corresponde à transacção definitiva que foi formalizada pela escritura identificada em primeiro lugar.
Como se expendeu no Acórdão deste TCA de 21 de Outubro de 2003, tirado no Recurso nº 880/03 e cuja fundamentação, com a devida vénia, passamos a seguir, as normas de concessão de isenção de impostos, constituem um desvio ao princípio da generalidade do imposto, que constitui um corolário do princípio da igualdade tributária. Tais normas têm carácter excepcional, motivo por que, de acordo com a regra geral fixada no art. 11.° do CC e como ficou consignado no art. 9.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), «não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva». A proibição da analogia resulta ainda do n.° 4 do art. 11.° da LGT.
Ora do artº 11º, nº 2 da LGT, resulta claro e incontroverso que «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei», pelo que a revenda tem de versar sobre a realidade que consta do título e se reconduz à aquisição de mercadorias inserida na actividade comercial de compra para revenda, operando-se através da operação que, contabilisticamente está prevista no Decreto-Lei 410/89, de 21 de Novembro, tal como salienta a recorrente FªPª.
Ora, o que sucedeu foi que a impugnante pretendeu alterar a realidade percepcionada no título aquisitivo através de uma rectificação ao mesmo e o Mº Juiz segue esse entendimento, quando é manifesto que estamos perante um caso de aquisição de matérias primas com finalidades construtivas que, na verdade e como defende a FªPª, não se inclui no âmbito da norma isenção .
Assim, a nosso ver, não cabe no conceito de revenda a que se atém o art. 16.°, n.° l, do CIMSISD, a aquisição de matérias primas com finalidades construtivas , abrangendo aquele normativo apenas a aquisição de mercadorias inserida na actividade comercial de compra para revenda.
É que, na senda do citado acórdão e em abono do entendimento que estamos a defender, apelando “...ao elemento histórico, é de realçar que na redacção do preceito, a expressão "transaccionados" nele referida, e que sempre deveria entender-se como reportada exclusivamente à venda, veio a ser substituída pela de "revendidos" quando da alteração da redacção efectuada pelo Decreto-Lei n.° 263/79, de l de Agosto,(...)”.
De acordo com BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, pág. 189, por força do que dispõe o artº 9º nº 2 do CC, toda a hermenêutica jurídica encontra na letra da lei o ponto de partida e o limite à mesma, visto que «não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".
Por outro lado, em harmonia com o ditame legal contido no nº 3 do mesmo preceito legal, tem de presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, «pelo que, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado das expressões verbais utilizadas»( mesmo autor, Ob. Cit., pág. 182).
Acresce que, como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Outubro de 1999, no recurso nº 23.831, «a Sisa é um imposto sobre a riqueza, pretendendo efectivamente tributar [...a capacidade económica revelada pelo sujeito no momento da transmissão (aquisição).
E, em tal perspectiva, não está em dúvida o enriquecimento do adquirente.
Mas já não é assim quando tal aquisição se destina a revenda, isto é, entra no giro comercial daquele.
Aí, a perspectiva correcta já não é tal enriquecimento - que pode até não se verificar -mas a do lucro que, da posterior transmissão poderá resultar, caso em que, então, a tributação será efectuada, por isso, em sede de IRC, que não de Sisa.
Pelo que, em tal modo de ver as coisas, é totalmente irrelevante destino, diverso da revenda».
Na verdade e como decorre do artº 1º do Csisa, este imposto visa tributar a capacidade económica revelada pelo adquirente no momento da transmissão, abstraindo do montante desta e da qualidade e da situação financeira do sujeito passivo da obrigação, aproximando-se dos chamados direitos de registo que existem na maior parte dos países europeus. 1 [Vd. E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIMSISSD, 4ª ed., pág. 21].
E o facto transmissão, como a define A Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, Coimbra, 1955, pàg. 47 e ss, é o modo por que alguma coisa ou valor pertencente a determinado património, privado ou público, passa para património diverso por meio de contrato ou sucessão.
Mas essa transferência ou substituição tem sempre subjacente uma perspectiva económica de enriquecimento do património do adquirente e está sempre ligada à transferência jurídica da propriedade, à passagem do direito de uma pessoa para a outra. Porém, satisfaz-se com a situação material da mera mudança dos possuidores dos bens pela necessidade de não deixar escapar actos que, não envolvendo transmissão civil de propriedade, revelam certa realidade patrimonial equivalente pois, como se extrai do último segmento do artº 1º do Csisa, a tributação abrange todas as realidades translativas, “qualquer que seja o título porque se operem”. Vale isto por dizer que irreleva a falta ou insuficiência da forma jurídica do facto tributário exigida pelo direito privado para a validade dos actos e contratos, sendo disso sintomático o facto de o título de que fala o preceito dever ser definido como a causa jurídica, o facto ou conjunto de factos que originam a transmissão. Ou seja o título é todo e qualquer modo legítimo de adquirir.
Ora, como se disse atrás, a isenção consagrada no nº 3 do artº 11º do Csisa tem a sua ratio na necessidade da sujeição a IRS ou IRC dos ganhos obtidos na actividade de revenda de prédios adquiridos para esse fim, tributação que é mais perfeita que a que decorre da sisa na medida em que leva em conta os proveitos e os custos inerentes àquela actividade, procurando atingir o lucro real. Por outro lado, os prédios adquiridos para revenda, como salienta a FªPª nas suas doutas alegações, fazem parte do activo permutável da empresa (mercadorias) e não do seu imobilizado (capital), o que aponta para a sua tributação como rendimento e não como transmissão de capital.
Assim e de todo em todo, inexiste razão para que se deva concluir «que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal peca por defeito», não estando legitimada a interpretação extensiva por forma a fazer corresponder a letra da lei ao espírito da lei.
Significa isto que, tendo em conta os elementos documentais de que o Mº Juiz se serviu para analisar a realidade económica que esteve na base da tributação, se deve concluir, ao contrário do julgador, que a rectificação no sentido de a descrição do imóvel objecto de compra e venda passar a ser "um terreno, mais propriamente um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado", com a área de 452 m2 constituiu um expediente para contornar uma dificuldade colocada à impugnante, no sentido de que o prédio adquirido (terreno para construção) foi revendido como prédio urbano constituído em propriedade horizontal, ou seja, houve uma situação de destinação diferente porque a aquisição do prédio em causa foi operada com finalidades construtivas, não podendo, por isso, beneficiar da isenção p. no artº 11º, nº 3 do Csisa.
Ora, dúvidas não há de que estando as fracções ainda em construção, quando foram adquiridas, elas ainda não se destinavam a revenda mas tão só o “terreno para construção” que é a única realidade mencionada no título aquisitivo.
No caso em apreço, a propriedade horizontal não estava constituída, sendo na respectiva escritura indicado como sendo o bem adquirido um “terreno para construção” que beneficiava da isenção.
O facto de as fracções não estarem ainda concluídas, no momento em que foram adquiridas pela impugnante, obsta a que fosse o destino das fracções a revenda para o efeito beneficiando da referida isenção.
A expressão "para revenda" e "revendido" pressupõe que o prédio seja transmitido tal qualmente existia aquando da compra (transmissão) não preenchendo a condição de isenção, a venda fraccionada do prédio construído (ou acabado de construir) e constituído em propriedade horizontal durante o prazo condicionante da isenção.
Deu-se, aqui, um destino diferente do da revenda, que era a condição imposta pelo artº 11º pois foi o terreno adquirido com finalidades construtivas, alterando-se substancialmente a natureza do terreno adquirido.
Destarte, é de concluir que a impugnante não tinha direito ao benefício e que a liquidação impugnada não enferma do vício de violação de lei que lhe foi assacado.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário não pode manter-se na ordem jurídica, como decidiremos a final.

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4.- Face ao exposto, os juizes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação mantendo-se o acto tributário na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em seis UCs.

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Lisboa, 10/12/ 2003
Gomes Correia
Casimiro Gonçalves
Dulce Neto