Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 04097/08 |
| Secção: | Contencioso Administrativo - 2º Juízo |
| Data do Acordão: | 04/02/2009 |
| Relator: | António Coelho da Cunha |
| Descritores: | CONCURSO DE APOIO FINANCEIRO À PRODUÇÃO DE OBRAS CINEMATOGRÁFICAS MARGEM DE LIVRE APRECIAÇÃO DO JÚRI NATUREZA DA FUNDAMENTAÇÃO |
| Sumário: | l –Estando os critérios de avaliação taxativamente fixados no Regulamento do concurso, o júri não pode em princípio criar critérios novos. II – No âmbito de um concurso destinado à selecção de obras cinematográficas, os poderes de controlo do tribunal restringem-se à legalidade externa do acto, aos casos de erro grosseiro ou manifesto e ao desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa. III – A fundamentação deve ser clara, suficiente, congruente e adequada ao tipo legal de acto praticado. IV- A necessidade de uma fundamentação contextual não prejudica a possibilidade de uma fundamentação “ per relationem”. V- Tendo havido audiência prévia, o júri de um concurso não necessita de contra-argumentos, relativamente às razões aduzidas pelos interessados. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no 2° Juízo do T.C.A. - Sul 1. Relatório F ...intentou no TAC de Lisboa, contra o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM) acção administrativa especial de impugnação da deliberação relativa ao 2° concurso 2004, de Apoio Financeiro Selectivo à Produção de Longas-Metragens de Ficção, tomada pela Direcção, em 01.06.2005, que no âmbito desse procedimento apenas atribui subsidio aos projectos “: 1º "Aquele querido mês de Agosto" €650.000 // 2.ª "Propheta" €650.000 // 3.ª "A meu favor" €650.000»”. Por sentença de 04.01.2007, o Tribunal “a quo” julgou a acção procedente, condenando o Réu a repetir o procedimento. Inconformado, o ICAM interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes: “A) O Concurso cuja anulação vem decidida pela sentença sob recurso rege-se pela Portaria n° 317/2003, de 17 de Abril, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n° 653/2003, de 29 de Julho, a qual veio, para o que ao caso interessa, dar nova redacção aos artigos 13° e 21° respectivos, os quais estabelecem os critérios e factores de ponderação a atribuir às candidaturas. B) O júri não procedeu à fixação prévia dos factores de avaliação porque estes estão fixados no artigo 13° do Regulamento alterado pela Portaria n° 653/2003, de 29 de Julho, em termos que não permitem ao júri, sob pena de infringir o regulamento, aplicar outros factores que não os constantes do artigo 13°. C) Na redacção do artigo 13°/2 anterior à que lhe foi dada pela Portaria nQ 653/2003, é que competia ao júri fixar critérios (n° 2 do artigo 13° da Portaria n.º 317/2003, na sua redacção inicial), competência essa que foi expressamente suprimida e substituída por concretas fórmulas de ponderação. D) A al. f) do artigo 7° da Portaria n° 317/2003 - conteúdo do aviso do concurso - não foi objecto de alteração pela Portaria n° 653/2003, mas eliminada expressamente a competência a que se refere tal alínea, não pode ela ser exercida. E) Da leitura da acta n° 1 e quadro anexo afere-se que o júri avaliou cada currículo do produtor de forma concretizada e individualizada e fez verter a fundamentação na acta e a concreta pontuação no quadro anexo; F) O Júri valorou os contributos curriculares da produtora, sem ignorar quem a constitui pelo que não há qualquer contradição, como resulta da Acta n° 2: "depreende-se, assim, que o curriculum a apreciar é o da entidade requerente (...) no caso em apreço é a empresa F..., Lda. Como é lógico o júri entendeu que uma empresa também o é devido às pessoas que a criam e desenvolvem e por isso fez uma síntese entre o currículo da empresa e das pessoas que a consubstanciam ". G) Não pode a decisão recorrida pretender que o critério outro se sobreponha ao critério legal/formal determinado pela lei e que expressamente se refere ao curriculum das produtoras enquanto pessoas colectivas; H) O Júri apreciou o curriculum da empresa produtora de filmes e, residualmente, o curriculum dos produtores associados, juntos à candidatura, sendo o C.V. do realizador objecto de avaliação autónoma, como o foi, em critério distinto e decorre das als. c) e d) do regulamento a que temos vindo a aludir; I) Os dois únicos títulos da A. F... resultam da transferência de direitos da Animatógrafo para a Filmes Fundo, o que significa que não foram por ela produzidos e esta diferença é essencial, pelo que a comparação com outras produtoras como a C.. e a F... II, que exibem uma filmografia muito mais extensa - como se apura do processo instrutor e dos documentos que se juntaram sob os n°s 2 e 3 - justificam a diferença de pontuação; J) No item em discussão, a Autora foi pontuada com 8,40 valores em 10, classificação com a seguinte fundamentação; «Não possuindo ainda esta produtora uma filmografia de referência tem no entanto como garantia do seu trabalho a presença indiscutível de António....» e a produtora C... mereceu 9,60 valores em 10, classificação fundamentada nos seguintes termos: «Sendo certo que não possui ainda uma significativa carteira de obras a verdade é que a presença de Paulo Branco confere-lhe desde logo uma posição de destaque.», pelo que vai inverificada a falta de fundamentação imputada pela sentença recorrida; K) O Júri expressamente ponderou e ofereceu fundamentação sobre os argumentos da A. no âmbito da audição prévia, nos seguintes termos "...apreciou em todos os casos, o currículo que constava de cada processo, e que foi apresentado por cada entidade (produtor (a)) que consta do requerimento de candidatura que encabeça cada projecto " e "depreende-se assim que o currículo a apreciar é o da entidade que apresenta o projecto a concurso e nos casos em apreço quem os apresenta é a empresa Filmes Fundio. Como é lógico o júri entendeu que uma empresa também o é devido às pessoas que a criam e desenvolvem e por isso fez uma síntese entre o currículo da empresa e das pessoas que a consubstanciam — inalterada a proposta da Acta n° 1 "; L) Não resulta assim violação do dever de decisão nem do dever de fundamentação, pois houve expressa pronúncia sobre a matéria em apreço anteriormente, como havia sido o caso na Acta n° 1 e como o júri voltou a reiterar na Acta n° 2; M) Todos os princípios a que obedece a fundamentação – princípio da suficiência, princípio da da clareza e princípio da congruência - foram manifestamente verificados e o § 3° da deliberação sub judicio expressamente adere, absorve, a fundamentação do Júri, pelo que em caso algum a Direcção do ICAM omitiu pronunciar-se, sendo pacificamente aceite o princípio de que a necessidade de uma fundamentação contextual não prejudica a possibilidade de fundamentação per relationem; N) Não ocorre violação do princípio da legalidade, porquanto o júri observou os critérios e factores constantes do bloco legal aplicável e verteu a sua apreciação critério a critério, alínea a alínea, notando quantitativamente o resultado de tal apreciação (Actas e quadro anexo); O) Da Acta n° 1 e da Acta n° 2, resulta suficientemente claro, nos termos expostos, o iter cognoscitivo-valorativo, que para um destinatário médio fornece os elementos necessários à aceitação ou rejeição da decisão em causa e a A. tanto o entendeu que o contestou e lhe assacou viciação. P) Acresce estar em causa o âmbito da reserva da administração como vem referindo o Supremo Tribunal Administrativo (Processo n° 01013/06, em Acórdão de 17 de Janeiro de 2007): "a referida actividade de valoração das propostas, através da atribuição da pontuação a cada um dos factores e subfactores, é contenciosamente insindicável a não ser que nessa actividade se pratique um erro grosseiro ou manifesto ou se violem os princípios gerais que enformam o procedimento concursal, designadamente os da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, restringindo-se, assim, os poderes de controlo do Tribunal à legalidade externa do acto, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa ". Q) Não se verifica na actuação do R. a preterição de qualquer princípio pelo qual se rege a Administração; R) Ao assim não decidir a sentença sob recurso infringe os artigos 3°, 264°, 511° e 659° do CPC e 13° e 21º da Portaria n° 317/2003, de 17 de Abri, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n° 653/2003, de 29 de Julho, incorrendo, pois, em erro de julgamento” . O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. A Digna Magistrada do MºPº , notificada nos termos do artigo 146º do CPTA, nada disse. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. x x 2. Matéria de facto A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão: “ A. Nos Jornais "Público" e "Diário de Notícias", de 03.12.2004, foram publicitadas anúncios com o teor seguinte:
C. Em 15.04.2005, o júri de selecção relativo ao apoio financeiro selectivo à produção de longas metragens (2.º concurso de 2004) reuniu e discutiu cada um dos projectos apresentados a concurso, avaliando-os e pontuando-os segundo os critérios estabelecidos no artigo 21º do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 317/2003, de 17 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho» - acta n.º 1, de fls. 26/43, cujo teor se dá por reproduzido. D. Mais deliberou o júri que: A média da soma final das pontuações atribuídas, por cada membro do Júri em cada critério, foram aplicados os factores de ponderação de acordo com as fórmulas definidas no nº 2 alínea a) do Artigo 13º do Regulamento atrás referido. Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 13º do Regulamento, o Júri elaborou a lista ordenada das candidaturas conforme o Quadro Final anexo à Acta e dela fazendo parte integrante. E. O quadro final em referência é o seguinte:
F. Mais deliberou o júri que: «tendo em conta o montante global do apoio financeiro a conceder no âmbito do presente concurso, de um milhão e novecentos e cinquenta mil euros, o júri propõe a atribuição de apoio financeiro aos projectos:1º Aquele querido mês de Agosto €650.000 // 2.º Propheta €650.000 // 3.º A meu favor €650.000». G. Na deliberação em referência, no que respeita ao projecto "A meu favor", graduado em 3.º lugar, no que se refere ao critério "Currículo do Produto", assentou-se que: d) Currículo do Produtor; Sendo certo que não possui ainda uma significativa carteira de obras a verdade é que a presença de Paulo ... confere-lhe desde logo uma posição de destaque. H. Na deliberação em referência, no que respeita ao projecto "Esquinas", graduado em 5.º lugar, no que se refere ao critério "Currículo do Produtor", assentou-se que: d) Currículo do Produtor: Não possuindo ainda esta produtora uma filmografia de referência tem no entanto como garantia do seu trabalho a presença indiscutível de António .... I. Na deliberação em referência, no que respeita ao projecto " O Portador", graduado em 6.º lugar, , assentou-se que: d) Currículo do Produtor: Não possuindo ainda esta produtora uma filmografia de referência tem no entanto como garantia do seu trabalho a presença indiscutível de António .... J. Na deliberação em referência, no que respeita ao projecto " Má Morte", graduado em 14.º lugar, assentou-se que: d) Currículo do Produtor: Revelando muitos dos valores com que conta o novo cinema português e apostando no ecletismo da sua produção esta produtora é já hoje uma certeza de trabalho sério e dedicado. K. Em 28.04.2005, o ICAM dirigiu à A. o ofício n.º 1331, sob assunto : Apoio financeiro selectivo à produção de longas-metragens de ficção -2º Concurso 2004”, do qual: Exmos . Senhores, Junto enviamos cópia da acta contendo o projecto de decisão relativa à classificação final e ordenação dos candidatos referente ao concurso identificado em epígrafe cujo processo, caso o pretenda, se encontra para consulta de V.Exas nas instalações do ICAM, sitas na Rua de S. Pedro de Alcântara, n.º 45, 1º em Lisboa, nos períodos compreendidos entre as 10h e 12h e às 14h e 16h. Serve a presente para nos termos previstos no art.º 100 e 101º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, notificar V.Exas, para no prazo de 10 dias úteis dizerem, por escrito, o que se lhes oferecer. Aproveitamos a oportunidade para informar que podem ser objecto de consulta os documentos constantes do processo que não se encontrem protegidos pelo segredo relativo à propriedade literária ou artística ou pelo segredo profissional. L. Em 13.05.2005, a A. apresentou as suas alegações em sede de audiência prévia - doc. de fls. 45/53. M. Em 01.06.2005, o júri de selecção relativo ao apoio financeiro selectivo à produção de longas metragens (2° concurso de 2004) reuniu, tendo analisado as questões suscitadas nas respostas apresentadas pela produtora F..., Lda. sobre o conteúdo da acta n.º 1/2004 e tomou conhecimento das considerações constantes da carta da Madragoa, Produção de Filmes – acta n.º 2, de fls. 22723, cujo teor se dá por reproduzido. N. Mais deliberou o júri que: Quanto ás questões suscitadas pela produtora F... Ldª, o júri apreciou, em todos os caso, o currículo que constava de cada processo, e que foi apresentado por cada entidade ( produtor (a)) que consta do Requerimento de candidatura que encabeça cada projecto ( vd. Página 2. Produtor (a)). A Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, que regulamenta o apoio financeiro à produção cinematográfica de filmes de longa e curta metragem de ficção, especifica que o currículo a apreciar é o do produtor, entendido este como a entidade requerente, para logo a seguir indicar no artigo 9º, referente à instrução das candidaturas que na mesma deve constar de uma certidão de registo comercial do produtor ( alínea j) e declarações comprovativas da regular situação do requerente perante a administração fiscal e a segurança social ( alínea k). Depreende-se assim que o currículo a apreciar é o da entidade que apresenta o projecto a concurso e nos casos em apreço quem os apresenta á a empresa F... Ldª . Como é lógico o júri entendeu que uma empresa também o é devido às pessoas que a criam e desenvolvem e por isso faz uma síntese entre o currículo da empresa e das pessoas que a consubstanciam. Assim, mantém-se inalterada a proposta de atribuição de apoio financeiro constante da Acta n.º1. Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a reunião, de que se lavrou a presente Acta que vai ser assinada pelos membros do Júri presentes. O. Em 01.06.2005, a Direcção do ICAM aprovou deliberação com o conteúdo seguinte: Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 14º do Regulamento de Apoio Financeiro à Produção Cinematográfica de Filmes de Longa Metragem de Ficção e de Curta Metragem de Ficção, aprovado pela Portaria n.º 317/2003, de 17 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, compete ao ICAM decidir sobre a atribuição dos apoios financeiros mediante proposta apresentada pelo júri e após audiência dos interessados. No âmbito do 2º concurso de 2004 de apoio financeiro selectivo à produção cinematográfica de filmes de longa metragem de ficção, em sede de audiência dos interessados, foi apresentada resposta pelo concorrente F...ª, Produção ..., Ldª. Considerando que as questões colocadas pela supramencionada produtora foram analisadas e ponderadas na reunião do júri realizada no dia 1 de Junho de 2005. Tendo em atenção os fundamentos constantes das actas n.ºs 1 e 2 das reuniões de júri datadas de 15 de Abril de 2005 e de 1 de Junho de 2005, respectivamente e tudo o acima exposto, a Direcção concorda com a lista de classificação ordenada pelo que delibera atribuir os apoios financeiros conforme proposto, a saber: 1º Aquele querido mês de Agosto 650 000,00 Euros 2º Propheta 650 000,00 Euros 3º A meu favor 650 000, 00 Euros P. Em 02.06.2005, o ICAM dirigiu à A. o ofício n.º 1766, sob assunto : Apoio financeiro selectivo à produção de longas-metragens // -2º Concurso 2004”, do qual consta: Nos termos do disposto no artigo 14º do Regulamento, aprovado pela Portaria n.º 317/2003, de 17 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, cumpre-nos informar que, por deliberação de 01.06.05, da Direcção deste Instituto foi, no âmbito do concurso identificado em epígrafe, atribuído apoio financeiro aos projectos abaixo indicados. A referida deliberação baseia-se nos fundamentos da Acta n.º1, enviada a V.Exas. no âmbito da audiência de interessados, e da Acta n.º2 elaborada pelo Júri de Selecção, que fazem parte integrante da referida deliberação. Junto enviamos cópias da Acta n.º2 e da deliberação da Direcção. AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO Produtor: O ... Realizador: M... Financiamento: € 650.000 – sob a forma de apoio financeiro não reembolsável PROPHETA Produtor: V... Realizador: F... Financiamento: € 650.000 – sob a forma de apoio financeiro não reembolsável A MEU FAVOR Produtor: C... Realizador: C... Financiamento: € 650.000 – sob a forma de apoio financeiro não reembolsável Q. A candidatura da "C..." é a que consta das pastas 1 e 11do p.a. R. A candidatura da "O ..." é a que consta da pasta 2, do p.a. S. A candidatura da "V..." é a que consta da pasta 3 do p.a. T. A candidatura da "Filmes ..." é a que consta da pasta 8, do p.a. U. A candidatura da "Filmes ..., Lda." é a que consta da pasta 6 do p.a. ** ** 3- DIREITO APLICÁVEL O concurso em causa nos autos rege-se pela Portaria n.º 317/2003, de 17 de Abril, na redacção conferida pela Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, sendo de realçar a nova redacção conferida aos artigos 13º e 21º. No essencial a sentença recorrida considerou violados pelo júri do concurso os princípios da igualdade e da proporcionalidade e o dever de fundamentação, por entender que o júri não procedeu à fixação prévia, anterior ao conhecimento das candidaturas, do critério relativo ao currículo do produtor (artigo 21º alínea c)), nem explicitou, de forma clara e congruente, a classificação atribuída a cada candidatura em relação ao item em apreço. Entendeu ainda a decisão de 1ª instância que à aferição do mérito de cada candidatura em relação ao item em análise, o júri não fez corresponder uma notação quantitativa justificada por relação à cotação atribuída às demais candidaturas e, finalmente que o júri não procedeu à análise discriminada dos elementos que contém cada proposta, justificando a sua subsunção ao critério de selecção em referência. Com esta motivação, a sentença recorrida julgou procedente a presente acção de impugnação da deliberação relativa ao 2º concurso 2004, de Apoio Financeiro Selectivo à Produção de Longa Metragens de Ficção, tomada pela Direcção, em 1.06.2005, por meio da qual foi atribuído um apoio financeiro aos projectos: 1º - “ Aquele querido mês de Agosto”, € 650.000; 2º “Propheta”, € 650.000; 3º “ A meu favor”, € 650.000, determinando a repetição do procedimento. O Mmº Juiz “ a quo” observou que a incongruência e a imprecisão da fundamentação deduzida pelo júri é patenteada pela leitura da Acta n.º1 e pelas alegações das partes, cujo teor não permite reconhecer o nexo lógico e sequenciado de graduação das candidaturas no item em apreço, e que a Acta n.º2 não permite discernir se o que conta é o currículo do produtor ou antes o peso do realizador que subscreve o projecto a concurso. Observou ainda que a vagueza e indeterminação dos conceitos usados pelo júri estão corporizados na aferição das candidaturas elevadas às alíneas G a J dos factos provados. Perante as asserções apresentadas pelo júri em relação a cada candidatura, não é possível a um destinatário médio reconstituir a cotação atribuída à candidatura em causa no item concreto. Acresce que as considerações feitas pelo júri no item em análise não são sustentadas no alegado carácter indeterminado do conceito “ Currículo do produtor”, cuja densificação e concretização, tendo em vista a sua aplicação a cada caso concreto, segundo a escala de 0 a 10, é demandada pela imposição legal do regime do procedimento concursal e pela necessidade de fundamentação das decisões do Júri ( respectivamente, artigos 7º/1 e 13º/4º do R.). É esta a motivação essencial da decisão de 1ª instância, contra a qual o recorrente ICAM se insurge, nos termos das conclusões supra transcritas, das suas alegações. Nas questões a apreciar, começaremos por notar que o júri não procedeu à fixação prévia dos factores de avaliação, porque estes estão fixadas no artigo 13º do Regulamento alterado pela Portaria 653/2003, sendo vedado ao júri aplicar outros factores que não estes ( conclusão B) das alegações do recorrente). Enquanto a redacção inicial do artigo 13º n.º2 do Regulamento prescrevia que “ em cada um dos concursos, o júri define previamente o factor de ponderação a aplicar a cada um dos critérios estabelecidos no n.º1 do presente artigo”, a redacção actual suprimiu essa competência do júri e estabeleceu os concretos factores de ponderação a aplicar aos critérios, com formulas matemáticas. Como decorre do artigo 21º, a apreciação das candidaturas é feita pelo júri, com base nos seguintes critérios: a) Qualidades artísticas e técnicas do argumento cinematográfico; b) Potencialidades de comunicação do argumento com o público; c) Currículo do realizador; d) Currículo do produtor. E, de acordo com o artigo 13º n.º1, relativo à valorização dos critérios estabelecidos nos artigos 21º a 28º “ cada um dos critérios estabelecidos nos artigos 21º a 28º é pontuado na escala de 0 a 10, sendo a pontuação mais elevada referente à maior adequação da obra em apreciação ao respectivo critério. As fórmulas dos factores de ponderação são as constantes do artigo 13º, n.º2, aliás transcritas na sentença recorrida. Procedem, pois, as conclusões A a D das alegações do recorrente. Vejamos o que sucede quanto à fundamentação produzida pelo júri. A sentença recorrida concluiu que o júri não explicitou a motivação da pontuação atribuída a cada candidatura, não estando justificada a diferenciação de pontuações, como se veria pela leitura da Acta n.º1. Salvo o devido respeito, discordamos, visto que da leitura da Acta n.º1 e quadro anexo se verifica que o júri analisou e avaliou cada currículo de produtor, de forma concretizada e individualizada, com recurso aos critérios constantes do aludido artigo 13º. E é certo que também o currículo do produtor e o currículo do realizador foram autonomamente valorados, e de forma perceptível, com aplicação das fórmulas matemáticas aplicáveis ( cfr. artigos 13º e 21º, alíneas c) e d) da Portaria 653/2003). E é necessário não esquecer que, no tocante à apreciação, comparação ou valoração das candidaturas, o júri goza de uma certa margem de livre apreciação, por se tratar de matéria que exige conhecimentos técnicos especializados, restringindo-se os poderes de controle do tribunal à legalidade externa do acto ou aos casos de erro grosseiro ou manifesto (cfr. André Gonçalves Pereira, “ Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo”, Ed. Ática, p.226; Freitas do Amaral, “ Curso de Direito Administrativo”, vol.II, p.82:; Dominique Lagasse, “ L’ erreur manifeste d’appreciation en Droit Administratif –essai sur les limites du pouvoir discrettionaire de L’ Administration” Bruxelas, 1986; Ac. S.T.A. de 23.5.2000, Rec.40313, in Ac. Dout. Ano XXXIX, p. 1529 e ss; Ac S.T.A. de 27.11.87, in Ac. Dout. n.º439., p.891). Concluiu-se, assim, que o Mmº Juiz incorreu em erro de julgamento, violando os artigos 13º e 21º da Portaria n.º 317/2003, de 17 de Abril, na redacção conferida pela Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, porquanto não só não era possível criar novos factores de ponderação, como se verifica que o júri fundamentou suficientemente a pontuação vertida na acta e a quantificação constante do quadro anexo. Vejamos, agora, se se verifica a alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, no tocante ao critério da alínea d) “ currículo do produtor, designadamente a incerteza quanto aos elementos valorados pelo júri em relação a cada candidatura, e a inexistência de referências explicativas sobre a discriminação das pontuações em apreço. A Autora F..., Lda concorreu ao Apoio Financeiro Selectivo à Produção de Longas Metragens de Ficção -2º concurso – com os projectos “esquinas” e “ O Portador”, e em relação à Autora, enquanto produtora, o júri destacou a presença indiscutível de António .. e valorou os contributos curriculares da produtora na Acta n.º2, onde, designadamente, se escreve: “ depreende-se, assim, que o curriculum a apreciar é o da entidade requerente (...) no caso em apreço a empresa Filmes Fundo, Lda. Como é lógico, o júri entendeu que uma empresa também o é devido às pessoas que a criam e desenvolvem, e por isso fez uma síntese entre o currículo da empresa e das pessoas que a consubstanciam” ( sublinhado nosso). No item em apreço, a Autora foi pontuada com 8,40 valores em 10, sintetizando, na sua apreciação, por um lado, a inexistência ainda de uma filmografia de referência e, por outro, como garantia de referência a presença indiscutível de António ..., o que a nosso ver não integra qualquer contradição. A própria Autora confessou nos artigos 18º e 19º da petição inicial, a inferioridade do seu “ curriculum” em relação ao das outras concorrentes, sendo certo que os dois únicos títulos da ora recorrida resultam da transferência de direitos da Animatógrafo para a F..., o que significa que não foram por ela produzidos. Trata-se de uma diferença relevante, que justifica a diferença de pontuação relativamente a outras produtoras como a CLAP e Filmes Tejo II, que exibem uma filmografia muito mais extensa, como resulta do processo instrutor. Trata-se, aliás de uma matéria que envolve apreciações de matéria técnica (no âmbito da arte do cinema, de cariz fortemente subjectivo) e constitui reserva da Administração, estando subtraída do controle jurisdicional dos Tribunais Administrativos. Procedem, assim, as conclusões F a L das alegações de recurso. Ainda no tocante à pretensa falta de fundamentação, o Mmº Juiz “ a quo” observou que “ as asserções que constituem a causa de pedir da presente acção já tinham sido invocadas pela A., em sede de audiência prévia” e que em resposta às objecções então apresentadas, o júri proferiu a deliberação de 1.06.2005, documentada pela Acta n.º2. Observou ainda o Mmº Juiz que “ do probatório ( alíneas M a N da factualidade assente): infere-se que a deliberação em causa não esclarece os pontos referidos nos números anteriores e já então suscitados pela A., motivo porque se impõe julgar procedente a arguição da falta de fundamentação da deliberação questionada – artigo 125º n.ºs 1 e 2 do CPA. Salvo o devido respeito, não é assim. Na alínea M dá-se provado que, em 1.06.2005, o júri de selecção relativo ao apoio financeiro selectivo à produção de longas metragens (2º concurso de 2004) reuniu, tendo analisado as questões suscitadas nas questões suscitadas nas respostas apresentadas pela produtora F..., Lda, sobre o conteúdo da acta n.º1/2004 e tomou conhecimento das considerações constantes da Madragoa, Produção de Filmes – cfr. acta n.º2, cujo teor se dá por reproduzido. Da alínea N) retira-se que o júri deliberou o seguinte: “ Quanto às questões suscitadas pela produtora FF- Filmes Fundo, Lda, o júri apreciou, em todos os casos, o currículo que constava de cada processo, e que foi apresentado por cada entidade (produtor(a) que consta do requerimento de candidatura que encabeça cada projecto. A Portaria n.º 653/2003, de 29 de Julho, que regulamenta o Apoio Financeiro à produção cinematográfica de filmes de longa e curta metragem de ficção, especifica que o currículo a apreciar é o do produtor, entendido este como a entidade requerente, para logo a seguir indicar no artigo 9º, referente à instrução das candidaturas, que na mesma deve constar uma certidão de registo comercial de produtor ( alínea j) e declarações comprovativas da regular situação do requerente perante a administração fiscal e a segurança social. Assim, mantém-se inalterada a proposta de atribuição de apoio financeiro constante da Acta n.º1”. Das alíneas transcritas deduz-se que as observações formuladas em audiência prévia foram ponderadas e estão reflectidas na Acta n.º2, ao contrário da fundamentação aduzida na sentença de 1ª instância. E, como diz o recorrente, não impende sobre o júri o dever de contra-argumentar, indicando os motivos pelos quais não decide da forma indicada pelo particular (cfr. o Ac.STA de 3.03.04, Proc n.º110/04, citado pelo recorrente). Em suma, retira-se da transcrição feita que, no critério de selecção a que alude a alínea d) do artigo 21º da Portaria n.º 317/2003, foi apreciado o curriculum da pessoa colectiva requerente e beneficiária do apoio financeiro e não os currricula dos produtores que lhe pudessem estar associados. Isto muito embora o júri tivesse também esclarecido que não ignorava os curricula de produtores juntos às candidaturas (…) pelo que a classificação atribuída seria também um resultado da apreciação dos curricula dos produtores associados. Neste contexto, parece-nos claro que inexiste violação do dever de fundamentação ou do dever de decisão. Na verdade, e como se escreve na conclusão M) das alegações do recorrente “ todos os princípios a que obedece a fundamentação – princípio da suficiência, principio da clareza e princípio da congruência – foram manifestamente verificados, e o paragrafo 3º da deliberação subjudicio expressamente adere, absorve, a fundamentação do júri, pelo que, em caso alguma a Direcção do ICAM omitiu pronunciar-se, sendo pacificamente aceite o principio de a necessidade de uma fundamentação contextual não prejudica a possibilidade de fundamentação per relationem. Finalmente, e como resulta do que anteriormente se disse, não ocorre violação do principio da legalidade, uma vez que o júri observou os critérios e factores constantes do bloco legal aplicável, constante do Regulamento concursal na sua actual redacção, pelo que igualmente procedem as conclusões M) e seguintes das alegações do recorrente. * * 4. DECISÃO Em face dos exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e mantendo a deliberação impugnada. Custas pela recorrente em ambas as instâncias, fixando a taxa de justiça em 6UCs. Lisboa, |