Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02683/07
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:06/28/2007
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO EXPRESSA POSTERIOR
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INTIMAÇÃO JUDICIAL PARA PASSAGEM DE ALVARÁ DE UTILIZAÇÃO
Sumário:I - O deferimento tácito relativo ao licenciamento de obras particulares realizadas em imóveis classificados em sede de protecção e valorização cultural, não pode violar normas imperativas de interesse e ordem pública (artigo 43º nº 4 da Lei nº 177/2001 de 28 de Setembro).
II - Verificando-se tal situação, o deferimento tácito pode ser revogado por acto expresso posterior.
III - Essa revogação conduz, necessariamente à improcedência do pedido de intimação judicial para passagem de alvará de utilização das obras ilegalmente realizadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juízo do TCA Sul


1. Relatório.
Álvaro ... advogado, com escritório na Rua ..., na Ribeira Grande, intentou no TAF de Ponta Delgada, contra a Câmara Municipal da Ribeira Grande, acção administrativa de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, pedindo a intimação da Ré a entregar ao A. o alvará de utilização do imóvel sito na Rua ..., na Ribeira Grande.
Por decisão de 16.04.2007, o Mmo. Juiz "a quo" julgou a acção improcedente.
Inconformado, o A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA, em cujas alegações formulou as conclusões seguintes:
1ª) A decisão recorrida propugna a impossibilidade de deferimento tácito nos casos em que os mesmos substituem pareceres vinculativos, por entender que tal deferimento tácito violaria normas de carácter imperativo e, consequentemente, seria nulo;
2ª) Salvo o devido respeito e melhor opinião, este entendimento é expressamente afastado pelo legislador na parte em que este reconhece a figura do deferimento tácito no dispositivo normativo que na Região Autónoma dos Açores regula e condiciona os actos de licenciamento e pareceres vinculativos da Administração Central: Decreto Legislativo Regional nº 29/2004/A, de 24 de Agosto
3ª) De harmonia com o disposto no art. 35 nº 6 deste diploma, as obras públicas realizadas em imóveis protegidos consideram-se como merecendo despacho favorável nos casos em que não seja emitido parecer no prazo de dois meses;
4ª) Ao contrário do propugnado pela douta decisão recorrida, o instituto do deferimento tácito opera mesmo nas situações em que procedente ao mesmo se encontra um parecer vinculativo do licenciamento, reconhecendo o legislador que o interesse público não é insusceptível de deferimento tácito;
5ª) Nos termos do disposto no art. 19º do REJUE, o parecer prévio da Administração Central apenas assume carácter vinculativo desde que emitido oportunamente sob pena de deferimento do requerido pelo cidadão;
6ª) No caso “sub judice”, tal parecer vinculativo não respeitou o desiderato da oportunidade, pelo que, mercê do preceituado no artigo 9 dessa norma e diploma legislativo, a pretensão do recorrente deveria ter sido deferida.
7ª) Ao assim não ser entendido, a decisão recorrida deverá ser qualificada como enfermando de vício de violação de lei.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
A Digna Magistrada do MºPº emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
x x
2. Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade relevante:
a) Nos Serviços da Ré, Câmara Municipal da Ribeira Grande, corre termos o processo de licenciamento nº 81/2003, iniciado a 23.03.2005, com vista à legalização das obras que o A. realizou no seu prédio sito na Rua ..., na Ribeira Grande, inscrito na matriz da freguesia da Matriz sob o art. ... (cfr. docs. de fls. 10, 15 a 18 e 49 dos autos);
b) Após a apresentação de elementos complementares pelo A. em 12.08.2005, a Ré remeteu o processo, em 26.08.2005, à Direcção Regional da Cultura para emissão de parecer, por o edifício do A. estar em área de protecção de imóvel classificado (cfr. docs. de fls. 50, 51 e 52 dos autos);
c) Que se pronunciou negativamente, por despacho do Director Regional da Cultura, com competência delegada, datado de 20.09.05;
d) Situação essa comunicada à Ré em 7 de Outubro seguinte;
e) Que, assim, indeferiu o pedido de licenciamento;
f) A presente acção administrativa especial foi instaurada em 27.03.2007.
x x
3. Direito Aplicável
Para julgar improcedente a acção o Mmo. Juiz "a quo" expendeu, nomeadamente, o seguinte:
“É certo que, nos termos do artigo 19º nos 8 e 9 do mencionado Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (aprovado pelo Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro e profundamente alterado pelo Dec. Lei nº 177/2001, de 4 de Junho), pode haver deferimento tácito de pretensões de particulares se as entidades consultadas não se pronunciarem no prazo de 20 (vinte) dias ou do fixado em legislação especial.
Este regime não pode, no entanto, funcionar em todas as circunstâncias, pois é logo esse mesmo nº 9 a salvaguardar o disposto em legislação específica. Doutra maneira se poderiam criar situações de todo indesejáveis, desde logo sendo assim aprovadas pretensões completamente ilegais e violadoras de interesses públicos de manifesta superioridade em relação a tal preocupação de celeridade. Por isso é que os particulares que se sintam lesados pela demora da Administração se podem socorrer do regime de intimação previsto no artigo 112º do RJUE o que o A. veio fazer”.
Partindo desta observação, o Mmo. Juiz "a quo" verificou ainda que (...) “o projecto apresentado, tal qual está, iria violar as normas relativas às zonas de protecção de um imóvel classificado, nos termos do artigo 43º nº 4 da Lei nº 107/01, de 8 de Setembro (que fixa as bases de política e do regime de protecção e valorização do património cultural móvel e imóvel da Região Autónoma dos Açores), como se afirma no parecer da Direcção Regional da Cultura”.
Ou seja, o deferimento expresso ou tácito do projecto em causa iria contrariar normas de caracter imperativo e seria nulo, nos termos do artigo 203º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro diploma que desenvolve as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo e inclui os PDM como um dos seus instrumentos de acção (artigos 1º e 2º nº 4, al. b).
Insurgindo-se contra este entendindimento, nos termos das conclusões supra transcritas, o recorrente alega que, nos termos do Decreto Legislativo Regional nº 29/2004/A, de 24 de Agosto, as obras públicas realizadas em imóveis protegidos se consideram como merecendo despacho favorável nos casos em que não seja emitido parecer no prazo de dois meses, e que, ao contrário do propugnado pela decisão recorrida, o instituto do deferimento tácito opera mesmo nas situações em que precedente ao mesmo se encontra um parecer vinculativo de licenciamento, reconhecendo o legislador que “o interesse público não é insusceptível de deferimento tácito” (conclusões 3ª e 4ª).
Alega ainda o recorrente que, nos termos do artigo 19 nº 11 do REJUE, o parecer prévio da Administração Central apenas assume carácter vinculativo desde que emitido oportunamente, sob pena do deferimento do requerido pelo cidadão (conclusão 5ª).
Ora, conclui o recorrente, no caso “sub judice” tal parecer vinculativo “não respeitou o desiderato da oportunidade”, tendo sido emitido fora do prazo, pelo que, mercê do preceituado no nº 9 dessa norma e diploma legislativo, a pretensão do recorrente deveria ter sido deferida (conclusão 6ª).
Em suma, reconhecendo embora a natureza vinculativa do parecer da Direcção Regional da Cultura, o recorrente defende que, no caso concreto, o mesmo não foi emitido no prazo previsto na lei, pelo que tal vinculatividade não pode operar (artigo 19º nº 11 do REJUE).
Salvo o devido respeito, a tese defendida pelo recorrente não pode proceder, sob pena de serem violadas normas de interesse e ordem pública, que em termos de ponderação relativa se sobrepõem a exigências de celeridade.
Desde logo se nota que, nos termos do artigo 68º, alínea c), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Dec. Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, são nulas as licenças que não estejam em conformidade com os pareceres legalmente exigíveis.
E é certo que o parecer da Direcção Regional da Cultura, reconhecendo que o projecto apresentado pelo recorrente viola as normas relativas às zonas de protecção de um imóvel classificado, se pronunciou em termos negativos relativamente ao licenciamento em causa e à emissão da pretendida licença de utilização. Neste contexto, não pode defender-se que a pronúncia expressa da Administração fora do prazo de 20 (vinte) dias, nos termos do artigo 19º do REJUE possa admitir que tenha sido formado deferimento tácito em virtude do qual a Câmara Municipal da Ribeira Grande possa ser intimada a entregar ao recorrente o alvará de utilização do imóvel em causa.
Na verdade, o artigo 43º nº 4 do D.L. 197/01 preceitua que “As zonas de protecção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente”.
A mesma conclusão se pode retirar da leitura do artigo 54º do mesmo diploma legal, cujo nº 3 comina de nulidade os actos administrativos que infrinjam o disposto nos números anteriores, ou seja, que se mostrem contrários às exigências legais dos pareceres prévios emitidos, ofendendo normas imperativas.
Ora, como nota a Digna Magistrada do Ministério Público, no caso concreto, “Resultando que o prédio em questão se situa em zona de protecção de imóvel classificado (O Teatro Ribeiragrandense) não restam dúvidas, face a tais normativos, que a legalização das obras já realizadas e a licença de utilização requerida pelo ora requerente à ora recorrida dependia de parecer prévio favorável da Direcção Regional e que tal parecer é vinculativo, tendo o incumprimento do mesmo, por consequência, a nulidade do respectivo”.
Como tal parecer foi emitido, negativamente, apesar de comunicado à Câmara após o decurso dos vinte dias a que se reporta o artigo 19º, nos. 8 e 9 do Dec. Lei 555/99, de 6 de Dezembro, mesmo que se admitisse a tese de recorrente no tocante à formação de acto tácito de deferimento sobre o pedido de licenciamento das obras realizadas e da sua utilização, o certo é que tal pedido foi indeferido por acto expresso posterior, sendo, portanto, nulo. (cfr. os Acs. do STA de 19.11.03, P. 1503/03 e de 4.5.2000, P. 45986; Acs. TCAS de 27.01.05, Rec. 00462/04, in “Antologia de Acordãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo”, Ano VIII, nº 2, p. 229 e seguintes).
É de concluir, portanto, pela inexistência de qualquer acto que se mostre devido pela recorrida, que justifique a intimação da autoridade competente à prática de qualquer acto legalmente devido (art. 112º nº 1 do RJUE).

4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo A. em ambas as instâncias
Lisboa, 28.06.07
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa