Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00025/04
Secção:Contencioso Tributário - 2º Juízo
Data do Acordão:02/01/2005
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IRC
ENTRADA DE ACTIVOS
TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
DEFERIMENTO TÁCITO
PRAZO
ACTO EXPRESSO POSTERIOR
Sumário:1. A Administração tem o dever de decisão face às petições que lhe forem apresentadas pelos particulares e para as quais disponha de competência para o efeito;
2. Na falta de cumprimento desse dever, tem o particular o direito de considerar indeferida para efeitos de recorrer aos meios impugnatórios, a pretensão que lhe tenha solicitado;
3. E nos casos expressamente previstos na lei, o silêncio da Administração confere ao particular, o direito de considerar deferida a pretensão formulada sobre matéria da competência dessa entidade decidente;
4. Se no decurso do prazo do procedimento a lei vem fixar um prazo mais alargado para ocorrer o deferimento tácito, este novo prazo é também aplicado aos prazos que então se encontravam em curso;
5. Mas se no decurso do mesmo procedimento, a lei vem exigir mais um novo pressuposto para que tal deferimento tácito tenha lugar, então neste caso, este novo pressuposto não constitui exigência meramente procedimental mas substantiva, e só é exigível aos procedimentos iniciados depois da sua entrada em vigor;
6. Produzido o deferimento tácito de benefício fiscal, o posterior acto expresso contrário àquele, é dele revogatório e pode ser proferido se o acto tácito for ilegal e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso (art.º 141.º do CPA);
7. Mas se o acto tácito de deferimento for legal, por no caso se encontrarem reunidos todos os requisitos legais vinculados de que a lei faz depender a prolacção de acto expresso de deferimento, então o posterior acto expresso de sentido contrário, é ilegal por erro nos seus pressupostos, gerador de violação de lei, sendo de o anular e neste caso, de declarar legal e válido o anterior acto de deferimento tácito;
8. A norma do art.º 69.º da CIRC, na redacção do art.º 221/2001, de 7 de Agosto, impõe como requisito para o deferimento da transmissão dos prejuízos fiscais, no caso da entrada de activos, que a operação seja realizada por razões económicas válidas;
9. Este estalão legal deve ser preenchido na acepção da norma do art.º 11.º da Directiva n.º 90/434CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão C-28/95 do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997;
10. A mera transmissão das acções da sociedade incorporante para uma outra sociedade, no decurso do prazo do procedimento, não constitui indício de que a sociedade tenha efectuado a operação de entrada de activos para aproveitamento primacial ou principal, da obtenção de vantagens fiscais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1. L... E...Seguros, S.A., anteriormente designada Companhia Europeia de Seguros, S.A., identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Ministro das Finanças, tendo em vista obter a anulação do despacho do Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 26.11.2003 que lhe indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais por si apresentado, e a entidade demandada condenada na prática do acto de deferimento expresso.


Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar os documentos de fls. 211 e segs para além do processo administrativo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por a acção ser julgada improcedente e mantido o despacho em crise na ordem jurídica, por não ter ocorrido o invocado acto tácito de deferimento e não se verificarem os requisitos para a transmissão de prejuízos.


Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls 280 dos autos, onde se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e pela desnecessidade da produção de quaisquer provas, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem:


Da autora:
A. A presente Acção Administrativa Especial foi instaurada contra o Despacho n.º 2931/2003-XV, de 26 de Novembro de 2003, de S. Exa. o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais formulado pela Autora em 27 de Setembro de 2002 (no qual requereu autorização para a dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos através de uma operação de entrada de activos).
B. O mencionado Despacho n.º 2931/2003-XV, de 26 de Novembro de 2003 é ilegal e é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, devendo ser declarado nulo ou ser anulado (neste caso subsidiariamente cumulado com um pedido condenação na prática de acto devido).
C. Na Contestação a Ré alegou factos que, a procederem, seriam extintivos ou impeditivos da pretensão da Autora, os quais foram oportunamente rebatidos na Réplica da Autora.
D. Atendendo à prova produzida, dever-se-á dar por provada, e portanto assente, toda a matéria de facto alegada na Petição Inicial.
E. A Autora entende que o Despacho em crise é, antes do mais, inválido por indeferir expressamente uma pretensão da Autora já deferida tacitamente e, para mais, baseando-se em juízos de mérito; ou seja, por constituir uma revogação ilegal de um acto tácito de deferimento, constitutivo de direitos da Autora.
F. O Despacho em crise é por isso ilegal, por violacão do artigo 140.º n.º1, alínea b) do CPA, devendo ser considerado nulo nos termos do artigo 133°. n.º 1, 1.ª parte e n.º 2. al. c) do CPA ou anulado nos termos do artigo 135° do CPA.
G. No iter administrativo e na Contestação a Ré esmerou-se por encontrar tecnicidades que sustentassem a inexistência do apontado acto tácito de deferimento do pedido da Autora. No entanto, a Autora demonstrou com meridiana clareza que esse acto tácito de deferimento efectivamente ocorreu e em data anterior à do Despacho sob escrutínio nestes autos (cfr. artigos 38° a 112° da Petição Inicial e artigos 2° a 55° da Réplica.
H. A Autora entende que o Despacho em crise é, também, inválido por padecer de diversos vícios de violacão de lei, quais sejam erro manifesto na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados, vício de desvio de poder e violação do Princípio da Imparcialidade.
I. Primus, violação de lei por erro manifesto na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados, devendo por isso ser anulado nos termos do
artigo 135° do CPA.
J. Com efeito, o indeferimento do pedido de autorização da transmissão dos prejuízos fiscais apresentado pela Autora, estando preenchidos todos os pressupostos e requisitos legais previstos no artigo 69.º do Código do IRC, viola frontalmente o referido normativo.
K. Esses pressupostos e requisitos legais previstos no artigo 69° do Código do IRC estavam preenchidos porquanto a operação de reestruturação protagonizada pela Autora consubstancia uma operação de entrada de activos efectuada no âmbito do regime especial de neutralidade fiscal (como é reconhecido pelo próprio Despacho objecto desta acção) e, por conseguinte, susceptível de beneficiar da transmissão dos prejuízos fiscais.
L. Assim, para poder beneficiar da transmissão dos prejuízos fiscais a operação de reestruturação em causa legalmente apenas tinha que preencher os requisitos (cumulativos) enunciados no n.º 2 do art. 69º do CIRC,
M. preenchimento esse que a Autora demonstrou categórica e repetidamente ao longo do iter procedimental (maxime no pedido de dedução de prejuízos fiscais e na Audição Prévia) e na presente Acção (vide artigos 113° a 186° da Petição Inicial e artigos 56° a 103° da Réplica), em moldes que a própria Ré não só não contesta como até reconhece (vide documento 7 junto à PI e Contestação).
N. Ad extensis a Ré reconheceu que os requisitos (cumulativos) enunciados no n.º 2 do art. 69° do CIRC estavam verificados (cit. documento n.º 7 junto à PI e Contestação) e confessou o verdadeiro motivo pelo qual o Despacho em crise
indeferiu a pretensão da Autora: a alienação (posterior à operação de entrada de activos) do capital social da Autora.
O. Ora, essa motivação não pode ser concatenada no referido n.º 2 do art. 69º do CIRC, já que este não o prevê expressamente (nem dá latitude para tal) e apenas autoriza uma densificação dos seus conceitos na perspectiva das entidades intervenientes na operação de entrada de activos - pois só a propósito dessas empresas se podem verificar razões económicas válidas e estratégia de redimensionamento empresarial.
P. Isto sendo certo que o escopo confesso do legislador do artigo 69º do Código do IRC é permitir a promoção da competitividade das empresas - cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.
Q. Assim, o Despacho de indeferimento fundou-se em motivo totalmente alheio ao do artigo 69º, n.º 2, do Código do IRC, adoptando critérios de concessão do benefício aí não estabelecidos e com uma perspectiva de interpretação desse
normativo na óptica dos accionistas quando o mesmo apenas a autoriza na óptica dos intervenientes.
R. Estamos, pois, perante aquilo que a melhor Doutrina e Jurisprudência denominam por erro manifesto na apreciação dos factos e na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados, erro esse que constitui vício de violação de lei sindicável por este douto Tribunal e susceptível de determinar a anulação do Despacho de indeferimento ora em crise,
S. como é reconhecido de forma constante por autorizada Jurisprudência - vide, exemplificativamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 021666 em 02.02.88, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 020496 em 10.07.86, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 028382 em 09.06.94 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 013565 em 17.04.80.
T. Secundus: verifica-se também um vício de violação de lei por desvio de poder, previsto no artigo 15° da lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, sendo, consequentemente, anulável nos termos do artigo 135° do CPA.
U. De facto, o Despacho de indeferimento ora impugnado foi confessadamente determinado por um motivo que não condiz com o fim visado pelo art. 69º do CIRC (que é permitir a promoção da competitividade das empresas - cfr. Preâmbulo do Decreto-lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto), qual seja (como é
reconhecido no referido Despacho) o da alienacão do capital social da Autora.
V. Para mais, no Despacho em crise, S. Exa. o Secretário de Estado adoptou critérios de decisão que não constam no artigo 69º, n.º 2 do Código do IRC, nem poderiam constar atendendo ao seu desiderato e na avaliação subjacente à concessão do benefício fiscal adoptou uma óptica das intenções dos accionistas e não da peticionante (sendo certo que esta, evidentemente, não controla as decisões daqueles).
W. Tertius: o Despacho em crise viola também o Princípio da Imparcialidade, porquanto a alienação do capital social da Europeia para a Liberty não constitui um interesse objectivamente relevante que devesse ter sido tomado em conta na tarefa de ponderação conclusiva realizada pela Administração.
X. Tratou-se de uma operação cuja decisão residia exclusivamente na esfera dos accionistas da Autora, a que esta é obviamente alheia. Aliás, como já alegado, a densificação dos conceitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 69º do CIRC tem que ser necessariamente feita na perspectiva das entidades intervenientes na operação de entrada de activos, pois só a propósito dessas empresas se podem verificar razões económicas válidas e estratégia de redimensionamento empresarial,
Y. Cabendo ainda reiterar a este respeito que a ratio legis do artigo 69° do Código do IRC é de permitir a promoção da competitividade das empresas (vide Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto).
Z. A Ré, para chegar à conclusão que a operação de entrada de activos não foi realizada atendendo a razões económicas válidas tomou em consideração um elemento que não podia (a alienação das acções da Autora), ferindo por isso o
Despacho de indeferimento em crise de ilegalidade por violação do Princípio da Imparcialidade estabelecido no artigo 266°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6° do CPA.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente Acção ser julgada procedente e provada, decidindo-se como oportunamente peticionado pela declaração de nulidade ou anulação (subsidiariamente cumulado com pedido condenação na prática de acto devido) do Despacho n.º 2931/2003-XV, de 26.11.2003, de S. Exa. o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais com o que se fará a devida e costumeira,
JUSTIÇA!


Da entidade demandada:
1 - Não se verifica a alegada violação do artigo 69º do Código do IRC por "erro manifesto na interpretação de conceitos relativamente indetenninados".
2 - A operação sub judice não era passível, de per si, de produzir efeitos económicos positivos na estrutura produtiva.
3 - Resultou claramente indiciada a natureza fiscal da operação.
4 - Não se verificando aquele pressuposto legal, não podia a Administração, em conformidade com o nº2 do artigo 69° do CIRC, autorizar a dedutibilidade dos prejuízos fiscais.
5 - Não se formou o alegado deferimento tácito do pedido, pois que cabia à A. ter fornecido todos os elementos necessários ao perfeito conhecimento da operação, nomeadamente a alienação do seu capital à L... I...Ibéria, SL, e não o fez.
6 - Mesmo desconsiderando esse facto, o prazo legal para a formação do deferimento tácito apenas terminaria em 28 de Novembro de 2003, pelo que, tendo o despacho impugnado sido proferido em 26 de Novembro de 2003, não se pode, também por esse motivo, considerar ter--se formado o alegado deferimento tácito.
7 - Não existe vício de desvio de poder, pois que o fim visado pela norma e o motivo determinante do despacho de indeferimento proferido pelo R. coincidem.
8 - Não foi violado o princípio da imparcialidade legal e constitucionalmente consagrado.
9 - O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no seu despacho nº 293l/2003-XV, procedeu a uma correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais atendíveis.

Nestes termos, no mais que anteriormente foi referido na Contestação, e noutros melhores de direito que V. Ex.as. Doutamente suprirão, deve o R. ser absolvido do pedido, com as legais consequências.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se no caso se formou acto tácito de deferimento sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais das Sucursais; E tendo-se formado, se o mesmo é ilegal, como tal podendo ser revogado por posterior acto expresso.


3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
a)Por requerimento entrado em 27SET2002 na Direcção Geral dos Impostos e dirigido ao Exmo Ministro das Finanças a ora autora veio peticionar lhe fosse concedida autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados até 31.12.2001, no valor de € 24.707.638,87, no caso da Sucursal da Winterthur Seguros Generales e de € 12.420.663,70, no caso da Sucursal da Wimterthur Vida, a reportar pelas sobreditas sucursais, aos seus lucros tributáveis, até ao fim do sexto exercício posterior, contando do exercício a que os mesmos se reportam - cfr. processo instrutor, cujas fls. não se mostram numeradas;
b)No âmbito deste procedimento, a AT solicitou em 16.12.2002, à ora autora, o envio da cópia da escritura pública do aumento do seu capital social, que esta lhe enviou em 16.1.2003 – cfr. mesmo processo instrutor e docs. de fls 88 e segs destes autos, que a ora autora juntou como doc. 2;
c)Um técnica economista emitiu parecer sobre tal pedido, tendo proposto a autorização da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, nos termos do disposto no art.º 69.º do CIRC,...por de acordo com os elementos fornecidos, os resultados previsionais para os próximos exercícios serem crescentes, o que poderá indiciar que a operação se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva ...irá permitir um aproveitamento de sinergias funcionais e economias de escala e uma redução de custos, parece que se poderá considerar que a operação foi realizada por motivos económicos válidos com efeitos positivos na estrutura produtiva, parecer que o Subdirector-Geral do IR, apôs o seu despacho de Concordo, em 15SET2003 – cfr. mesmo processo;
d)Em informação efectuada no Gabinete do Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos de 9SET2003, foi proposto o indeferimento da concessão da autorização para a dedução dos prejuízos acumulados pelas sucursais em causa, por em suma, tal operação envolver uma clara vantagem fiscal mas um efeito muito reduzido ou algo duvidoso do ponto de vista económico – cfr. mesmo processo;
e)Por aquela mesma técnica economista foi emitido uma informação final em 19NOV2003, depois de exercido o direito de audição da contribuinte, tendo agora aqui proposto, igualmente, o indeferimento da dedução dos prejuízos, assente nos seguintes fundamentos:
B2) QUESTÃO RELATIVA À INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS
16. No tocante ao argumento invocado em que a recorrente vem alegar que a transmissão do capital social da Europeia é irrelevante, não afectando os objectivos económicos que presidiram à operação de reestruturação, é importante que nos debrucemos, novamente, sobre o conjunto das operações efectuadas, quais sejam: a 27 de Dezembro de 2002 é realizada uma operação de entrada de activos, sendo transferidas duas sucursais de duas sociedades de direito espanhol para a Europeia, recebendo estas sociedades, como contrapartidas, partes do capital social da Europeia; a Europeia procede a um aumento do capital social por entrada em espécie das unidades económicas, constituídas pelas sucursais; a 21 de Maio de 2003 é alienado o capital social da Europeia a uma sociedade com sede em Espanha pertencente ao Liberty Mutual Group.
17. A aplicação do regime especial de neutralidade fiscal a este tipo de operação e, por conseguinte, a possibilidade de transmissibilidade dos prejuízos fica dependente não só da inclusão da operação de concentração e reorganização efectuada no âmbito do regime (e quanto a este aspecto parece que não restam dúvidas que a operação de entrada de activos se pode qualificar como uma operação transfronteiriça prevista na alínea b) do nº1 do artigo 68° do Código do IRC) como a verificação dos requisitos mencionados no nº2 do artigo 69° do CIRC.
18. Ainda que se possa reconhecer que, na perspectiva da Europeia, possam ter existido efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, há um evidente decréscimo de custos e, reconhecendo-se que houve um reforço dos capitais da Europeia, na perspectiva da sociedade de direito espanhol (Hispanowin}, sociedade que detém as sucursais e 99,99% do capital social da Europeia, a operação de entrada de activos seguida da alienação das partes de capital da Europeia indicia que, de facto, a operação não teve como principal objectivo a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal.
De facto, a aplicação do regime de neutralidade e a possibilidade de transmissão dos prejuízos pressupõe a existência de uma continuidade por parte das empresas envolvidas.
É, aliás, em atinência a essa continuidade que, no momento da realização, a operação é fiscalmente neutra, sendo a tributação postergada para o momento em que, no futuro venham a ser alienados os bens, tudo se passando, nessa data, como se a operação não tivesse existido.
Este regime especial justifica-se, pois, pela existência de um interesse económico na -realização da operação, pressupondo que as partes envolvidas têm uma estratégia empresarial de continuidade.
Se, como acontece no caso presente, a operação de entrada de activos é seguida imediatamente da alienação das partes de capital recebidas em troca, torna-se evidente que a estratégia, na perspectiva da sociedade que realiza a operação, não é uma estratégia de redimensionamento, de continuidade, mas sim de alienação. Torna-se evidente que o objectivo era, "ab initio", a alienação das sucursais e, sendo assim, não faz sentido aplicar-se à operação o regime especial de neutralidade e a inerente possibilidade de transmissibilidade de prejuízos.
Na verdade, a aplicação deste regime traria vantagens manifestas à sociedade que realiza a entrada de activos, na medida em que lhe, permitiria a possibilidade de reportar os prejuízos fiscais para a sociedade incorporante; o que não sucederia numa operação de venda pura e simples das sucursais e, por outro lado, transformar eventuais resultados
derivados da alienação do património das sucursais em mais-valias mobiliárias, com o inerente aproveitamento da isenção prevista no art.º 26° do EBF.
A sociedade não residente que realiza a operação de entrada de activos pode, perfeitamente, transferir para a Europeia as sucursais que detém em Portugal, mas se a estratégia é a da simples alienação onerosa dessas sucursais, não faz sentido aplicar-se a essa alienação um regime especial de neutralidade que tem em vista apenas não onerar, do ponto de vista fiscal, no momento da transmissão, as operações de fusão, cisão ou entrada de activos, em atinência ao princípio da continuidade da actividade.
19. Estes justificativos, que enformam o regime de neutralidade e a possibilidade de reporte de prejuízos, estão bem patentes no Código do IRS, concretamente no nº3 do artigo 38°, relativo à entrada de património para realização do capital social. Neste preceito é estabelecido que os ganhos resultantes da transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, das partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão do património para a realização do capital de sociedade são qualificados, antes de decorridos cinco anos a contar da data desta, como rendimentos empresariais ou profissionais, não podendo, antes de decorridos cinco anos a contar da data da transmissão, efectuar-se operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos com a penalização aí prevista.
20. Por último, apesar de ter sido proferido despacho de deferimento, a 18.09.00, por Sua Exa. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para efeitos da isenção do imposto municipal de sisa e do selo, ao abrigo do DL 404/90, de 21 de Dezembro, no qual se reconheceu tacitamente, para efeitos da operação de entrada de activos, a verificação do interesse positivo para o adequado redimensionamento das unidades produtivas, no contexto, atrás explanado (em que se verifica que a operação de entrada de activos foi seguida por uma alienação da Europeia) não se poderá concluir que, na perspectiva da sociedade espanhola, detentora quer da Europeia quer das sucursais, esta operação foi realizada por razões económicas válidas.
21. Nestes termos, somos da opinião que não se poderá dar razão à recorrente, devendo ser indeferido o pedido de dedução de prejuízos.
22. Finalmente, uma vez que não se aplica, à operação em causa, o regime de neutralidade fiscal, de acordo com o disposto no nº10 do artigo 67° do Código do IRC, propõe-se o envio do presente processo para os Serviços de Inspecção procederem, se for caso disso, às necessárias correcções, nos termos do disposto nessa norma.
A consideração superior .
f)Sobre esta informação foi proferido pelo Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais o despacho n.º 2931/2003-XV, de 26NOV2003, de “Concordo, pelo que indefiro” – cfr. mesmo processo;
g)O despacho supra foi notificado à ora autora por ofício datado de 3DEZ2003 – cfr. mesmo processo;
h)Por escritura pública de 27.12.2002, celebrada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, a Companhia Europeia de Seguros, S.A., através do seu presidente do conselho de administração, declarou a aceitação para esta, da transferência pelos respectivos valores líquidos contabilísticos, da totalidade dos bens activos e passivos afectos à actividade das sucursais em Portugal das accionistas Winterthur Vida, Sociedade Anónima de Seguros e Resseguros Sobre La Vida e Winterthur Seguros Generales, Sociedade Anónima de Seguros e Reaseguros, ambas as sociedades constituídas e existentes segundo a lei espanhola, com a cessão parcial de carteiras dos Ramos “Vida” e “Não Vida”, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002, prosseguindo a dita Companhia Europeia de Seguros, toda a actividade que aquelas Sucursais vinham desenvolvendo, e a consequente extinção destas;
Consequentemente, em aumentar o capital da mesma sociedade para € 24.348.750,69, devendo o aumento de € 104,74 ser realizado integralmente por entradas em espécie, pelas referidas accionistas, mediante a emissão de duas novas acções nominativas, com o valor nominal de € 52,37, cada uma, sendo subscritas, uma por cada uma das ditas accionistas - cfr. mesmo processo;
i)Este aumento do capital social da sociedade Companhia Europeia de Seguros, foi inscrito na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap. 22/021230 – cfr. mesmo processo;
j)Por requerimento de 21 de Maio de 2003, a empresa HISPANOWIN, S.A., invocando o disposto no art.º 102.º n.º5 do Código de Valores Mobiliários, veio requerer o registo de transmissão das acções n.º1 a n.º 464.937, da Companhia Europeia de Seguros, de que é titular, a favor de L... I...Ibéria, S.L., Soc. Com., com sede em Calle Obenque n.º2, Madrid, Espanha – docs. de fls 116 e segs dos autos;
l)Por despacho de 16.5.2003, proferido pelo Director Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, foi emitido o Alvará de Licença de Utilização n.º 754, do prédio sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, n.º 6, na freguesia de Coração de Jesus, em Lisboa – docs. de fls 173 e segs;


4. O direito.
4.1. O deferimento tácito.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contecioso.

A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.

Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.

Por este último Dec-Lei, aplicável ao caso, tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar-se com as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a)...
b)Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma sociedade residente num estado membro da união Europeia, que preencha as condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho, verificando-se em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c)...
...
7 – O requerimento referido no n.º1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
...
A norma daquele n.º7 veio ainda a ser objecto de nova alteração legislativa pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003), tendo vindo alargar o prazo para se produzir o deferimento tácito para seis meses.

E a do art.º 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado Dec-Lei n.º 198/2001:
1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
...

É discutida na doutrina a verdadeira natureza do acto tácito - ou acto silente na linguagem da escola Coimbrã - defendendo uns que tal acto é um verdadeiro acto administrativo, constituindo portanto uma conduta voluntária da Administração e outros, que se trata apenas de um mero pressuposto do recurso contencioso, logo não havendo qualquer conduta voluntária (1) e para outros ainda, que se trata de um mero pressuposto de impugnação ou uma mera ficção legal de efeitos exclusivamente processuais ´(2).
Segundo a jurisprudência dominante na 1.ª Secção do STA (reafirmada no acórdão de 28.9.1995, recurso n.º 35 289), a figura do indeferimento representa uma ficção criada pelo legislador com exclusivas finalidades adjectivas: ele não é nem um verdadeiro acto administrativo ficto, mas tão-só um expediente criado com a única finalidade de permitir aos particulares impugnar comportamentos omissivos da Administração (3).

Tendo a lei vindo expressamente tratar tal acto tácito em algumas das suas manifestações, reconhecendo-lhe os efeitos de um verdadeiro acto administrativo expresso para alguns fins, a sua verdadeira natureza conceptual deixa aqui de ter interesse bem como a opção por uma ou outra das posições doutrinárias.
Na verdade, as normas dos art.ºs 3.º e 4.º do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho e 9.º, 108.º e 109.º do CPA, contém a disciplina (ainda que numa sua parte apenas), do acto tácito e a sua relação, quer com a sua impugnação judicial, quer com o acto expresso que vier a ser proferido, onde se poderá concluir que um acto tácito de indeferimento é ilegal, não por existir silêncio da Administração onde a lei lhe impunha acção, mas sim por dever ser deferida a pretensão do interessado quando ela lhe foi indeferida (tacitamente).

A norma do art.º 9.º n.º2 do CPA, no procedimento administrativo, impõe à Administração, face às petições de particulares, um dever de decisão; fora dele, apenas impõe um dever de resposta, tendo assim o legislador utilizado no n.º2 o conceito de decisão, e referindo-se o n.º1 ao dever de pronúncia.
O princípio da decisão aqui vigente carece de ser realçado no sentido de que a Administração profere decisões nos procedimentos que são submetidos à sua apreciação, não lhe sendo lícito agir sobre as situações em causa mediante medidas, operações ou acções materiais (ou técnicas), que não sejam suportadas em anterior acto jurídico.

A formação do acto tácito de deferimento que tem lugar essencialmente no âmbito dos licenciamentos e autorizações – cfr. art.º 108.º do CPA.º - consiste na autorização ou aprovação propostas ou requeridas pelo particular e forma-se mediante o silêncio do órgão competente para decidir, durante determinado prazo sem que nada diga.
Trata-se, para todos os efeitos, de um acto administrativo, correspondente àquele que resultaria de a Administração ter decidido expressamente “aprovo” ou “autorizo”. Ou seja, noutra perspectiva, o exercício do direito pelo requerente fica, a partir daí, administrativamente descondicionado (mesmo não havendo acto expresso descondicionante).
Não nos parecem muito significantes as diferenças entre as duas concepções ou perspectivas referidas, garantindo-se em ambos os casos uma tutela directa da posição ou pretensão substantiva do particular, que é, afinal, o que se pretende.
Ele pode, na verdade, exigir do órgão requerido – e de terceiros – o respeito pelo acto praticado ou produzido, isto é, a atribuição e o reconhecimento dos efeitos jurídicos consequentes dessa aprovação ou autorização: pode, nomeadamente, exigir que lhe sejam passadas certidões respeitantes à produção do acto tácito os as licenças de execução que ele implica. Por outro lado, se o órgão requerido quiser indeferir a pretensão formulada, depois de formulado o deferimento tácito, tal acto é uma revogação de um anterior acto constitutivo – tanto, nos casos de procedimentos particulares como nos procedimentos públicos -, só podendo, portanto, ocorrer com fundamento em ilegalidade e dentro do prazo previsto na lei, para o efeito.
E no caso de a Administração adoptar um comportamento que consubstancie uma denegação (ilegal) do acto de deferimento tácito, ao particular é permitido socorrer-se da acção para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo (69.º da LPTA), que, nesta circunstância, se prefigura como meio processual idóneo e adequado para assegurar a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa, pondo fim a todas as dúvidas sobre a sua titularidade.
Assinala-se também que há domínios onde não é admissível tirar da configuração legal do acto de deferimento tácito como acto administrativo, todas as implicações que dogmaticamente ele comporta, mas só por se lhe oporem interesses juridicamente muito mais poderosos: assim, por exemplo, o deferimento expresso posterior à produção do acto de deferimento tácito, sendo embora acto confirmativo deste, é passível de recurso contencioso, se os contra-interessados não tomaram conhecimento da formação do acto tácito – como aliás acontece, embora provavelmente com nuances, em relação ao comum dos actos confirmativos(4).
...
Embora com esta figura não se pretenda tutelar ex lege uma situação ou posição jurídico-substantiva do particular, como acontecia no caso do deferimento tácito, ela visa, ainda assim, a protecção de interesses seus. A tutela do interesse do requerente projecta-se aqui, porém, apenas num plano instrumental (ou reactivo): a falta de decisão administrativa não corresponde a um “indefiro” que estivesse escrito no acto, ou seja, à denegação da pretensão formulada, não tem os mesmos efeitos desse “indefiro”, mas permite ao requerente presumi-lo, para assim poder obter, em sede de impugnação, uma decisão correctiva daquela que faltou.
Enquanto nos casos do art.º 108.º haveria sempre um acto administrativo com os seus efeitos normais e plenos, já no indeferimento tácito só se presume a existência de um acto para efeitos de exercício do respectivo meio de impugnação: é, pois, uma faculdade dada ao requerente de presumir a existência de um indeferimento para, ao menos assim, poder suscitar a tomada de decisões administrativas ou contenciosas, que supram a falta de decisão administrativa primária...
Se, pelo contrário, o interessado opta por não presumir indeferida (tacitamente) a sua pretensão, então deve entender-se que a Administração está (ainda) constituída no dever de decidir, não havendo, portanto, lugar à extinção do procedimento, ao contrário do que sugere a inserção do indeferimento tácito (com esta configuração) nesta Secção do Código (5)...

Além da revogação por inconveniência dos actos válidos, há, portanto, também, a revogação por ilegalidade ou invalidade, isto é (a revogação anulatória ou ) a anulação administrativa do acto ilegal: os actos feridos de invalidade são anuláveis pela Administração, mediante acto administrativo.
...
A redacção do preceito do n.º1 sugere que os actos inválidos só são revogáveis por invalidade – e os AA. do Projecto justificam a solução (ob. cit., pág. 217) por “não fazer sentido invocar a inconveniência (se) o acto constitui um modo ilícito de prosseguir o interesse público”.
Quando se conhece e tem a certeza sobre a invalidade do acto, claro, a solução legal é a única admissível. Mas pode suceder que a invalidade passe desapercebida ...e se revogue o acto inválido pela sua inconveniência para o interesse público, ignorando estar ele afectado de ilegalidade. Face ao art.º 141.º, n.º1, isso seria ilegal, o que pode não ser nada razoável, como esclarece Vieira de Andrade.
Estando a ilegalidade do acto revelada e acertada no procedimento da sua revogação anulatória, então, sim, a proibição de o revogar por inconveniência compreende-se, até para evitar que a Administração retirasse os seus efeitos ex nunc, apenas para o futuro.
...
A verdade, porém, é que as razões que levaram o legislador a considerar excepcionalmente (no n.º2 do art.º 140.º) a possibilidade de revogação por inconveniência de actos constitutivos de direitos válidos, levariam a que se adoptasse a mesma solução para os casos avançados por aquele administrativista, respeitantes aos actos inválidos desfavoráveis ou com a concordância dos interessados e ainda para a hipótese da má fé destes (pelo menos no encobrimento da ilegalidade) – hipótese que sai reforçada, agora, com o art.º 6.º-A do Código -, casos a demandar, todos, uma consideração especial em matéria da regra da revogabilidade dentro do prazo do recurso (6).
...

No caso, como o procedimento se encontrava ainda em curso à data em que entrou em vigor a lei que fixou um prazo mais longo para se operar o deferimento tácito – seis meses – é este o prazo aplicável, contado desde o seu termo inicial ou terminus a quo, nos termos do disposto no art.º 297.º n.º2 do Código Civil, no que as partes não se mostram de acordo, pugnando a autora por ser o prazo de três meses para se produzir tal efeito e a entidade demandada por ser o de seis meses, não se encontrando também de acordo quanto à forma de se proceder à respectiva contagem.
É que a ora autora com o seu pedido de transmissão de prejuízos fiscais não entregou todos os documentos necessários para dar a conhecer à AT o perfeito conhecimento da operação visada, tanto nos seus aspectos jurídicos como económicos, como se dispõe na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, tendo por esse efeito tal prazo apenas se iniciado e começado a correr quando o processo se completou com todos os elementos previstos no seu n.º2, ex vi do n.º7 do mesmo artigo, ainda que nem todos os elementos solicitados pela AT à ora autora possam constituir seus pressupostos e condicionar esse deferimento.

É o caso da certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social, que apenas foi tornado exigível pelo Dec-Lei n.º 229/02, de 31 de Outubro, ao acrescentar ao EBF a norma do art.º 11.º-A, onde tal se exige, a qual apenas deve ser aplicável para os pedidos formulados depois da sua entrada em vigor, já que tal direito da contribuinte foi exercido em data anterior à entrada em vigor da mesma, nos termos do n.º3 do art.º 12.º da LGT. De contrário, se publicadas diversas leis durante o procedimento administrativo com exigências diversas, retardaria excessivamente a formação do acto tácito, frustando as legítimas expectativas dos contribuintes que com que as mesmas não contavam à data em que formularam o respectivo pedido.
Esta interpretação é também a que resultaria da norma do art.º 12.º n.º2 do CC (1.ª parte), já que a nova lei veio dispôr sobre um dos requisitos formais necessários para a obtenção de um benefício fiscal em que só se destinará a aplicar aos novos pedidos formulados depois da entrada em vigor da mesma lei. O oposto, seria se a lei abstraísse dos efeitos para que tal certidão devesse ser entregue, em que já se aplicaria a todos os casos ainda não decididos, mesmo que anteriores à data da entrada em vigor dessa lei (2.ª parte do mesmo n.º2 do citado art.º 12.º).
Aliás, a interpretação pretendida pela AT da norma do art.º 11.º-A, mesmo que tal norma fosse de qualificar como de meramente processual, o que não se nos afigura, mas apenas se aceita como mera hipótese de raciocínio, redundaria numa interpretação retroactiva desse preceito, ao exigir-se que a requerente entregasse uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social e que tal entrega também se integrasse nos elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, prevista naquele art.º 69.º n.º2 do CIRC, que só mais tarde veio a ser obrigatória, violadora das normas dos art.ºs 12.º da LGT e 12.º do Código Civil, que enunciam que a lei só dispõe para o futuro.

Mas mesmo que tal norma fosse ainda de qualificar como de meramente processual, em todo o caso e para não fazer uma aplicação retroactiva da mesma, então o que haveria a fazer seria de suspender o prazo em curso para se produzir o deferimento tácito, em obediência ao disposto no n.º8 do citado art.º 69.º do CIRC, entre a data que a AT solicitou tal certidão à ora autora e a data em que a mesma a entregou – 14.4.2003 e 28.5.2003 - e não como fez a AT que inutilizou todo o prazo decorrido até essa entrega, tendo passado a contar desde então um novo prazo.

E como aqui bem invoca a autora, nem a AT na sua circular 6, de 2.4.2002, da Direcção de Serviços do IRC, indica entre os elementos que devem acompanhar o pedido de transmissibilidade de prejuízos, a referida certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social (nem poderia, porque tal circular será de data anterior à da entrada em vigor da citada norma do art.º 11.º-A, ainda que tal circular seja citada pela AT na informação sobre que recaiu o despacho impugnado).
Com efeito, pode ler-se da mesma quanto aos documentos necessários:
...
a)Cópia do projecto de fusão;
b)Estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação de fusão;
c)Cópia do parecer do ROC independente;
d)Cópia do pedido de registo da operação na Conservatória do Registo Comercial competente
e)Informação sobre os lucros previsíveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante para os seis exercícios seguintes ao da operação;
f)Cópia dos balanços e das demonstrações de resultados de todas as sociedades envolvidas na operação referentes aos três exercícios anteriores ao da operação;
g)Cópia dos balanços e das demonstrações de resultados previsionais para os três exercícios seguintes ao da operação da nova sociedade ou da sociedade incorporante.

O disposto nestas alíneas é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos de cisão e de entradas de activos referidos no nº3 do artigo 69º do Código do IRC.

Mas o mesmo não sucede com a não entrega conjuntamente com o pedido formulado, da cópia da escritura de aumento do capital social da ora autora. É que esse aumento do capital social não poderia deixar de ser perspectivado na estratégia da operação visada pela mesma, nos seus aspectos jurídicos e económicos, tendo em vista preencher o estalão legal das razões económicas válidas, contidas na norma do n.º2 do citado art.º 69.º.
Como tal cópia foi solicitada à ora autora em 16.12.2002 e esta a remeteu em 16.1.2003, é apenas a contar desta data que o pedido foi instruído com todos os elementos aptos a tomar a decisão final, pelo que só então se pode iniciar a contagem desse prazo de seis meses, marcando assim o termo inicial ou terminus a quo, como se dispõem nas normas dos art.ºs 69.º, n.ºs 1, 2 e 7 do CIRC.

Temos assim, que o período de tempo decorrido desde 17.1.2003 até 15 de Julho do mesmo ano, perfaz o período de seis meses para operar o prazo de deferimento tácito, tendo ocorrido a formação de tal acto tácito nesta mesma data de 15.7.2003, em data muito anterior assim, à da prolação do despacho expresso também em causa (ou admitindo a suspensão do prazo durante o período em que não foi entregue a referida certidão, o que apenas se admite como mero exercício de raciocínio, como antes se disse, tal acto tácito ter-se-ia formado em 27.8.2003).

A posterior transmissão das acções representativas do capital social da ora autora para a empresa espanhola do grupo Liberty Mutual Group, ocorrida em 21 de Maio de 2003, como facto posterior à da entrega dos elementos para a apreciação do pedido da transmissão dos prejuízos fiscais, ainda que anterior ao momento em que ocorreu o deferimento tácito, nenhum efeito poderá ter para a sua formação e nem a AT tomou em conta esse facto novo para efeitos de contagem do prazo do deferimento tácito por o momento a partir do qual se começaria a contar o prazo levanta algumas dúvidas, como se refere na referida informação, no seu ponto 10. in fine, mas tão-só o considerou como “elemento importante para a apreciação do pedido em causa, concretamente, no que respeita à avaliação do interesse económico”, e insista que tal informação deveria ter sido prestada pela requerente à AT, no âmbito desse procedimento – cfr. mesma informação, no parágrafo imediatamente anterior.


Procede assim, o fundamento desta acção de ocorrência de deferimento de acto tácito de concessão de dedução de prejuízos.


4.1. Como antes se afirmou, os actos administrativos que sejam inválidos, podem ser revogados pela entidade que os praticou ou pelos respectivos superiores hierárquicos, desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno, por um posterior acto administrativo, de sentido contrário ao primeiro, havendo assim, portanto, para além da revogação por inconveniência dos actos válidos, também, a revogação por ilegalidade ou invalidade, isto é, a revogação anulatória, a anulação administrativa do acto ilegal: os actos feridos de invalidade são anuláveis pela Administração, mediante acto administrativo (7) - 141.º e 142.º do CPA.
Com refere Vieira de Andrade(8), a revogação dos actos inválidos, é, porém, algo de juridicamente bem distinto, funcional e estruturalmente, da revogação por conveniência administrativa (ou por razão de interesse público), o que, nem sempre se reflecte nas soluções do Código.

No mesmo sentido dispõe a norma do art.º 79.º n.º1 da LGT ao enunciar:
O acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão.
E a do art.º 12.º n.º4 do EBF ao enunciar:
É proibida a revogação do acto administrativo que concede um benefício fiscal, bem como a rescisão unilateral do respectivo acordo de concessão, ou ainda a diminuição, por acto unilateral da administração fiscal, dos direitos adquiridos, salvo se houver inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto poderá ser revogado dentro do prazo legal.
Também João Menezes Leitão, se pronuncia no mesmo sentido na conclusão 4) do parecer junto ao processo instrutor ao mencionar:
Um deferimento tácito produzido ao abrigo do art.º 69.º, n.º7 do CIRC pode ser revogado por ilegal, designadamente por não satisfação dos pressupostos legais estabelecidos pelo art.º 69.º, n.º2 do CIRC, podendo ainda ter lugar a aplicação da cláusula anti-abuso.

No caso, se o deferimento tácito foi produzido ilegalmente, por erro nos pressupostos, de facto ou de direito, então caberia ali, não o deferimento, mas sim o indeferimento da pretensão da requerente, resultando tal acto (tácito) ferido na sua validade pelo vício de violação de lei, e sendo como tal, anulável, por posterior acto administrativo, nos termos supra citados, não tendo o acto expresso, sequer, colocado a hipótese de tal acto tácito ser legal e não obstante, pretender revogá-lo.
Assim, passamos a apreciar se a requerente preencheu todos os requisitos par que lhe fosse deferida a requerida dedução dos prejuízos fiscais das referidas Sucursais a integrar nesta e a extinguir.

Como antes se viu, a concessão da autorização encontra-se dependente do preenchimento dos vários requisitos enunciados na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, como seja a de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos, iniciando a norma pelo pano de fundo pretendido atingir pela fusão – razões económicas válidas – seguindo depois com um quadro exemplificativo onde é suposto apreender tais razões económicas válidas, como sejam nos casos de reestruturação ou racionalização, com efeitos positivos na estrutura produtiva, etc.
Este conceito de razões económicas válidas, tem assim de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas ainda assim, havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários, como parece confundir a autora, não sendo por isso de conhecer dos assacados vícios do acto expresso articulados na petição inicial desta acção, no pressuposto de que o posterior acto expresso fosse ilegal, por se encontrar afectado do típico vício de desvio de poderes, por violação do fim que o legislador lhe atribuíra.
Diferente, seria se o legislador tivesse optado por atribuir à Administração, entre os vários interesses aptos para a satisfação do interesse público, aquele que, no momento, melhor o satisfazesse, em que já lhe deixava nas mãos a escolha entre os vários comportamentos possíveis a adoptar, onde existiria a discricionariedade administrativa (9).

Como refere, Mário Esteves de Oliveira (10), também não temos dúvidas de que na interpretação da lei, não goza o intérprete – seja ele um juiz, um órgão administrativo ou a doutrina – de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade.
No poder discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal, enquanto que a interpretação só pode conduzir a um sentido ou comportamento – o que for querido pelo legislador ou pela lei.
...
Quando a lei administrativa, nomeadamente para a definição dos pressupostos da actividade administrativa, remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência (Medicina, Química, Física, Engenharia, Economia, Sociologia, etc.), tem o órgão administrativo que recorrer aos ensinamentos destes para determinação do conteúdo da lei.
De facto, as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.

Como consta na matéria da alínea d) do probatório, o fundamento por que foi indeferido o pedido de dedução de prejuízos fiscais (e revogado o despacho de deferimento tácito que o concedera), foi o de não preenchimento do pressuposto legal de razões económicas válidas, tendo a operação em vista, principalmente, motivações de ordem fiscal, já que a entrada de activos para a sociedade incorporante, seguida da imediata alienação das partes de capital recebidas em troca, não se insere numa estratégia de redimensionamento, de continuidade da actividade, em que o objectivo era, ab initio, efectivamente, esta própria alienação das Sucursais, não fazendo sentido aplicar-se-lhes o regime especial da neutralidade fiscal e a inerente transmissibilidade de prejuízos.
A manifesta vantagem fiscal no caso, reside em que a sociedade que realiza a entrada de activos, passou a reportar os prejuízos para a sociedade incorporante, o que não aconteceria numa venda pura e simples das Sucursais em causa, e por outro lado, transformar os eventuais resultados derivados da alienação do património das mesmas Sucursais em mais-valias mobiliárias, com o aproveitamento do regime de isenção de imposto do art.º 26.º do EBF.

A esta fundamentação do acto em causa, contrapõe a autora o seguinte:
Que aquando da apresentação do pedido de dedução dos prejuízos fiscais ainda não se encontrava projectada a alienação do capital social da autora, tendo sido essa reestruturação que por si só lhe aumentou o seu valor e justificou o interesse do Liberty Mutual Group;
Também se o único objectivo da autora fosse obviar em Portugal à tributação de eventuais resultados derivados da alienação das Sucursais, para tanto, não seria necessária a prévia operação de entrada de activos, porque as mais–valias obtidas na alienação das mesmas também não seriam tributadas face ao reporte dos prejuízos acumulados por cada uma delas;
Mas mesmo que tal operação visasse, também, conjuntamente, um fim de natureza fiscal, nem assim seria de excluir o benefício, porque tal conceito de razão económica válida, deve ser entendida na acepção do art.º 11.º da Directiva n.º 90/434, não como excluindo, mas sim como indo além da procura do benefício puramente fiscal;
Que o legislador português para a aplicação do regime de neutralidade fiscal, não exige a manutenção, por um período determinado de tempo, na mesma entidade, da titularidade do capital social.

Vejamos então cada um desse argumentos.
Desde logo, cabe referir e precisar que não ocorreu uma imediata alienação das partes de capital recebidas em troca, como consta na fundamentação do próprio despacho proferido (expresso), mas sim em 21 de Maio de 2003 (passados assim cerca de cinco meses, desde a data em que se realizou a operação de entrada de activos), é que a ora autora vendeu a quase totalidade do seu capital social a uma sociedade de direito espanhol integrada no grupo Liberty Mutual Group.
Por outro lado, como consta na fundamentação do mesmo acto, já no ano de 2000, era intenção do grupo onde a autora se inseria, reestruturar a sua presença em Portugal, mediante a transferência da actividade das Sucursais das sociedades de direito espanhol para a Europeia, tendo apresentado um pedido de isenção do imposto de sisa e do imposto do selo, que lhe foi deferido, só não se tendo a operação realizado nesse ano de 2000, por motivos relacionados com a necessidade de proceder à prévia regularização do imóvel no qual se encontra instalada a sede da Europeia, cujo alvará de licença de utilização só foi deferido em 16.5.2003 (doc. de fls. 173). Assim, não se pode concluir como na fundamentação do despacho proferido, que o objectivo da operação era, ab initio, o da alienação das Sucursais, faltando-lhe prova nesse sentido, antes apontando a prova junta aos autos, para uma efectiva operação de redimensionamento empresarial entre as ditas Sucursais e a ora autora, que já no ano de 2000 manifestara intenção de pretender efectuar, não se podendo concluir assim, pelas motivações, principalmente, de ordem fiscal.
Acresce que, como bem refere a autora, também as mais-valias, eventualmente obtidas na venda pura e simples das Sucursais, sempre não seriam tributadas face ao reporte dos prejuízos acumulados em cada uma delas (art.º 42.º do CIRC), não havendo por aí nenhuma necessidade desta operação justificante, da entrada de activos para aproveitar a isenção das mais-valias obtidas (art.º 26.º do EBF).
Também, o legislador para aplicação do princípio da neutralidade fiscal (art.º 68.º do CIRC, na redacção do mesmo Dec-Lei n.º 221/2001) não veio exigir a manutenção, por um período determinado de tempo, na mesma entidade, do capital social, como acontece por ex. no art.º 38.º n.º3 do CIRS (redacção da chamada reforma fiscal), em que veio qualificar tal entrada de capitais como ganhos empresariais ou profissionais, se tal transmissão ocorresse antes de decorridos cinco anos.

Também não se pode acompanhar a fundamentação do despacho recorrido na parte em que por efeito da venda de 99,99% do capital social da Europeia pela anterior titular à sociedade de direito espanhol L... I...Ibéria, S.L., Soc. Com., com sede em Calle Obenque n.º2, Madrid, Espanha, tenha deixado de existir uma continuidade desta empresa na prossecução do seu objecto social, tendo deixado de realizar o interesse económico que com aquela estratégia de incorporação se visava atingir.
Como é bem de ver, essa estratégia empresarial da autora, de continuidade do exercício da actividade em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócios das referidas Sucursais, que constituem o fundamento da operação da entrada de activos e justificam a concessão do referido benefício, tanto se pode obter mantendo a mesma a titularidade das suas acções no mesmo grupo empresarial ou tendo outro grupo empresarial procedido à sua aquisição. Na verdade, desde que a empresa continue a exercer a sua actividade empresarial em Portugal dentro desse quadro alargado em resultado da extinção da actividade das referidas Sucursais e por esse efeito tenha reduzido os custos e optimizado os ganhos, por força dessa operação de entrada de activos e consequente extinção das Sucursais, como se reconhece na fundamentação do mesmo despacho que no caso ocorreu, continua a existir uma estratégia empresarial de continuidade da sua actividade, e que não poderá deixar de se inserir na promoção da competitividade da empresa, escopo confesso do legislador contido no preâmbulo do citado Dec-Lei n.º 221/2001, independentemente de quem, em cada momento, seja titular do seu capital social.

Em suma, não se podendo concluir que tal operação teve por fim, essencial ou primacial, de aproveitamento de benefícios fiscais, para além, naturalmente, dos eventuais e correlativos benefícios fiscais directamente dependentes da operação em causa, nos termos da Directiva n.º 90/434CEE do conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão do Tribunal de Justiça C-28/95, de 17 de Julho de 1997, cuja cópia se encontra no processo instrutor, e ambas as partes também se encontram de acordo nesta interpretação, e que tal operação não pode deixar de ter efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, com um evidente decréscimo de custos e um reforço dos capitais da Europeia, como se fundamenta no despacho proferido, é tal operação de qualificar como tendo sido realizada por motivos económicos válidos, numa estratégia de médio e longo prazo, sendo por isso merecedora de que os prejuízos das sociedades extintas (Sucursais) possam ser deduzidos dos lucros tributáveis da sociedade incorporante, como aliás, a mesma Exma técnica economista se pronunciou na primeira das informações produzidas, com o n.º 1369/2003 (cfr. alínea b) do probatório), sendo o mesmo de dizer que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC, com o deferimento do peticionado pela autora e sendo de anular o despacho recorrido que em sentido contrário decidiu.

Anulado que é o posterior acto expresso e não se verificando a ilegalidade do acto de deferimento tácito, bem como não se colocando em causa sequer a sua eventual anulação por este acto ora anulado na perspectiva de que o deferimento fosse válido, já que a fundamentação do acto expresso apenas contemplava a hipótese da invalidade desse mesmo acto tácito, não se vê necessidade de produzir qualquer fundamentação neste sentido (de possível anulação do acto tácito de deferimento legal por ulterior acto expresso de sentido contrário, art.º 140.º do CPA), continua a existir na ordem jurídica, como acto válido de deferimento dos benefícios requeridos, o referido acto tácito de deferimento.


B. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar procedente a presente acção administrativa especial e em anular o acto expresso recorrido, e em declarar válido e legal o referido acto tácito de deferimento.


Custas pela entidade demandada, fixando-se a taxa de justiça em quatro UCs e a procuradoria em 1/8 - art.ºs 73.º-D n.º3 e 41.º do CCJ.


(1) Cfr. quanto a tal problemática Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lições aos alunos do Curso de Direito, em 1988/89, pág. 271 e segs, e Mário Esteves de Oliveira, Lições proferidas durante o ano lectivo de 1979/80, aos 3.º e 4.º anos da licenciatura em Direito, Universidade de Lisboa, 664 e segs.

(2) Cfr. neste sentido, Rui Machete, in Estudos de Direito Público em Honra do Prof. Marcello Caetano, pags. 165,472 e 474; Vasco Pereira da Silva, in A natureza jurídica do recurso directo de anulação, pág. 41 e Osvaldo Gomes in Revogação Implícita dos actos tácitos positivos, Separata do BMJ n.º 244.

(3) Cfr. neste sentido, o voto de vencido do Exmo Conselheiro Mário Torres, aposto no acórdão n.º 37 959, de 23.5.1996, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º1, Janeiro/Fevereiro de 1997, pág. 50 (1.ª coluna).

(4) In Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Almedina, pág. 484.

(5) In mesmo Código Anotado, pág. 490

(6) In mesmo Código Anotado, págs. 681 e 682.

(7) In mesmo Código Anotado, pág. 681.

(8) In “A Revisão”..., pág. 54.

(9) Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Lições ..., pág. 339 e segs, onde claramente distingue entre poderes vinculados e poderes discricionários.

(10) Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Lições...,págs. 346 e segs.

Lisboa, 01/02/2005

Eugénio Sequeira (Relator)
Francisco Rothes
Jorge Lino